LITERATURA
BRASILEIRA
QUINHENTISMO
– SÉCULO XVI
INTRODUÇÃO
A
ERA COLONIAL da Literatura Brasileira abrange os três primeiros séculos de
existência do país, sob a condição de colônia de Portugal. A subordinação
política e econômica à Metrópole condiciona a dependência cultural e a imitação
dos modelos artísticos portugueses. Assim, não se pode falar numa literatura propriamente
BRASILEIRA antes da Independência política (1822) e do Romantismo (1836). O que
aqui se escreveu até o século XVIII tem caráter híbrido, pelo que a ERA
COLONIAL é, com justeza, designada como “ERA LUSO-BRASILEIRA”.
Esta
primeira Era não é absolutamente uniforme; à medida que a Colônia ganha
fisionomia própria, as suas especificidades vão-se refletindo na produção
literária, pelo que é usual o reconhecimento de três períodos distintos:
I – QUINHENTISMO – Séc.
XVI – (1500-1601) – Literatura SOBRE o Brasil, de caráter meramente
informativo.
II – SEISCENTISMO –
BARROCO – Séc. XVII – (1601-1768) – Literatura no Brasil – Há produção
propriamente literária, ainda que constituída da simples transposição dos
modelos ibéricos.
III – SETECENTISMO
– ARCADISMO – Séc. XVIII – (1768-1836) –
Literatura do Brasil – Começa a haver ressonância da sociedade colonial na
produção literária, amparando os primeiros movimentos de rebelião contra os
estatutos da Metrópole (Inconfidência Mineira, Revolução dos Alfaiates etc.).
A LITERATURA DE
INFORMAÇÃO QUINHENTISTA
A expansão ultramarina europeia teve
como desdobramento literário, o aparecimento de inúmeros viajantes às
terras recém-descobertas ou exploradas da Ásia, da África e da América, cuja
missão era a de produzir relatórios, com informações sobre essas terras,
detalhando os recursos minerais, a fauna, a flora e os aspectos exóticos e
pitorescos de seus habitantes. Esses relatórios, denominados “CRÔNICAS DE
VIAGEM”, pertencem mais ao âmbito da História do que ao da Literatura, posto
que nos remetem a uma linguagem puramente referencial ou denotativa. Assim, é
usual excluir-se a literatura informativa do século XVI da periodização da
Literatura Brasileira, já que as primeiras produções propriamente literárias só
viriam a ocorrer no Séc. XVII, em plena efervescência do estilo Barroco.
A carta de Caminha
– A certidão de batismo do Brasil
“De ponta a ponta é
toda praia... muito chã e muito fremosa. (...) Nela até agora não pudemos saber
que haja ouro nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim
frios e temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas.
E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por
bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece
que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza
em ela deve lançar”.
Assim o escrivão da armada de Cabral conclui sua
carta-relatório ao Rei D. Manuel, informando sobre o descobrimento do Brasil.
Observe a convivência, no mesmo parágrafo, do propósito mercantilista da viagem
(a preocupação com o ouro e a prata), com o espírito missionário (a salvação do
índio), que oferecia uma justificativa para a exploração econômica.
A
Carta de Caminha marca, também, o início de uma longa tradição, o UFANISMO ou
NATIVISMO, que consiste na exaltação (por vezes exagerada) das virtudes da
terra e da gente, e que se irá desdobrar em todos os períodos subseqüentes.
Com
relação ao índio, a atitude de Caminha foi de certa simpatia:
“Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir
nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de
mostrar no rosto. (...) Eles porém contudo andam muito bem curados e muito
limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as aves ou alimárias
monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os
corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser.”
Alude
também, maliciosamente, à nudez das índias:
“... Ali andavam entre eles três ou quatro moços bem novinhas e gentis,
com cabelos mui pretos e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e
tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não
tínhamos nenhuma vergonha”.
Pero de Magalhães
Gândavo
É autor do Tratado da Terra do Brasil e da História da Província de Santa Cruz, a
que vulgarmente chamamos Brasil. A motivação
básica dos dois livros é atrair os portugueses para a obra colonizadora,
estimulando a imigração, “especialmente daqueles que vivem na pobreza”, por
meio da exaltação da riqueza e do clima da colônia. É o primeiro cronista a
aludir à importância do escravo na economia colonial:
“E a primeira coisa que (os moradores) pretendem adquirir são escravos
para lhes fazerem suas fazendas, e se uma pessoa chega na terra a alcançar dous
pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu), logo tem
remédio para poder honradamente sustentar sua família; (...)”
A
visão paradisíaca ou edênica (de éden) da nossa natureza, de que Gândavo estava
imbuído, leva-o a comparações inauditas ou cômicas, como nesta descrição da
banana:
“Esta planta é mui tenra e não mui alta, não tem ramos senão umas
folhas que serão ou sete palmos de comprido. A fruita dela se chama banana.
Parecem-se na feição com pepinos e criam-se em cachos. (...) Esta fruta é mui
saborosa, e das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo (ainda que
mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano à saúde e
causa fevre a quem se desmanda nela.”
Gabriel Soares de Sousa
É autor do Tratado Descritivo do Brasil, obra escrita já no período de dominação espanhola;
procura, no mesmo sentido nativista de Caminha e Gândavo, motivar a corte
filipina a investir na Colônia:
“Em reparo e acrescentamento estará bem empregado todo o cuidado que
sua Majestade mandar ter deste novo reino; pois está capaz para se edificar
nele um grande império, o qual com pouca despesa destes reinos se fará tão
soberano, que seja um dos estados do mundo, porque terá de costa mais de mil
léguas (...), cuja terra é quase toda muito fértil, mui sadia, fresca e lavada
de bons ares e regada de frescas e frias águas.” (...)
Ambrósio Fernandes Brandão
Diálogos das Grandezas do
Brasil, obra composta em 1618, ainda é
expressão da literatura informativa, mas agora partindo do colonizador
plenamente integrado à terra, revestindo-se de apreciável espírito
crítico, revelando particular interesse pelas
nossas coisas, pela nossa situação e pelo nosso destino. A forma de composição
escolhida é o diálogo entre dois personagens, Brandônio (colono experiente) e Alviano (reinol recém-chegado ao Brasil). Por meio do
diálogo, são veiculadas por Brandônio as informações essenciais sobre a
colônia, em estilo vivo e colorido, como se observa no fragmento transcrito do
Diálogo Quinto:
“Brandônio: (...) piranha
é pescado pouco maior de palmo, mas de tão grande ânimo que excedem em ser
carniceiros aos tubarões, dos quais, com haver muitas desta parte, não são tão
arriscados como estas piranhas,
que devem de ter uma inclinação leonina, e não se acham senão em rios d´água
doce: têm sete ordens de dentes, tão agudos e cortadores, que pode mui bem cada
um deles fazer ofício de navalha e lanceta, e tanto que estes peixes sentem
qualquer pessoa dentro n´água: se enviam a ela, como fera brava, e a parte aonde
a ferram levam na boca sem resistência, com deixarem o osso descoberto de
carne, e por onde mais freqüentam de aferrar é pelos testículos, que logo os
cortam, e levam juntamente com a natureza, e muitos índios se acham por este
respeito faltos de semelhantes membros.
Alviano: Dou-vos minha
palavra que não haverá já coisa na vida que me faça meter nos rios desta terra;
porque ainda que não tenham mais de um palmo d´água, imaginarei que já são
essas piranhas comigo, e que me desarmam da coisa que mais estimo.
Citam-se,
ainda, entre os cronistas portugueses: Pero Lopes de Souza (O Diário de
Navegação), Pe. Fernão Cardim (Narrativa Epistolar e Tratados da Terra e da
Gente do Brasil), além de missionários
jesuítas que produziram inúmeras Cartas
informativas, dirigidas aos superiores da ordem religiosa no Brasil e na
Espanha, sobre assuntos pertinentes à catequese.
Há,
também, viajantes “estrangeiros” (não-portugueses) que aportaram no Brasil
quinhentista, à caça de informações sobre o “eldorado”, o “éden” (forma com que
a imaginação europeia pintava a terra recém-descoberta). Hans Staden,
Jean de Léry, Andrè de Thevet, Antonio e Américo
Vespucci incluem-se nessa categoria.
Projeções da
literatura de informação em períodos posteriores
A
pesar de não pertencer ao campo da Literatura, e sim ao da História, a produção
dos cronistas de viagem ofereceu sugestões temáticas e formais a autores do
ROMANTISMO (fase indianista) e do MODERNISMO (1ª Geração, 1922/30, Correntes do
Verde-amarelismo e Antropofágica). Essa
“ressurreição” dos textos quinhentistas deveu-se ao fato de que o Romantismo e
o Modernismo se revestiram de um caráter fortemente nacionalista, de valorização intensiva do folclore, das nossas
raízes. E onde seria possível encontrar informações sobre a nossa
“pré-história”, sobre o índio, antes do contato com a civilização? Notório que
na Literatura de Informações do séc. XVI.
Gonçalves
Dias e José de Alencar, no Romantismo; Mário de Andrade e Oswald de Andrade, no
1º tempo Modernista, beberam amplamente dessas fontes pré-literárias. Em I
– Juca Pirama, Gonçalves Dias, ao descrever os
rituais antropofágicos dos aimorés, toma como fonte as descrições congêneres
que fizeram Hans Staden e Gabriel Soares de Souza. Oswald de Andrade,
especialmente no livro Pau-Brasil, recria, poeticamente, passagens da Carta de
Caminha e da obra de Gândavo, como em:
Pero Vaz de Caminha – A
DESCOBERTA
Seguimos nosso caminho
por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de
terra.
(Oswald de Andrade)
AS MENINAS DA GARE
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.
(Oswald de
Andrade)
A LITERATURA JESUÍTICA
Durante quase todo o período colonial, a educação foi
atribuição exclusiva das ordens religiosas, especialmente da Companhia de
Jesus. Com efeito, os jesuítas, agentes da Contra-Reforma, instalaram no Brasil
sua obra missionária, desde as primeiras décadas de nossa história. Foram fator
fundamental na destribalização do índio e na sua absorção pelo mundo
“civilização”. Imbuídos dessa intenção pedagógica e moralizante, os textos que
produziram revestem-se de caráter mais didático que artístico. Nessa linha,
incluem-se o Pe. Manuel da Nóbrega, com
o seu Diálogo sobre a Conversão dos Gentios, e, já no séc. XVII, o Frei Vicente Salvador, com a História do Brasil.
Há, contudo, uma figura que transcende às limitações do
puramente Informativo e didático para incluir-se no plano do literário – é o
Pe. JOSÉ DE ANCHIETA, o “Apóstolo do Brasil”, fundador do colégio de
Piratininga, núcleo da cidade de São Paulo, exemplo de zelo religioso,
sensibilidade e vida espiritual particularmente heróica, nas condições adversas
em que se exerceu. Deixou Cartas, Informações, Fragmentos Históricos, Sermões,
Teatro e Poesia, destacando-se estes dois últimos aspectos como os mais
relevantes literariamente.
O teatro de
Anchieta
Inspirava-se, quanto ao aspecto construtivo, no
teatro medieval ibérico, nos mistérios e moralidades. Seus AUTOS eram
destinados à edificação do índio e do branco, em certas cerimônias litúrgicas (Na
Festa de São Lourenço, Na Visitação de Santa Isabel etc.) e envolviam personagens tomadas como alegorias do Bem e do Mal,
personificados em anjos e demônios. Apoiavam-se no canto e na dança, como
elementos motivadores para a presença do índio, e isso faz de Anchieta o
primeiro pesquisador da cultura tupi-guarani, bem como um dos primeiros a usar
o idioma tupi, ao lado do português, do espanhol e do latim. A paradoxal
modernidade desses autos rudimentares está na ativa participação da plateia
(apenas masculina) no espetáculo, por meio do canto e da dança. Este teatro de
revista indígena não oferece, de fato, unidade de ação ou de tempo: cenas
nativas, lutas contra os franceses, corridas, superpõem-se nesta rapsódia e
visam a converter recreando (por A. Bosi, História Concisa, pág. 26).
A poesia de
Anchieta
Expressa a motivação mística e catequética do autor,
impregnado de profunda devoção Mariana. Traduz uma visão ainda medieval
(teocêntrica) do universo. A estrutura é também medieval, com versos curtos, na
“medida velha”, ou seja, o emprego das REDONDILHAS (maiores – 7 sílabas; e
menores – 5 sílabas).
A
mortificação do humano, o distanciamento dos prazeres terrenos encontram
consolação no amor divino, que contrapõe ao desengano da vida os valores
positivos da esperança e da alegria, também presentes na poesia de Anchieta.
EM DEUS, MEU CRIADOR
Não há cousa segura.
Tudo quanto se vê
se vai passando.
A Vida não tem dura.
O bem se vai gastando.
Toda criatura
passa voando.
..........................................
Contente assim,
minh´alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
o mundo deixa em
calma,
buscando a outra vida,
na qual deseja ser
absorvida.
Dentro
da mais pura tradição medieval, Anchieta vai buscar no cotidiano, na dicção
popular, boa parte das imagens que povoam sua obra:
À SANTA INÊS
Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo!
.....................................
Santa Padeirinha
Morta com cutelo
Sem nenhum farelo
É vossa farinha.
.....................................
O pão, que amassastes
Dentro em vosso peito,
É o amor perfeito
Com que Deus amastes.
DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Oh que pão, oh que
comida,
oh que divino manjar
se nos dá no santo
altar
cada dia.
.....................................
Este dá vida imortal,
este mata toda fome,
porque nele Deus e
homem
se contêm;
.....................................
Que este manjar tudo
gasta,
porque é fogo gastador
que com seu divino
ardor
tudo abrasa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário