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sábado, 11 de janeiro de 2014

Camilo e seu olhar poético: poetas simbolistas portugueses


Camilo Pessanha

Clepsidra

 

 

Floriram por engano as rosas bravas

 

Floriram por engano as rosas bravas

No Inverno: veio o vento desfolhá-las...

Em que cismas, meu bem? Porque me calas

As vozes com que há pouco me enganavas?

 

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...

Onde vamos, alheio o pensamento,

De mãos dadas? Teus olhos, que num momento

Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

 

E sobre nós cai nupcial a neve,

Surda, em triunfo, pétalas, de leve

Juncando o chão, na acrópole de gelos...

 

Em redor do teu vulto é como um véu!

Quem as esparze --- quanta flor! --- do céu,

Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

 

                           Camilo Pessanha

 

 

 

Canção da partida

 

Ao meu coração um peso de ferro

Eu hei-de prender na volta do mar.

Ao meu coração um peso de ferro...

        Lançá-lo ao mar.

 

Quem vai embarcar, que vai degredado,

As penas do amor não queira levar...

Marujos, erguei o cofre pesado,

        Lançai-o ao mar.

 

E hei-de mercar um fecho de prata.

O meu coração é o cofre selado.

A sete chaves: tem dentro um carta...

--- A última, de antes do teu noivado.

 

A sete chaves --- a carta encantada!

E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,

Que é para o molhar na água salgada

No dia em que enfim deixar de chorar.

 

 

Crepuscular

 

Há no ambiente um murmúrio de queixume,

De desejos de amor, d'ais comprimidos...

Uma ternura esparsa de balidos,

Sente-se esmorecer como um perfume.

 

As madressilvas murcham nos silvados

E o aroma que exalam pelo espaço,

Tem delíquios de gozo e de cansaço,

Nervosos, femininos, delicados.

 

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,

Inapreensíveis, mínimas, serenas...

--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,

O meu olhar no teu olhar suave.

 

As tuas mãos tão brancas d'anemia...

Os teus olhos tão meigos de tristeza...

--- É este enlanguescer da natureza,

Este vago sofrer do fim do dia.

 

                         Camilo Pessanha

 

 

 

Estátua

 

Cansei-me de tentar o teu segredo:

No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,

O meu olhar quebrei, a debatê-lo,

Como a onda na crista dum rochedo.

 

Segredo dessa alma e meu degredo

E minha obsessão! Para bebê-lo

Fui teu lábio oscular, num pesadelo,

Por noites de pavor, cheio de medo.

 

E o meu ósculo ardente, alucinado,

Esfriou sobre o mármore correcto

Desse entreaberto lábio gelado...

 

Desse lábio de mármore, discreto,

Severo como um túmulo fechado,

Sereno como um pélago quieto.

 

                       Camilo Pessanha

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