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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

MANGUEBEATNIK, A INTERZONA: viajando com a Beat Generation e o Manguebeat

MANGUEBEATNIK, A INTERZONA: viajando com a Beat Generation e o Manguebeat

Apostando a última ficha na juke box da Soparia do Pina

 20 ANOS DE LAMA E CAOS


            por Moisés Neto
(moisesmonteirodemeloneto)

 
Recife, a Manguetown 
(foto: Max Levay Reis)


            Reunidos em lugares como o Cantinho das Graças, na lendária Soparia do Pina ou do Bar do Caranguejo em Candeias, alguns amigos trançaram os rumos que abalariam os alicerces das concepções artísticas no Recife no início dos anos 90. 
Jorge du Peixe e Moisés Neto, no Pina de Copacabana

O termo Manguebeat logo seria conhecido pelo Brasil inteiro e viraria marca registrada de artistas que dentre outras coisas admiravam a Geração Beat principalmente os autores como Ginsberg, Kerouac e William S. Burroughs. O livro “On The Road” tivera sua 1ª ed. em português nos anos 80 e a editora Brasiliense havia relançado vários autores da Geração Beat, que voltavam a influenciar os autores brasileiros. “Pergunte ao Pó”, de John Fante, mostra um herói que tem tudo a ver com os personagens marginais que pululam nas letras de Chico Science e Fred Zero Quatro, dois poetas, líderes do Manguebeat, Fante foi um avatar. Science vinha desde os anos 80 “Antenado” com a cultura Underground norte–americana. Rap/ hip hop/ funk faziam a cabeça daquele rapaz que aqui no Recife não esquecia suas raízes culturais, como o Maracatu, por exemplo, mas percebeu que alguns artistas ianques da classe menos favorecida, que ficava às margens do mainstream, aprenderam a transformar em poemas, e no caso dos beatniks, também em romances, as aventuras das ruas, dos bares, dos guetos.




 O momento chegou para a Geração Mangue quando, em 93, há 20 anos, Science assina com a Sony Music e os mangueboys invadem São Paulo.  Se o movimento, que havia lançado seu 1º manifesto – release em 1991 e já se articulava bem com a mídia e com os produtores independentes mundiais, a partir do lançamento do CD “Da Lama ao Caos”, a geração Manguebeat dava seu passo mais largo em direção à batida perfeita que eles perseguiam. Do mesmo modo como nos romances “Pergunte ao Pó” de Fante, o herói do mangue vive o universo dos bares, dos esquecidos da sociedade, da busca da emoção mais verdadeira, da vida bandida que Bukowsky mostraria nos seus textos. 
Moisés Neto  e Lúcio Maia (que segura livro de Moisés Neto)



Do mesmo modo que “Beat Generation” foi inventada por Kerouac em 1948 e foi apresentada ao público no artigo que o amigo dele John Clellon Holmes escreveu para o The New York Times Magazine em 1952 (“This Beat Generation”), Fred e Science contaram com o apoio do Jornal do Commercio do Recife para começar o “Movimento Manguebeat”, que evoluiria em muitas direções durante uma década.
O Manguebeat, nos moldes da Beat Generation (que tinha este nome porque, dentre outras coisas, por significar “derrotado, ou, como queriam alguns, beatitude), usava palavras que normalmente só eram usadas por pessoas das classes menos favorecidas. Por exemplo, na letra da música “Banditismo por uma questão de classe”, o poeta Science usa a palavra “Fodido”, só para citar um pequeno exemplo.  A “Batida” (Beat) se espalhou entre aqueles que buscavam a critica social e desprezavam as afetações burguesas. Então, nos moldes dos beathiks, a geração mangue usou criminosos, como Lampião, Biu do Olho Verde, Galeguinho do Coque e outros, como modelos a serem incorporados ao eu–lírico. Como os marginais do romance “Almoço Nu” de Burroughs, as barbaridades são sublimadas em nome da doidice generalizada da sociedade. Para o Mangue recifense chegaram com os anos 90: Os CD’s. A MTV, a McDonald’s e a Internet traziam o estilo americano para o seio de Recife. 

Fred Zeroquatro e Moisés Neto

O Grunge explodia como movimento em Seattle(EUA). Começava a última década de um século que presenciou grandes transformações. Os mangueboys ergueram mais uns copos de cerveja e começaram algo que a poeira do esquecimento nunca encobrirá totalmente. Ficção ou poesia, o drama social de homens que buscaram descrever o cotidiano da estrada, da rua, com sua linguagem dura, sua falta de dinheiro. Em livros ou em CDs, que importa? Era Manguebeatnik! Pronto. Trocar idéias, discos, revistas e livros faziam partido Grupo Mangue (Fred, Chico, Renato L, Mabuse, Helder Aragão, Hilton Lacerda e Jorge du Peixe). 


DJ Dolores, Chico, Cláudio, Moisés Neto, João Jr.

Algo que lembrava os tempos do Village, onde os beats se reuniam para “segurar a onda” uns dos outros, ler seus novos textos, fazer performances (Como o grupo recifense que elegeu o Espaço Oásis, em Olinda, o Arteviva e a Soparia do Pina, Recife, para exibir seus trabalhos),  encontrar novas pessoas e se interessar por elas, fortalecendo assim uma corrente de pensamento, uma atitude grupal. É claro que, como Burroughs, haveria mangueboys de primeira instância que negariam no futuro qualquer ligação maior com o movimento. Mas isto é outra história. O Manguebeat desponta no Brasil no final dos anos de chumbo, do mesmo modo que os Beatniks enfrentaram o McCarthismo pós–guerra nos EUA e abrir as portas para novas percepções. A psicodelia, que Ginsberg e Timothy Leary propagaram já nos anos 60, influenciou Chico de tal forma que ele criou a estética afrociberdélica, letras psicodélicas, cibernéticas, estética afro, diluída num som cheio de efeitos. O desconforto, a ruptura com a velha realidade e a criação de um novo modo de ver as coisas desnudando-as. Era o espírito dos rapazes que queriam aventuras e se posicionavam contra aqueles que queriam roubar dos pobres seu bem mais precioso: a liberdade.  Artistas criando seu próprio universo: os beats mostravam que não eram só as grades das prisões que mereciam uma revisão. 

Os valores sociais precisavam de novo padrão, este fatalmente iria de encontro ao consumismo, não o respeitando, mas negociando numa dialética bem particular, nova, diferente. Havia muita gente sem trabalho, sem segurança e sem felicidade, tanto nos EUA Beatnik quanto no Recife Manguebeat. Mas tanto a águia americana quanto o gigante deitado eternamente em berço esplendido (Brasil) na terra dos altos coqueiros (Pernambuco) fincados no mangue (Recife) tinham no seu colo alguns artistas desvalidos que pediam uma vida menos bandida, logo! E foram buscar na música negra, quer fosse o jazz dos beatniks ou no maracatu, funk, rap, soul dos manguebeats. Queriam a chance de gritar poesia e clamar por liberdade. Andar num mundo mais livre. Valia a pena para isso correr vários riscos. “Freedom is just another word for nothing left to lose” disse Kristoferson na letra de “Me and Bob Mcgee”, interpretada por Janis Joplin no seu álbum – testamento (Pearl), uma canção pra lá de beat. Janis que levara às últimas consequências os ideais de sua geração beat/hippie. Viajar, em todos os sentidos, é o que propuseram os manguebeatniks, também. E o esforço anárquico manteve a chama acesa excitando e aquecendo quem deles se aproximar até hoje. Tanto quanto Allen Ginsberg, no outubro de 1955, em San Francisco, quando  pela primeira vez fez uma leitura pública do “Uivo”, a geração manguebeat, também enfrentavam o problema de toda e qualquer nova geração: provar que tinha algo novo e eficiente para mostrar. Tornar–se independente.


Renato Lins (Renato L) & Moisés Neto


 Na intrigante expressão facial de Chico Science, no seu jeito de cantar, no que ele dizia sobre a malandragem e o trabalho, sobre a condição de vida na Manguetown (modo como a geração manguebeat chamava Recife) e dos mangueboys, vemos estampada a atitude, o desafio. Rotular “Mangue”, ou “Beat”, uma geração é fazer dela parâmetro, farol. Conseguir transformar um conjunto de comportamentos, num adjetivo. Uma poesia crua, nua, apostando a última ficha numa juke box de um bar como foi a lendária Soparia do Pina, de Roger de Renor, onde a geração manguebeat se encontrou, naquele início dos 90. Viver na boemia e ser ágil como um caranguejo. Não ter medo do excêntrico, do tedioso, do ceticismo, do cinismo, de reconhecer que a paz nas ruas era apenas para disfarçar o cansaço diante da injustiça social transformada em máquina de explorar pobre é que um cara pobre desses tinha, ou poderia expressar, sua visão diferente do mundo. Uma idéia na cabeça e um bom canal de expressão à mão eram o bastante para começar.





O percussionista Garnizé, moisesneto e o vocalista Tiger, do grupo Faces do Subúrbio



 Se o beco não tinha saída, o lance seria dar meia volta e cair na estrada novamente. Pois estar na estrada é não estar perdido, é estar procurando. On the road  o Manguebeat procurava era a atitude certa, coisa que a passividade recifense havia esquecido de fazer desde os anos 70, quando grupos como Ave Sangria, capitaneados pelo poeta Marco Pólo, e os escritores publicados pela “Edições Piratas”, como o poeta Manuel Constantino, criavam novas perspectivas  nos meios intelectuais dos bares, das ruas, da mídia. O mergulho no álcool, na brincadeira, e até mesmo a visão das drogas, o trabalho alternativo, ou nenhum, a produção independente ou o respaldo de uma grande editora, uma gravadora, tudo ia circulando ao redor dos manguebitniks. A desilusão se transformando na vontade de curtir uma nova experiência, psicodélica, africana, cibernética, existencialista, uma viagem para dentro da própria sua condição e curtir várias possibilidades do ser. 

 Lolipop, dos Textículos de Mary, com moisesneto

Como no filme “The Wild One”, com Marlon Brando, onde um motoqueiro beat e sua turma chegam para tomar cerveja e agitam numa cidade americana. Ele tem até um troféu, mas a vontade de desafiar o sistema é bem mais importante. Foi assim com Jim Morrison, com James Dean (ícone beat), com Cazuza e Renato Russo (rock dos 80) e com Chico Science e Fred Zero Quatro, sua virada cultural



moisesneto e zé brown (lançamento do livro de moisés sobre o Faces do subúrbio)


“Only the most bitter among them would call their reality a nightmare and protest that they have been indeed lost something, the future”. Disse John Clellon Holmes no artigo “This is the beat generation”, no New York Times Magazine 16/nov/52. Artigo que introduziu a expressão “Beat Generation” para o mundo onde ele afirmava que para eles era mais importante “como” viver do que “por quê”. Não era falar sobre o cansaço e sim em como se tornar mais ativo e ativista: o manguebeat foi o plano que todos esperavam. Nem se conformar nem destruir: antenar-se e relaxar, parecia ser o melhor caminho para ambas as “gerações”.
Moisesneto e Marcelo Pereira


 Se a guerrilha que Zeroquatro e Chico exaltavam não podia ser uma revolução armada, então seriam poesia e som com “gosto de gás” (com toda vontade) como “Bala que já cheira a sangue” (Trecho de uma letra de Science). Zeroquatro parecia com o narrador do romance “On The Road” (“Pé na estrada” na tradução para o Brasil), Sal Paradise, que parte de New Jersey para San Francisco, antes parando na casa de um amigo, Dean Moriarty uma espécie de Chico Science, que mora em Denver, e curte a vida. (Dean é inspirado no Beatnik Neal Cassady). Em Dever ele encontra Dean e Carlo Marx (inspirado em Allen Ginsberg) que poderia ser qualquer outro mangueboy como Renato L ou Jorge du Peixe, ou Hélder Aragão (DJ Dolores)


Hilton Lacerda, Vavá Schön, Júnior Sampaio  e moisesneto


Os três curtem Denver, como os caranguejos com cérebro (os jovens do mangue), curtiram Recife. Dean e Sal precisavam de um lugar para ficar e ainda pensam dar um salto para a Itália. Mas a estrada americana era tudo que a realidade lhes oferece. Chico, Fred, Renato, Helder, du Peixe e Mabuse aqui no Recife armavam as estratégias de ataque. O manifesto em 91, o CD e o lançamento do movimento em São Paulo e no Rio de Janeiro em 93. O Jazz que Sal curte com Duke Ellington em Chicago, era o som de Nick Cave e tantos outros  que Chico curtia em Recife. Carne preta seca em pó da lacraia aquática gigante brasileira, citada por Burroughs em “Naked Lunch”, a interzona que este autor sugeriu neste romance. Americanos gostam de viajar, mas só querem encontrar humor afrodisíaco: agente interzonal. 



Moisesneto, Jeison Walace e Roger de Renor



Esporádicas alucinações? Bem–vindo ao clube! Ele está cheio de máquinas escrever mutantes e dopadas. Penitência? Ansiedade? Psicodelicanálise? Há em tudo isso um paradoxo ético (étnico)? Transestético! Todos saem do ar na interzona. É algo assim que eu quero dizer aqui neste BLOG, comparando Manguebeat com Beatnik

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