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domingo, 9 de junho de 2013

Por trás das cortinas - Moisés Neto

Por Manoel Constantino



Moisés Neto é coautor e diretor do musical Sonho de Primavera, que está sete anos em cartaz. Ele também ficou conhecido por apresentar seus textos em locais alternativos, como, por exemplo, Com a víbora do seio, que Moisés dirigiu. Em entrevista a Agenda Cultural do Recife, Moisés Neto fala sobre a sua carreira e o mundo das artes cênicas.

Manoel Constantino - Como foi o “chamamento” do teatro para você e quais os sentimentos que o levaram a continuar no mundo das artes?
Moisés Neto - Sempre li muitas peças de teatro. Uma delas, É..., de Millôr Fernandes chamou-me a atenção pela, digamos assim, “praticidade cênica”. Coincidentemente a minha escola foi ao teatro Valdemar de Oliveira e eu assisti a uma montagem de É... e depois a Galileu Galilei, com Germano Haiut. A seguir, Os fuzis da senhora Carrar (no teatro de Marcus Siqueira, em Olinda, estreia de João Denys Araújo Leite). Conheci José Francisco Filho, Buarque de Aquino, Augusta Ferraz e Simone Figueiredo, pessoas que mudaram a minha vida. João Falcão e Susana Costa me chamaram e eu integrei o elenco do musical Muito pelo contrário, que fez um sucesso estrondoso e percorreu muitas cidades do país. Aos 16 anos entrei para a UFPE, cursava Antropologia, em Ciências Sociais, larguei tudo e saí em turnê. Sempre fui aventureiro. Só voltei à universidade seis anos depois, dessa vez para o curso de Letras, com direito a Mestrado e Doutorado. Mas continuei e continuo firme com o teatro até hoje. Venho esboçando através desse tempo todo como dramaturgo uma espécie de escrita cênica que me é bem própria. É um tipo de Teoria que tem regras e eu as exercito inclusive em meus poemas, contos, artigos, romances e até em minhas pesquisas acadêmicas. A arte tem um sentido de mudar a sociedade, divertindo e educando, na mesma proporção. Pão e circo? Bem... Sou um professor, jamais para mim o mundo deixará de ser uma escola. Meus alunos da Faculdade ou de qualquer outro nível recebem o mesmo tratamento. Sempre levo a arte à sala de aula. O teatro. Eu não viveria bem sem a minha escrita. Preciso dela. E muito. Não encaro isso como missão, e sim como exercício. Como folhas , frutos... flores ao sol. O trabalho como ator eu praticamente abandonei. Meu último trabalho foi no cinema, contracenei com Jece Valadão em O cangaceiro, dirigido por Aníbal Massaini. Antes fiz o Hamlet, ao lado de Heitor Dhália, Simone Figueiredo (minha Ofélia), Bruno Garcia. Viver dois anos na pele desse personagem (Hamlet) deixou marcas profundas em mim. Dona Diná de Oliveira elogiou o meu trabalho. Fiz muitos diálogos para filmes. Há um nome de um cineasta amigo que eu gostaria de lembrar: Marco Hanois, um artista como poucos. Ganhamos um prêmio em Tóquio, foi emocionante. Fui assistente de direção do seu último filme, o premiadíssimo Incenso (sobre Ascenso Ferreira).

Manoel Constantino – Você já possui mais de dez obras publicadas, inclusive algumas em teatro. Como autor teatral, quais são os caminhos que você escolhe para construir uma obra?
Moisés Neto - Meu sentimento de liberdade é o veio principal. Sou de família italiana e trago a dramaticidade na veia. Gosto de diálogos contundentes, momentos decisivos, de chegar ao fundo de uma situação, de defender os que são perseguidos na sociedade. Trabalho a questão das várias possibilidades de ver a vida, desconstruo sempre o viés ideológico que esmaga a grandeza humana. Sou contra conformismos e tecnicismos. Gosto de escrever musicais, embora meu grande amor seja o drama, mas não deixo de embutir o humor dentro de tudo. Rir é fundamental. Acho bem interessante quando diretores como Carlos Sales, Cláudio Lira (que dirigiu um texto com meus poemas em forma de narrativa), Adriano Macena, Paulo Falcão, Ivaldo Cunha, Jorge Féo e tantos outros dirigem meus textos, fico sempre nervoso na hora de assistir: e se eles deturparem minhas ideias? Escrevi e dirigi Cleópatra, com Flávio Luiz (Trupe do Barulho) no elenco, ele pediu para mudar umas coisas na terceira semana, deixei. Meus amigos me dizem que eu deveria ser mais severo, mas sou um mestre que deixa seus discípulos terem sempre a oportunidade de ensinar também, mas há limites. A Academia ensinou-me isso. Devo muito a professores como Lourival Holanda, Sônia Ramalho, Sebastien Joachim, Lucila, Hermelinda, Luzilá, Roland Walter.

Manoel Constantino – É notório que você é um inventor, como disse sobre você o escritor Raimundo Carrero. A inquietude, segundo muitos, faz parte do mundo dos artistas. Como você encara o mercado da literatura no Recife? É angustiante ou é estimulante e desafiador?
Moisés Neto - Amar é sofrer, eu vou te dizer, mas vou duvidar. Tudo ao mesmo tempo. Recife é a minha aldeia. Muitas vezes vi as chamas aproximarem-se do meu castelo de papel. Em vão. Minha luta é feita de prazer e cansaço. Meu grupo foi pioneiro nas performances e happenings, em levar teatro para espaços alternativos no início dos anos 90. Nunca tivemos medo de enfrentar boates e bares, lares e lupanares. Um dia Dom Helder chamou a polícia para interromper uma de nossas exibições. Liberdade, liberdade. Pratico uma Literatura diferente desde o começo. Meus textos não são regionais, mas trazem a marca do Recife. Acompanho o movimento do país e detesto sentimentalismo barato, não me rendo. Vários diretores trabalharam os meus textos e eu dou completa liberdade a eles, Carlos Bartolomeu é um deles, também José Francisco, ambos professores da UFPE. Antunes Filho pediu que eu fizesse para ele o texto de apresentação da sua mais nova montagem, fiz e ele gostou. Isso aos poucos acalma a minha inquietação (permanente). O mercado para escritores aqui na nossa cidade é estarrecedor. Não se encontra um agente literário. Será que um dia teremos outros encontros como aqueles que a UBE promovia nos anos 90? Mas eu nunca deixei de publicar, encenar, divulgar meus textos. Muitos dos meus alunos são professores e eles divulgam as ideias que nós discutíamos em sala de aula. Isso é bom. Eles comunicam-se comigo ainda e trocamos experiências. Nunca pensei em morar fora do Recife. Faço cursos dentro e fora do país, participo de encontros sobre Literatura, faço palestras, mas volto a este lugar que é a minha torre e costumo brincar: o teatro e o magistério são a minha família, rodrigueana família. Pena que os professores são injustiçados. Um dia o Brasil aprende, não é possível!

Manoel Constantino – Dizem que Pernambuco é um berço literário. Como você enxerga a produção literária do Recife?
Moisés Neto - Pernambuco é como o mundo todo. O mundo começa no Recife? Bairrismos à parte: adoro Raimundo Carrero, Luzilá Gonçalves Ferreira, Gilvan Lemos, JMB e a carioca recifense Lucila Nogueira. Quanto aos meus textos, os que fazem as triagens me colocam atrás da cortina de ferro. Recife é cidade-luz & lama, um povo que sobreviveu carregando a cultura nas costas, pois os ricos não estavam nem aí. Resultado: ainda estamos engatinhando e já somos tão gigantes para isso! Querendo ou não o meu coração quer se entregar. Mas vamos ao que interessa: NEM TUDO É TEATRO! Deus nos acuda! Que os escritores que moram aqui contem a nossa história e tentem refazer as cabeças dominadas pela mídia. O resto? É silêncio e fúria. Leio com interesse muitos autores daqui, mas eu tenho uma escrita que não comparo com nenhuma das que vejo. Entenda: meu objeto, minha voz e meu método não encontram par. Henrique Amaral, talvez, seja a pessoa mais próxima da minha literatura. Duas montagens teatrais impressionaram-me: O amor de Clotilde... e Viúva porém honesta (esta pelo Magilut); vi ali uma nova promessa. Eram textos originais pernambucanos. Gosto de pensar na teoria da Sincronicidade proposta por Jung: unir o que fomos ao que somos, ideias que circularão por milênios. Lembremo-nos que o primeiro livro do cânone nacional foi escrito em Pernambuco: Prosopopeia, de Bento Teixeira. Aqui no Recife viveu Gregório de Matos. A experiência de Nassau, o Zeppelin, o Porto Digital abraçam-se ao som do Pós-Manguebeat. Interculturalismo é uma opção forte e agora com essa abertura que Suape oferece... mas tudo tem um custo: os tubarões que nos acossam são apenas a ponta do iceberg. O futuro nos absolve? Vamos escrever, minha gente. Todos são escritores. Agora não esqueçam: a prática inclui o terror e o êxtase. Risos e sisos. Um abraço eterno a todos que me leem.

ano 2012 | nº 207 | novembro de 2012 |
prefeitura do recife | secretaria de cultura | fundação de cultura

01 a 30/11/2012

Capturado em : http://www.recife.pe.gov.br/fccr/agenda/index_eventos.php?AgendaEdicaoAno=2012&AgendaEdicaoNumero=207&TiposEventosCodigo=61

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