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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

QUINHENTISMO. Blog do Prof. Moisés de Melo Neto. Recife

 

LITERATURA BRASILEIRA


 

www.moisesneto.com.br
 

QUINHENTISMO – SÉCULO XVI




 INTRODUÇÃO

A ERA COLONIAL da Literatura Brasileira abrange os três primeiros séculos de existência do país, sob a condição de colônia de Portugal. A subordinação política e econômica à Metrópole condiciona a dependência cultural e a imitação dos modelos artísticos portugueses. Assim, não se pode falar numa literatura propriamente BRASILEIRA antes da Independência política (1822) e do Romantismo (1836). O que aqui se escreveu até o século XVIII tem caráter híbrido, pelo que a ERA COLONIAL é, com justeza, designada como “ERA LUSO-BRASILEIRA”.
Esta primeira Era não é absolutamente uniforme; à medida que a Colônia ganha fisionomia própria, as suas especificidades vão-se refletindo na produção literária, pelo que é usual o reconhecimento de três períodos distintos:

I – QUINHENTISMO – Séc. XVI – (1500-1601) – Literatura SOBRE o Brasil, de caráter meramente informativo.

II – SEISCENTISMO – BARROCO – Séc. XVII – (1601-1768) – Literatura no Brasil – Há produção propriamente literária, ainda que constituída da simples transposição dos modelos ibéricos.

III – SETECENTISMO – ARCADISMO – Séc. XVIII – (1768-1836) – Literatura do Brasil – Começa a haver ressonância da sociedade colonial na produção literária, amparando os primeiros movimentos de rebelião contra os estatutos da Metrópole (Inconfidência Mineira, Revolução dos Alfaiates etc.).


 A LITERATURA DE INFORMAÇÃO QUINHENTISTA

            A expansão ultramarina europeia teve como desdobramento literário, o aparecimento de inúmeros viajantes às terras recém-descobertas ou exploradas da Ásia, da África e da América, cuja missão era a de produzir relatórios, com informações sobre essas terras, detalhando os recursos minerais, a fauna, a flora e os aspectos exóticos e pitorescos de seus habitantes. Esses relatórios, denominados “CRÔNICAS DE VIAGEM”, pertencem mais ao âmbito da História do que ao da Literatura, posto que nos remetem a uma linguagem puramente referencial ou denotativa. Assim, é usual excluir-se a literatura informativa do século XVI da periodização da Literatura Brasileira, já que as primeiras produções propriamente literárias só viriam a ocorrer no Séc. XVII, em plena efervescência do estilo Barroco.


 A carta de Caminha – A certidão de batismo do Brasil

“De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito fremosa. (...) Nela até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza em ela deve lançar”.

            Assim o escrivão da armada de Cabral conclui sua carta-relatório ao Rei D. Manuel, informando sobre o descobrimento do Brasil. Observe a convivência, no mesmo parágrafo, do propósito mercantilista da viagem (a preocupação com o ouro e a prata), com o espírito missionário (a salvação do índio), que oferecia uma justificativa para a exploração econômica.
A Carta de Caminha marca, também, o início de uma longa tradição, o UFANISMO ou NATIVISMO, que consiste na exaltação (por vezes exagerada) das virtudes da terra e da gente, e que se irá desdobrar em todos os períodos subseqüentes.
Com relação ao índio, a atitude de Caminha foi de certa simpatia:

“Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto. (...) Eles porém contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser.”

Alude também, maliciosamente, à nudez das índias:

“... Ali andavam entre eles três ou quatro moços bem novinhas e gentis, com cabelos mui pretos e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”.



 Pero de Magalhães Gândavo

            É autor do Tratado da Terra do Brasil e da História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. A motivação básica dos dois livros é atrair os portugueses para a obra colonizadora, estimulando a imigração, “especialmente daqueles que vivem na pobreza”, por meio da exaltação da riqueza e do clima da colônia. É o primeiro cronista a aludir à importância do escravo na economia colonial:

“E a primeira coisa que (os moradores) pretendem adquirir são escravos para lhes fazerem suas fazendas, e se uma pessoa chega na terra a alcançar dous pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu), logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família; (...)”

A visão paradisíaca ou edênica (de éden) da nossa natureza, de que Gândavo estava imbuído, leva-o a comparações inauditas ou cômicas, como nesta descrição da banana:

“Esta planta é mui tenra e não mui alta, não tem ramos senão umas folhas que serão ou sete palmos de comprido. A fruita dela se chama banana. Parecem-se na feição com pepinos e criam-se em cachos. (...) Esta fruta é mui saborosa, e das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano à saúde e causa fevre a quem se desmanda nela.”


Gabriel Soares de Sousa

            É autor do Tratado Descritivo do Brasil, obra escrita já no período de dominação espanhola; procura, no mesmo sentido nativista de Caminha e Gândavo, motivar a corte filipina a investir na Colônia:

“Em reparo e acrescentamento estará bem empregado todo o cuidado que sua Majestade mandar ter deste novo reino; pois está capaz para se edificar nele um grande império, o qual com pouca despesa destes reinos se fará tão soberano, que seja um dos estados do mundo, porque terá de costa mais de mil léguas (...), cuja terra é quase toda muito fértil, mui sadia, fresca e lavada de bons ares e regada de frescas e frias águas.” (...)





Ambrósio Fernandes Brandão

Diálogos das Grandezas do Brasil, obra composta em 1618, ainda é expressão da literatura informativa, mas agora partindo do colonizador plenamente integrado à terra, revestindo-se de apreciável espírito crítico, revelando particular interesse pelas nossas coisas, pela nossa situação e pelo nosso destino. A forma de composição escolhida é o diálogo entre dois personagens, Brandônio (colono experiente) e Alviano (reinol recém-chegado ao Brasil). Por meio do diálogo, são veiculadas por Brandônio as informações essenciais sobre a colônia, em estilo vivo e colorido, como se observa no fragmento transcrito do Diálogo Quinto:

“Brandônio: (...) piranha é pescado pouco maior de palmo, mas de tão grande ânimo que excedem em ser carniceiros aos tubarões, dos quais, com haver muitas desta parte, não são tão arriscados como estas piranhas, que devem de ter uma inclinação leonina, e não se acham senão em rios d´água doce: têm sete ordens de dentes, tão agudos e cortadores, que pode mui bem cada um deles fazer ofício de navalha e lanceta, e tanto que estes peixes sentem qualquer pessoa dentro n´água: se enviam a ela, como fera brava, e a parte aonde a ferram levam na boca sem resistência, com deixarem o osso descoberto de carne, e por onde mais freqüentam de aferrar é pelos testículos, que logo os cortam, e levam juntamente com a natureza, e muitos índios se acham por este respeito faltos de semelhantes membros.
Alviano: Dou-vos minha palavra que não haverá já coisa na vida que me faça meter nos rios desta terra; porque ainda que não tenham mais de um palmo d´água, imaginarei que já são essas piranhas comigo, e que me desarmam da coisa que mais estimo.

Citam-se, ainda, entre os cronistas portugueses: Pero Lopes de Souza (O Diário de Navegação), Pe. Fernão Cardim (Narrativa Epistolar e Tratados da Terra e da Gente do Brasil), além de missionários jesuítas que produziram inúmeras Cartas informativas, dirigidas aos superiores da ordem religiosa no Brasil e na Espanha, sobre assuntos pertinentes à catequese.
Há, também, viajantes “estrangeiros” (não-portugueses) que aportaram no Brasil quinhentista, à caça de informações sobre o “eldorado”, o “éden” (forma com que a imaginação europeia pintava a terra recém-descoberta). Hans Staden, Jean de Léry, Andrè de Thevet, Antonio e Américo Vespucci  incluem-se nessa categoria.


 Projeções da literatura de informação em períodos posteriores

A pesar de não pertencer ao campo da Literatura, e sim ao da História, a produção dos cronistas de viagem ofereceu sugestões temáticas e formais a autores do ROMANTISMO (fase indianista) e do MODERNISMO (1ª Geração, 1922/30, Correntes do Verde-amarelismo e Antropofágica). Essa “ressurreição” dos textos quinhentistas deveu-se ao fato de que o Romantismo e o Modernismo se revestiram de um caráter fortemente nacionalista, de valorização intensiva do folclore, das nossas raízes. E onde seria possível encontrar informações sobre a nossa “pré-história”, sobre o índio, antes do contato com a civilização? Notório que na Literatura de Informações do séc. XVI.
Gonçalves Dias e José de Alencar, no Romantismo; Mário de Andrade e Oswald de Andrade, no 1º tempo Modernista, beberam amplamente dessas fontes pré-literárias. Em I – Juca Pirama, Gonçalves Dias, ao descrever os rituais antropofágicos dos aimorés, toma como fonte as descrições congêneres que fizeram Hans Staden e Gabriel Soares de Souza. Oswald de Andrade, especialmente no livro Pau-Brasil, recria, poeticamente, passagens da Carta de Caminha e da obra de Gândavo, como em:

Pero  Vaz de Caminha – A DESCOBERTA

Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra.
                        (Oswald de Andrade)


            AS MENINAS DA GARE

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.
(Oswald de Andrade)


 A LITERATURA JESUÍTICA

            Durante quase todo o período colonial, a educação foi atribuição exclusiva das ordens religiosas, especialmente da Companhia de Jesus. Com efeito, os jesuítas, agentes da Contra-Reforma, instalaram no Brasil sua obra missionária, desde as primeiras décadas de nossa história. Foram fator fundamental na destribalização do índio e na sua absorção pelo mundo “civilização”. Imbuídos dessa intenção pedagógica e moralizante, os textos que produziram revestem-se de caráter mais didático que artístico. Nessa linha, incluem-se o Pe. Manuel da Nóbrega, com o seu Diálogo sobre a Conversão dos Gentios, e, já no séc. XVII, o Frei Vicente Salvador, com a História do Brasil.

            Há, contudo, uma figura que transcende às limitações do puramente Informativo e didático para incluir-se no plano do literário – é o Pe. JOSÉ DE ANCHIETA, o “Apóstolo do Brasil”, fundador do colégio de Piratininga, núcleo da cidade de São Paulo, exemplo de zelo religioso, sensibilidade e vida espiritual particularmente heróica, nas condições adversas em que se exerceu. Deixou Cartas, Informações, Fragmentos Históricos, Sermões, Teatro e Poesia, destacando-se estes dois últimos aspectos como os mais relevantes literariamente.


 O teatro de Anchieta

            Inspirava-se, quanto ao aspecto construtivo, no teatro medieval ibérico, nos mistérios e moralidades. Seus AUTOS eram destinados à edificação do índio e do branco, em certas cerimônias litúrgicas (Na Festa de São Lourenço, Na Visitação de Santa Isabel etc.) e envolviam personagens tomadas como alegorias do Bem e do Mal, personificados em anjos e demônios. Apoiavam-se no canto e na dança, como elementos motivadores para a presença do índio, e isso faz de Anchieta o primeiro pesquisador da cultura tupi-guarani, bem como um dos primeiros a usar o idioma tupi, ao lado do português, do espanhol e do latim. A paradoxal modernidade desses autos rudimentares está na ativa participação da plateia (apenas masculina) no espetáculo, por meio do canto e da dança. Este teatro de revista indígena não oferece, de fato, unidade de ação ou de tempo: cenas nativas, lutas contra os franceses, corridas, superpõem-se nesta rapsódia e visam a converter recreando (por A. Bosi, História Concisa, pág. 26).


 A poesia de Anchieta

            Expressa a motivação mística e catequética do autor, impregnado de profunda devoção Mariana. Traduz uma visão ainda medieval (teocêntrica) do universo. A estrutura é também medieval, com versos curtos, na “medida velha”, ou seja, o emprego das REDONDILHAS (maiores – 7 sílabas; e menores – 5 sílabas).

A mortificação do humano, o distanciamento dos prazeres terrenos encontram consolação no amor divino, que contrapõe ao desengano da vida os valores positivos da esperança e da alegria, também presentes na poesia de Anchieta.


EM DEUS, MEU CRIADOR

Não há cousa segura.
Tudo quanto se vê
se vai passando.
A Vida não tem dura.
O bem se vai gastando.
Toda criatura
passa voando.
..........................................
Contente assim, minh´alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
o mundo deixa em calma,
buscando a outra vida,
na qual deseja ser
absorvida.



Dentro da mais pura tradição medieval, Anchieta vai buscar no cotidiano, na dicção popular, boa parte das imagens que povoam sua obra:

À SANTA INÊS

Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo!
.....................................
Santa Padeirinha
Morta com cutelo
Sem nenhum farelo
É vossa farinha.
.....................................
O pão, que amassastes
Dentro em vosso peito,
É o amor perfeito
Com que Deus amastes.


DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Oh que pão, oh que comida,
oh que divino manjar
se nos dá no santo altar
            cada dia.
.....................................
Este dá vida imortal,
este mata toda fome,
porque nele Deus e homem
            se contêm;
.....................................
Que este manjar tudo gasta,
porque é fogo gastador
que com seu divino ardor

            tudo abrasa.

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