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sábado, 11 de janeiro de 2014

Poesia realista ibérica


 

 

REALISMO

Odes Modernas

Antero de Quental

 

Odes modernas, poesias de romantismo social, é o primeiro grande escrito público que rompe com o academismo e marca um período literário novo. É uma obra caracterizada pela ação social e pela irreverência, sendo a mais expressiva de toda a obra de Antero de Quental. É da fase realista propriamente dita da poesia anteriana, onde Antero adota um tom mais revolucionário. É a obra onde se manifesta a visão crítica do ultra-romantismo e de toda a sede de mudança do autor, causando, por conseqüência, uma grande agitação nas melancólicas e pouco inovadoras "hostes" ultra-românticas. 

Ao escrever as Odes Modernas, Antero de Quental pôs de parte os subjetivismos românticos e começou a olhar e palpar as realidades sociais que o cercavam. A obra oferece-nos uma interpretação evolutiva da história, faz considerações metafísicas acerca do homem e do Mundo, não ocultando uma aspiração de transformações sociais. É um conjunto de poesias que são precedidas de uma nota em prosa na qual escreveria: "A poesia moderna é a voz da revolução, é o nome que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século".

Na obra nota-se o engajamento de vertente político-filosófica influenciada pelos pensamentos de Platão e Proudhon, além da reflexão sobre o papel da poesia. Nela se encontra a visão do homem da modernidade, dilacerado entre fé e progresso, entre religião e socialismo, lançando uma perspectiva filosófica sobre a sociedade do Portugal do século XIX. Observe-se que o próprio título da obra parece indiciar a tônica da mesma: enquanto odes remete à orientação clássica, o adjetivo "modernas" aponta a perspectiva da modernização, uma das preocupações da Geração de 70, que tentara, com as Conferências do Cassino, reformar a mentalidade e a sociedade portuguesas.

A primeira edição das Odes Modernas, 1865 (prontas desde os anos de Coimbra de 1863), traz uma nota final Sobre a Missão Revolucionária da Poesia. Logo no primeiro parágrafo, a poesia é caracterizada como sendo "a confissão sincera do pensamento mais íntimo de uma idade", donde se infere que "a poesia moderna é a voz da Revolução - porque revolução é o nome que o sacerdote da história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século". Odes Modernas,  junto com Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras, de Teófilo Braga, é responsável por provocar a polêmica 
Questão Coimbrã.

Poema escolhido: Panteismo
I

Aspiração... desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e misteriosa...
A isto chamo eu vida: e, deste modo,


Que mais importa a forma? silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
Cm homem igualmente e astro e rosa!


A própria fera, cujo incerto passo
Lá vaga nos algares da devesa,
Por certo entrevê Deus – seu olho baço


Foi feito para ver brilho e beleza...
E se ruge, é que a agita surdamente
Tua alma turva, ó grande natureza!


Sim, no rugido há vida ardente,
Uma energia íntima, tão santa
Como a que faz trinar a ave inocente...


Há um desejo intenso, que alevanta
Ao mesmo tempo o coração ferino,
E o do ingénuo cantor que nos encanta...


Impulso universal! forte e divino,
Aonde quer que irrompa! e belo e augusto,
Quer se equilibre em paz no mudo hino


Dos astros imortais, quer no robusto
Seio do mar tumultuando brade,
Com um furor que se domina a custo,


Quer durma na fatal obscuridade
Da massa inerte, quer na mente humana
Sereno ascenda à luz da liberdade...


É sempre a eterna vida, que dimana
Do centro universal, do foco intenso,
Que ora brilha sem véus, ora se empana...


É sempre o eterno gérmen, que suspenso
No oceano do Ser, em turbilhões
De ardor e luz, envolve, ínfimo e imenso!


Através de mil formas, mil visões,
O universal espírito palpita
Subindo na espiral das criações!


Ó formas! vidas! misteriosa escrita
Do poema indecifrável que na Terra
Faz de sombras e luz a Alma infinita!


Surgi, por céu, por mar, por vale e serra!
Rolai, ondas sem praia, confundindo
A paz eterna com a eterna guerra!


Rasgando o seio imenso, ide saindo
Do fundo tenebroso do Possível,
Onde as formas do Ser se estão fundindo


Abre teu cálix, rosa imarcescível!
Rocha, deixa banhar-te a onda clara!
Ergue tu, águia, o voo inacessível!


Ide! crescei sem medo! não é avara
A alma eterna que em vós anda e palpita
Onda, que vai e vem e nunca pára!


Semeador de mundos, vai andando
E a cada passo uma seara basta
De vidas sob os pés lhe vem brotando!


Essência tenebrosa e pura... casta
C todavia ardente... eterno alento!
Teu sopro é que fecunda a esfera vasta...
Choras na voz do mar... cantas ao vento...


II

Porque o vento, sabei-o, é pregador
Que através dos soidões vai missionando
A eterna Lei do universal Amor.


Ouve-o rugir por essas praias, quando,
Feito tufão, se atira das montanhas,
Como um negro Titã, e vem bradando...


Que imensa voz! que prédicas estranhas!
E como freme com terrível vida
A asa que o livra cm extensões tamanhas!


Ah! quando em pé no monte, e a face erguida
Para a banda do mar, escuto o vento
Que passa sobre mim a toda a brida,


Como o entendo então! e como atento
Lhe escuto o largo canto! e, sob o canto,
Que profundo e sublime pensamento!


Ei-lo, o Ancião-dos-dias! ei-lo, o Santo,
Que já na solidão passava orando,
Quando inda o mundo era negrume e espanto!


Quando as formas o orbe tenteando
Mal se sustinha e, incerto, se inclinava
Para o lado do abismo, vacilando;


Quando a Força, indecisa, se enroscava
Às espirais do Caos, longamente,
Da confusão primeira ainda escrava;


Já ele era então livre! e rijamente
Sacudia o Universo, que acordasse...
Já dominava o espaço, omnipotente!


Ele viu o Princípio. A quanto nasce
Sabe o segredo, o germe misterioso.
Encarou o Inconsciente face a face,
Quando a Luz fecundou o Tenebroso.


III

Fecundou!... Se eu nas mãos tomo um punhado
Da poeira do chão, da triste areia,
E interrogo os arcanos do seu fado,


O pó cresce em mim... engrossa... alteia...
E, com pasmo, nas mãos vejo que tenho
Um espírito! o pó tornou-se ideia!


Ó profunda visão! mistério estranho!
Há quem habita ali, e mudo e quedo
Invisível está... sendo tamanho!


Espera a hora de surgir sem medo,
Quando o deus encoberto se revele
Com a palavra do imortal segredo!


Surgir! surgir! – é a ânsia que os impele
A quantos vão na estrada do infinito
Erguendo a pasmosíssima Babel!


Surgir! ser astro e flor! onda e granito!
Luz e sombra! atracção e pensamento!
Um mesmo nome em tudo está escrito...

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