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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

LITERATURA PORTUGUESA ROMANTISMO POESIA


Pinheiro Chagas

 




O PRIMEIRO BEIJO

Primeiro beijo, perfumado, ardente
Primeira estrofe da gentil canção,
Que, em doidas horas de prazer fervente,
A flor dos lábios vem dizer «paixão!»

Ténue murmúrio, a suspirar carícias!
Aéreo sopro respirando ardor!
Meigo prefácio dessas mil delícias
Do gosto etéreo dum primeiro amor!

Beijar, a furto uma boquinha airosa,
Fugir, ceder à tentação fatal,
Bem como a abelha a voltear medrosa
Por entre as rosas do gentil rosal,

Que poisa, e suga a perfumada essência
Da flor tremente dum gozar sem sim;
Roubar assim, d'almo prazer de ardência
A puros lábios virginal carmim!

É sonho louco de ventura e enleio!
É ver nas trevas o esplendor do céu!
De casta virgem pudibundo seio
Palpita, rasga da inocência o véu!

Os lábios tremem da gentil donzela,
Refogem, voltam de delírio a arfar!
Oh! nessas horas amorosa estrela
Inunda a vida de fulgor sem par!

Depois extingue-se a visão brilhante;
Voltam as trevas, quando morre a luz,
Finda o romance da existência amante
Da fria campa em solitária cruz!
.........................
.........................

Etérea emanação da Divindade!
Sonho encantado dum primeiro amor!
Tímida flor, que o sol da mocidade
Inunda com seu plácido fulgor!
Minha ingénua visão, dize quem há-de
Manchar-te as vestes de brilhante alvor?

Quem se não curva ao poderoso império
Dum meigo olhar, fulgente, enamorado?
O amor então é divinal mistério,
É puro incenso, ardendo resguardado
No coração, turíbulo sagrado,
Urna singela dum perfume etéreo!

Um beijo ardente, que traduz ternura,
É santo, é puro, porque é santo o ardor;
Em torno à virgem, num primeiro amor,
Respira – se um ambiente de candura,
Onde paira sorrindo a imagem pura
Do meigo arcanjo do infantil pudor!

A impureza é na orgia, é no devasso
Que escarnece do amor e da virtude,
Que nos prega moral no tom mais rude,
E entra no lupanar, trémulo o passo,
A prostituir, em repugnante abraço,
A casta flor da etérea juventude!

Vergonha sobre o ímpio, que despreza
Mimosas afeições do coração,
Gentil grinalda de infantil simpleza,
De puras flores virginal festão,
E vai, cingindo a croa da impureza,
Sentar – se no festim da corrupção.

Vergonha sobre o hipócrita, o decrescente,
Tartufo, que se envolve em castos véus
Ao nome de paixão, louca, fremente!
O Amor é santo, porque vem de Deus,
E um beijo louco, apaixonado, ardente,
Faz sorrir de prazer anjos nos céus!



 


 

 

 

 

João de Deus

 

 

A Caridade

 

Eu podia falar todas as línguas 
             Dos homens e dos anjos; 
Logo que não tivesse caridade, 
Já não passava de um metal que tine, 
             De um sino vão que soa. 

Podia ter o dom da profecia, 
             Saber o mais possível, 
Ter fé capaz de transportar montanhas; 
Logo que eu não tivesse caridade, 
             Já não valia nada! 

Eu podia gastar toda afortuna 
             A bem dos miseráveis, 
Deixar que me arrojassem vivo às chamas; 
Logo que eu não tivesse caridade, 
             De nada me servia! 

    A caridade é dócil, é benévola, 
             Nunca foi invejosa, 
    Nunca procede temerariamente, 
             Nunca se ensoberbece! 

    Não é ambiciosa; não trabalha 
    Em seu proveito próprio; não se irrita; 
             Nunca suspeita mal! 

    Nunca folgou de ver uma injustiça; 
             Folga com a verdade! 

    Tolera tudo! Tudo crê e espera! 
             Em suma tudo sofre! 

João de Deus, in 'Campo de Flores'

 

 

 

 

Primeiro Amor

 

Ó Mãe... de minha mãe! 
Explica-me o segredo 
Que eu mesmo a Deus sem medo 
Não ia confessar: 
Aquele seu olhar 
Persegue-me, e receio, 
Pressinto no meu seio 
Ergue-se-me outro altar! 

Eu em o vendo aspiro 
Um ar mais puro, e tremo... 
Não sei que abismo temo 
Ou que inefável bem... 
Oh! e como eu suspiro 
Em êxtase o seu nome!... 
Que enigma me consome, 
Ó Mãe de minha mãe! 

João de Deus, in 'Campo de Flores'

 

 

 

 

Amo-te Muito, Muito!

 

Amo-te muito, muito! 
Reluz-me o paraíso 
Num teu olhar fortuito, 
Num teu fugaz sorriso! 

Quando em silêncio finges 
Que um beijo foi furtado 
E o rosto desmaiado 
De cor-de-rosa tinges, 

Dir-se-á que a rosa deve 
Assim ficar com pejo 
Quando a furtar-lhe um beijo 
O zéfiro se atreve! 

E às vezes que te assalta 
Não sei que idem, jovem, 
Que o rosto se te esmalta 
De lágrimas que chovem; 

Que fogo é que em ti lavra 
E as forças te aniquila, 
Que choras, mas tranquila, 
E nem uma palavra?... 

Oh! se essa mudez tua 
É como a que eu conservo 
Lá quando à noite observo 
O que no céu flutua; 

Ou quando à luz que adoro 
Às horas do infinito, 
Nas rochas de granito 
Os braços cruzo e choro; 

Amamo-nos! Não cabe 
Em nossa pobre língua 
O que a alma sente, à mingua 
De voz... que só Deus sabe! 

João de Deus, in 'Campo de Flores'

 

 

 

Escreve!

 

 

Não sei o que supor 
Do teu silêncio. Escreve! 
Quem é amado deve 
Ser grato ao menos, flor! 

Se eu fosse tão feliz 
Que te falasse um dia, 
De viva voz diria 
Mais do que a carta diz. 

Mas olha, tal qual é, 
Não rias desse escrito, 
Que pouco ou muito é dito 
Tudo de boa-fé. 

Há nesse teu olhar 
A doce luz da Lua, 
Mas luz que se insinua 
A ponto de abrasar... 

Pareça nele, sim, 
Que há só doçura, embora, 
Há fogo que devora... 
Que me devora a mim! 

Que mata, mas que dá 
Uma suave morte; 
Mata da mesma sorte 
Que uma árvore que há; 

Que ao pé se lhe ficou 
Acaso alguém dormindo 
Adormeceu sorrindo... 
Porém não acordou! 

Esse teu seio então... 
Que encantadora curva! 
Como de o ver se turva 
A vista e a razão! 

Como até mesmo o ar 
Suspende a gente logo, 
Pregando olhos de fogo 
Em tão formoso par! 

Ó seio encantador, 
Delicioso seio! 
Que júbilo, que enleio, 
Libar-lhe o néctar, flor! 

Eu tenho muita vez 
Já visto a borboleta 
Na casta violeta 
Pousar os leves pés; 

E num enlevo tal, 
Numa avidez tamanha, 
Que a gente a não apanha 
Com dó de fazer mal! 

Pegada à flor então 
No pé curvinho e mole, 
As asas nem as bole 
Toda sofreguidão! 

Pousou... adormeceu! 
Só vê, só ouve e sente 
O cálix rescendente 
Daquele mel do céu! 

Pois vê com que prazer 
E com que ardente sede 
Te havia... que não hei-de!... 
Também beijar, sorver! 

Mas eu só peço dó, 
Só peço piedade! 
Mata-me a saudade 
Com duas Unhas só! 

Eu, a não ser em ti, 
Achar alívios onde? 
Escreve-me! responde 
A carta que escrevi! 

Cansado de esperar 
Às vezes quando saio, 
Pensas que me distraio? 
Pois volto com pesar! 

Concentra-se-me em ti 
A alma de tal modo, 
Que esse bulício todo 
Nem o ouvi, nem vi! 

Ninguém te substitui 
Porque só tu és bela! 
Que estrela a minha estrela, 
E que infeliz que eu fui! 

Mas devo-te supor 
Sempre indulgente e boa: 
Escreve-me e perdoa 
Meu violento amor! 

Respeita uma afeição 
Inútil mas sincera! 
Tu és mulher, pondera 
O que é uma paixão. 

Com sangue era eu capaz 
De te escrever; portanto, 
Tinta não custa tanto, 
E não me escreverás? 

Uma palavra, sim, 
Que me não amas... queres? 
Enquanto me escreveres, 
Tu pensarás em mim! 

Só essa ideia, crê, 
Encerra mais doçura 
Que as provas de ternura 
Que outra qualquer me dê! 

João de Deus, in 'Campo de Flores'

 

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