Lucila Nogueira: 35 anos de vida literária
por Moisés Neto
Lucila Nogueira
nasceu no Rio de Janeiro em 30 de março de 1950. Ainda criança chegou em
Recife, estudou no Colégio de São José, formou-se em Direito. Cursou mestrados
dessa ciência, como também o de Antropologia. Doutora em Letras com tese sobre
João Cabral. Foi promotora pública e exerceu outros cargos ligados à sua
profissão. Desde jovem dedicou-se às artes: piano, violão, acordeom e
principalmente literatura, sua fonte de testemunho no mundo. Em 1978, publicou
o seu livro de estreia: Almenara
pela Civilização Brasileira. Livro cheio de uma poesia em que o amor, a
preocupação com o social e com os temas transcendentes do espírito, na
metafísica, verso caudaloso, forte de envolvente originalidade: “Eis-me aqui/sorvedouro estelar lúcido e
breve.// Corrosiva alegria(...) barro aceso e convulso sob a neve (...)
revolvida,torcida, esbraseada//labareda incessante que se atreve/mas que a
abismos se sabe condenada” (em “Presença”). Veio depois, pela mesma
editora, o segundo livro: “Peito Aberto” (83). Odespojamento expressional e os acentuados
aspectos formais marcam esses “primeiros”
poemas que,também,deflagram um clima uma atitude de amor e revolta.Como
no poema “Na Morte do Colega Pedro
Jorge”: “Sozinha agora
as filhas acalenta/e ao pó tu já regressas sob o mármore./Tanta sabedoria
inventa o mundo/-como escapar do mundo ninguém sabe.// Sozinha agora as filhas
acalenta/e elas ainda te esperam a cada tarde.../Só uma pena intimida os
assassinos:/explicar tua ausência a essas meninas”. Nesses poemas pressentimos a força poética que Lucila
alimentaria: “Atravessar o fogo
ternamente/o corpo azul cercado pelas brasas/em cada poro o ferro incandescente/tendo
no olhar a exaltação das águias //melhor que ser fantasma de si mesmo/besta na
sombra, ombro recurvado /num desespero de albatroz vencido/por ambições
terrenas e fugazes”. “Desde o princípio o mundo era pequeno/e o caminho da
escola muito grande/andava a pasta a farda e no recreio/sonhava raptada por
ciganos//dançando na fogueira a saia em leque/a estrada o carro alegre a
caravana// desde o princípio o mar era sem termo/nas mãos as linhas soltas do
destino/e no sapato escuro os remoinhos/acesos para sempre no meu sangue” (em Infância).
“Meu pai morreu na tarde de um domingo (...) partiu da enfermaria sem saída
(...) queimei todas as velas nessa morte (...) abrindo em minha carne uma outra
sorte”. Vieram seus outros livros: “A Dama de Alicante”. Neste livro Lucila dedicou-se à recriação mítica e
simbólica de si mesma “associada à memória proustiana que emerge de poema e que
entre passado e presente faz ressurgir a infância, o amor, o sonho, a vida
diluídos em mescla de sombra e luz numa realidade (ou irrealidade) mágica.
Fusão lírica de elementos díspares, tom personalíssimo, sem autobiografismo,
expondo sentimentos e emoções universalizando-os,sem ter que,necessariamente,os
assinar como exclusividades suas.”, disse José Rodrigues Paiva em ensaio
sobre o livro. “Sei me vestir de tola, se preciso/como essa
antiga dama de Alicante/ inda que ao fim só reste o que eu ensino/cama-de-gato
que aprendi criança.// Sei me cobrir de frágil, de improviso/sob o furor de um
cavaleiro andante/e as chaves da cidade conduzindo/pedir que permaneça por
encanto.//Filtros de amor, doce paixão de abismo/navegaram meu olhar com esta
dama/alegre que, misteriosamente/um dia suicidou-se em Alicante.”. Em “Quasar” (87) Lucila nos dá o a
medida do nível já alcançado na construção de sua obra poética. É a vez de
“Livro do Desencanto”e “Imilce”, poema para quatro vozes. Em “Ilaiana” – Enigma
de Elche, vemos a confirmação existencial e material de uma imagem nominada em
sonho.
“Ainadamar”
veio a seguir. Ela dedicou-se também à tradução de poesia, tendo alguns volumes
inéditos de poemas de Emily Dickinson, Paul Éluard, entre outros. Em “AMAYA”, o emotivo-rítmico–conceptual,
pulsando, entrega-se ao leitor. A
artilharia luciliana tem como
alvo, a lógica. E, sob fogo cerrado, ou conduzindo avassaladora onda em
tempestade, ela, condutora de emoções, forja um hoje eterno, rompendo com as
noções do ontem e do amanhã, princípio e fim: “coração de poeta/pobrezinha/
brincando de casinha/a soluçar (...) vem me ver/porque não me cabe a
vida/preciso /de tua praia a me guardar” (in
“Não me cabe a vida”).
Vieram tantos outros livros, aulas, palestras desta
trnslúcida Dama da poesia em pernambuco. Vamos ficar com mais algumas palavras
encantatórias para a Gazeta: “Digo que continua
urgente a ilusão deste momento acometido de inenarráveis confissões. Utopia
presa na cartilagem úmida,quando tua boca recobrir o seio seremos então,as duas
outras faces de uma mesma única possessão,como uma estória colada na outra
enquanto se lambe o lacre da carta escrita na infância que uma água subitamente
morna quase apagou.”. Nossa sibila
invoca outros espíritos, que nos tomam de assalto. E, de certa forma, enfeitiçam
leitores, como cristais energéticos.
Viva os 35 anos de Literatura desta poetisa e
professora, advogada da transcendência, do real, simbólico e imaginário.
Poema de Moisés Neto para Lucila Nogueira:
ORAÇÃO PARA INVOCAR LUCILA
Ela se atreve diz
pronuncia
Profetiza Passado Presente
Ó translúcida Lucila
nossas contas dissolvem-se
em ti
Ave poeta, pitonisa!
Vem novamente! Ó chama de Eleusis!
Dá-nos tua vaporosa
poesia
Teu ensinamento
como cristal antigo, guia,
oráculo, vaticínio
Vem, já e multiplica
com tua força
Entenderão os não
iniciados os teus mistérios?
Inspirações,estudos
Cálculos,
perspectivas
Amor...
Liga alquímica, Banquete Cosmotrônico
Ave Lucila! Oriente- Ocidente:
cruzamento
verdade oculta,
cítara, lira, címbalos, condão
Vem! Em cetim florido,
veludo, perfumes, pedrarias,
Doce vigor
música transcendental
Na Aurora
interminável do quase ser tudo
Concertar ou
consertar o mundo...
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