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sábado, 21 de dezembro de 2013

Sobre Moisés Neto, Moisés Monteiro de Melo Neto



Sobre Moisés Neto


O escritor, professor e pesquisador recifense Moisés Monteiro de Melo Neto tem formação em Letras, pós-graduado em Literatura Brasileira, Mestre e Doutor em Teoria da Literatura pela UFPE. Ele estreou no teatro como ator profissional dirigido por José Francisco Filho e Buarque de Aquino e com o diretor /autor João Falcão e como dramaturgo (também como diretor) com a peça Um Certo Delmiro Gouveia, vencedora do prêmio de melhor texto literário num concurso promovido pelo Governo de Pernambuco.  Sua peça Cleópatra também recebeu um prêmio do Governo do Estado de Pernambuco. Além do teatro, Moisés publicou seu 1º poema no Jornal do Commercio nos anos 80 (Lobos) e foi colaborador regular do Suplemento literário deste jornal nos anos 90, publicando seus artigos em outros jornais e revistas como o Le Monde Diplomatique e na revista belga Parati. Lançou seu primeiro romance intitulado A Incrível Noite (edições Ilusionistas) e Chico Science: A Rapsódia Afrociberdélica (primeiro livro sobre o movimento mangue, lançado em outubro de 2000 que analisa aspectos da cultura pernambucana). Moisés é autor de alguns diálogos para filmes como Cassino Americano (do diretor Marco Hanois) que recebeu menção honrosa no festival internacional de vídeo da JVC em Tóquio. É autor de Notícias Americanas, poema épico (livro) sobre o 11 de setembro e a devastação do Afeganistão, lançado em 2002, pela editora Edificantes, de Teatro Ilusionista, Chico Science, Zeroquatro & Faces do Subúrbio e Passagem - contos e poemas. Além de colaborar com vários jornais e revistas o Brasil e da Europa os ensaios de Moisés analisando diversos aspectos culturais estão publicados em várias antologias.
Como ator ele participou, dentre outras peças, de: Muito pelo Contrário (texto e direção João falcão), Suplício de Frei caneca (de Cláudio Aguiar, com direção de José Francisco Filho), Hamlet (no papel-título- direção do argentino Alberto Gieco e de Paulo Falcão), Romeu e Julieta, Viva o Cordão Encarnado (direção Luís Mendonça), A Noite dos Assassinos (do cubano Jose Triana, com direção de Augusta Ferraz). Na TV atuou em A Cartomante e no cinema em O Cangaceiro (direção Aníbal Massaini).
Também assina a autoria do espetáculo Para um Amor no Recife, que dirigido por Carlos Bartolomeu em 1999, recebeu 4 prêmios da associação de produtores teatrais em Pernambuco, é co-autor dos musicais A Ilha do Tesouro (2002) e Sonho de Primavera (que dirigiu ao lado de Ulisses Dornelas (que teve estreia em 2004 e ficou sete anos em cartaz), premiados pela APACEPE. Adaptou para o projeto escola parte da obra de Machado de Assis. Em 2006 foi assistente de direção do filme Incenso baseado em poemas de Ascenso Ferreira, vencedor do concurso Ary Severo/ Firmo Neto (Prefeitura Cidade do Recife/ Governo do Estado de Pernambuco). Vencedor do Prêmio Klaus Vianna, concedido pela FUNARTE, pelo roteiro e direção do espetáculo Recife- Paralelo 8, montado pela Companhia DANTE em 2007. É autor do texto da peça Anjos de Fogo e Gelo, a vida atormentada de Arthur Rimbaud, que dirigido por José Francisco Filho teve grande repercussão em Recife no ano de 2008, recebendo prêmios da APACEPE. Participou em 2009 da Curadoria da exposição permanente da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) sobre Ruy Barbosa e Castro Alves. 2010 foi o ano do lançamento de Anticânone, literatura em Pernambuco a partir do século XX, e em dezembro do mesmo ano mais um texto de Moisés foi levado à cena, o musical O Circo do Futuro, com direção de Carlos Bartolomeu, um sucesso que já dura uma ano num grande teatro do Recife. Em 2011, lançou o livro Pequena História da Literatura Brasileira.


Atualmente ensina em algumas escolas e faculdades em Pernambuco. O site www.moisesneto.com.br  é bem visitado e contém artigos e peças escritas por Moisés e exibe a trajetória do seu grupo,a Ilusionistas Corporação Artística- que com vinte e cinco anos de atividades tem no seu currículo, além de produções teatrais e publicação de livros, a promoção de oficinas, cursos, exposições(como o Universo de Antunes Filho, trazendo duas vezes ao Recife este diretor de teatro internacionalmente reconhecido. Neste evento Moisés proferiu a palestra “O poética de Nelson Rodrigues em A falecida na montagem 2009 de Antunes Filho” à convite do curador paulista Sebastião Milaré). O mesmo Antunes Filho convidou-o em setembro de 2012 para fazer a apresentação da sua encenação de Toda Nudez será Castigada, pelo CPT/ Sesc SP. Também em 2012, ele lançou seu livro POEMAS DE MOISÉS NETO PUBLICADOS EM JORNAL, no salão nobre do Teatro de Santa Isabel, com participação da atriz Sônia Bierbard interpretando alguns dos poemas da edição, em 9 de dezembro de 2012.


Os Caminhos de Moisés Neto segundo Raimundo Carrero

Moisés Neto conhece os segredos da invenção, como poucos. Isto é, sabe inventar e sabe, sobretudo, harmonizar esta invenção, quando ela exige perícia e sacrifício. Os textos que tenho lido dele comprovam a habilidade. Não se contenta com o óbvio e com o lugar- comum, vai adiante, investe nas especulações criativas. Reinventa.

O que se tem visto, quase sistematicamente, são escritores, mesmo aqueles mais jovens, repetirem fórmulas antigas, superadas, repetidas. No romance, por exemplo, quase não se avança mais na questão das novas fórmulas. Em Moisés Neto, todavia, o caminho é diferente. Ele é capaz de revolucionar sem provocar dramas no leitor. Sem torturas e mágicas mal elaboradas.

Além do mais sabe ser sutil. As palavras nascem, vêm com leveza, montam a história, num clima quase de sonho, mesmo quando enfocam os caminhos mais cruéis. Esta é a impressão que me ficou de um dos seus textos mais recentes, o romance "Michelle", cheio de truques e arrebatamentos. Uma fábula fabulosa.

No teatro, Moisés tem o domínio do que vem (ou vinha) a se chamar de "carpintaria cênica" - Personagens seguros e determinados na criação, diálogos sóbrios e envolventes, cenas seqüenciadas pela lógica da invenção, palavras definitivas e verdadeiras, situações trabalhadas. Inventando ou adaptando conquista pela convicção.


Tudo isso é resultado da extrema familiaridade com o texto literário - Conhece os melhores escritores, estuda diversas técnicas narrativas, elabora novas conquistas, enfim, desenvolve sua capacidade de inventar. Estou seguro de que se trata de um desses autores difíceis de esquecer. Para sempre.



Raimundo Carrero















Luzilá Gonçalves Ferreira escreve sobre o texto Bento Teixeira de Moisés Neto (apresentado no Teatro de Santa  Isabel em setembro de 2010)

Diário de Pernambuco, 21 de setembro de 2010, Caderno Viver, p. E2)

Um belo final de tarde





Quem lá não esteve não sabe o que perdeu. No Salão Nobre do Teatro de Santa Isabel, que há 160 anos abriga recitais, concertos, para pessoas de bom gosto, em um cenário mínimo, sobre fundo negro, atores vestidos de preto fizeram a leitura dramática do texto teatral que seu autor, Moisés Neto, intitulou simples e modestamente de Bento. Trata-se do julgamento de Bento Teixeira, nosso primeiro poeta, o autor da Prosopopeia, por sua mulher, Filipa Raposa, e pelo representante da Inquisição. Partindo de nosso romance Os rios turvos, Moisés tornou presente o que era apenas palavras, ficção, romance, um trabalho de recriação, de criação, um belo, inteligente e muito pessoal documento dramático, pelo qual a autora do romance é agradecida.
Antes e após as leituras, fundo musical, antigas melodias judaicas. Os atores sob a direção de José Francisco Filho, instalados, em pequenas mesas, para Bento e Filipa, sobre um imponente púlpito, para o representante do Grande Inquisidor, nos proporcionaram um raro momento de doação deles mesmos, no profissionalismo, na emoção transmitida. Stella Maris, uma das ótimas atrizes que o Recife possui, foi uma forte personificação de Filipa Raposa, na perfeita dicção, na entonação, na economia e precisão dos gestos. O Grande Inquisidor, vivido por George Meirelles tornou nossas as acusações a Bento, na força e na convicção com que atacou, culpabilizou, humilhou, ironizou o autor da Prosopopeia. De Germano Haiut, o que dizer? "Une bête de théâtre", diriam os franceses, um bicho de teatro, um imenso, enorme talento que nos comoveu (vi lágrimas em alguns olhos), vivendo Bento Teixeira diante de nós, um pequeno judeu levado a abjurar de sua própria fé.
Esse esforço de criatividade de produtores, atores, autores, com que a Prefeitura do Recife congregou oficinas, várias leituras dramáticas comemorando os 160 anos do teatro sob a coordenação de Lucia Machado, não deve se encerrar aqui. Sugerimos sua reedição em locais e datas outras. E com relação a Bento, recado para Antônio Campos, Eduardo Cortes e Mário Helio - sua reapresentação na Fliporto deste ano, dedicada à literatura de cunho judaico.
                                                 
   Luzilá Gonçalves Ferreira





Coluna dia a dia, JORNAL DO COMMERCIO
(Recife, 16 de setembro de 2010, Caderno C, p.3):



Teatro Nosso
Os veteranos atores Stella Maris Saldanha, Germano Haiut e George Meireles dão via aos personagens do texto inédito Bento, do pernambucano Moisés Neto, que será apresentado no Salão nobre do teatro de Santa Isabel. Atualmente, Moisés Neto é o dramaturgo com textos mais montados no Recife.





O jornalista Talles Colatino fala sobre evento que incluiu Moisés Neto como referência na dramaturgia contemporânea em Pernambuco -
Teatro nordestino pede parada em São Paulo
A
programação é variada, e vai até o dia 3 de dezembro.


FOLHA DE PERNAMBUCO. CADERNO PROGRAMA. PÁGINA  5 EM 04/11/2008.

                                            por  Talles Colatino

Não soa estranho que São Paulo seja a maior cidade nordestina do País. E para exercer uma proximidade ainda maior entre a região e a metrópole, tem início hoje, lá na terra do céu cinza, a Mostra Paulista do Teatro Nordestino. Até o dia 3 de dezembro, uma série de atividades gratuitas relacionadas à produção teatral da região ocupa o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), incluindo peças, leituras dramáticas e demonstrações de trabalho. A mostra também recebe a 6ª Semana do Teatro Nordestino, reunindo dramaturgos de São Paulo e do Nordeste em mesas de debates e lançamentos de livros.
O fato de abrir as portas de dois dos mais importantes centros culturais do País (o CCBB e o CCSP) à Dramaturgia Nordestina é um ato de reconhecimento do valor de autores e de criadores cênicos, abundantes nessa região, que tornam o Brasil um dos lugares do planeta onde o teatro está mais vivo do que nunca. Se o evento conseguir abrir um pouco mais o diálogo entre Nordeste e Sudeste, em meio às luzes e às sombras da cena, terá cumprido importante papel”, afirma Sebastião Milaré, curador da Mostra.
As quatro montagens selecionadas para se apresentar no evento homenageiam o pesquisador e dramaturgo alagoano Altimar Pimentel, falecido esse ano. Pimentel é autor de “A Construção”, uma das peças emblemáticas do final dos anos 60, encenada em 1969, pelo Grupo A Comuna,  de Amir Haddad, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. De autoria do dramaturgo, a mostra traz ao palco “Como Nasce um Cabra da Peste”, com a companhia paraibana Agitada Gang.
Pernambuco vai representado pela companhia Arte-em-Cena, com seu já clássico “Deus Danado”. “Lesados” (CE) e Sinhá Flor (PB) completam o time de espetáculos.
SEMANA
Como parte da programação da Mostra, pela primeira vez São Paulo é palco da Semana do Teatro Nordestino, evento que acontece anualmente em Natal (RN) desde 2003, por iniciativa da Associação dos Dramaturgos do Nordeste. A programação da Semana inclui lançamento de livros e palestras com dramaturgos nordestinos e paulistas. “A ideia principal foi dar acesso aos criadores cênicos paulistas, aos estudiosos e ao público interessado de São Paulo a obras dramatúrgicas produzidas no Nordeste. Essa ideia ia ao encontro da proposta básica da Associação de Dramaturgos do Nordeste, que é difundir essa produção dramatúrgica”, conta Sebastião Milaré, mediador das mesas.
Para as palestras, os dramaturgos convidados são - Cleise Furtado Mendes (BA); Oswald Barroso, José Maria Mapurunga, Rafael Martins, Yuri Yamamoto (CE); Tácito Borralho (MA); Eliézer Rolim, Elpídio Navarro, Paulo Vieira, Celly Albuquerque (PB); João Denys(autor de “Deus Danado”), Moisés Neto (autor de “Anjos de Fogo e Gelo”), Romildo Moreira (PE); Ací Campelo (PI); Racine Santos, Paulo Dumaresq (RN); Lindolfo Amaral (SE); Luis Alberto de Abreu, Márcio Aurélio e Newton Moreno (SP). Lá, toda a programação é gratuita.
Talles Colatino






Índice das peças de Moisés Neto


1.  Sobre o Teatro de Moisés Neto
2.  Para um Amor no Recife
3.  Um Certo Delmiro Gouveia
4.  Prazeres da Revolução
5.  Dom Casmurro
6.  Folhetim
7.  Cleópatra, a comédia
8.  Medeia. 1
9.  Medeia. 2
10.              Horror em Pasárgada
11.             A Maior Bagunça de todos os Tempos
12.              Draculin e o Circo no Espaço
13.              A Ilha do tesouro
14.              Sonho de Primavera (com R. Calsavara)
15.              Peças curtas: O Bolo
16.              Evita-me à Cubana
17.              Shakespeare
18.              Faustina
19.              Um Tostão Para Isabelita
20.              O Que Teria Acontecido a Bette Davis?
21.              Com a Víbora no Seio (com H. Amaral)
22.              Lucíola
23.              Manuel Bandeira Escreve a Mário de Andrade
24.              Memórias do Cárcere
25.             Cassandra
26.              Anjos de fogo e gelo
27.              Capitães da areia
28.              Bruno e o circo
29.              Recife Paralelo 8
30.             A hora da estrela
31.              Bandeira encontra a estrela da manhã
32.             Cartas chilenas no picadeiro
33.              A estrela do mar
34.              Machado de Assis vai ao teatro
35.              Túlio Carella e o Teatro do Insólito!
36.              Memórias de um sargento de milícias
37.             AS faces inquietas de Fernando Pessoa
38.             Cartas chilenas no picadeiro!
39.              Negrinha
40.             O homem que sabia javanês
41.             Meu nome é Bento Teixeira
42.              Folhetim
43.             O caso de Celeste
44.             A volta de Dolores del Capibaribe
45.             Senhora
46.             Canção das Águas
47.             Guerra dos mascates
48.             Sertanejinha
49.             Três tristes gregas
50.             Famigerado
51.             A terceira margem do rio
52.             A cartomante
53.             O crime da professora de matemática
54.             A mãe de Judas, a louca
55. O JULGAMENTO DE PADRE CÍCERO
56. Três tristes gregas



Oda al Teatro de Santa Isabel

(poema de  Moisés Neto)

Tus paredes abrigan sueños
Dentro de ti la vida estalla com la intensidad de estrellas
En tu escenario  las ideas se renuevan siempre
Al sonido de la música
En el compás de la danza
A cada acto de tantas representaciones de la risa, del dolor, de la serenidad
Traes reflejada em cada cristal la imagen de la audacia humana
Clavado que estás a las orillas del Río Capibaribe
Eres gloria de una ciudad que viene a través de los años construyéndose y rehaciéndose
Eres rosa al viento en las tardes tibias
Eres refugio de tantos proyectos que resisten a las intemperies
Eres faro de Recife
En tu nobleza los pobres se equivalen a los ricos
Eres de todos
Y estás abierto como una flor magnética
Atrae y enseña
Divierte y educa
Quisiera tener versos magníficos que expresasen toda mí gratitud
Pero soy poeta menor delante de tu esplendor
Más que sesquicentenario señor
Ya se van ciento sesenta años
Y pareces tan joven, tan actual
Quería abrazarte
Pero envuelvote sólo con esa mirada de quién pide
A Dios por un mundo mejor
Delante del altar.



Sobre o Teatro de Moisés Neto

A professora Fátima Amaral faz sinopses e comenta as peças de Moisés Neto (Sobre o  “ Teatro  ilusionista: Peças de Moisés Neto)
 Estamos diante de textos teatrais em forma de livro.
As condições do texto teatral exigem carpintaria exclusiva.Não é um sistema anárquico. Há leitores, e principalmente, espectadores que, quer possuam atributos específicos sobre literatura e espetáculos teatrais, quer não, compartilham códigos para sua assimilação/análise, em ambos os casos, são  feitas leituras ,de certa forma “exigentes”.
Descodificar (e avaliar uma peça teatral) é fundamentalmente uma atitude lúdica, tanto para o leitor comum quanto para o leitor “instrumentado”.Para este último surgem os “códigos estilísticos” retóricos, temáticos, ideológicos, etc.. Quanto a este(s) posicionamento(s) “crítico(s)”: como influencia(m) a arte teatral?
Uma peça pode ser incompreendida por muito tempo, e depois ser “recuperada”.É o caso de “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, por exemplo.
Um texto teatral, como de qualquer outro gênero enfim, é passível de múltiplas leituras.Umas mais ricas, outras mais pobres.
As condições de decifração de um texto “criam” um subproduto, um “segundo produto, melhor dizendo, (a crítica) que terá o  “ranço” de seu enunciador.
Uma crítica sociológica, ou psicanalista, estrutural, histórico-literária, ou qualquer que seja o naipe, pode mutilar ou potencializar uma obra, mas dificilmente servirá de panaceia para a criação de outrem.
O significado global que atribuo aos textos de Moisés Neto presentes neste volume é mais ou menos o seguinte: trata-se de uma escrita simplista.Só o “essencial” segura seus personagens cênicos. Há por trás destes personagens, uma carga ideológica com um certo tipo de “tensão” que tentarei definir.
O cenário é quase sempre Pernambuco, e mesmo em tramas como “Draculin e o Circo no Espaço” e “A Maior Bagunça de todos os Tempos” (teatro para criança), é a verve recifense quem dita as “regras” do jogo teatral.Há que se reconhecer a época e as personas retratadas, contextualizando-as e assim,buscar o que há de universal na sua proposta.
Nos textos de Moisés, cheios de “marcações”(indicações da movimentação teatral),há uma espécie de fixação esquemática do fluir da ação que,através da polifonia,  esconde o rosto do autor.
Se cotarmos estes textos usando uma ferramenta teorética qualquer, de maneira ontológica, por exemplo,ou mesmo beirarmos o biografismo ,ainda se procurarmos a gênese,veremos que nas falas e situações projetadas por Moisés,há um espelho mais ou menos fiel de uma época,de uma certa sociedade.Um espaço marcado pela inveja e pelo ressentimento.São duelos verbais, que fluem da necessidade de verbalizar emoções, num jogo retórico, numa sociologia literária, pululam desejos reprimidos, dogmas, medos, certezas e incertezas dos anos 80.
O que cabe e o que não cabe nestes textos?O que extrapola e do que carecem?
O grupo Ilusionistas, fundado por Moisés e pela atriz Augusta Ferraz em 1983, para o qual estes textos foram escritos, tinha como objetivo principal criar seus próprios textos. Augusta, Moisés e Henrique Amaral produziam espetáculos diferentes dos encenados em Recife.
No trabalho do autor, as relações entre os personagens, o desenvolvimento das intrigas, a organização do tempo e do espaço às vezes cheira a vaudeville, às vezes a dramalhão de circo, drama psicológico e até à opereta, no caso de sua adaptação para o clássico “A Ilha do Tesouro” de Stevenson.
Uma dramaturgia urbana, entre o naturalismo e o artificialismo, que não se utiliza do folclore.
Desfilam personagens como Delmiro Gouveia e sua ânsia de sucesso.  Prazeres, “Prazeres da Revolução", mergulhada num vazio existencial.   Draculim,sonhador,iludido.Branca (de “A Maior Bagunça”), Faustina que lutam contra o “mal”.Isabelita, Evita, doutor Isaac (de “Horror em Pasárgada”), Dinho (de “Com a Víbora no Seio”) e Valquíria (de “Folhetim”,ainda inédita) que se vêm prisioneiros do passado. Cleópatra, uma guerreira infantilizada por uma paixão alucinante e pelo egocentrismo.Já a Medeia de Moisés é contemporânea nossa e suas estratégias articulam-se com outros textos do autor. Gil, personagem de “o Bolo”, é dominadora e tem instintos assassinos, usa seu poder para esmagar o marido inseguro.Em “Shakespeare Acorrentado” (de 1989) vemos os expoentes da pureza levados ao crime, e ao sexo ligado ao comércio.Já em “Com a Víbora no Seio”, o que vemos é um jogo homoerótico envolvendo liberdade e prisão. “Bandeira escreve a Mário de Andrade” é um texto onde Moisés deu vida ao nosso mais terno poeta lírico: a dor da perda, o paraíso artificial e irônico do mestre, são exaltados em prosa e verso.
Espaço e tempo injetam-se no comportamento dos personagens em forma de juízo (de caráter valorativo e ideológico) que vai se insinuando pelos textos através de símbolos e alusões.Se há pluralidade ou subjetividade no vinco desta escrita, ou se nela encontramos algum hipotexto (matriz referencial),hipertexto (referencial intertextualizado) ou paratexto (interpenetração de textos) não importa muito,pois faz parte de um jogo proposto pelo autor,num processo  meio convulsivo,típico de sua geração que  não se deteve diante dos cadáveres dos seus heróis. São textos co-presentes de uma histórica nacional caótica.Textos que buscam a oralidade acima de tudo (aspecto fono-linguístico), gestualidade específica.
Os vetores temáticos oscilam como já acentuamos entre vingança, busca do sucesso, resgate do passado e busca do absoluto. A linguagem é despojada, concisa, provocante. Expõem-se enredos com desfechos inevitáveis, neles a trama e discurso entrelaçam-se.
Um frenesi vai enriquecendo o fluir dos textos e é indesmentível que se pressente neles uma fome insaciável que parece devorar o autor.
O que Moisés tem de original é o seu formato de literatura para a “caixa cênica”.Nesta espécie de claustro ele brinca com a ideia de libertação, de reflexão.Quer seja de forma caricata, ou através de personagens que parecem poeticamente envolvidos com  seus sonhos,surge uma  literatura que me sugere esgrima:duelos em forma verbal.
O pragmatismo em Moisés busca clarear emoções, tornando-as inteligíveis.Mesmo que isso beire a banalização de alguns tabus (como em “Faustina” e “Com a víbora no seio”- religião e sexo).A tensão dos personagens equilibrando-se entre associações e dissociações, a busca da palavra-signo, a fantasia nas inter-relações de tipos que se digladiam entre o horror e a salvação, o sentimento e a natureza, vida e morte, oprimir ou ser oprimido: tudo isso é exposto com um grau necessário de honestidade cínica, que às vezes os mais sensíveis precisam para sobreviver aos ataques cotidianos da realidade.Notamos isso em Prazeres, e em outros personagens como o doutor Isaac (de “Horror em Pasárgada”): a dor de não saber dizer o que se quer por não dominar a linguagem do jogo social.
São personagens que parecem vindos de famílias que se desenvolveram com pouca intimidade ou calor emocional.Eles refletem isso, esquivando-se da ternura e buscando se transformar em “alguém”. As escolhas que fazem em seu desespero verborrágico, a implausibilidade dos seus ideais, a necessidade de mostrarem suas diferenças, chafurdarem nas próprias fraquezas, buscando no álcool e no sexo, um infrutífero consolo para a proximidade do abismo emocional que os rodeia (como em “Para um amor no Recife”) leva-nos a pensar mais sobre esta contracultura amalgamada por estes excluídos.Há neles todos ,um foco de subversão,um questionamento da tradição,uma procura pelo que é genuíno:uma ânsia de dar um  basta à letargia e passividade,tão comum no final do século vinte. Eles trazem uma espécie de alívio cômico no meio de uma grande tragédia, como os coveiros brincalhões da peça Hamlet.
                                                                             Recife, 2 de janeiro de 2002
                                                                              Fátima Amaral




MOISÉS NETO,O PRODUTOR CULTURAL

                                                                por    ALBEMAR ARAÚJO   

(diretor do Departamento de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife)



            Nestes tempos ásperos, quando um simples tocar de dedos resulta em trabalho de várias horas, quando a “pena” cede lugar a outras formas de linguagem, quando os vídeos substituem os livros, pego-me (sem nenhuma tendência à apostasia) sentado, frente à parede (nela encontram-se expostos retratos do Quênia e África do Sul, quando lá estive em 1.995, sem cabotinismo) a escrever manualmente, quando lá do outro lado da sala, aguarda-me um computador.
            Escrever.
            Escrever sobre uma facção de um período (dando um corte sistemático conceitual/temporal/espacial), sobre uma determinada pessoa nesse período – MOISÉS NETO -, que culturalmente passou e viveu intensamente, por uma década (os anos 80), numa forte influência das mudanças sociais, das mudanças políticas, das mudanças econômicas, das mudanças culturais, na qual vivia o país; produzindo intensamente cultura. Uma cultura engajada nas vanguardas do seu tempo. Uma cultura ora chamada de PÓS-MODERNA, ora chamada de MARGINAL, ora chamada de VANGUARDISTA...
            É sempre fascinante versar, quer seja na poesia ou na prosa, sobre alguém. Especialmente se este alguém vive e transita entre nós. Longe dos cânones. Sem cetro. Sem coroa. Sem séquito de vassalos a impedir nossa passagem à sala do trono. E talvez seja mais fascinante por essa pessoa nos proporcionar uma (re) leitura, mesmo que seja em rápidas passadas, de uma época tão recente, cronologicamente falando, e tão esquecida, agora falando culturalmente. Remete-nos este estudo, sem pretensões literárias, científicas ou históricas – quando Ciência -, a análise de um momento dentro da conturbação pela qual atravessava toda a nação, de um momento que poderíamos chamá-lo, mesmo assim, de farto e rico na diversidade cultural apresentada. Diversas tendências se manifestavam de uma forma ou de outra. E a cultura, como um todo, crescia com isso ao romper com uma série de signos e códigos. Toda uma série de acontecimentos rolava, qual caudaloso rio precipitando-se de uma vertiginosa montanha, em cachoeira.
Há quantas andavam a nossa Economia, a nossa Política e a nossa Cultura?
O movimento cultural dos anos 80 ainda estava enraizado nos anos 60/70. nas duas décadas (60/70), a cultura foi marcada por profundas e violentas transformações. Pelas variações econômicas e políticas (pós-68, AI5, etc.). O que ira fornecer fortes bases para o surgimento de um tipo de poesia chamada: POESIA MARGINAL. Um tipo de literatura quase que artesanal, ou seja, onde os poetas e escritores em geral, mimeografavam seus produtos reuniam-se para vendê-los, eles próprios, em bares, paradas de ônibus, teatros, cinemas, boates,etc. (Mimeógrafo, era uma máquina em moda na época, hoje quase sem uso. O Texto era datilografado em um papel especial -chamado estêncil-e duplicado -a álcool ou a óleo. Era a copiadora daqueles tempos – uma coisa bem jurássica). Aqui no Recife, diversos locais foram pontos e/ou sede desses produtores culturais. Tais como: Cervejaria 7 (r. Sete de Setembro – No local funcionava um complexo de Cervejaria, Discoteca, Livraria e Teatro. Ali ,reuniam-se muitas pessoas dos meios culturais da cidade. Artistas Plásticos, Atores, Diretores Teatrais, Bailarinos e notívagos em geral. Uma verdadeira vitrine, onde diversos produtos estavam expostos – sendo a cultura o prato principal. Aqui um registro do saudoso diretor teatral Marcos Siqueira(responsável pelo teatro desse complexo), Bar Savoy (Av. Guararapes), A Nova Portuguesa (r. Siqueira Campos), Bar Mustang (Av. Conde da Boa Vista), Gambrinus (Av. Marquês de Olinda) e outros.

                                               Ao longo dos anos 70, um certo tipo de produção poética ficou conhecida como poesia marginal. Esta produção surge exatamente na virada dos anos 60/70 e, certamente, traz as marcas deste período.(1)


No seu artigo publicado na revista Folhetim, Carlos Alberto Messeder Pereira faz um balanço da Poesia Marginal, bem especulativo. Nesse contexto, Moisés Neto aparecia timidamente entre outros jovens intelectuais do Recife. Entre outros, estava com ele, nessa produção lítero-marginal, Manoel Constantino e Rejane Leandro – uma de suas maiores amigas e dona de uma cadeia de boates na zona sul da cidade. Boate Status, por exemplo, era soberana na década de 70.

No espaço entre os seus dentes
restos de almoço
vários lobos foram espalhados
quero te contar como foi:
eles foram soltos com a boca cheia de fome
todos os lobos, eles comeram meus olhos
                                   Eu os vi chegar
dancei e cantei junto do fogo
vi febre nos olhos deles
nos olhos calmos que tinham.
E sabia deles, pois os pressenti sem direção
todos os lobos, eles comeram os meus olhos
 atravessaram apressados os campos que
rodeavam minha casa
comeram meus frutos verdes
minhas flores na varanda
sonhos da juventude...
todos os lobos, eles comeram meus olhos


O poema acima (“Todos os Lobos”) circulou pelo Recife, de bar em bar, sendo vendido juntamente com as produções de outros escritores. Este mesmo poema, de Moisés Neto, seria publicado, em 28.03.80, no Jornal do Commercio, Caderno C, p. 2).
Nestas produções, marginais, tudo era permitido. E a literatura, assim distribuída, aparecia nos mais inóspitos lugares. Como se diria no bom português matuto da zona da Mata de Pernambuco: da fábrica ao consumidor. E assim, estava a cultura, sempre entre todas as camadas sociais, pois havia uma gama infindável de posicionamentos nos escritos e que com isso chegavam a agradar, se não a gregos e troianos, a um certo número de pessoas. Desde o mais simples poema de amor ao mais enraivecido poema revolucionário. Havia, como se pode dizer, temas para todos os gostos. No entanto, esse tipo de produção caracterizava-se pela marginalidade também nos temas escolhidos.
Para os jovens recifenses, literatos de então, era fácil encontrar nos diversos assuntos contemporâneos, os temas para seus escritos.
Aí, reunindo tudo isso. Mexendo e (re) mexendo mais, esse agitado caldeirão, em efervescência constante, ingressava-se nos anos 80. Novas e fortes mudanças permeavam a década. Havia um grande desequilíbrio entre o político e o econômico, o que iria implicar em mudanças na cultura também. Criação de órgãos públicos de apoio à Cultura (anos 70), a queda do AI5, abertura política, o retorno dos exilados, eleições diretas, etc.
E a nossa Cultura Regional, geograficamente falando, vinha de fortes correntes anteriores: Movimento Tropicalista (Salvador/60) e Movimento Armorial (Recife/70).
Moisés Neto fazia parte de um grupo teatral (Ilusionistas), formado por jovens que comungavam do mesmo pensamento. Além dos componentes fixos do grupo (Henrique Amaral, Mísia Coutinho, Paulo Barros, Augusta Ferraz, Simone Figueiredo, Rivaldo Casado, Buarque de Aquino, Beto Vieira, Adeilson Amorim – este desenvolvendo um trabalho fotográfico com o grupo -, entre outros), diversos artistas tiveram uma passagem marcante pela trupe (Vladmir Combre de Senna, Fátima Barreto, Ivonete Melo – esta com suas experiências “Vivencialescas”).
Não havia “gurus” no grupo. Todos tinham os mesmos direitos e deveres. Baseavam-se no que liam. E liam muito. Antes de tudo tiveram por base a literatura universal. Pesquisaram todas as formas teatrais do mundo. Estudaram diversas obras e eram seus conhecedores soberanos.
Que jovens se entregavam à Cultura e suas formas e suas origens, num engendrado de estudos e críticas? Pouquíssimos!
Esse jovem, Moisés Neto, alvo da presente análise, buscava juntamente como os demais componentes do grupo, desdobrar a essência das obras (dos gregos, de Goethe, Cervantes, Shakespeare, O´Neil, Shaw, Ionesco, Becket,Nélson Rodrigues,Plínio Marcos, Artaud, entre outros.) e nela se aprofundar. Buscavam não somente a análise crítica, do ponto de vista cultural, mas também o posicionamento sócio-político da obra, em sua cronologia real.
Eram elitistas, culturalmente falando. Para um “papo” com os integrantes do grupo, por exemplo, tinha-se que no mínimo entender do Expressionismo Alemão.
 Procuravam viajar para se inteirar das novidades nos campos artísticos. Principalmente no eixo Rio-São Paulo. No entanto, muitas vezes iam ao exterior em busca dessas informações (eram, alguns, bem abastados de família). E nessas andanças viravam o Brasil de ponta a ponta, de festival em festival, na procura das novas tendências. Não se prendiam apenas às artes cênicas, mas a todo o universo artístico (artes plásticas, arquitetura, música, etc.)
No fim da década de 70, mas precisamente em maio de 78, surgia em São Paulo o grupo Viajou Sem Passaporte, cuja proposta era bem irreverente. Quebrava com os signos e códigos sagrados do teatro ao rompes, em primeira instância a barreira palco-plateia. Ao ler matéria publicada pelo grupo, em entrevista/depoimento à revista Arte em Revista, evidencia-se a turbulência artística da época. O Brasil era um imenso turbilhão, onde todas tendências se manifestavam e o universo de variedades era bastante vasto.
O grupo Viajou Sem Passaporte tinha algo em comum com as propostas dos Ilusionistas. Ambos tinham raízes no mesmo chão. Ou seja, as influências evidentes naqueles grupos, podem também servir em  Moisés Neto:

Nesse processo, a gente foi descobrindo, em relação ao teatro, que praticamente quase  tudo é dispensável l, com exceção do próprio corpo. Fomos nos despojando de tudo. Sentimos que texto de dramaturgo bom era uma aprendizagem constante. pesquisamos muito sobre iluminação e trilha sonora. Teatro não tem a menor necessidade de ter que transmitir ideias... (2)

 Moisés Neto viajou bastante pelo Brasil, pela América do Sul ,visitou o Grupo El Galpon  (convivendo por quatro dias em Montevidéu com os integrantes do grupo). Um grupo com tendências pós-modernas e que viria a lhe mostrar muita versatilidade na  montagem de três textos de Tchekov.

Muito me impressionou o trabalho deste grupo.Suas técnicas.Por exemplo: afogamento de uma pessoa em cena e as soluções encontradas foram muito marcantes. Sempre fui fascinado por soluções cênicas, vê-las me encantou. Exemplo: um cadáver boiando numa piscina na montagem do musical Sunset Boulevard. Ou então as soluções de Gerald Thomas na sua montagem da Ópera O Navio Fantasma, de Wagner, que também vi, e jamais esquecerei no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os incessantes minutos de vaia, que mais pareciam horas, e que o Thomas recebeu nos agradecimentos, entusiasmado e rindo, pela polêmica lançada. Antes pela mídia e tendo seu ápice naquele momento. Isso me remeteu de volta ao grupo (A Ilusionistas), era um jogo parecido que tínhamos aqui. (3)


Aqui no Recife, o encenador Carlos Bartolomeu, com a montagem da peça A Mais Forte, de August Strindberg, deu várias referências ao grupo, que se identificava com os códigos daquela encenação. A rápida solução encontrada pelo diretor, o atraía. Com o mínimo de elementos, encontravam-se as soluções rapidamente. Esse era o tipo de encenação encaixado nos moldes dos seus ditames. Com a encenação de o Arquiteto e o Imperador da Assíria, Arrabal, também pelo diretor Carlos Bartolomeu, viu Moisés Neto, quão difícil era agradar o público notívago.

Vaias e pedras de gelo, poderiam facilmente substituir risadas e aplausos, como foi essa produção escorraçada da Boate Misty, numa total falta de respeito aos artistas envolvidos, dentre os quais a grande Magdale Alves (4).

Disse-me isso, Moisés Neto, em um comovente depoimento, na sua residência no Janga.
Havia uma certa conotação de melancolia, saudosismo (talvez), no seu falar: a gente está chegando ao caos...(5). O mesmo já se notava no Tropicalismo de Jomard Muniz de Britto.(6) Não se trata aqui de um saudosismo infectado na miséria da vida. Mas uma saudade do que não existe. Uma saudade que põe a alma em dúvida e com isso a excita à criação, rompendo com todos os tratados pré-estabelecidos e lança o homem, qual pássaro num mundo desconhecido e povoado de abutres impregnados da outra saudade (saudade doença), maldade.

Na sua densidade, a vida individual e coletiva é pensada a partir da ideia de um amanhã que deverá existir e que justificará retrospectivamente, o que tiver sido feito para se chegar até esse momento (...) A pós-modernidade marca-se por uma atenção maior com o presente e um desejo de viver intensamente o momento agora e aqui. (7)

Representava então, aquela trupe, algo de novo, de inusitado, para a sociedade local. E lançar no mercado com algo novo, fora dos padrões, era um pouco arriscado. Os anos 80 viam nascer uma forma alternativa de representação teatral. Surgir a busca por novos espaços. A saída dos palcos convencionais, sua intenção era tirar o teatro dos palcos, para bares, boates (8). E o que seria isso então? Em que forma (ou fôrma?) estariam colocados? Eles, da Ilusionistas, não gostariam se quer que isso fosse assim tratado.


... em teatro será o abandono do lugar fixo de representação (reapresentação, repetidas) e sua substituição pelo lugar incerto da apresentação de uma cena, instaurada e não repetidora. (9)


Com a entrada de Vladimir Combre Senna, no grupo, viu-se a necessidade de trazer textos sobre improvisar (Escola Alemã), como o saber viver e zombar de quem é idiota. Era necessário dizer coisas que enlouquecessem as pessoas. Diz Moisés Neto.
Em tudo isso havia um presenteísmo muito forte. Um desejo de viver intensamente o momento. E isto é uma marca dentro da pós-modernidade.
Nas suas viagens pelos festivais (nacionais/internacionais), buscavam debater o fazer teatral. Contratavam professores locais e de outros estados para ministrar cursos para os integrantes do grupo, aberto ao  público em geral. Uma  vez que fazia parte de suas filosofias, literaturizar o público, a população como um todo (Utopia?). E com isso, tinham sempre novas informações sobre tudo que ocorria no mundo cultural.
A ilusionistas produziu em teatro: “A Noite dos Assassinos” (do cubano José Triana – Teatro Joaquim Cardoso/84), “Punhal (de Henrique Amaral no T.J.C/85) “Cleópatra”, para um Festival de Humor em 1986, no Apolo e outra peça neste festival da Prefeitura do Recife: “O Desobumbrar da Ambunda” encanação de Vládmir Combre. “Draculin e o Circo no Espaço” (de Moisés Neto no Teatro Apolo Espetáculo Infantil/85), “Um Certo Delmiro Gouveia” (de Moisés no Teatro de Santa Isabel/85 um musical), em 1987 Henrique Amaral encena “Percepção” no Teatro do SESC, “Hamlet” de Moisés e Ricardo Monteiro (Teatro Valdemar de Oliveira com Moisés no Paiol Título/88). “Urânia” (de Augusta Ferraz no mesmo T.V.O.), “O Horror em Pasárgada” (de Moisés baseado no livro de Mary Shelley, “Frankenstein” – Teatro José Carlos Borges/89), “A Maior Bagunça de Todos os Tempos” de Moisés Neto direção de Buarque de Aquino, este último também ilusionistas, encenou esta produção, a penúltima do grupo que fechou as cortinas com “La Cumparsita” uma adaptação do romance de Manuel Puig “Sangue de Amor Correspondido”. Uma montagem com Ivonete Melo, Simone Figueiredo, Black Escobar e Geovane Magalhães. Era o ano de 1991 e horizonte novos ideais acenavam risonhos e convidativos.

Seu humor cáustico, marcado por profunda ironia, talvez não seja apreciado pelos críticos recifenses. A Liberdade com que satirizou “Faustus” a obra do imortal Goethe, rebatizando-a de “Faustina” e exibindo-a na Boate Misty, rendeu-lhe mais ressalvas do que elogios por partes dos que analisam os espetáculos teatrais (...) Denominando-se um intelectual, Moisés Neto, diz que é muito criticado e mal compreendido na sua intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo, também, em bares e boates. (10)

Assim versava na época, Valdi Coutinho um jornalista do Diário de Pernambuco, sobre a obra de Moisés Neto. Entre outros textos, Moisés Neto produziu e presenteou “os seus públicos”, com peças de gêneros diversos nos bares do Recife. Entre outros: Depois do Escuro – nome sugestivo, para a marginália -. Onde muitos se reuniam, o mundo letrado dos anos 80. Era um ponto de encontro também dos Ilusionistas. Onde debatiam, entre um chope e outro, com os intelectuais a cultura em voga. E onde nasciam, das discussões, as inspirações para novos textos. Cujo público, quase certo, ao ver um espetáculo já aguardava o próximo. Daí a velocidade, pós-modernista, da criação dos textos:
“O QUE TERIA ACONTECIDO COM BETTE DAVIS?” e “SHAKESPEARE ACORRENTEADO” falam de traição, “EVITA-ME À CUBANA” – fala da decadência de Cuba, na década de 80 – numa análise do autor. “PRAZERES DA REVOLUÇÃO” – uma crítica ao governo militar no Brasil, em sua fase terminal (a queda do AI5, por exemplo). “O BOLO” – uma estória intrigante, contando o casamento entre intelectuais e o novo pensamento pós-governo militar. “COM A VÍBORA NO SEIO” – a impossibilidade de amor entre dois homens, marcada pela diferença de idades e o preconceito. “VERDADES E MENTIRAS” – relata os últimos dias de Tancredo Neves (presidente “eleito” do Brasil. “Eleito” mas não empossado, por motivo de morte. Assume Sarney) sob a perspectiva de um casal de artistas desiludidos e fracassados.
Ora seus textos, ora de Henrique Amaral, falavam de um “aqui e agora”, tão cantado no pós-modernismo. (...) tudo pára no instante em que nada perece – tudo é criança, não há morte, nem envelhecimento e nem dor. Apenas paixão. (11)
As temáticas dos textos eram as mais diversas possíveis. Sempre temas que atravessavam o cotidiano, a década, os anos 80. O público, ou “os públicos”, era (m) notívago (s). E  era formado pela identificação direta entre plateia e palco. Já que não existia separação. Quantas vezes o palco não foi a própria plateia?
Em seu apartamento no Janga/ Paulista, Moisés Neto findou-me seu depoimento dizendo:

Nos fins da década de 80, a fórmula estava exausta. Aí veio o primeiro golpe precisamente em 88, quando a  Ilusionistas perde suas características e junta-se a outros produtores culturais (profissionais do ramo) que eram alheios à ideologia do grupo. Como era bom ser jovem e fazer teatro. Tínhamos, também, por vezes, inspirações locais como os já citados e “O Extrato de Formosura (Eduardo Maia). Mas a lembrança forte da abertura dos anos 80 com “Guarani com Coca-Cola”, uma criação coletiva, “Muito Pelo Contrário” (João Falcão). A morte de Marcos Siqueira – e o seu teatro político. O próprio Vivencial de Guilherme Coelho, de Suzana Costa, de Ivonete Melo e de Américo Barreto. (12)


A existência, para Moisés Neto, de uma pseudo-crítica, levou-o a abandonar as produções teatrais durante 5 anos. Irritou-se com isso. Era o fim. A presença de um “crítico teatral”, acabava com a década de 80, com relação ao teatro pernambucano. “LA CUMPARSITA” (1991), marcou um hiato no trabalho da  Ilusionistas. E finaliza Moisés Netto, dizendo: Os primeiros anos da Ilusionistas foram muito experimentais.Uma época que passou e pronto.Aquilo tudo era muito ingênuo. Tínhamos liberdade de dizer o que queríamos.E dissemos!
No ano de 1982, Moisés havia escrito o livro “A NOITE DOS SENTIMENTAIS”, que A Ilusionistas produziu a editoração em abril de 1983. Uma ficção urbana, desenvolvida dentro de um apartamento que para o autor simboliza a cidade (Recife), seus habitantes e conflitos.
A fórmula, como disse o próprio Moisés Neto, estava esgotada mesmo, ou não tinha bastante profundidade, fundamentação, para sustentar-se? Não houve semente daquelas árvores ou os frutos não vingaram?Foi um geração que produziu José Manuel,João Falcão,Henrique Amaral,Luis Felipe Botelho e outros que hoje seguem caminhos tão diversos.
Moisés Neto hoje é professor de literatura, lecionando nas redes privada e estadual. Escreve regularmente para jornais e revistas.
Outros do grupo estão no Japão (Fátima Barreto), na França (Mozart Guerra), na Alemanha (Vladmir Combre de Senna),Paulo Barros em São Paulo (cinema), Augusta Ferraz fundou outro grupo teatral.Mas a Ilusionistas está mais viva do que nunca e cheia de projetos...
Eu vivo num tempo sem sol.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia (13)



                                                                                    Recife, 10/16.07.97






Notas:

(1) – Carlos Alberto Messeder Pereira. In Folha de São Paulo. Poesia Marginal Um  balanço Provisório. Folhetim. Domingo, 28.02.82. P. 6.

(2) –     In Arte Em Revista. Depoimento/entrevista c/Raghy do Grupo Viajou Sem Passaporte. “Ora Pombas!” nº 8. São Paulo, 1982. Pp. 116 a 199.

(3) –     Depoimento/entrevista de Moisés Neto a Albemar Araújo em out/97.

(4) –     idem

(5) –     idem

(6) –     Jomard Muniz de Britto. Palestra gravada na FUNDAJ. Pernambuco. 1997.

(7) –     Teixeira Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. Cultura e Imaginário, São Paulo, Iluminaras/FAFESP, 1997. P. 64.

(8) –     In Diário de Pernambuco. Cad. Viver. Exponha-se. Pernambuco. Sábado, 15.11.86, P. 64.

(9) –     op. Cit. Nota 7.

(10) –   op. Cit. Nota 8.

(11) –   Valdi Coutinho In Diário de Pernambuco. Caderno Viver. Capa. Quinta-feira, 21.08.80.

(12) –   Depoimento de Moisés Neto a Albemar Araújo, em out/97.

(13) –   Berthold Brecht In Breacht Vida e Obra. Fernando Peixoto. Paz e Perra. Rio de Janeiro, 1974. P. 347.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


LIVROS:

COELHO, Teixeira. Dicionário de Política Cultural. Cultura e Imaginária, São Paulo, Iluminaras/FAPESP, 1997.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Waltensir Dutra. 10º, Zahar, 1974.

PEIXOTO, Fernando. Brecht Vida e Obra., José Olympio/Paz e Terra. Rio. GB, 1974.
REVISTAS:

BURGER, Peter. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 91 a 92.
HAVERNAS, Jurgen. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 86 a 91.
HUYSSEN, Andréas. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 92 a 94.
LYOTARD, Jean-François. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 94 a 96.
PORTOGHESE, Paolo. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. P. 96.





    A Presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, Simone Figueiredo, fala sobre as peças teatrais de Moisés Neto


            Escrever sobre a produção literária de Moisés Neto é um prazer acompanhado de uma responsabilidade muito grande, por ter acompanhado e participado muito diretamente do desenvolvimento e da pesquisa proposta pelo autor nos últimos 17 anos.
            Conheci Moisés nos anos 80, especificamente em 85. O autor lançava-se então como dramaturgo com o texto “verdades e mentiras” – que como ele bem define: “arma-se o conflito comédia”, o escritor rompe a obediência com a fatalidade que nada tem de Deus e tudo dos homens. Imitar: intriga engenhosa, temática superficial e aparentemente inocente em torno do amor e dinheiro, teatro: realidade além do real, em nenhum momento atinge dimensão mais profunda não perde nunca a agilidade, um painel de minha época escrito com simplicidade, mas justa eficácia no senso crítico, visão social, brincadeiras leves e bem construídas, algo romântico, sátira política, um pouco dos anos 60/70, a condição humana diante do mito, do artista internacional.”
            Lembrando a definição de antropofagia – linguagem literária ou estética de cunho nacionalista. Essa linguagem assume a forma inicial de uma poética, com a publicação do manifesto antropófago em 1928. A poética antropofágica de Oswald de Andrade reivindica o estabelecimento de um código literário específico que incorpore as categorias de uma consciência arcaica tipicamente brasileira, surgida numa hipotética idade de ouro. Essas categorias, que inspirariam a nova linguagem literária, incluem formas do surreal e do irracional. Os escritores antropófagos romperiam, assim, com o discurso linear. A nova linguagem “devoraria” os modelos literários estrangeiros, em vez de imitá-los. Além disso, a linguagem antropofágica atacaria os sufocantes códigos sociais, morais e literários, por meio da paródia e do sarcasmo.
            Com o rei da vela, peça de Oswald de Andrade publicada em 1937, entende a metáfora antropofágica à linguagem teatral e fortalece o seu componente político. A peça amplia a dimensão cultural e política nacionalista do manifesto antropófago.
            A metáfora antropofágica é revivida em 1967 com a montagem do rei da vela. O diretor José Celso Martinez percebe que a linguagem da antropofagia é uma resposta apropriada às circunstâncias culturais, políticas e econômicas dos anos 60. A montagem de o rei da vela constitui uma versão atualizada da deglutição antropofágica dos mais recentes modelos teatrais estrangeiros que então predominava no teatro brasileiro. O rei lança bases de um modo brasileiro de fazer teatro com a incorporação de formas culturais populares e folclóricas. A metáfora, em sua transmutação última, passa  a chamar-se tropicália.
            No Recife, nos anos 70 assistimos ao surgimento do “Vivencial Diverciones”, nome de uma casa de shows e variedades fundada por Guilherme Coelho e Beto Diniz. O grupo utilizava-se do escracho e do deboche para romper, valores e falar sobre sexo, valores éticos e estéticos e política.
            Segundo Paulo Vieira “O Vivencial Diversiones tangenciava qualquer discurso que fosse engajado, construindo, com a sua prática e a seu modo, um diálogo com a urbanidade, ponto de convergência para onde flui, afinal, aquilo que é chamado de contemporaneidade.”
            Traçando-se um paralelo entre o que foi exposto e a obra do dramaturgo, concluímos que Moisés é um autor sintonizado com a sua época, “antenado”.
            Através dos seus textos, Moisés critica a “política cultural” estabelecida de maneira irônica e inteligente, muitas vezes utilizando-se de clássicos da dramaturgia universal.
            Faustina – Adaptação do Fausto de Goethe é uma comédia escrita e produzida em 1986 que tenta desarticular um pensamento ditatorial católico, ateu e protestante, onde o Mefisto é o demônio, o Fausto, o Saci Pererê virado às avessas e o anjo; a vítima do amor divino. “Se Deus existe, logo o Diabo existe” – satiriza o autor. O espetáculo acontecia à partir da meia noite na boate Misty.
            O público identificava-se com a galhofa, com a sátira, talvez por necessidade de rir das próprias desgraças – uma catarse coletiva.
            Seguindo a mesma tendência o autor escreve em 86, a peça “Cleópatra”; espetáculo dividido em três partes – A primeira, uma sátira e a segunda e a terceira, tragédias – só a primeira parte foi montada para o I Festival de Humor – promoção da PCR – que recebeu indicações para melhor atriz, melhor autor e melhor espetáculo. (Espetáculo, aliás, mais aplaudido pelo público).
            Com Cleópatra e Um Certo Delmiro Gouveia, também de 86 Moisés ganha respectivamente o 1º e o 2º lugar em dramaturgia no concurso “Exponha-se” – promoção do Governo do Estado de Pernambuco.
            Criticado e pouco compreendido na sua intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo também nos bares e boates. Os espetáculos de Moisés ocuparam espaços como: Água de Beber, Três Por Quatro, Boate Araras, Boate Misty, entre outros. Acaba determinando uma tendência nos anos 80 (influência do Vivencial?) – permitindo-se através dos seus textos penetrar no absurdo – “A crítica sagaz, mutante, definitiva, transforma sempre qualquer recente criação” – filosofa o autor.
            Uma das suas adaptações mais ousadas foi a de Hamlet, de William Shakespeare – que Moisés Neto transformou em parceria com o músico Ricardo Monteiro, em um musical Pop. Mantendo a trama básica e feita uma adaptação dos diálogos criados pelo dramaturgo inglês, o nosso Hamlet, Pop e Tupiniquim, procurou se distanciar o menos possível do seu original. A estória se desenrolava nos bastidores de uma companhia teatral durante o ensaio geral do Hamlet. A partir daí, o público passou a se integrar com toda a riqueza do texto e mensagem shakespereanos, enriquecidos pelas canções que permeavam o desenvolvimento da encenação, servindo não de pano de fundo, mas como elemento fundamental para a sua compreensão. Apesar de suas poucas apresentações – o espetáculo instigou os jovens na época (1988).
            Outro texto de Moisés baseado na obra do dramaturgo inglês foi “Shakespeare Acorrentado” (1990) – trata-se de uma fusão de Macbeth e bem está o que bem acaba, respectivamente uma tragédia e uma comédia.
            O autor dá colorido às páginas shakespeareanas de forma surreal e caricata. Ao invés da luta pelo reino da escócia, luta-se pelo domínio do tráfico de drogas e dos famosos clubes para ricaços no Recife. Moisés Neto define seu texto como sendo “resgate de certas ideias incutidas pelo Mestre inglês que desde seu surgimento vem atraindo autores de todo o mundo como o canto das sereias”.
            Porém nem só de adaptações e releituras é composta a obra Produção de Moisés. Verificamos os espetáculos “Draculin” e “A maior bagunça de todos os tempos”, ambos direcionados para o público infanto-juvenil. O primeiro propunha um passeio pelo espaço unindo elementos da cultura popular (o protagonista sonhava montar um circo no espaço) com a tecnologia vigente na época. O segundo, propõe uma discussão sobre o poder e suas relações, apesar de se tratar de um assunto sério o tratamento que recebeu tornou o espetáculo divertido e engraçado.
            Recentemente (1999/2000) foi montado o espetáculo “Para um amor no Recife” que narra uma história sobre amores, conflitos, sexualidade, ambiguidade e solidão de um jovem casal recifense, dos anos 90.
            Segundo o diretor do espetáculo Carlos Bartolomeu, “o texto é um daqueles documentos que revelarão ao futuro a narrativa de uma sociedade e suas feridas. Duro e apaixonado, assim posso descrevê-lo”.

            Ainda nos anos 80, Moisés faz um passeio pela dança contemporânea escrevendo roteiros para espetáculos experimentais, a convite da bailarina Beth Marinho (Profissional Paulista de formação clássica que participou por muitos anos do Balé Stagium da cidade de São Paulo); e do bailarino Black Escobar.
            O resultado foi a construção dos espetáculos “comunhão” e “orgasmo” (1987), este com trilha sonora composta por Ricardo Monteiro que participaram do Festival de Dança organizado pela PCR com apresentações no Teatro de Santa Isabel. A Associação de Técnicas do Balé Clássico com a dança contemporânea foi o caminho utilizado na criação/construção dos espetáculos.
            Ousada para a época, seguia uma tendência da dança que buscava uma linguagem universal, utilizando-se da cultura brasileira. Foi construída uma trilha sonora específica para as coreografias pelo músico Ricardo Monteiro que na época trabalhava em parceria com Moisés na adaptação do clássico Hamlet – de William Shakespeare.
            Em 1989 roteiriza o espetáculo Bandido Corazon mantendo a parceria com Beth Marinho.
            Escreve os romances “A incrível noite dos sentimentais” e “Michelle:corações pernambucanos”. O primeiro foi publicado no ano de 1983 e o segundo será lançado em 2003. Seus poemas já foram publicados em várias coletâneas.Em setembro lançará o livro “Notícias Americanas” ,um poema épico-trash-experimental sobre a tragédia afegã que teve início com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA,neste poema  ele desenvolve sua verve crítica sem se preocupar com rigores acadêmicos,segundo ele é sua última fala underground.Será?E em 2000 lança uma análise sobre o pós-modernismo e releitura da cultura popular nas letras das músicas do fenômeno Chico Science e de outros poetas da cena recifense dos anos 90. O livro vendeu 1000 exemplares em três meses.
            Concluímos então, que Moisés é um autor inquieto, frenético, ávido pela criação. Não me proponho a fazer uma análise crítica de sua obra, mas a dar um depoimento sobre a necessidade de respirar, de alimentar-se de forma autofágica da arte, com ousadia sem medo de descer aos subterrâneos da condição humana (o autor vai ao inferno se preciso for) para construir uma obra forte, feroz, ácida, crítica purgando-se assim e propondo uma reflexão sobre (o homem) com muito humor, ironia e acima de tudo talento de quem domina a arte de escrever e sabe registrar a sociedade que o cerca.


                                                                                Recife, junho de 2002.


                                                                                 Simone Figueiredo
                                              Atriz, arte-educadora e produtora cultural.


                                   


Moisés Neto e seu teatro dissonante
Por Carlos Bartolomeu

Recordo-me da primeira intervenção de Moisés Neto na cena pernambucana. A comunidade Carmelita comemorava quatrocentos anos de sua chegada ao Brasil. O ponto alto das comemorações foi a produção do texto de Cláudio Aguiar sobre o maior herói pernambucano e membro da ordem, o nosso Frei Caneca. Era final dos anos setenta, início da distensão... Retornava eu, à cidade do Recife, após minha rápida incursão ao mundo televisivo do Rio, onde passara pela experiência de ter convivido com os instantes iniciais do fim da rede Tupi de televisão. Encontrava-me desempregado e quis Deus dar-me a felicidade de participar da experiência de montagem cênica sobre a vida do frade pernambucano. Ao contrário de meus outros trabalhos como diretor, minha volta proporcionou-me pela primeira vez na vida, trabalhar como ator profissional. Foi lá, na épica e irônica realização de José Francisco Filho que conheci Moisés...um adolescente ainda, figurando no meio de numeroso elenco.
Certa feita, na cena do julgamento de Frei Caneca onde eu participava como acusador do mártir republicano e ele no papel de uma das testemunhas, ocorreu ao ator iniciante, a ideia de mudar o registro de voz da sua personagem, acirrando a um só tempo a tensão nos outros atores e a comicidade latente na paródia de tribunal que realizávamos. O efeito foi revelador da impostura histórica de nossas personagens. Risos nossos e do público. Cito este ocorrido, com o fito de traduzi-lo como uma espécie de parábola sobre a época e de uma respeitosa, mas hilariante epígrafe sobre a aparição do nosso autor!
Em um de seus exercícios teatrais, O Bolo, escrito em 1986, uma frase é dita por uma das personagens: "Um monte de clichês, estamos impregnados disso " , a frase revela a continuidade daquela interveniente ação de outrora e mimetiza a cena de antes como recurso estilístico e dramático que implícita ou explicitamente desemboca em sua literatura . Naquela época em que fomos companheiros de palco sua intuição teatral teria feito par com a mordacidade. Aquela sua personagem de voz estrídula, seu expediente  algo clichê, utilizando-se da cena teatral com intenção de ferir o ritmo pausado e grandiloquente de uma encenação ou de nosso solene modo de atuar, estruturou-se de maneira atrevida e plena de humor ao longo do tempo. Como um escopo a um só tempo autodepreciativo  e construtor tornou-se recorrente em sua obra.
De exercícios como A Faustina, Prazeres da Revolução, O Bolo ao precioso registro Com a Víbora no Seio, em parceria com Henrique Amaral, passando pela revista de câmara, Cleópatra, a comédia; átimos notívagos tais como Evita-me à Cubana e Um Tostão para Isabelita ou textos mais audaciosos como Um Certo Delmiro Gouveia, Para um Amor no Recife ou a pop experiências no teatro infantil, Moisés Neto incorporou esse grito, essa postura à cena e suas intenções.
                                    Escrevo para ser compreendido e revelar, só assim posso ter a crença de que faz sentido este ato... Mas, pode ser um duplo e ilusório ponto de vista. Lembro a todos que não sou um crítico teatral, vejo-me mais inventivo que eles: outra ilusão, talvez.  O vigente modelo de perseguição a gênios estabelecidos, de se ir a cata do original popularizado, da necessidade da última moda de clássicos (!) no nascedouro ou de bem intencionados regionalistas... iluminados, frustra as possibilidades de se deixar nascer  verdadeiros criadores. Antes de mais nada, o nascimento e o desabrochar de escritores teatrais, deveria ser o primeiro passo. Ocasionalmente, aconteceria a colheita.
Nós, diretores, atores e críticos e mesmo o grande público, talvez pudéssemos nos livrar da ilusão (fatal) de apenas sermos no outro, de existirmos no estrangeiro. A verdade é que não nos visitamos com a assiduidade necessária para o conhecimento de nós mesmos. Não nos deixamos envolver pelo próximo, pelo nosso criativo irmão, primo, amigo...vizinho. O sujeito iniciante que nos oferta Conversa e Poesia. Definitivamente é aí, que nossa paciência se esvai. Corremos em retirada diante daqueles que batendo a nossa porta, nos reconhece como capazes de sinalizarmos... Daqueles que nos oferecem a chance de conhecermos os recortes de suas interioridades.
                Porque para maioria de nós é penosa essa aceitação?  Para maioria de nós, sujeitos normais eles podem ser tudo menos artistas; podem até se tornar artistas. Mas, terem em si, a verdadeira chama da criação, o desejo inesgotável do fazimento...isso nós duvidamos. No caso das criativas mentes provincianas a proximidade não é um espaço de reconhecimento e avaliação, antes é o lugar do desconforto diante da individualidade que se lança corajosa.
                Penso alto e na defesa daqueles que hoje se lançam e lutam por espaço. Penso e escrevo projetando muito daquilo que houve em mim, nos de agora. Penso em mim e na poesia que necessita e deve ser aceita: a de Moisés Neto.
 Penso, especulo, critico: talvez, o erro maior e que se projeta em oposição a toda tentativa de veicularmos a diversidade no nosso teatro, é a maneira de instituirmos o teatro, o teatro ideal que nós sonhamos. De longe... é a ideia!
É um teatro  carregado de ideias vencedoras.
Para olhos normais, não adestrados, grande parte do mérito destas ideias assume uma natural afirmação. Todavia, acredito eu, seu poder emerge de circunstâncias geográficas, de um mérito localizado entre o Tâmisa e o Sena, as margens do Tibre, ou evoca as ondas do Aquelôo.
O Capibaribe não conta ou antes conta se contaminado pelo Tietê...
Digo essas coisas todas, aceito-as como realidades de um tempo, no intuito de colocar para outros que a escritura de Moisés Neto é daquelas que deveria ser visitada. Primeiro para descobri-la, segundo para criticá-la, descartá-la ou nos deixarmos seduzir ante as suas possibilidades de espetáculo e encenação. A obsidente memória e idiossincrasia deste criador nos permite isso. Podemos sair de sua narrativa torcendo o nariz.  Todavia, nela há a possibilidade  de reavermos  nossa imagística. Compreendemos mais o universo da criação local, suas misérias e sonhos de constelações. A dramaturgia de Moisés Neto explora e apresenta o mundo íntimo de seu autor e de sua convivência com o mundo de nosso irrealismo teatral.  Sua escritura vive disso e incorpora os efeitos e as ações desses mundos deplorando em ambos o lado insustentável e evanescente. A ação tateante de suas personagens retoma trejeitos e ridicularias do entorno risível e da precariedade de nossas construções e pretensões. Espelho quebrado, enquadra o ilusório de nossa materialidade, delimitando o espaço tragicômico  do conviver, do re/criar, gritando dissonante por afeto, compreensão e palco.
                                                                        Derby, 3 de abril de 2002

                  Carlos Bartolomeu é pesquisador, diretor teatral e professor na UFPE

   


Moisés Neto trabalhou com o diretor /autor João Falcão e como dramaturgo estreou com a peça “Um Certo Delmiro Gouveia”, vencedora do prêmio de melhor texto literário num concurso promovido pelo Governo de Pernambuco. Lançou seu primeiro romance intitulado A Incrível Noite (edições Ilusionistas) e “Chico Science: A Rapsódia Afrociberdélica”, primeiro livro sobre o Movimento Mangue (outubro de 2000) que analisa aspectos da cultura pernambucana.
Links relacionados (artigo de Moisés na LeMonde Diplomatique):



Também assina a autoria do espetáculo Para um Amor no Recife, que dirigido por Carlos Bartolomeu em 1999.
Co-autor dos musicais “A Ilha do Tesouro” (2002, com Ricardo Valença) e “Sonho de Primavera” (2004-2011, com Rosália Calsavara). Foi vencedor do Prêmio Klaus Vianna, concedido pela FUNARTE, pelo roteiro e direção do espetáculo Recife- Paralelo 8, montado pela Companhia DANTE em 2007.
É autor do texto da peça “Anjos de Fogo e Gelo”, a vida atormentada de Arthur Rimbaud, dirigido por José Francisco Filho, em 2008. Participou, em 2009, da Curadoria da exposição permanente da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) sobre Ruy Barbosa e Castro Alves. 2010 foi o ano do lançamento de “Anticânone, literatura em Pernambuco a partir do século XX”, e em dezembro do mesmo ano mais um texto de Moisés foi levado à cena, o musical “O Circo do Futuro”, com direção de Carlos Bartolomeu.
Antunes Filho, em 2012, pediu que o recifense Moisés Monteiro de Melo Neto, escritor, professor e pesquisador, é Doutor em Letras pela UFPE, escrevesse um texto para o programa da sua nova montagem de “Toda nudez será castigada”. O paulista gostara da palestra que Moisés  proferira sobre Nelson Rodrigues a montagem de “A falecida” que Antunes dirigira.
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