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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Barbara Heliodora e Sábato Magaldi

Há alguns anos, em 2005, tive a grata surpresa de reencontrar a crítica teatral carioca Bárbara Heliodora e conhecer pessoalmente o mineiro (Belo Horizonte) Sábato Magaldi aqui no Recife. Ele criticou FHC e LULA no tocante ao financiamento imperfeito à cultura: “O teatro não sobreviveu sem subsídio. Por culpa do governo vivemos o atraso. O governo teme os efeitos, de um conhecimento mais sólido”. Professor emérito da USP e ex-crítico do jornal O Estado de São Paulo (por 30 anos), aos 78 anos ainda mostra poder de fogo: “Os artistas maduros se cansaram da profissão e os novos têm poucas perspectivas. Concordo com Bárbara: peça com 2 atores já é superprodução. Há mais monólogos. A situação do palco está precária. Só resta a televisão, o teatro nasceu subvencionado na Grécia. Este é o espelho. Na França e Itália há subsídios públicos. Nos EUA grandes fundações se encarregam de ajudá-lo. Temos que construir mais teatro”, disse-nos Sábato emocionado. "Estimular escolas como a Escola de Arte Dramática – EAD – de São Paulo, fundada por Alfredo Mesquita, posteriormente incorporada à USP. Oferecer mais livros especializados, elevar o nível das montagens e das espectadores. O crítico não é autônomo. Depende da empresa em que trabalha, mas tive liberdade no Diário Carioca, no Estadão e no JORNAL DA TARDE (SP)”. Nosso encontro se deu em um Seminário de Crítica Teatral, no Teatro Capiba, SESC Casa Amarela, de 15 a 19 de agosto de 2005.


Moisés (de Melo) Neto, Bárbara Heliodora, Rodrigo Dourado e Fernando Oliveira (TAP)



                  Bárbara foi implacável: “Não uso estruturalismo, nem semiótica, nem metalinguagem: apenas crítica de teatro. Aos 81 anos, há 15 escrevendo para o Globo, adoro a cena. Assisto a cerca de cem espetáculos por ano, a maior parte de má qualidade, por amor assisto, mas é assustador", fulmina.

E entrega: "
Todos são críticos. Os profissionais têm que oferecer respaldo em poucas linhas e no calor da hora. O crítico tem que ser bem informado, não é questão de um curso de poucos meses. Há que freqüentar muito os teatros (o bom e o mau). Curtir os grandes espetáculos. O espectador só concorda com o crítico quando este concorda com ele. Não é só o gosto ou não gosto, nem perseguir ninguém.Ela acha que "tanto faz ver uma peça na estréia ou no último dia, ela tem que estar pronta, se a bilheteria estiver funcionando, de outro modo é desrespeito ao público. O crítico identifica qualidades, é um expectador melhor preparado, exigente. Platéias melhores também ajudam. As regras do jogo para apreciar melhor um trabalho, como no futebol. Um grupo estreante não deveria montar HAMLET ou ÉDIPO, como músicos improvisando a MISSA SOLENE, de BEETHOVEN ou a Paixão de São Mateus, de Bach."E sintetizou: "Ter jeito para teatro não é tudo: tem que dominar a arte e o instrumento. Quem tem que sentir é a platéia, ao citar compete ter imaginação e domínio de si o suficiente para transmitir. O teatro sempre esteve em crise, mas sempre se inovou, inventou e renovou”.

Sábato reclamou: “Os dramaturgos discutem pouco a questão do Brasil de hoje. Não vejo novela, ela não substitui o teatro. O besteirol se acabou, mas a comédia se refaz, mesmo com esta situação de política cultural que parece um túmulo. Devemos usar os recursos da boa dramaturgia. Críticos como MACKSEN LUIZ (RJ), são bem recebidos, assim como Mariângela Alves de Lima. Mas o espaço deles é reduzido na mídia”.

Bárbara reforçou:
“Comédia de costumes refletem o Brasil de hoje longe dos acontecimentos mais graves. Há quantidade e não qualidade. Nunca tantos brasileiros foram encenados. Os temas das novelas são superficiais. O teatro tem que ser mais penetrante. A linha mestra da dramaturgia brasileira é a comédia".Ambos concordaram num ponto: “Ninguém substituiu Nélson Rodrigues.”

“Se a crítica não tem um vínculo com os criadores, ela fica no ar, não tem real concreção. Conheci Oswald de Andrade em Belo Horizonte, gosto dos textos dele, mas o Nelson Rodrigues é a unanimidade nacional. Jorge de Andrade e Plínio Marcos foram influenciados por ele. Augusto Boal termina fazendo propaganda reacionária quando diz que todo teatro é político. Acho que a verdadeira política, engajada, seja descobrir o que é o ser humano”,
arrematou Magaldi.

Quanto aos anos de chumbo e a apatia que se seguiu, Bárbara depôs: “Não creio que só se escreva bem em crises. Arte é reflexo do mundo. Falta de dinheiro não é desculpa para um mau espetáculo. Confesso minha ignorância a respeito do teatro no Nordeste, mas Ariano Suassuna, é um dos maiores autores do Brasil. Gosto de Silveira Sampaio e Mauro Rasi e do ator Marco Nanini especialmente neste projeto chamado Circo de Rins e fígados”.Touché!

Ulisses, de James Joyce

EU tive oportunidade de ler  a tradução que a professora Bernardina da Silveira Pinheiro fez da polêmica obra do irlandês James Joyce, Ulisses.

         A primeira versão para português da obra de Joyce foi feita por Antônio Houaiss em 1966 e causou sensação, no bom e mau sentido. Em 2005, uma aposentada da UFRJ resolveu dar sua versão para esse livro que influenciou meio mundo de gente, como Clarice Lispector e Guimarães Rosa. A “trama” de Ulisses é simples. Num fluxo de consciência, o livro nos apresenta Leopold Bloom, 28 anos, filho de pai judeu suicida; a sensual Molly, 34 anos, sua mulher, soprano, também de família judia, o professor Stephen Dedalus (que já “veio” de outro romance de Joyce – Retrato de um artista quando jovem), sem grana e indeciso, que mora numa velha fortaleza (a “torre do martelo” na cidade de Dublin, onde tudo se passa ao longo das 24 horas do dia 15 de junho. Malachi “Buck” Mulligan, que morava com Dedalus, estuda medicina, gosta de arte.

O livro é composto por 18 “partes”:
1ª: Dedalus e Buck discutem arte.
2ª: Stephen vai dar aula em Dublin e está envolvido pela história da Irlanda, destaque para o famoso “monólogo interior”, especialidade de Joyce.
3º: Stephen, à beira-mar, medita sobre Aristóteles, Blake, Paris, o que vê e o que não enxerga, mas pressente.
4ª: Conhecemos o Leopold preparando o breakfast para ele, sua esposa Molly e o Gato. Sai: vai comprar rim de porco. Retorna, recebe carta da filha, Milly, sai para o enterro de um amigo.
5ª: Bloom vai à igreja e à farmácia.
6ª: Ele está no cemitério onde se fala de política irlandesa.
7ª: Nosso herói segue até a redação de um jornal e daí para a biblioteca.
8ª: Chega em um bar.
9ª: Buck ridiculariza nosso Leopold.
10ª: Padre Conmee é peça-chave de pequenas histórias que se entrecruzam.
11ª: Bloom pensa em Molly.
12ª: Ele entra numa briga.
13ª: Curiosidades sobre dublinenses, Leopold flerta com uma mulher e se masturba.
14ª: Visita uma senhora na maternidade e discute medicina.
15ª Encontra Stephen num bordel à meia-noite discutindo teologia e é expulso.
16ª: Eles vão para um abrigo.
17ª: Caminham até a casa de Bloom (ele convidou Stephen para passar a noite lá), Stephen sai e ele vai para cama.
18ª: Aqui é a vez do monólogo interior de Molly, que encerra o romance.
Não há dúvida: Bernardina tornou a narrativa (mais de 700 páginas) mais leve.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Poema da literatura em Portugal


Pinheiro Chagas

 



O PRIMEIRO BEIJO

Primeiro beijo, perfumado, ardente
Primeira estrofe da gentil canção,
Que, em doidas horas de prazer fervente,
A flor dos lábios vem dizer «paixão!»

Ténue murmúrio, a suspirar carícias!
Aéreo sopro respirando ardor!
Meigo prefácio dessas mil delícias
Do gosto etéreo dum primeiro amor!

Beijar, a furto uma boquinha airosa,
Fugir, ceder à tentação fatal,
Bem como a abelha a voltear medrosa
Por entre as rosas do gentil rosal,

Que poisa, e suga a perfumada essência
Da flor tremente dum gozar sem sim;
Roubar assim, d'almo prazer de ardência
A puros lábios virginal carmim!

É sonho louco de ventura e enleio!
É ver nas trevas o esplendor do céu!
De casta virgem pudibundo seio
Palpita, rasga da inocência o véu!

Os lábios tremem da gentil donzela,
Refogem, voltam de delírio a arfar!
Oh! nessas horas amorosa estrela
Inunda a vida de fulgor sem par!

Depois extingue-se a visão brilhante;
Voltam as trevas, quando morre a luz,
Finda o romance da existência amante
Da fria campa em solitária cruz!
.........................
.........................

Etérea emanação da Divindade!
Sonho encantado dum primeiro amor!
Tímida flor, que o sol da mocidade
Inunda com seu plácido fulgor!
Minha ingénua visão, dize quem há-de
Manchar-te as vestes de brilhante alvor?

Quem se não curva ao poderoso império
Dum meigo olhar, fulgente, enamorado?
O amor então é divinal mistério,
É puro incenso, ardendo resguardado
No coração, turíbulo sagrado,
Urna singela dum perfume etéreo!

Um beijo ardente, que traduz ternura,
É santo, é puro, porque é santo o ardor;
Em torno à virgem, num primeiro amor,
Respira – se um ambiente de candura,
Onde paira sorrindo a imagem pura
Do meigo arcanjo do infantil pudor!

A impureza é na orgia, é no devasso
Que escarnece do amor e da virtude,
Que nos prega moral no tom mais rude,
E entra no lupanar, trémulo o passo,
A prostituir, em repugnante abraço,
A casta flor da etérea juventude!

Vergonha sobre o ímpio, que despreza
Mimosas afeições do coração,
Gentil grinalda de infantil simpleza,
De puras flores virginal festão,
E vai, cingindo a croa da impureza,
Sentar – se no festim da corrupção.

Vergonha sobre o hipócrita, o decrescente,
Tartufo, que se envolve em castos véus
Ao nome de paixão, louca, fremente!
O Amor é santo, porque vem de Deus,
E um beijo louco, apaixonado, ardente,
Faz sorrir de prazer anjos nos céus!

Poesia Portuguesa Contemporânea, seleção do professor Moisés de Melo Neto


DOMINGO  

               Luís Veiga Leitão 
  
                                      Hoje é domingo? Não e sim, 
                                      Para ser dia que se vive 
                                      mergulho as mãos em mim 
                                      e tiro os domingos que tive. 
 



          CANÇÃO 
                                   Eugênio de Andrade    
  
                                     Hoje venho dizer-te que nevou 
                                     no rosto familiar que te esperava. 
                                     Não é nada, meu amor, foi um pássaro, 
                                     a casca do tempo que caiu, 
                                     uma lágrima, um barco, uma palavra. 
  
  
                                     Foi apenas mais um dia que passou 
                                     entre arcos e arcos de solidão; 
                                     a curva dos teus olhos que se fechou, 
                                     uma gota de orvalho, uma só gota, 
                                     secretamente morta na tua mão. 



    

  
                                           UNIVERSALIDADE 
  
                                                                           Miguel Torga 

  
                                    Aqui declaro que não tem fronteiras. 
                                    Filho da sua pátria e do seu povo, 
                                    A mensagem que traz é um grito novo, 
                                    Um metro de medir coisas inteiras. 
  
                                    Redonda e quente como um grande abraço 
                                    De polo a polo, a sua humanidade, 
                                    Tendo raízes e localidade, 
                                    É um sonho aberto que fugiu do laço 
  
                                    Vento da primavera que semeia 
                                    Nas montanhas, nos campos e na areia 
                                    A mesma lúdica semente, 
  
                                    Se parasse de medo no caminho, 
                                    Também parava a vela do moinho 
                                    Que mói depois o pão de toda a gente.   
 




                              CASA DAS SEMENTES  
  
                                                                       Antônio Osório 
  
                        É triste não possuir uma casa de sementes. 
                        Não adianta amar essas partículas ali ociosas, 
                        nem desejar que nidifiquem sem granizo 
                        e irrompam como a chama de uma vela. 
  
  
                        É triste pagar um preço pelo que há-de nascer, 
                        que o bersim perca a cor alazã penetrando na terra     
                        e o trevo da Pérsia alimente a boca das reses. 
  
  
                        É triste que não recusem essa densa, pródiga, 
                        obstinada servidão, a vitalidade apaixonada pelo sol,                          
                        e não façam, como um camponês, as suas contas, 
                        exigindo a Deus e aos homens o salário da maquinação. 
 
 

                         
  CARTA A MEUS FILHOS  SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA 
  
  
                                                                  Gloria de Guido Cavalcanti 
  
  
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso, 
É possível, tudo é possível, que ele seja 
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, 
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém 
de nada haver que não seja simples e natural. 
Um mundo em que tudo seja permitido, 
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, 
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós, 
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto 
o que vos interesse para viver. Tudo é possível, 
ainda quando lutemos, como devemos lutar, 
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, 
ou mais que qualquer delas uma fiel 
dedicação à honra de estar vivo. 
Um dia sabereis que mais que a humanidade 
não tem conta o número dos que pensaram assim, 
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, 
de insólito, de livre, de diferente, 
e foram sacrificados, torturados, espancados, 
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse "com suma piedade e sem efusão de sangue"
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, 
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas 
à fome irresponsável que lhes roía as entranhas, 
 foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, 
e os seus corpos amontoados tão anonimamente
quanto haviam vivido ou suas cinzas dispersas
para que delas não restasse memória. 
Às vezes, por serem de uma raça, outras 
por serem de uma classe, expiaram todos 
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência 
de haver cometido. Mas também aconteceu 
e acontece que não foram mortos. 
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, 
aniquilando mansamente, delicadamente, 
por ínvios caminhos quais se diz que não são ínvios os de Deus. 
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, 
foi uma coisa, entre mil, acontecia em Espanha 
há mais de um século e que por violenta e injusta 
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, 
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria 
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos. 
Apenas um episódio, um episódio breve, 
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) 
de ferro e de suor e sangue e algum sémen 
a caminho do mundo que vos sonho. 
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém 
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. 
É isto o que mais importa - essa alegria. 
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto 
não é senão essa alegria que vem 
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez 
alguém está menos vivo ou sofre ou morre 
para que um só de vós resista um pouco mais 
à morte que é de todos e virá. 
Que tudo isto sabereis serenamente, 
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, 
e sobretudo sem desapego ou indiferença, 
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia,
um dia- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - 
não hão-de ser em vão. Confesso que 
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos 
de opressão e crueldade, hesito por momentos 
e uma amargura me submerge inconsolável. 
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, 
quem ressuscita esses milhões, quem restitui 
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? 
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes 
aquele instante que não viveram, aquele objeto 
que não fruiram, aquele gesto 
de amor, que fariam "amanhã". 
E, por isso, o mesmo mundo que criemos 
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa 
que não é só nossa, que nos é cedida 
para a guardarmos respeitosamente 
em memória do sangue que nos corre nas veias, 
da nossa carne que foi outra, do amor que 
outros não amaram porque lho roubaram. 
 
 
     
                    A CASA DO MUNDO    
  
                                           Luiza Neto Jorge 
  
  
               Aquilo que às vezes parece 
               um sinal no rosto 
               é a casa do mundo 
               é um armário poderoso 
               com tecidos sanguíneos guardados 
               e a sua tribo de portas sensíveis.

               Cheira a teias eróticas. Arca delirante 
               arca sobre o cheiro a mar de amar. 
  
               Mar fresco. Muros romanos. Toda a música. 
               O corredor lembra uma corda suspensa entre 
               os Pirinéus, as janelas entre faces gregas. 
               Janelas que cheiram ao ar de fora 
               à núpcia do ar com a casa ardente. 
  
Luzindo cheguei à porta. 
interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta
Acendo os interruptores, acendo a interrupção, 
as novas paisagens têm cabeça, a luz 
é uma pintura clara, mais claramente me lembro: 
uma porta, um armário, aquela casa. 
  
Um espelho verde de face oval 
é que parece uma lata de conservas dilatada 
com um tubarão a revirar-se no estômago 
no fígado, nos rins, nos tecidos sangúíneos.
É a casa do mundo:
desaparece em seguida: 
 

         

                                       PÁTRIA
 
  
                                             Sofia de Mello Breyner Andresen 
  
                                   Por um país de pedra e vento duro 
                                   Por um país de luz perfeita e clara 
                                   Pelo negro da terra e pelo branco do muro 
  
                                   Pelos rostos de silêncio e de paciência 
                                   Que a miséria longamente desenhou 
                                   Rente aos ossos com toda a exactidão 
                                   Dum longo relatório irrecusável 
  
                                   E pelos rostos iguais ao sol e ao vento 
  
                                   E pela limpidez das tão amadas 
                                   Palavras sempre ditas com paixão 
                                   Pela cor e pelo peso das palavras 
                                   Pelo concreto silêncio limpo das palavras 
                                   Donde se erguem as coisas nomeadas 
                                   Pela nudez das palavras deslumbradas 
  
                                   - Pedra rio vento casa 
                                   Pranto dia canto alento 
                                   Espaço raiz e água 
                                   Ó minha pátria e meu centro 
  
                                   Me dói a lua me soluça o mar 
                                   E o exílio se inscreve em pleno tempo 


         
    
ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE O POETA 
REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO    
                                                                     Ruy Belo 
Os pássaros nascem na ponta das árvores 
 As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
 Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores 
 Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se 
 deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal 
Como pássaros poisam as folhas na terra 
quando o outono desce veladamente sobre os campos 
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores 
mas deixo essa forma de dizer ao romancista 
é complicada e não se dá bem na poesia 
não foi ainda isolada da filosofia 
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros 
Quem é que lá os pendura nos ramos? 
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração 
 

  ANIMAIS DOENTES 
  
                   Alexandre O'Neill 
 

Animais doentes as palavras 
Também elas 
Vespas formigas cabras 
De trote difícil e miúdo 
Gafanhotos alerta 
Pombas vomitadas pelo azul 
Bichos de conta bichos que fazem de conta 
Pequeníssimas pulgas uma sílaba só 
Lagartos melancólicos 
Estúpidas galinhas corriqueiras 
Tudo tão doente tão difícil 
De manejar de lançar de provocar 
De reunir 
De fazer viver 
  
Ou então as orgulhosas 
Palavras raras 
Plumas de cores incandescentes 
Altos gritos no aviário 
E o branco sem uso 
Imaculado 
De certas aves da solidão 
  
Para dizer 
Queria palavras tão reais como chamas 
E tão precárias
Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte
No discurso de fogo
Logo extintas na combustão das próximas 
Palavras que não esperassem 
Em sal ou em diamante 
O minuto ridículo precioso raro 
De sangrar a luz a gota de veneno 
Cativa das entranhas ociosas. 
 
          EU FALO DAS CASAS E DOS HOMENS 
  
                                         Adolfo Casais Monteiro

  
        Eu falo das casas e dos homens, 
        dos vivos e dos mortos: 
        do que passa e não volta nunca mais... 
        Não me venham dizer que estava materialmente 
        previsto, 
        ah, não me venham com teorias! 
        Eu vejo a desolação e a fome, 
        as angústias sem nome, 
        os pavores marcados para sempre nas faces trágicas 
        das vítimas. 
  
        E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima, 
        uma insignificante parcela da tragédia. 
        Eu, se visse, não acreditava. 
        Se visse, dava em louco ou profeta, 
        dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada, 
         - mas não acreditava! 
  
        Olho os homens, as casas e os bichos. 
        Olho num pasmo sem limites, 
        e fico sem palavras, 
        na dor de serem homens que fizeram tudo isto: 
        esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira, 
        esta lama de sangue e alma, 
        de coisa a ser, 
        e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança, 
        se o ódio sequer servirá para alguma coisa... 
  
        Deixai-me chorar - e chorai! 
        As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos, 
        de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito
                                                                                                instituição
        e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama, 
        por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio, 
        por um segundo seremos os mortos e os torturados, 
        os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados, 
        seremos a terra podre de tanto cadáver, 
        seremos o sangue das árvores, 
        o ventre doloroso das casas saqueadas, 
         - sim, por um momento seremos a dor de tudo isto... 
  
         Eu não sei porque me caem as lágrimas, 
         porque tremo e que arrepio corre dentro de mim, 
         eu que não tenho parentes nem amigos na guerra, 
         eu que sou estrangeiro diante de tudo isto, 
         eu que estou na minha casa sossegada, 
         eu que não tenho guerra à porta, 
          - eu porque tremo e soluço? 
          Quem chora em mim, dizei - quem chora em nós? 
  
          Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:   
         as ruas são ruas com gente e automóveis, 
          não há sereias a gritar pavores irreprimíveis, 
          e a miséria é a mesma miséria que já havia... 
          E se tudo é igual aos dias antigos, 
          apesar da Europa à nossa volta, exangue e mártir, 
          eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente, 
          sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos, 
          sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta, 
          uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada...  



                            ESTE MAR 
José Bento 
  
Este mar me detém, mas nunca saberei 
quem desvaneceu a escrita aqui abandonada num desígnio antiquíssimo: 
as pegadas tenras das gaivotas, folhas tranqüilas 
a denunciar os ramos adejantes que copiam a espuma 
  
Escrevo gaivotas , simplifico: acaso estes signos 
sejam também de alcatrazes, alciões: 
mas ao soletrar o seu ditado errante 
decifro mensagens num livro tão precário que a brisa o arrebata.  
Isso não importaria: eu iria olhando no chão o negativo de meus pés, 
nada teria para o comparar, prosseguiria. 
Até onde? 
Prosseguiria sempre: 
jamais findam as praias, nem quando a luz se rende. 
  
Assim, terei de retornar ao poema: nomear o desconhecido, 
reconstituir no mineral ou na face que o tempo feriu para delir depois 
a pressão de umas pulsações, de uma cabeça vencida pelo cansaço  [ou o desejo. 
E recomeçar é sangrento se o ímpeto se finca apenas em palavras, 
em matéria que não se possui. 
As palavras nunca podem guardar-se; 
quando poupadas, decompõem-se na sua própria usura. 
  
Há que procurar o texto alado: rente às algas exaustas, 
sob a turquesa estilhaçada que neva e tumultua, 
iremos desvendá-lo. 
                                       Sem um indício? 
                                                                      Uma cor, um odor 
vão conduzir-nos: os que no azebre de um rosto em nós sepulto 
distanciam as feições do interior de onde despontam, 
  
como o verbo se corrompe desde que as sílabas se juntam e ameaçam: 
os sinais que gravamos propõem uma totalidade 
até que uns olhos neles se jogam e os afastam 
do sangue de onde nascem. 
                                                     Esse é o exemplo das asas: 
lassas, arqueiam-se suplicando o sol, 
rasam a areia, prolongam a nervura das pegadas, 
enfunam-se num arrepio inverniço - prenúncio de rajadas e marés - 
e disparam para incendiar-se onde a sombra as não humilhe. 
Recomeço, pois. Como recuperar o início? 
os cirros como lanhos veementes a exaurir as tardes? 
os areais rebeldes aos barcos, a expulsar o seu domínio? 
Onde os dias a transbordar de conchas cálidas? 
  
Estou aqui e é evidente que a ausência de sinais 
sobre este chão, estas mãos, esta fronte que não sustenho 
porque estão em outro lugar numa hora longínqua 
é a única legenda que me pode ser dada. 
  
Só resta transcrevê-la e extingui-la sem a ter compreendido. 
Pousam estas letras como aves: desconhecem a morte, 
para elas todo o espaço é este azul e o tempo o momento 
em que seu vulto avança e é peso a impor um sentido 
que será denunciado apenas a quem a seguir até à própria consumação:
 a salsugem, o vento ávido de cumprir-se na sua fuga ao silêncio, 
as vagas ou o esquecimento indiferentes ao destruir o que ignoram, 
mesmo se a espuma é no meio-dia um peito em floração 
e na noite a alva naufragada prestes a cobrir o corpo desejado. 






                                  
Herberto Elder   
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra  
e seu arbusto de sangue. Com ela 
encantarei a noite. 
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher 
Seus ombros beijarei, a pedra pequena 
do sorriso de um momento. 
Mulher quase incriada, mas com a gravidade  
de dois seios, com o peso lúbrico e triste 
da boca. Seus ombros beijarei. 
  
Cantar? Longamente cantar. 
Uma mulher com quem beber e morrer. 
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave  
o atravessar trespassada por um grito marítimo  
e o pão for invadido pelas ondas - 
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.  
  
Ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento  
de alegria e de impudor. 
Seu corpo arderá para mim 
sobre um lençol mordido por flores com água. 
  
Em cada mulher existe uma morte silenciosa. 
E enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos, 
os bordões da melodia, 
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue, 
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto. 
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob 
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe espírito, 
mulher de pés no branco, transportadora 
da morte e da alegria. 
  
Dai-me uma mulher tão nova como a resina 
e o cheiro da terra. 
Com uma flecha em meu flanco, cantarei. 
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue, 
cantarei seu sorriso ardendo, 
suas mamas de pura substância, 
a curva quente dos cabelos. 
Beberei sua boca, para depois cantar a morte 
e a alegria da morte. 
  
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro 
pescoço de planta, 
onde uma chama comece a florir o espírito. 
ã tona da sua face se moverão as águas, 
dentro da sua face estará a pedra da noite. 
- Então cantarei a exaltante alegria da morte. 
  
Nem sempre me incendeia o ardor das ervas e a estrela 
despenhada de sua órbita viva. 
- Porém, tu sempre me incendeias. 
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite 
imagem pungente 
com seu deus esmagado e ascendido. 
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura. 
Estontece meu hálito com a sombra, 
tua boca penetra a minha voz como a espada 
se perde no arco. 
E quando gela a mãe em sua distãncia amarga, a lua 
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo 
se desfibra - invento para ti a música, a loucura e o mar. 
  
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso, 
a inspiração. 
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa. 
Vou para ti com a beleza partida, 
os ombros violados, 
o sangue penetrado de paredes nuas. 
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos 
se transfiguram, tuas mãos descobrem 
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça 
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou 
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo - 
eu sou a beleza. 
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem 
teus olhos de longe. Tu própria me duras em tua velada beleza 
  
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti 
que me vem o fogo. 
Não há gesto ou verdade onde não dormissem 
tua sombra e loucura, 
em que não estivesses pousando o silêncio criador. 
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos 
originais. 
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra 
a carne transcendente. E em ti 
principiam o mar e o mundo. 
  
Minha memória perde em sua espuma 
o sinal e a vinha. 
Plantas, bichos, águas cresceram como religião 
sobre a vida - e eu nisso demorei 
meu frágil instante. Porém, 
teu silêncio de fogo e leite repõe a força 
maternal, e tudo circula entre teu sopro 
e teu amor. As coisas nascem de ti 
como as luas nascem dos campos fecundos, 
os instantes começam da tua oferenda 
como as guitarras tiram seu início da música noturna. 
  
Mais inocente que as árvores, mais vasta 
que a pedra e a morte, 
a carne cresce em seu espírito cego e abstrato, 
tinge a aurora pobre, 
insiste de violência a imobilidade aquática. 
E os astros quebram-se em luz sobre 
as casas, a cidade arrebata-se, 
os bichos erguem seus olhos dementes, 
arde a madeira - para que tudo cante 
por teu poder angélico e fechado. 
  
Com minha face cheia de teu espanto e beleza, 
eu sei quanto és o íntimo pudor 
e a água inicial de outros sentidos. 
Começa o tempo onde a mulher começa, 
é sua carne que do minuto obscuro e morto 
se devolve à luz 
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras 
com uma imagem. 
  
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito 
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade 
uma idéia de pedra e de brancura. 
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves, 
que te alimentas de desejos puros. 
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola, 
a sombra canta baixo. 
  
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua, 
onde a beleza que transportas como um peso árduo 
se quebra em glória junto ao meu flanco 
martirizado e vivo. 
- Para consagração da noite erguerei um violino, 
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada 
darei minha voz confundida com a tua. 
Oh teoria de instintos, dom de inocência, 
taça para beber junto à perturbada intimidade 
em que me acolhes. 
  
Começa o tempo na insuportável ternura 
com que te adivinho, o tempo onde 
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde 
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida 
ingênua e cara, o que pressente o coração 
engasta seu contorno de lume ao longe. 
Bom será o tempo, bom será o espírito, 
boa será nossa carne presa e morosa. 
- Começa o tempo onde se une a vida 
à nossa gratidão. 
  
Felizmente estás na pedra e a pedra em mim, ó urna 
salina, imagem fechada em sua pungência e castidade. 
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado 
em torno das violas, a morte que não beijo, 
a erva incendiada que se derrama na íntima noite, 
- o que se perde de ti, minha voz o renova 
num estilo de angústia e prata viva. 
  
Quando o fruto empolga um instante a eternidade 
inteira, eu estou no fruto como sol 
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada 
matriz de sumo e vivo gosto. 
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices 
das nuvens florescem, a resina tinge 
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã. 
E estás em mim como a flor na idéia 
e o livro no espaço triste. 
  
Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento 
na cevada pura, de ti viriam cheias 
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses 
em minha espuma, 
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso? 
- No entanto és tu que te moverás na matéria 
da minha boca, e serás uma árvore 
dormindo e acordando onde existe o meu sangue. 
  
Beijar teus olhos será morrer pela esperança. 
Ver no aro de fogo de uma entrega 
tua carne de de vinho roçada pelo espírito de Deus 
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante 
do meu perpétuo instante. 
- Eu devo rasgar minha face para que a tua 
se encha de um minuto sobrenatural, 
devo murmurar cada coisa do mundo 
até que sejas o incêndio da minha voz. 
  
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso 
jovem da carne aspiram longamente 
a nossa vida. As sombras que rodeiam 
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto 
seu bárbaro fulgor, o rosto divino 
impresso no lodo, a casa morta, a montanha 
inspirada, o mar, os centauros 
do crepúsculo, 
- aspiram longamente a nossa vida. 
  
Por isso é que estamos morrendo na boca  
um do outro. Por isso é que 
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento 
da brisa, no sorriso deserto, no peixe, 
no cubo, no linho, 
no mosto, 
- no amor mais impossível do que a vida. 
  
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz 
o perfume da tua noite. 
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua 
e branca das mulheres. Corre em mim o lacre 
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca 
ao círculo de meu ardente pensamento. 
Onde estará o mar? Aves bêbadas e puras que voam 
sobre o teu sorriso imenso. 
Em cada espasmo eu morrerei contigo.  
  
E eu peço ao vento: traz do espaço a luz inocente 
das urzes, um silêncio, uma palavra; 
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua 
vermelha. 
Ó amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos, 
casa de madeira do planalto, 
rios imaginados, 
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas 
maravilhosas da noite. Ó meu amor, 
em cada espasmo eu morrerei contigo. 
  
De meu recente coração a vida inteira sobe, 
o povo renasce, 
o tempo ganha alma. Meu desejo devora 
a flor do vinho, envolve tuas ancas como uma espuma 
de crepúsculos e crateras. 
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome 
encanta pela noite equilibrada, imponderável - 
em cada espasmo eu morrerei contigo. 
  
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se 
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro 
da tua entrega. Bichos inclinam-se 
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando 
contra o ar. Tua voz canta 
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com 
o lento desejo do teu corpo. 
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo 
eu morrerei contigo.  


Contatos (Prof. Moisés Neto): moises@moisesneto.com.br

MOISÉS NETO FALA D’A ROSA DO POVO (1945)




O 1º poema é “CONSIDERAÇÃO DO POEMA”: Um metapoema (não quer rimar sono com outono e sim rimar carne com o que lhe convier. Palavras nascem soltas. É tema recorrente nele comentar sua própria poesia: “Uma pedra no meio do caminho ou apenas um rastro, não importa”. Cita os amigos: Vinícius, Murilo Mendes e ainda outros poetas como Neruda (Chile), Apollinaire (França) e Maiakovski: “São todos meus irmãos, não são jornais.”
 A guerra dá sinais, ainda: “há mortes (...) é tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras (...) nas principiantes rugas (...) poeta do finito e da matéria / cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas, / boca seca, mas ardor tão casto (...) eis aí o meu canto (...) o povo, meu poema, te atravessa”.
Vemos aqui a poesia social e os estilhaços da crise mundial se abatendo sobre o indivíduo.
O 2º poema também usa a metalinguagem (“Procura da poesia”): “Penetra surdamente no reino das palavras / lá estão os poemas que esperam ser escritos (...) Convive com teus poemas antes de escrevê-los”. São conselhos de um mineiro que reflete antes de agir e busca interlocutores até dentro de si mesmo.
O 3º é o existencialista “A flor e a náusea”: Drummond coisifica tudo até o tempo e as classes sociais: “Posso, sem armas, revoltar-me? (...) há cifras e códigos (...) Quarenta anos (...) homens (...) levam jornais / e soletram o mundo, sabendo que o perdem // Crimes da terra, como perdoá-los? / Tomei parte em muitos, outros escondi. / Alguns achei belos, foram publicados”. E volta à juventude (memorialista?): “ao menino de 1918 chamavam anarquista. / Porém meu ódio é o melhor de mim (...) Uma flor nasceu na rua! (...) ilude a polícia, rompe o asfalto (...) sua cor não se percebe / Suas pétalas não se abrem (...) É feia mas é realmente uma flor”.
O 4º poema é “Carrego comigo”: “O pequeno embrulho (...) cartas? (...) flor? (...) retrato? (...) lenço talvez? // Não me recordo / onde o encontrei / Se foi um presente / ou se foi furtado. “Se os anjos desceram / trazendo-o nas mãos, / se boiava no rio, / se pairava no ar // não ouso entreabri-lo (...) o mundo te chama: / Carlos! Não respondes?”.
 Parece que o misterioso “embrulho é o próprio ser: “Ai, fardo sutil / que antes me carregas / do que és carregado, / para onde me levas? (...) Sou um homem livre / mas levo uma coisa (...) algo indescritível”.
5º Poema: “Anoitecer” (dedicado a uma tal Dolores) Aqui sinos são substituídos por buzinas e barulhos que “uivam escuro segredo” e o poeta sente um certo medo na hora (crepúsculo) em que os pássaros voltam, mas não há mais pássaros e seu corpo pede morte, mergulho, delicadeza que falta no mundo, pois “é hora dos corvos” que bicam o passado e o futuro.
O 6º poema é dedicado ao escritor/ crítico literário/ professor Antônio Cândido e chama-se “O medo”, coisa comum naqueles anos trágicos: “nascemos escuros (...) carteiro, ditador, soldado. / Nosso destino, incompleto (...) a natureza traiu-nos. Há as árvores, as fábricas, / doenças galopantes, fomes. // Refugiamo-nos no amor, / este célebre sentimento, / e o amor faltou: Chovia / Fazia frio em São Paulo.../ Nevava (...) fiquei com medo de ti, / meu companheiro moreno. / De nós, de vós; e de tudo.“
A burguesia é criticada, exposta, devorada, organizada e desmontada pelo mineiro de Itabira: “Assim nos criam burgueses. / Nosso caminho: traçado (...) Fiéis herdeiros do medo”.
7º Poema: “Nosso tempo”: O homem fragmentado, no tempo político de “homens partidos” quando “a hora pressentida esmigalha-se”.
E o eu-lírico ressente-se: “São tão fortes as coisas!/ Mas eu não sou as coisas e me revolto” neste “tempo de gente cortada/ mãos viajando seus braços”. Na guerra não havia brisa só o sopro que parecia vir dos laboratórios e  que sempre “cresta as faces/ dissipa, na praia, as palavras (...) escuridão (...) é tempo de muletas (...) conduz a quartos terríveis (...) crimes?”.
A voz poética pede: “pessoas e coisas enigmáticas, contai (...) o espião janta conosco”. Nosso campo semântico (palavras) aqui é de guerra; como vemos o mundo explode: “o espião janta conosco”.
É tempo de “olhos pintados, / dentes de vidro (...) colarinhos sujos (...) rio de carne”. O poeta tem dentro de si o estranhamento: “come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida, / mais tarde será de amor”.
É um longo poema onde se lê: “o horrível emprego do dia / em todos os países da fala humana, / a falsificação das palavras pingando nos jornais (...) formigas e usurários (...) sinistro crepúsculo (...) há pranto (...) já tarde, já confuso (...) e dentro do pranto minha face trocista / meu olho que ri e despreza”. O poeta ataca certo viés capitalista e quer destruí-lo.
E no 8º poema chega “A passagem do ano”. Os versos anunciam: “Outros dias virão”. A visão é um tanto cubista, de colagem até: mulher, pé, corpo, memória, olho, Deus, pai, avô, embriagar, dançar, bola colorida, Kant, poesia. Nada se resolve e o primeiro dia do ano novo nasce: “Vida gorda, oleosa, mortal”.
O 9º é “Passagem da noite”: “Não porque a sombra desce (...) no fundo de mim o grito, / se calou, fez-se desânimo (...) somos noite (...) palpitamos no escuro”. O poeta é todo estados e coisas: “É noite” e ele faz novamente referencia às coisas das guerras: submarinos versus roças e mais um dia nasce: “Clara manhã, obrigado, / o essencial é viver!”. São muitas exclamações.
O 10º poema: “Uma hora e mais outra” – Versos curtos em sua maioria. O eu-poético aponta: “a cabeça cobres / com frio lençol, antecipando outro/ mais gelado pano (...) assistes ao dia / perseverar no câncer (...) besta caçada (...) gelatina humana (...) lixo tão burguês (...) a falta de amor” (Repete três vezes). É o peito deserto que não vê sair com conforto nada de si nenhum pouco, que seja, nem na “hora da evacuação”. Estaria usando o ato de defecar como metáfora?
Ele fala de alguém que não quer solução benigna de cristo (“c” minúsculo) e arsênico: “Tu vives, cadáver / malogro”, que mal sabe que existe amanhã e que “a hora mais bela / surge da mais triste”.
11º: “Nos áureos tempos” uma meditação sobre a passagem do tempo e de quando “um coqueiro atroz” farto da cidade ia para o mato. Áureos tempos que “dormem  no chão”.
 O poeta confessa que não se sente forte para interpretar aqueles tempos, mistura complicada que de repente é presente e é futuro (que poderiam ser bem melhores).
O 12º é “Rola mundo” e fala de moças “dançando num baile de ar” com coração na jaula e de brandura transformada em violência, de enigmas como flores abertas no vácuo, da própria vida contrair-se em inseto.
Seria melhor “deitar fora” os “olhos e os óculos”? Responde: “Rola, mundo (...) desintegra-te, explode, acaba!”. Um certo niilismo, pessimismo. Não?
13º “Áporo” (que é inelutável): fala de “inseto” cavando para nada, de “país bloqueado”, exaustão, “labirinto”. De uma orquídea formando-se. Há sempre o belo no meio da impossibilidade, incomunicabilidade, necessidade de solidariedade, drummondianos.
14º “Ontem”: perplexo “ante o que murchou” em si, o poeta escreve, desabafa, usa seu lirismo de guerreiro das letras misturando indiferença e amor.
15º “Fragilidade”: Metapoema usando as palavras navio, ondas, sono, terra esfacelada, olho, cristal. O verso como um desenho da conturbada realidade que o cerca.
16º: “O poeta escolhe seu túmulo”: ele usa Tróia e Helena para falar onde despiu alguém um dia. Ali ele sepulta-se “para sempre e um dia”. Vida e morte estão em xeque neste livro de 1945, composto durante a segunda guerra mundial.
17º: “A vida menor” fala de fuga, exílio, gestos inúteis. Morte (mais uma vez!) versus vida “captada”, “irredutível”. Paz no cansaço. Procura.
18º: “Campo, chinês e sono” é dedicado a João Cabral de Melo Neto (que três anos antes lançara seu primeiro livro – “Pedra do Sono”): é como se fosse um quadro, um poema-edifício/ construção, nos moldes cabralinos: “O Chinês deitado (...) como saber se está sonhando? (...) formigas (...) peixes (...) o campo está dormindo e forma um chinês / de suave rosto inclinado / no vão do tempo”.
19º: “Episódio” na imagem de um boi que pára à sua porta, o poeta reflete e é transportado ao “País Profundo”.
20º: “Nova canção do exílio” (ao escritor Josué Montelo) parafraseia o famoso poema do romântico maranhense Gonçalves Dias. “Voltar / para onde tudo é belo”.
21º: “Economia dos mares terrestres” é sobre a “queixa / comprimida na garrafa / quer escapar / reunir os povos”. O clima de Drummond é quase sempre o de urgência e pede que sejamos enérgicos, firmes. Raciocinar com emoção, se isto for possível. Seu ritmo conduz o leitor num labirinto permeado de cotidiano.
22º: “Equívoco”: “Na noite de lua perdi o chapéu (...) sou um peixe, mas que fuma e que ri,/ e que ri e detesta”. Puro surrealismo e pessimismo.
23º: “Movimento da Espada”: “irmão vingador (...) justiça (...) já podes sorrir”. O eu-lírico sofre golpe e se acha bom: “o que perdi se multiplica (...) sobre minha cova, como brilha o sol!”.  Novamente uma alusão às batalhas.
24º: “Assalto: Tempo transcorrido, traças, “perna que pensa”: o tempo se retrai, o concha “concha”. Mais uma vez a ruptura com a linearidade do tempo traz todas as épocas (até o futuro!) para um presente cheio de calamidades e prazeres suspeitos.
25º “Anúncio da rosa”: “Tão meiga (...) onde abrirá? (...) nunca (...) é sete (...) exóticas (...) históricas. (...) patéticas (...) autor da rosa, sou eu, quem sou? (...) amplo vazio”. Aliteração: “Rosa na roda / rosa na máquina / apenas rósea (...) meu comércio incompreendido (...) ó fim do parnasiano / começo da era difícil, a burguesia apodrece / aproveitem. A última / rosa desfolha-se”. Os novos tempos exigem cautela, a nova poesia tem o ranço das máquinas.
26º “Edifício São Borja”. Um poema- caleidoscópico: Cidade / infância / Santo / caos/ espasmo / vento / Edifício poço luz / esperança de emergência / mar / caça / canoa sem peixes / tempo despencando”. O poeta em delicado transtorno tenta compreender o estranho quebra-cabeça em que a vida está representada.
27º: “O Mito” fala do amor moderno, a mulher-objeto que ri de quem a cobiça, rimmel, marxismo, táxi: “O amor é tão disparatado”, “sequer conheço Fulana”: “Vem fulana”, “Será gente?” (“às vezes existe”). “Insuportável riso (...) sem cabeça e sem perna”. O feminino em Drummond é transparência com erotismo, desespero com suavidade. Aqui temos mais um pouco do peculiar humor do nosso bom itabirano.
28º “Resíduo”: Medo, ponte bombardeada, áspero silêncio, muros zangados. O universo do poeta agoniza, de tudo ficou um pouco (e que é terrível): túneis, labaredas, sarcasmo, “um botão, um rato”.
29º: “Caso do vestido” (composto em dísticos) mãe e filhas falam sobre um vestido “morto”, pendurado, de uma tal dona de longe com quem o pai / marido enamorou-se tempos atrás.
Por causa desta indiferente amante ele maltratou, bebeu (o pai até pediu à esposa/ eu-lírico que pedisse àquela mulher para “dormir” com ele, e ela, mãe/ dona de casa, foi e fez” pelo sinal “diante da pecadora. Pensou na morte. Ficou de cabeça branca. Perdeu assim o marido e dinheiro. A tal dona/ amante descarada reaparece anos depois  e lhe dá o tal vestido, símbolo do caso que teve com o marido que transloucado pelo desejo abandonara o lar. No início “vadia nem queria o sujeito, a esposa dele insistira. É a volta do pai arrependido: apareceu, nem estava mais velho, a mãe conta às filhas. Ele sobe as escadas. É narrativa em versos. A perversa se arrependera. A esposa submissa guarda o vestido como símbolo. Troféu? Uma narrativa em versos cheia de metáforas e reflexões sutis.
30º: “O Elefante”: “Fabrico um elefante (...) com madeira de velhos móveis (...) encho de algodão (...) orelhas (...) tromba (...) presas (...) olhos” (parte mais fluida). O elefante é o projeto humano do poeta num mundo enfastiado. Ele sai e volta se desmanchando. É o disfarce que amanhã recomeçará.
31º “Morte do leiteiro”: Jovem saudável entrega leite e é assassinado ao amanhecer por um dono de casa que o confunde com ladrão. Poema dramático sobre violência, desconfiança na metade num século (XX) que se encaminhava para o caos social. O modo vence e o dia nasce, róseo como sangue com leite. Outro poema que “conta” uma história, fabulando os versos recriam o cotidiano.
32º: “Noite na repartição”. Funcionário dividido entre burocracia e sentimento. O papel, a porta, a aranha, o oficial, a garrafa de uísque, a cachaça, a traça, o telefone, a pomba, a vassoura – todos conversam sobre o ser.
33º: “Morte no avião”: “Acordo (...) visito o banco (...) almoço, para quê? (...) ainda não é a morte (...) colchão de nuvens (...) nem ave nem mito (...) sem mistificação em vôo, / sou corpo voante (...) caio verticalmente e me transformo em notícia”.
34º “Desfile”: O poeta sonha e brinca com o tempo.
35º “Consolo na praia”. Parece uma voz experiente que fala ao eu-lírico, ou este quer consolar a humanidade, em vez do suicídio não seria melhor dormir?
36º “Retrato de família” – o poeta medita sobre os laços que unem passado e presente: a “estranha idéia de família/ viajando através da carne”.
37º “Interpretação de dezembro”, nova reflexão passado/ presente.
38º “Como um presente”: “Teu aniversário, no escuro, / não se comemora (...) tira fome não come (...) compraste calma? (...) já não estás, e te sinto (...) no escuro é permitido sorrir”.
39º “Rua da madrugada”: O pai, a chuva, a luta pela vida, o nada, a estrada.
40º “Idade madura”: o menino no homem maduro que, resignado ou não, negocia no centro da cidade vencida. Há soldados e o clima é de guerra, circo, cada vez menos solitário, o poeta segue em ruas dispersas.
41º “Versos à boca da noite”: O tempo, a indecisão, o eu e o outro.
42º “No país dos Andrades”: o pai e o país se misturam na viagem de Drummond rumo ao âmago do ser e estar num mundo cheio de resíduos, laços que unem e separam os seres e as coisas.
43º “Notícias”: os mortos, o mar, os telegramas.
44º “América”: o homem se sente pequeno para compreender a América: cordilheiras, oceanos!”
 “Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração” (parentes, a “preta que me criou”), o navio: “sou apenas uma rua / na cidadezinha de Minas / humilde caminho da América (...) a canção (...) tantas cidades (...) desertos (...) desejo de ajudar (...) ilha (...) sou apenas o sorriso / na face de um homem calado”.
45º “Cidade prevista”: “guardei-me para a epopéia / que jamais escreverei (...) o que desejei é tudo (...) Este país não é meu / nem vosso ainda poetas (de Minas Gerais). / Mas ele será um dia / o país de todo homem”. Nosso poeta em busca do outro, quase incomunicável, anuncia que haverá amor, um dia, melhor. Mundo mais justo?
46º “Carta a Stalingrado”: a política de esquerda atravessou os versos do poeta:  “depois de Madri e Londres (...) entre Minas / outros homens surgem (...) se elevam (...) resistes (...) teu nome no alto da página (...) dá alento (...) Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente (...) esperanças (...) criatura humana (...) amanhã erguerá a sua Ordem”.
47º “Telegrama de Moscou”: “Reconstruiremos a cidade”. Poema-notícia, retrato de um tempo em que não se dizia mais “meu Deus”.
48º “Mas viveremos”: “Já não há mãos dadas no mundo”. O poeta cita a si mesmo, fala da necessidade de esperança.
49º “Visão de 1944”: “Meus olhos são pequenos para ver...” A desgraça da 2ª guerra mundial. No final o novo brotando e os olhos que “pasmam, baixam, deslumbrados”.
50º “Com o russo em Berlim” o poeta identifica-se com a esperança de um mundo mais justo pós-guerra.
51º “Indicações”: livros, cinema, caneta, cartas, poemas: tudo é imóvel. Palavras- objetos recriando o sentido da vida.
52º “Onde há pouco falávamos”: “O piano de alguma avó morta (...) gente morta (...) família, como explicar? (...) nesta sala”. Reminiscências e, será que podemos nos expressar assim?, bom, lá vai: Sentimentalismo crítico.
53º “Os últimos dias”: “De olhar esta folha (...) retê-la (...) cada homem é diferente, e somos todos iguais (...) silêncio global (...) irmãos (...) tristeza não me liquida”. Noventa por cento de ferro na alma. Drummond opera o seu singular amor, sua alma que não é totalmente impermeável.
54º “Mário de Andrade desce aos infernos” a dor pela morte do colega: “Tuas palavras (...) carinhosos diamantes”. Homenagem ao modernista da primeira safra. Oswald e Mário levaram o Modernismo a Minas.
55º “Canto ao homem do povo Charles Chaplin”: “Era preciso que um poeta brasileiro...”, assim começa a louvação ao personagem cinematográfico(mitopoético) Carlitos. Vagabundo, solitário, solidário. Magistral criação do artista inglês que mudou pra sempre o cinema, e por que não dizer? A arte ocidental na primeira metade do século XX. Cita filmes, encontra amor: “Contra a miséria e a fúria dos ditadores, (...) numa estrada de pó e esperança”.