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sábado, 8 de junho de 2013

O Grande Gatsby foi anunciado como balela pop de alto nivel e Leonardo como um queridinho sem Oscar. Aqui em Pindorama, tanto faz.
Enquanto isso, Cadengue estreia no Recife sua nova montagem relembtrando velhos temas.
O novo prefeito não consegue melhorar a selvageria das ruas e o século recifense caminha para a mais simplória pós-cibernética.
E os afetos? Ora, faca-me o favor... (chove lá fora).

11 comentários:

  1. Que exílio é este, hoje, que assistimos na peça MURRO EM PONTA DE FACA (texto de Augusto Boal, direção do genial Paulo José, Teatro do centro cultural da Caixa Econômica, Recife, junho de 2013)? É o pior de todos: o atemporal e o universal. Não é só o do governo do militares (1964-1984)no Brasil. É o de todos e o de cada um dos excluídos que não se imbecilizam ou se vendem de modo tão completamente óbvio. É um exílio ao mesmo tempo caricato e profundo que é exibido em cena numa direção limpa e despretensiosa. Dá gosto ver, mesmo quando temos um clichê diante de nós. Sim, pode ser um tema datado, mas há o jogo do mestre Paulo José (intérprete de personagens ímpares no cinema e literatura: Macunaíma e Policarpo Quaresma, dentre outros). O elenco cativa e o teatrinho(minúsculo), ali, é confortável. Foram quatro dias, temporada agradável nesta NOSSA CIDADE de tão pouco drama no teatro. Fui com o pé atrás e voltou voando numa Recife invernosa, mais longe que qualquer exílio. Vim a pensar: "Caramba! Eu sou um exilado, aqui mesmo, nesta cidade-açougue, azougue. Até reinterpretei um Gonçalves Dias, substituindo sabiá por carcará e palmeiras pela capital de Pernambuco. Teatro, ó meu teatro. Sempre bom. (Moisés Neto)

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  2. Os últimos dias do Recife

    um conto de Moisés Neto

    Jove está completamente bêbada. O rio Capibaribe correndo junto do restaurante, em curva generosa e ligeiramente perfumada naquele final de tarde no Recife. Que bairro era aquele? Jaqueira? Casa Forte? Dois Irmãos? A negra se perguntava: “Com que roupa eu vou?”. Nisso Aninha, voltando do toalete, parou e falou com uns caras no piano-bar e gargalhou com algo que um daqueles sujeitos disse. Era um tipo meio durão, sinhozinho mandão de corte canavieiro topetudo. Quando Aninha veio, Jove mostrou um retrato de um jovem despido para ela. “É esse, o tal fulano com quem estou... me... relacionando há três semanas. É o aniversário dele e a festa promete. Eu serei a dancing queen, entendeu? Ele me chama de minha imperatriz, só porque eu disse que estrangeiros como ele aqui no Recife vem apenas comprovar a prepotência do neo-imperialismo ianque, mas também disse que já que ele veio nos `salvar´ da inundação, tudo bem. Tenho mais escrúpulos não. Tomei ele daquela fulana porque senti firmeza na promessa de mudança. O cheiro de atitude que ele traz”. Aninha olhou para ela chocada: “A fulana é afilhada do prefeito”. Jove rebateu: “Dane-se! Se o Recife ficar debaixo d´água aí eu quero ver o prefeito boiando! Estou é preocupada com minha roupa, o estilista da Paulinha aprontou comigo. Vá confiar! Mas pelo menos o meu assessor cuidou muito bem da divulgação do negócio. Gostou da minha foto na coluna?”. “Não dou importância a essas coisas, você sabe. Aliás, detesto aquela gentalha, aquelas jóias me ofuscam, se é que você me entende. Mas diga: você não sabe dos escândalos com os norte-americanos? Este seu casinho, o tal engenheiro do Tio Sam, pode lhe custar muito caro depois que acabar a ocupação”. Jove gargalhou: "Nunca que eles vão! Estes depois que colocam o olho num, tomam! Não estou dizendo? Nunca vi nada como esse homem”. Aninha devolveu a foto. “Pelo menos ele é competente? A construção do dique está bem adiantada. Sabia que ele já me deu uma cantada?”. Jove aquiesceu: “Não se preocupe honey. Eu não sou armorial! Fui criada na beira-mar de Boa Viagem e essa porra de cidade vai pro beleléu, é problema dela. Não vou me ligar se meu homem comeu ou deixou de comer alguém, eu quero é me dar bem. Estou cansada das falsas promessas deste novo milênio. Já empacotei tudo que eu tenho. Vou bem ficar esperando a onda chegar aqui. Sei lá se o tal dique agüenta. Não preciso nem esperar. Vou morar no Texas, bem sequinha. Meu amor tem um rancho lá. Passamos quatro dias inesquecíveis no Novo Éden, é o nome do nosso lugarzinho vermelho, branco e azul, cansei de verde-amarelo.” Aninha riu tranqüilizando-se: “Eita neguinha abusada!” Jove pediu um capuchinho ao garçom. “Você quer mais alguma coisa, Aninha?” Esta fez biquinho e disse: “Um sorvete de menta com chocolate.”.

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  3. Os Caminhos de Moisés Neto Segundo Raimundo Carrero

    Moisés Neto conhece os segredos da invenção, como poucos. Isto é, sabe inventar e sabe, sobretudo, harmonizar esta invenção, quando ela exige perícia e sacrifício. Os textos que tenho lido dele comprovam a habilidade. Não se contenta com o óbvio e com o lugar- comum, vai adiante, investe nas especulações criativas. Reinventa.

    O que se tem visto, quase sistematicamente , são escritores, mesmo aqueles mais jovens, repetirem fórmulas antigas, superadas, repetidas. No romance, por exemplo, quase não se avança mais na questão das novas fórmulas. Em Moisés Neto, todavia, o caminho é diferente. Ele é capaz de revolucionar sem provocar dramas no leitor. Sem torturas e mágicas mal elaboradas.

    Além do mais sabe ser sutil. As palavras nascem, vêm com leveza, montam a história, num clima quase de sonho, mesmo quando enfocam os caminhos mais cruéis. Esta é a impressão que me ficou de um dos seus textos mais recentes, o romance "Michelle", cheio de truques e arrebatamentos. Uma fábula fabulosa.

    No teatro, Moisés tem o domínio do que vem (ou vinha) a se chamar de "carpintaria cênica": Personagens seguros e determinados na criação, diálogos sóbrios e envolventes, cenas seqüenciadas pela lógica da invenção, palavras definitivas e verdadeiras, situações trabalhadas. Inventando ou adaptando conquista pela convicção.

    Tudo isso é resultado da extrema familiaridade com o texto literário: Conhece os melhores escritores , estuda diversas técnicas narrativas, elabora novas conquistas, enfim, desenvolve sua capacidade de inventar. Estou seguro de que se trata de um desses autores difíceis de esquecer. Para sempre.

    Raimundo Carrero

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  4. Contos, crônicas e ensaios de Moisés Neto publicados no
    Jornal do Commercio:

    "Abandonar a Literatura" (Conto)

    Londres, junho

    Caro amigo,

    Desculpe não ter escrito antes, mas tudo foi tão repentino que, confesso, fiquei horrorizado. A imagem da mulher que amei (enquanto estava com ela eu não sabia), morta daquele modo bárbaro, a impossibilidade de tê- la novamente em meus braços, a maneira covarde como os amigos se omitiram, tudo isso somado a uma falta de fé cada vez maior, quase me levou à loucura. Você deve estar estranhando um e- mail em vez de um telefonema. Eu havia jurado evitar qualquer narrativa escrita. Prometi abandonar de vez a porra da literatura.

    Mas aí está, bem na sua frente: meu primeiro desabafo depois da maior dor da minha vida (ainda dói). A traição dela foi uma coisa tão perfeita que até agora me pergunto como pude ser tão idiota e não prever que ela estava alimentando aquele menino, dando roupas, tratando dos dentes dele e dando dinheiro porque precisava de um novo corpo para sugar e se manter "jovem".

    Acredite, quando vi o rapazinho no nosso apartamento - quando fui concretizar que a estava abandonando para sempre - eu até achei bom que aquela bruxa tivesse arranjado nova vítima e me deixado em "paz". Não imaginava a espécie de feitiço que me aguardava nem imaginei que aquele boy fosse matá-la.

    Pobrezinha.

    Tinha 51 anos mas era como se tivesse começando a viver naquele momento, tal era a vitalidade dos gestos - que até hoje debatem- se na minha memória desde que fugi do Recife e vim para cá. Sei que perdi dinheiro com a venda do apartamento. Mas, somando tudo, tenho grana para passar dois anos sem trabalhar, penso em fazer mestrado, você sabe. As coisas são mais fáceis do que pensávamos . Tem também aquele lance de passar seis meses no Tibet.

    Esse meu amigo, com quem estou dividindo as despesas de uma casa aqui na Inglaterra , ensina Literatura e tem contatos que você nem imagina. Temos conversado muito. Ele é budista, é tudo tão surpreendente e tão possível que eu, de certa forma, estou superando esta minha maldita ansiedade e encontrando um caminho para recompor meu coração e ensiná-lo a ser feliz novamente neste quase verão londrino. Tenho ido a todos os lugares que visitamos juntos o ano passado .

    E o Recife, como está?

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  5. "O Exílio é um país sem alma" ( publicado no Jornal do Cemmercio). (Ensaio) .

    "Os Versos Satânicos de Salman Rushdie"

    "Satã sendo condenado a vagar , em sua condição de anjo, tem um tipo de império de água e ar . Parte de sua punição: não ter local fixo onde possa descansar os pés" , sentencia Daniel Dafoe na epígrafe de "Os Versos Satânicos" do escritor indiano naturalizado inglês Salman Rushdie , que voltou a ser notícia este ano (96) pelo lançamento do seu novo romance "O Último Suspiro do Mouro".

    Vida frenética por ter recebido um édito de morte, a Fatwa, Rushdie também não tem lugar fixo para colocar os pés pois, o muçulmano que o matar ganhará uma fortuna de recompensa por livrar o Islã de tal praga. Rushdie, numa longa narrativa onde explora o fantástico , expôs o profeta Maomé ao ridículo, mostrando-o como um bêbado e o anjo Gabriel como um trapaceiro. Vamos e venhamos: Devemos ou não respeitar o altar dos outros? Até que ponto a não publicação de "Os Versos Satânicos" no Brasil é censura? Publicidade gratuita o livro tem, pois não é todo dia que surge uma obra de arte tão controversa.

    Estes dois romances de Rushdie têm muito em comum: bom humor, mistério, fábulas, alegorias, jogo de palavras, amor e...provocação. "O Último Suspiro do Mouro" fala sobre a Índia e, sabendo que tipo de voz Rushdie empresta aos seus narradores e personagens , não nos espantamos que os ultranacionalistas tenham tentado proibir seu lançamento no país de Krishna .

    Em Rushdie, a unidade e continuidade da cultura ocidental é condimentada com tempero do oriente. Em seus romances à clef (Chave: histórias codificadas onde personagens reais aparecem com nomes falsos e transfiguradas ), vemos que a religião nunca derrotou o paganismo , a cultura animalesca que domina o planeta Terra . "Os Versos Satânicos" exibe amoralidade, ironia , violência cômica , sadismo: Saladim Chamcha, um ator especializado em comédias, uma espécie de anti- herói, passa a se metamorfosear num demônio típico , de pêlos, chifres e rabo , depois de um acidente de avião. No mesmo avião vinha uma ator dramático, Gibree (Gabriel), que interpretava divindades no cinema e que depois do tal acidente, volta à vida emanando luz. Logo que o avião cai, Saladim começa sua purgação: apanha da polícia e é torturado , perde tudo que tem - mulher, dinheiro, emprego, respeito, enfim. Vemos com frenesi o narrador estilhaçar a trama em várias unidades e voyeuristicamente nos deparamos com uma sensualidade lambuzada de malícia obsessiva. Rushdie cria também imagens fantásticas: Uma tempestade de neve vista de um trem faz a Inglaterra parecer "TV quando acaba a programação do dia" e o avião "não é como um útero voador e sim como um falo metálico e os passageiros são como espermatozóides prontos para ser ejaculados". É uma ansiedade parecida com culpa sexual sublimada por sensacionalismo.

    A conversa com o leitor dinamiza a narrativa, que por si só já está cheia de tiradas cômicas, como na passagem do seqüestro do avião onde o bandido ironiza dizendo que todos morrerão ( nossos heróis vão morrer/ cair na terra) e, já que são 50, renascerão "Cinqüêntuplos" ("fiftuplets") . Os dotes verborrágicos do autor assemelham- se aos do colombiano García Marquez dos primeiros livros.

    "O exílio é um país sem alma, é o sonho de um retorno glorioso" , choraminga numa espécie de desabafo , para logo a seguir espinafrar: Amar o Islã é "amassar os relógios" (romper com o ontem / hoje/ amanhã), para eles( os muçulmanos) "o progresso é Satã". Aparecem personagens como a mulher que come borboletas e uma árvore muçulmana que cresceu tanto que ninguém mais distingue o que é árvore e o que é a cidade. E, para encerrar, uma frase de um dos personagens: "Não ter piedade é a única coisa que um cartunista precisa. Que artista teria sido Disney se não tivesse coração . Esta foi sua falha trágica."

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  6. "Todos os Clássicos estão mortos"( Conto de Moisés Neto, publicado Jornal do Commercio)

    Pompéia, Itália. Século XXI DC

    Sinto- me livre . Se eu fosse uma fazenda, hoje não teria cercas. O beijo que me incendiava, hoje me congela. Bloquearam- me as saídas, escapei por uma das entradas . Quebrei todos os meus ídolos guerreiros. Bah! "Guerras não fazem grandes pessoas".

    Preservando múmias sem platéias. Foi como eu me senti ao deixar nossa cidade . Só o ódio me aquecia. Enchi os bolsos com um punhado de dólares, um dólar é um dólar em qualquer língua.

    O Oceano Atlântico e tanta terra me separa de vocês. A isto, um brinde de Lachryma Christi, o vinho mais pedido aqui em Pompéia, onde estou há mais de uma semana. O sangue de Baco no meu coração pôs- me em estado de escrever, um amigo meu dizia que as musas não se aproximam de um homem sóbrio. O sol italiano mistura minha sombra às sombras destas belas ruínas milenares. Leio grafites na cidade fantasma e olho o devastador Vesúvio adormecido, metáfora da minha arte danada. Sou hóspede de um hotel pròximo, estou abraçando uma mulher com os cabelos cor de fogo , que eu trouxe do Brasil e do nosso quarto vemos a silhueta do vulcão. Observamos os montes enluarados e esta cidade parece um Lázaro redivivo. Fiz promessa de voltar à Italia assim que me apaixonasse novamente e aqui estou. Os pores- do -sol do passado já não me conspurcam mais . Chega de bugiganga .

    Hoje bem cedo, fitando esta cidade, veio-me à cabeça uma frase que se repetia sem sentido: "Todos os clássicos estão mortos".

    Olhei para o Mar Tirreno. Juntando as pontas do tempo. Comparando Pompéia hoje com os desenhos que me mostram a cidade nos seus áureos tempos, com seu comércio, seus lupanares, sua vida louca , sua tragédia apocalíptica. Escuto ecos , sinto vibrações. Busco tornar minha vida mais digna, melhorar meus costumes, juntar o útil ao doce, corrigir-me, atingir a consciência do que realmente eu sou.

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  7. Que exílio é este, hoje, que assistimos na peça MURRO EM PONTA DE FACA (texto de Augusto Boal, direção do genial Paulo José, Teatro do centro cultural da Caixa Econômica, Recife, junho de 2013)? É o pior de todos: o atemporal e o universal. Não é só o do governo do militares (1964-1984)no Brasil. É o de todos e o de cada um dos excluídos que não se imbecilizam ou se vendem de modo tão completamente óbvio. É um exílio ao mesmo tempo caricato e profundo que é exibido em cena numa direção limpa e despretensiosa. Dá gosto ver, mesmo quando temos um clichê diante de nós. Sim, pode ser um tema datado, mas há o jogo do mestre Paulo José (intérprete de personagens ímpares no cinema e literatura: Macunaíma e Policarpo Quaresma, dentre outros). O elenco cativa e o teatrinho(minúsculo), ali, é confortável. Foram quatro dias, temporada agradável nesta NOSSA CIDADE de tão pouco drama no teatro. Fui com o pé atrás e voltei voando numa Recife invernosa, mais longe que qualquer exílio. Vim a pensar: "Caramba! Eu sou um exilado, aqui mesmo, nesta cidade-açougue, azougue"! Até reinterpretei um Gonçalves Dias, substituindo sabiá por carcará e palmeiras pela capital de Pernambuco. Teatro, ó meu teatro. Sempre bom. (Moisés Neto)

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