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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Literatura em Pernambuco: um caso bem especial

Lemos Gilvan Lemos 
Por Moisés Neto
Artigo anteriormente publicado no jornal Gazeta Pernambuco


Homenageado pela Bienal do livro de Pernambuco em 2013, o pernambucano Gilvan Lemos é autor de linguagem expressiva e vigorosa das mais possantes nos anos 60/80 do nosso panorama intelectual brasileiro é legítimo herdeiro da prosa Regionalista da geração de 30, revitalizando-a com a contemporaneidade de seu estilo. Suas características são a espontaneidade nos diálogos, a segurança ao fixar ambientes e tipos. Cria climas densos, dramáticos, misteriosos. Critica a passividade do povo do interior diante da opressão. Não se preocupa muito com a chamada "cor local", isto é descrição de paisagens, o que só é feito para integrá-las ao lado da construção psicológica das personagens. Zomba de "estrangeirismos", e mesmo dos intelectuais do "sul". Critica a esquerda e a direita num ceticismo que atinge até o anticlericalismo. Livros Publicados: NOTURNO SEM MÚSICA, JUTAÍ MENINO, EMISSÁRIOS DO DIABO, O DEFUNTO AVENTUREIRO, A NOITE DOS ABRAÇADOS, OS OLHOS DA TREVA, OS QUE SE FORAM LUTANDO, ANJO DO QUARTO DIA, OS PARDAIS ESTÃO VOLTANDO, MORTE AO INVASOR, A INOCENTE FACE DA VINGANÇA, O MAR EXISTE, ESPAÇO TERRESTRE, ENQUANTO O RIO DORME, CECÍLIA ENTRE OS LEÕES, NEBLINAS E SERENOS, A LENDA DOS CEM, MORCEGO CEGO. Escolhemos um deles para comentar aqui, na GAZETA.

Escritores pernambucanos Gilvan Lemos e Moisés Neto

A ação do romance "Os Pardais Estão Voltando" transcorre nos "Anos de chumbo" (O Estado golpista brasileiro pós-64). O narrador critica a mediocridade da cidade interiorana de Bentuna. Com seus típicos cidadãos conservadores e ignorantes, mesquinhos em seus hábitos e costumes: Época do presidente Castelo Branco - "abaixo Deus, ele", diz um dos moradores. O povo é acostumado: "Não há quem lhes arranque da goela seca uma palavra de revolta". A narrativa não-linear em sua pulsação irônica, marca o tédio crescente de Fábio, suas indecisões e conflitos como escritor e como povo. O comunismo surge como pano de fundo (A famigerada Lei de Segurança Nacional), e os brasileiros, "no maior dos apertos vem com gracinhas fazendo chacotas da própria desgraça" "Quem neste país não se ilude com carnaval, futebol e piadas, já arribou ou está preso". Em Gilvan, a revolta está acima de "esquerdas" ou "direitas". É cômico ao falar da palidez de um gato. É irônico ao referir-se ao povo de Bentuna: "tudo buona família", "não se sentia tanto a morte de uma batizada, com o céu garantido, situava-se bem melhor do que na Terra, neste vale de lágrimas contaminado". Traça paralelos entre Bentuna e o Recife: "esta mania de descobrir parecenças...". São muitas as tramas ao redor de Fábio, o que aproxima "Os pardais..." de uma novela, com seus múltiplos personagens. O Realismo Fantástico (ou Mágico), “espécie de literatura do absurdo”, recurso muito utilizado pelo colombiano Gabriel Garcia Marquez, é criticado por Gilvan ferozmente como modismo. Uma das passagens mais pitorescas do romance talvez seja o ritual que precede a primeira relação sexual de Fábio: o pai examina-o em um banho de açude e decide encaminhá-lo a uma prostituta. Outro trecho de destaque é o que diz respeito ao PADRE ALBERTO, chamado pelo povo de "homossexual comunista" por defender a justiça social e questionar determinados valores. O padre é agredido com duas pancadas na cabeça, drogado com éter e colocado nu na cama de uma prostituta. Com a fé abalada, o padre desiste de Bentuna. No capítulo 16, o primeiro parágrafo trata da mudança na paisagem depois de uma "chuva boa". Fábio é "um homem perdido no meio das incertezas, incapaz de encontrar novo rumo". "Hoje que me embaraço para realizar um romance, voar mais alto em sua realização (...) tenho saudade do tempo em que desejava sefr um grande homem para escrever belos romances". Nas últimas linhas do romance (capítulo l7), o discurso de Fábio confunde-se com o do narrador: "Quando os lilases plantados por Rita perfumaram agressivamente a primeira noite do seu desabrochar..." (Rita, sua empregada. É também assim que começao romance). "Puxou do cigarro uma longa tragada. Olhou o que tinha escrito. Botaria uma vírgula depois de ´lilases‘, outra depois de ´Rita‘? Aquele ´desabrochar‘ também estava chato, muito chato. Riscou-o". Assim encerra-se a narrativa: numa espécie de recomeço.


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