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domingo, 29 de dezembro de 2013

MOISÉS NETO FALA D’A ROSA DO POVO (1945)




O 1º poema é “CONSIDERAÇÃO DO POEMA”: Um metapoema (não quer rimar sono com outono e sim rimar carne com o que lhe convier. Palavras nascem soltas. É tema recorrente nele comentar sua própria poesia: “Uma pedra no meio do caminho ou apenas um rastro, não importa”. Cita os amigos: Vinícius, Murilo Mendes e ainda outros poetas como Neruda (Chile), Apollinaire (França) e Maiakovski: “São todos meus irmãos, não são jornais.”
 A guerra dá sinais, ainda: “há mortes (...) é tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras (...) nas principiantes rugas (...) poeta do finito e da matéria / cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas, / boca seca, mas ardor tão casto (...) eis aí o meu canto (...) o povo, meu poema, te atravessa”.
Vemos aqui a poesia social e os estilhaços da crise mundial se abatendo sobre o indivíduo.
O 2º poema também usa a metalinguagem (“Procura da poesia”): “Penetra surdamente no reino das palavras / lá estão os poemas que esperam ser escritos (...) Convive com teus poemas antes de escrevê-los”. São conselhos de um mineiro que reflete antes de agir e busca interlocutores até dentro de si mesmo.
O 3º é o existencialista “A flor e a náusea”: Drummond coisifica tudo até o tempo e as classes sociais: “Posso, sem armas, revoltar-me? (...) há cifras e códigos (...) Quarenta anos (...) homens (...) levam jornais / e soletram o mundo, sabendo que o perdem // Crimes da terra, como perdoá-los? / Tomei parte em muitos, outros escondi. / Alguns achei belos, foram publicados”. E volta à juventude (memorialista?): “ao menino de 1918 chamavam anarquista. / Porém meu ódio é o melhor de mim (...) Uma flor nasceu na rua! (...) ilude a polícia, rompe o asfalto (...) sua cor não se percebe / Suas pétalas não se abrem (...) É feia mas é realmente uma flor”.
O 4º poema é “Carrego comigo”: “O pequeno embrulho (...) cartas? (...) flor? (...) retrato? (...) lenço talvez? // Não me recordo / onde o encontrei / Se foi um presente / ou se foi furtado. “Se os anjos desceram / trazendo-o nas mãos, / se boiava no rio, / se pairava no ar // não ouso entreabri-lo (...) o mundo te chama: / Carlos! Não respondes?”.
 Parece que o misterioso “embrulho é o próprio ser: “Ai, fardo sutil / que antes me carregas / do que és carregado, / para onde me levas? (...) Sou um homem livre / mas levo uma coisa (...) algo indescritível”.
5º Poema: “Anoitecer” (dedicado a uma tal Dolores) Aqui sinos são substituídos por buzinas e barulhos que “uivam escuro segredo” e o poeta sente um certo medo na hora (crepúsculo) em que os pássaros voltam, mas não há mais pássaros e seu corpo pede morte, mergulho, delicadeza que falta no mundo, pois “é hora dos corvos” que bicam o passado e o futuro.
O 6º poema é dedicado ao escritor/ crítico literário/ professor Antônio Cândido e chama-se “O medo”, coisa comum naqueles anos trágicos: “nascemos escuros (...) carteiro, ditador, soldado. / Nosso destino, incompleto (...) a natureza traiu-nos. Há as árvores, as fábricas, / doenças galopantes, fomes. // Refugiamo-nos no amor, / este célebre sentimento, / e o amor faltou: Chovia / Fazia frio em São Paulo.../ Nevava (...) fiquei com medo de ti, / meu companheiro moreno. / De nós, de vós; e de tudo.“
A burguesia é criticada, exposta, devorada, organizada e desmontada pelo mineiro de Itabira: “Assim nos criam burgueses. / Nosso caminho: traçado (...) Fiéis herdeiros do medo”.
7º Poema: “Nosso tempo”: O homem fragmentado, no tempo político de “homens partidos” quando “a hora pressentida esmigalha-se”.
E o eu-lírico ressente-se: “São tão fortes as coisas!/ Mas eu não sou as coisas e me revolto” neste “tempo de gente cortada/ mãos viajando seus braços”. Na guerra não havia brisa só o sopro que parecia vir dos laboratórios e  que sempre “cresta as faces/ dissipa, na praia, as palavras (...) escuridão (...) é tempo de muletas (...) conduz a quartos terríveis (...) crimes?”.
A voz poética pede: “pessoas e coisas enigmáticas, contai (...) o espião janta conosco”. Nosso campo semântico (palavras) aqui é de guerra; como vemos o mundo explode: “o espião janta conosco”.
É tempo de “olhos pintados, / dentes de vidro (...) colarinhos sujos (...) rio de carne”. O poeta tem dentro de si o estranhamento: “come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida, / mais tarde será de amor”.
É um longo poema onde se lê: “o horrível emprego do dia / em todos os países da fala humana, / a falsificação das palavras pingando nos jornais (...) formigas e usurários (...) sinistro crepúsculo (...) há pranto (...) já tarde, já confuso (...) e dentro do pranto minha face trocista / meu olho que ri e despreza”. O poeta ataca certo viés capitalista e quer destruí-lo.
E no 8º poema chega “A passagem do ano”. Os versos anunciam: “Outros dias virão”. A visão é um tanto cubista, de colagem até: mulher, pé, corpo, memória, olho, Deus, pai, avô, embriagar, dançar, bola colorida, Kant, poesia. Nada se resolve e o primeiro dia do ano novo nasce: “Vida gorda, oleosa, mortal”.
O 9º é “Passagem da noite”: “Não porque a sombra desce (...) no fundo de mim o grito, / se calou, fez-se desânimo (...) somos noite (...) palpitamos no escuro”. O poeta é todo estados e coisas: “É noite” e ele faz novamente referencia às coisas das guerras: submarinos versus roças e mais um dia nasce: “Clara manhã, obrigado, / o essencial é viver!”. São muitas exclamações.
O 10º poema: “Uma hora e mais outra” – Versos curtos em sua maioria. O eu-poético aponta: “a cabeça cobres / com frio lençol, antecipando outro/ mais gelado pano (...) assistes ao dia / perseverar no câncer (...) besta caçada (...) gelatina humana (...) lixo tão burguês (...) a falta de amor” (Repete três vezes). É o peito deserto que não vê sair com conforto nada de si nenhum pouco, que seja, nem na “hora da evacuação”. Estaria usando o ato de defecar como metáfora?
Ele fala de alguém que não quer solução benigna de cristo (“c” minúsculo) e arsênico: “Tu vives, cadáver / malogro”, que mal sabe que existe amanhã e que “a hora mais bela / surge da mais triste”.
11º: “Nos áureos tempos” uma meditação sobre a passagem do tempo e de quando “um coqueiro atroz” farto da cidade ia para o mato. Áureos tempos que “dormem  no chão”.
 O poeta confessa que não se sente forte para interpretar aqueles tempos, mistura complicada que de repente é presente e é futuro (que poderiam ser bem melhores).
O 12º é “Rola mundo” e fala de moças “dançando num baile de ar” com coração na jaula e de brandura transformada em violência, de enigmas como flores abertas no vácuo, da própria vida contrair-se em inseto.
Seria melhor “deitar fora” os “olhos e os óculos”? Responde: “Rola, mundo (...) desintegra-te, explode, acaba!”. Um certo niilismo, pessimismo. Não?
13º “Áporo” (que é inelutável): fala de “inseto” cavando para nada, de “país bloqueado”, exaustão, “labirinto”. De uma orquídea formando-se. Há sempre o belo no meio da impossibilidade, incomunicabilidade, necessidade de solidariedade, drummondianos.
14º “Ontem”: perplexo “ante o que murchou” em si, o poeta escreve, desabafa, usa seu lirismo de guerreiro das letras misturando indiferença e amor.
15º “Fragilidade”: Metapoema usando as palavras navio, ondas, sono, terra esfacelada, olho, cristal. O verso como um desenho da conturbada realidade que o cerca.
16º: “O poeta escolhe seu túmulo”: ele usa Tróia e Helena para falar onde despiu alguém um dia. Ali ele sepulta-se “para sempre e um dia”. Vida e morte estão em xeque neste livro de 1945, composto durante a segunda guerra mundial.
17º: “A vida menor” fala de fuga, exílio, gestos inúteis. Morte (mais uma vez!) versus vida “captada”, “irredutível”. Paz no cansaço. Procura.
18º: “Campo, chinês e sono” é dedicado a João Cabral de Melo Neto (que três anos antes lançara seu primeiro livro – “Pedra do Sono”): é como se fosse um quadro, um poema-edifício/ construção, nos moldes cabralinos: “O Chinês deitado (...) como saber se está sonhando? (...) formigas (...) peixes (...) o campo está dormindo e forma um chinês / de suave rosto inclinado / no vão do tempo”.
19º: “Episódio” na imagem de um boi que pára à sua porta, o poeta reflete e é transportado ao “País Profundo”.
20º: “Nova canção do exílio” (ao escritor Josué Montelo) parafraseia o famoso poema do romântico maranhense Gonçalves Dias. “Voltar / para onde tudo é belo”.
21º: “Economia dos mares terrestres” é sobre a “queixa / comprimida na garrafa / quer escapar / reunir os povos”. O clima de Drummond é quase sempre o de urgência e pede que sejamos enérgicos, firmes. Raciocinar com emoção, se isto for possível. Seu ritmo conduz o leitor num labirinto permeado de cotidiano.
22º: “Equívoco”: “Na noite de lua perdi o chapéu (...) sou um peixe, mas que fuma e que ri,/ e que ri e detesta”. Puro surrealismo e pessimismo.
23º: “Movimento da Espada”: “irmão vingador (...) justiça (...) já podes sorrir”. O eu-lírico sofre golpe e se acha bom: “o que perdi se multiplica (...) sobre minha cova, como brilha o sol!”.  Novamente uma alusão às batalhas.
24º: “Assalto: Tempo transcorrido, traças, “perna que pensa”: o tempo se retrai, o concha “concha”. Mais uma vez a ruptura com a linearidade do tempo traz todas as épocas (até o futuro!) para um presente cheio de calamidades e prazeres suspeitos.
25º “Anúncio da rosa”: “Tão meiga (...) onde abrirá? (...) nunca (...) é sete (...) exóticas (...) históricas. (...) patéticas (...) autor da rosa, sou eu, quem sou? (...) amplo vazio”. Aliteração: “Rosa na roda / rosa na máquina / apenas rósea (...) meu comércio incompreendido (...) ó fim do parnasiano / começo da era difícil, a burguesia apodrece / aproveitem. A última / rosa desfolha-se”. Os novos tempos exigem cautela, a nova poesia tem o ranço das máquinas.
26º “Edifício São Borja”. Um poema- caleidoscópico: Cidade / infância / Santo / caos/ espasmo / vento / Edifício poço luz / esperança de emergência / mar / caça / canoa sem peixes / tempo despencando”. O poeta em delicado transtorno tenta compreender o estranho quebra-cabeça em que a vida está representada.
27º: “O Mito” fala do amor moderno, a mulher-objeto que ri de quem a cobiça, rimmel, marxismo, táxi: “O amor é tão disparatado”, “sequer conheço Fulana”: “Vem fulana”, “Será gente?” (“às vezes existe”). “Insuportável riso (...) sem cabeça e sem perna”. O feminino em Drummond é transparência com erotismo, desespero com suavidade. Aqui temos mais um pouco do peculiar humor do nosso bom itabirano.
28º “Resíduo”: Medo, ponte bombardeada, áspero silêncio, muros zangados. O universo do poeta agoniza, de tudo ficou um pouco (e que é terrível): túneis, labaredas, sarcasmo, “um botão, um rato”.
29º: “Caso do vestido” (composto em dísticos) mãe e filhas falam sobre um vestido “morto”, pendurado, de uma tal dona de longe com quem o pai / marido enamorou-se tempos atrás.
Por causa desta indiferente amante ele maltratou, bebeu (o pai até pediu à esposa/ eu-lírico que pedisse àquela mulher para “dormir” com ele, e ela, mãe/ dona de casa, foi e fez” pelo sinal “diante da pecadora. Pensou na morte. Ficou de cabeça branca. Perdeu assim o marido e dinheiro. A tal dona/ amante descarada reaparece anos depois  e lhe dá o tal vestido, símbolo do caso que teve com o marido que transloucado pelo desejo abandonara o lar. No início “vadia nem queria o sujeito, a esposa dele insistira. É a volta do pai arrependido: apareceu, nem estava mais velho, a mãe conta às filhas. Ele sobe as escadas. É narrativa em versos. A perversa se arrependera. A esposa submissa guarda o vestido como símbolo. Troféu? Uma narrativa em versos cheia de metáforas e reflexões sutis.
30º: “O Elefante”: “Fabrico um elefante (...) com madeira de velhos móveis (...) encho de algodão (...) orelhas (...) tromba (...) presas (...) olhos” (parte mais fluida). O elefante é o projeto humano do poeta num mundo enfastiado. Ele sai e volta se desmanchando. É o disfarce que amanhã recomeçará.
31º “Morte do leiteiro”: Jovem saudável entrega leite e é assassinado ao amanhecer por um dono de casa que o confunde com ladrão. Poema dramático sobre violência, desconfiança na metade num século (XX) que se encaminhava para o caos social. O modo vence e o dia nasce, róseo como sangue com leite. Outro poema que “conta” uma história, fabulando os versos recriam o cotidiano.
32º: “Noite na repartição”. Funcionário dividido entre burocracia e sentimento. O papel, a porta, a aranha, o oficial, a garrafa de uísque, a cachaça, a traça, o telefone, a pomba, a vassoura – todos conversam sobre o ser.
33º: “Morte no avião”: “Acordo (...) visito o banco (...) almoço, para quê? (...) ainda não é a morte (...) colchão de nuvens (...) nem ave nem mito (...) sem mistificação em vôo, / sou corpo voante (...) caio verticalmente e me transformo em notícia”.
34º “Desfile”: O poeta sonha e brinca com o tempo.
35º “Consolo na praia”. Parece uma voz experiente que fala ao eu-lírico, ou este quer consolar a humanidade, em vez do suicídio não seria melhor dormir?
36º “Retrato de família” – o poeta medita sobre os laços que unem passado e presente: a “estranha idéia de família/ viajando através da carne”.
37º “Interpretação de dezembro”, nova reflexão passado/ presente.
38º “Como um presente”: “Teu aniversário, no escuro, / não se comemora (...) tira fome não come (...) compraste calma? (...) já não estás, e te sinto (...) no escuro é permitido sorrir”.
39º “Rua da madrugada”: O pai, a chuva, a luta pela vida, o nada, a estrada.
40º “Idade madura”: o menino no homem maduro que, resignado ou não, negocia no centro da cidade vencida. Há soldados e o clima é de guerra, circo, cada vez menos solitário, o poeta segue em ruas dispersas.
41º “Versos à boca da noite”: O tempo, a indecisão, o eu e o outro.
42º “No país dos Andrades”: o pai e o país se misturam na viagem de Drummond rumo ao âmago do ser e estar num mundo cheio de resíduos, laços que unem e separam os seres e as coisas.
43º “Notícias”: os mortos, o mar, os telegramas.
44º “América”: o homem se sente pequeno para compreender a América: cordilheiras, oceanos!”
 “Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração” (parentes, a “preta que me criou”), o navio: “sou apenas uma rua / na cidadezinha de Minas / humilde caminho da América (...) a canção (...) tantas cidades (...) desertos (...) desejo de ajudar (...) ilha (...) sou apenas o sorriso / na face de um homem calado”.
45º “Cidade prevista”: “guardei-me para a epopéia / que jamais escreverei (...) o que desejei é tudo (...) Este país não é meu / nem vosso ainda poetas (de Minas Gerais). / Mas ele será um dia / o país de todo homem”. Nosso poeta em busca do outro, quase incomunicável, anuncia que haverá amor, um dia, melhor. Mundo mais justo?
46º “Carta a Stalingrado”: a política de esquerda atravessou os versos do poeta:  “depois de Madri e Londres (...) entre Minas / outros homens surgem (...) se elevam (...) resistes (...) teu nome no alto da página (...) dá alento (...) Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente (...) esperanças (...) criatura humana (...) amanhã erguerá a sua Ordem”.
47º “Telegrama de Moscou”: “Reconstruiremos a cidade”. Poema-notícia, retrato de um tempo em que não se dizia mais “meu Deus”.
48º “Mas viveremos”: “Já não há mãos dadas no mundo”. O poeta cita a si mesmo, fala da necessidade de esperança.
49º “Visão de 1944”: “Meus olhos são pequenos para ver...” A desgraça da 2ª guerra mundial. No final o novo brotando e os olhos que “pasmam, baixam, deslumbrados”.
50º “Com o russo em Berlim” o poeta identifica-se com a esperança de um mundo mais justo pós-guerra.
51º “Indicações”: livros, cinema, caneta, cartas, poemas: tudo é imóvel. Palavras- objetos recriando o sentido da vida.
52º “Onde há pouco falávamos”: “O piano de alguma avó morta (...) gente morta (...) família, como explicar? (...) nesta sala”. Reminiscências e, será que podemos nos expressar assim?, bom, lá vai: Sentimentalismo crítico.
53º “Os últimos dias”: “De olhar esta folha (...) retê-la (...) cada homem é diferente, e somos todos iguais (...) silêncio global (...) irmãos (...) tristeza não me liquida”. Noventa por cento de ferro na alma. Drummond opera o seu singular amor, sua alma que não é totalmente impermeável.
54º “Mário de Andrade desce aos infernos” a dor pela morte do colega: “Tuas palavras (...) carinhosos diamantes”. Homenagem ao modernista da primeira safra. Oswald e Mário levaram o Modernismo a Minas.
55º “Canto ao homem do povo Charles Chaplin”: “Era preciso que um poeta brasileiro...”, assim começa a louvação ao personagem cinematográfico(mitopoético) Carlitos. Vagabundo, solitário, solidário. Magistral criação do artista inglês que mudou pra sempre o cinema, e por que não dizer? A arte ocidental na primeira metade do século XX. Cita filmes, encontra amor: “Contra a miséria e a fúria dos ditadores, (...) numa estrada de pó e esperança”.




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