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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

José Saramago abre o jogo para Moisés Neto

José Saramago: a entrevista
(esboço para um texto de Moisés Neto)




MOISÉS NETO- A arte romanesca multifacetada e obstinadamente criada por Saramago, confere-lhe um alto estatuto. Em toda a sua independência Saramago invoca a tradição que, de algum modo, no contexto atual, pode ser classificada de radical. A sua obra literária apresenta-se como uma série de projetos onde um, mais ou menos, desaprova o outro mas onde todos representam novas tentativas de se aproximarem da realidade fugidia. Estou tão emocionada! O homem está aqui ao meu lado. E ele tem fama de...ser...tão...tão...severo!

SARAMAGO- Bobagem sua, Moisés. Vamos direto ao assunto e deixe  de besteiras que não temos muito tempo.

MOISÉS NETO- Antes de mais nada ...estou tão emocionado por entrevistar um prêmio Nobel...

SARAMAGO- Então comece logo que passa este nervosismo.

MOISÉS NETO- Como começou sua vida de escritor?

SARAMAGO- Nasci em Portugal... 1922. Pobre! Fui serralheiro mecânico, desenhista, funcionário de saúde e de previdência social, editor, tradutor, jornalista.

MOISÉS NETO—E seu primeiro livro?

SARAMAGO- Meu primeiro livro? Um romance, em 1947. Só em  1976 passei a viver exclusivamente do meu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor.

MOISÉS NETO- O que você acha da campanha para incentivar a leitura?

SARAMAGO- Bobagem, caro Moisés Neto. Bem sabes que ler é para poucos!

MOISÉS NETO- O senhor foi laureado com o Prêmio Nobel da Literatura 1998...

SARAMAGO- De novo esta pergunta?

MOISÉS NETO - Como é o seu estilo?

SARAMAGO- Com parábolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia torno constantemente compreensível uma realidade fugidia

MOISÉS NETO-O senhor só atingiu a celebridade quando cumpriu os 60 anos. Desde então alcançou a notoriedade e tem visto a sua obra ser freqüentemente traduzida. Vive presentemente nas ilhas Canárias?

SARAMAGO- É.

MOISÉS NETO- O seu "Manual de Pintura e Caligrafia: um romance", que saiu em 1977, ajuda-nos a entender o que viria a acontecer mais tarde. No fundo, trata-se do nascimento de um artista, tanto o do pintor como o do escritor. O livro pode, em grande parte, ser lido como uma autobiografia?

SARAMAGO- Na sua intensidade, ele encerra também o tema do amor, assuntos de natureza ética, impressões de viagens e reflexões sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade. A libertação alcançada com a queda do regime salazarista transforma-se numa imagem final portadora de abertura.

MOISÉS NETO- E quanto a "Memorial do Convento", de 1982, é o romance que o tornou célebre?

 SARAMAGO- É um texto multifacetado e plurissignificativo que tem, ao mesmo tempo, uma perspectiva histórica, social e individual.

MOISÉS NETO-Eu queria que o senhor falasse sobre "O Ano da Morte de Ricardo Reis", publicado em 1984,  um dos pontos altos da sua produção literária.

SARAMAGO- A ação passa-se formalmente em Lisboa no ano de 1936, em plena ditadura, mas possui um ambiente de irrealidade superiormente evocado. Este ambiente de irrealidade é acentuado pelas repetidas visitas do falecido poeta Fernando Pessoa a casa da personagem principal (que é extraída da produção pessoana) e das suas conversas sobre os condicionalismos da existência humana. Juntos deixam o Mundo após o seu último encontro.

MOISÉS NETO-  Em "A Jangada de Pedra", publicada em 1986, onde o senhor recorre a um estratagema típico. Uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica que começa a vogar no Atlântico, inicialmente em direção aos Açores.

SARAMAGO- (ri um pouco) Esta situação criada por mim deu-me um sem-número de oportunidades para, no meu estilo muito pessoal, tecer comentários sobre as grandezas e pequenezas da vida, ironizar sobre as autoridades e os políticos e, talvez muito especialmente, com os atores dos jogos de poder na alta política.

MOISÉS NETO  - Muito engenhoso

SARAMAGO- Pois pois...

MOISÉS NETO – Em relação ao livro "História do Cerco de Lisboa", de 1989, um romance sobre um romance?

SARAMAGO- Ah! Essa história nasce da obstinação de um revisor ao acrescentar um não, um estratagema que dá ao acontecimento histórico um percurso diferente e, ao mesmo tempo, ofereceu-me um campo livre à sua grande imaginação e alegria narrativa, sem o impedir de ir ao fundo das questões.

MOISÉS NETO – E o polêmico "O Evangelho segundo Jesus Cristo", de 1991, que culminou com o seu auto-exílio na Espanha? Conta só pra gente. Vai!

SARAMAGO- Não há mistérios! Trata-se de um romance sobre a vida de Jesus encerra, na sua franqueza, reflexões merecedoras de atenção sobre grandes questões. Deus e o Diabo negociam sobre o Mal. Jesus contesta o seu papel e desafia Deus.

MOISÉS NETO - Publicado em 1995, "Ensaio sobre a Cegueira". O narrador onisciente leva-nos numa horrenda viagem através da interface que é formada pelas percepções do ser humano e pelas camadas espirituais da civilização.

SARAMAGO- A riqueza efabulatória, excentricidades e agudeza de espírito encontram a sua expressão máxima, de uma forma absurda, nesta obra cativante. "Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem.".

SARAMAGO- Isto.

MOISÉS NETO- Virou filme, dirigido por um brasileiro. O senhor gostou.

SARAMAGO- Fiquei emocionado.

MOISÉS NETO- O senhor tem uma maneira peculiar de escrita. Sua marcação de parágrafos, sua sintaxe... marcar diálogos com vírgulas... mesmo assim, o seu texto é tão claro. O senhor se considera um escritor hermético?

SARAMAGO- Não. Não me considero um escritor hermético.

MOISÉS NETO- E quanto a verter os seus livros para o português usado no Brasil?

SARAMAGO- Ah, isto eu sou contra. Por exemplo verter a prosa genial de Guimarães Rosa para o português de Portugal seria um crime.

MOISÉS NETO- E a respeito do seu livro "Todos os Nomes"?

SARAMAGO- Ora! É uma história sobre um pequeno funcionário público da Conservatória dos Registos Centrais de dimensões quase metafísicas. Ele fica obcecado por um dos nomes e segue a sua pista até ao seu trágico final.


MOISÉS NETO-  Diga-nos agora: e As Intermitências da Morte?
SARAMAGO- Pode-se dividir a obra em três partes. A primeira é a intermitência da morte, uma visão panorâmica dos fatos a partir do dia 1º de janeiro, quando ninguém mais morreu naquele país. Aqui são abordados os paradoxos da ausência da morte, conflitos, discussões e soluções para o problema dos que não morrem nem podem voltar a viver, os moribundos.

MOISÉS NETO- No sétimo capítulo há uma carta encaminhada pela morte a uma emissora de televisão, para que seja levada a público a notícia de seu retorno. Contudo, o retorno dar-se-á sob novas regras: “a partir da meia-noite de hoje se voltará a morrer tal como sucedia, sem protestos notórios (...) ofereci uma pequena amostra do que para eles seria viver para sempre (...) a partir de agora toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana para pôr em dia o que ainda lhe resta na vida”.

SARAMAGO- Para cada um a quem estivesse a chegar a temida hora da partida sem volta, o tal prazo de sete dias seria precedido pelo recebimento de uma carta, de autoria da morte, anunciando-lhe a “rescisão deste contrato temporário a que chamamos vida”. Este novo sistema de anunciação e a reação das pessoas - também calamitosa - tomará os próximos três capítulos.

MOISÉS NETO- No décimo capítulo, uma dessas cartas - que deveria ser recebida por um violoncelista - é devolvida à remetente, isto é, à morte..

SARAMAGO- Nesta parte a morte é humanizada, para muitos o ponto alto do livro. A personificação da morte e a necessidade que esta sente de ser amada.

MOISÉS NETO-  (tosse) Mas há outros livros seus que são muito comentados: é o caso de O conto da ilha desconhecida... ou o mais recente: Caim. E quanto aos seus livros de Poesia?

SARAMAGO- Gosto de Provavelmente Alegria e de Os Poemas Possíveis e da peças de Teatro que escrevi:  Que Farei com Este Livro,  In Nomine Dei,  A Segunda Vida de Francisco de Assis e A Noite?
Vamos parar agora, certo?

MOISÉS NETO- O senhor manda.  Em nome dos nossos internautas lhe agradeço a entrevista. 

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