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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Poema épico em Pernambuco

MARCUS ACCIOLY E SEU ÉPICO “LATINOMÉRICA”

                                   por Moisés Neto


Poeta e professor de literatura,o pernambucano Marcus Accioly (que no ano 2000 assumiu a cadeira deixada por João Cabral de Melo Neto na Academia Pernambucana de Letras) é autor do poema épico “Latinomérica” (Editora Topbooks. 620 páginas).
Falar do gênero épico não é tarefa fácil. Epopeia vem do grego “épos”(verso)  + “poieô” (faço) e se refere à narrativa em forma de versos,de um fato grandioso e maravilhoso que interessa a um povo.É uma poesia objetiva,impessoal.Um narrador fala do passado(verbos no pretérito). “A Ilíada” e a “Odisséia”(ambos de Homero) são nossos maiores referenciais no gênero,e são seguidos de perto pela “Eneida (onde Virgílio narra os feitos romanos).Há também “Os Lusíadas”(Camões), “O Paraíso Perdido” ((Milton), “Orlando Furioso”(de Ludovico Ariosto,Itália) e ainda os árcades brasileiros “Caramuru” e  “O Uraguai”.
Uma coisa em comum: a questão do herói coletivo, como  em “Os Lusíadas” (o povo português).
Geralmente um épico divide-se em cinco partes:proposição(tema e herói são apresentados),invocação(o poeta pede inspiração),dedicatória,narração e epílogo.
Accioly, que podemos rotular de poeta da geração 65, é autor de livros como:”Cancioneiro”(68), “Nordestinados” (71), “Xilografia” (74), e “Sísifo” (76),dentre outros, há muito vinha esboçando  uma epopeia  nos moldes de um  Homero nordestino do século XX.
São 34 anos de profissionalismo literário:13 publicações e 10 prêmios nacionais.Já foi comparado a Apollinaire e tido como poeta clássico por sua reinterpretação dos mitos do passado,pela crítica italiana Luciana Stegagno Picchio. E agora este lançamento:uma aventura problemática,se considerarmos que são rimas forçadas na tentativa de  glorificar uma terra dominada por estrangeiros: a América Latina,que aparece no texto através de um jogo  de trocadilhos e numa grandiloqüência ,digamos assim, tragicômica.
O que percebemos através da leitura do longo poema, é  uma terra sonâmbula caminhando entre a infantilidade e a demência,guiada por heróis derrotados como Zumbi,Guevara e Tiradentes.
Marcus cita nomes como: Tatcher,Pinochet,Reagan que aparecem misturados com poetas e políticos que vão dos latinos aos africanos através das 590 páginas do texto(incluindo o apêndice) .O poema em si tem 535 páginas e termina com uma página preta onde em letras brancas lemos: “Bilhete aos surdos-mudos do poder/(a solidão do poder  x  o poder da solidão)/a serpente do sistema/presa à presa a presa  extrema/abocanha pela cauda/a cabeça da palavra//a palavra mais serpente/sente a goela no seu dente/que mortífero envenena/a cabeça/do sistema” (!)
O apêndice (30 partes) procura explicar a  feitura do poema,sob ângulos pré e pós colombianos e cabralinos.
Protesto?Insatisfação? O poema começa com uma carta”aos cegos do poder”(que anuncia o 3º milênio) e segue tropeçando entre neologismos(Latino+ Homérica= Latinomérica) e citações.
Curiosidade:não há nenhuma vírgula no poema,ao contrário dos parênteses que pululam.
Sim.Marcus valoriza nossa cultura,mas,dizer que o colonizador “castrou de nossa boca o sexo dos nossos idiomas primevos” ou que  “chupamos do sexo ou da boca do conquistador a nossa língua”,é uma licença poética forte.Sem contar o tom emocional(deslumbrado?) que permeia a narrativa com ares regionalistas.
Ao modo de Borges,Accioly parece dizer que “A América Latina é uma ficção”(o que não caberia numa epopéia) e a dele  (Accioly) só existe porque ele a escreveu deste modo.
II

“A América precisa dos seus sons(...)perderam-se as vozes,quebraram-se os instrumentos.Ficou uma espécie de marulho inquietante(...) esses fragmento de voz”,sentencia o autor no apêndice do livro(“decifro-me ou devoro-me”) e cita Maiakovski: “hoje executarei meus versos /nas flautas de minhas próprias vértebras”.É o nordestino versejar universalizando-se,sentindo saudade de si mesmo num reverso baudelairiano de amor à última vista,tentando fugir da futilidade.Mergulhando numa saudade que retroage e expecta na esperança lírica que desloca o passado e o presente para o futuro.

III

Para justificar seu esforço épico, Accioly carrega nas frases feitas: "A memória é a arma branca do poeta e sua arma de fogo é a imaginação.Lembrar é fácil,difícil é esquecer, a ´deslembrança` que é a América” (este navio-continente)
Motivos recorrente sem “Latinomérica”,a infância (da América) e a busca da identidade:o filho busca o pai,fracassando volta para a mãe (“à vagina por onde entrou seu pai”) que é então, pela segunda vez, violentada(“cópula com a terra”).
“Quando um mundo se vai e outro se esforça para nascer,é que surgem as epopeias”,disse o escritor Nikos Kazantzakis. Tentando o antilirismo para cantar nossas glórias e perdas coletivas neste lugar,onde “estar no presente é,de certa forma,continuar no passado”, Accioly não transformou o neocolonialismo num pretexto para seu ato poético, mas cita Ginsberg ao chamar os EUA de “trapaceiros mercadores” cujos principais valores são  a mentira e a ambição por tecnologia,dinheiro e poder e que têm por princípio nunca reconhecer a própria derrota,como no Vietnã,por exemplo. O cerne desta criação  é a gigante América Latina atravancada entre oceanos de metáforas.E o autor sugere ao leitor uma leitura não-linear do seu poema,neste Brasil,onde boa parte da poesia virou prosa.Seria este canto poético mais bonito que a luta que nos resta? Seria possível misturar poema e luta de Box? O poeta tenta:Transforma os “cantos” da epopeia em “rounds” e espalha por eles seus versos decassílabos,oitava rima clássica camoniana(paradoxo para quem pede independência cultural?).


Marcus Accioly & Moisés Neto 

“Que o canto (em vez do belo) possa ser o feio/e o sujo(em vez do limpo) possa ser o canto/(possa o ouro ser fezes no seu veio)/possa o mal do poeta e a dor do santo/(possa ser o vazio em vez do cheio)/ remende o véu do ódio e rasgue o manto/do amor(com as mesmas unhas) que ele possa/ ser o ouro amarelo que há na fossa// (que o amor que tu sentes pelAmérica /seja o ódio voltado aos seus tiranos)/ah se eu pudesse contra os reis da terra/a saliva de sal dos oceanos”.

É história e cultura (do Canadá até a Terra do Fogo)engajando-se,mostrando o colonizador como “bárbaro  e bruto”,como se os povos americanos também não o fossem.Há idealização e dramaticidade excessiva em Marcus como houve no romântico  Castro Alves ao falar dos escravos.Há também trocadilhos infames e todo o poema às vezes titubeia entre  a alta arte e a apelação. Mas é uma voz poética que nos honra.Um grito,um clamor de agonia e êxtase.Foram 20 anos compondo este poema, 11 dos quais sem nenhum título lançado.

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