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sábado, 11 de janeiro de 2014

Simbolismo na poesia em Portugal



 

Antônio Nobre

 

Enterro de Ophelia

 

 

Morreu, Vae a dormir, vae a sonhar... Deixal-a! 
(Fallae baixinho: agora mesmo se ficou...) 
Como padres orando, os choupos formam ala, 
Nas margens do ribeiro onde ella se afogou... 

Toda de branco vae, n'esse habito de opala, 
Para um convento: não o que o Hamlet lhe indicou, 
Mas para um outro, horror! que tem por nome Valla, 
D'onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!... 

O lindo Por-do-Sol, que era doido por ella, 
Que a perseguia sempre, em palacio e na rua, 
Vede-o, coitado! mal pode suster a vela... 

Como damas de honor, nymphas seguem-lhe os rastros, 
E, assomando no céu, sua Madrinha, a Lua, 
Por ella vae desfiando as suas contas, Astros! 

                            António Nobre, in 'Só'

 

 

 

 

 

 

Ah Deixem-me Dormir!

 

O Poeta 

Olá, bom velho! é aqui o Hotel da Cova, 
Tens algum quarto ainda para alugar? 
Simples que seja, basta-me uma alcova... 
(Como eu estou molhado! é de chorar...) 


    O povo 

    O luar averte as orvalhadas sobre a rua! 
    Jezus! que lindo... 

Vamos! depressa! Vem, faze-me a cama, 
Que eu tenho somno, quero-me deitar! 
Ó velha Morte, minha outra ama! 
Para eu dormir, vem dar-me de mamar... 


       A Sra Julia 

       São as Janeiras da Lua! 


O Coveiro 

Os quartos, meu senhor, estão tomados 
Mas se quizer na valla (que é de graça...) 
Dormem, alli, somente os desgraçados: 
Têm bom dormir... bom sitio... ninguem passa... 


    O Zé dos Lodos 

    A lua é a nossa vacca, ó Maria! 
    Mugindo... 

Ainda lá, hontem, hospedei um moço 
E não se queixa... E ha-de poupal-o a traça, 
Porque esses hospedes só trazem osso, 
E a carne em si, valha a verdade, é escassa. 


       O Dr. Delegado 

       A noite parece dia! 


O Poeta 

Escassa, sim! mas tenho ossada ainda, 
Emquanto que a alma, ai de mim! nada tem... 
Guia-me ao quarto... (a lua vae tão linda!) 
Dize-me: quantos annos me dás? Cem? 


    O Sr. Abbade 

    E esta? Em vez de trazer a opa que é de logar 
    Trouxe a d'anjinho! 


       A Mulher do Moleiro 

       É o luar, Sr. Abbade, é o luar... 

Oh cem! E os que eu não mostro e o peito guarda... 
Os teus mortinhos, sim! dormem tão bem: 
«Dormi, dormi! que vossa mãe não tarda, 
Foi lavar á Fontinha de Belem...» 


    O Astronomo 

    Isto lunar assim! Isto é o verao 
    De S. Martinho! 


O Coveiro 

Aqui. Fica melhor do que em 1^a: 
Colxão assim não acha em parte alguma! 
Os outros são de chumbo, de madeira, 
Mas este, veja bem, é sumauma... 


       O Cego do Cazal 

       Faz solzinho, que horas são? 


Cantando: 

«Colxão de raizes e de folhas, lizo, 
Lençoes de terra brandos como espuma, 
Dal-os-ei ao rol, no Dia de Juizo...» 
Prompto. Quer mais alguma coiza? Fuma? 


    Carlota 

    Ó luar, anda mais devagarinho! 
    Deixa dormir o meu menino... 
         Coitadinho! 


O Poeta 

Mais nada. Boas-noites. Fecha a porta. 
(Que linda noite! Os cravos vão a abrir... 
Faz tanto frio)! Apaga a luz! (Que importa? 
A roupa chega para me cobrir...) 


    A Mãe do Poeta 

    Aqui, espero-te, ha que tempo enorme! 
    Tens o logar quentinho... 

Toma lá para ti, guarda. E ouve: na hora 
Final, quando a Trombeta além se ouvir, 
Tu não me venhas acordar, embora 
Chamem... Ah! deixa-me dormir, dormir! 


          Deus 

          Dorme, dorme. 


António Nobre, in 'Só'

 

 

 

 

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