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domingo, 30 de junho de 2013

O gênero feminino na Literatura: o Local e o Global na formação cultural hoje

                                      
por Moisés Neto




Quando nos referimos ao gênero em literatura, tendemos automaticamente a associar este questionamento à forma e às vezes aos subgêneros contidos em cada uma delas, mas a questão “gênero” também inclui a dicotomia homem/mulher e a questão da voz, no sentido Bakthiniano, de posicionamento frente à organização da sociedade. Esta voz, o ethos, o tom, o sentido, vem sendo cada vez mais observado e os discursos “machistas”, principalmente desde os anos 50, “desconstruídos”. Filósofos franceses como Roland Barthes e Derrida serviram/servem de inspiração para intelectuais como a indiana Gayatri Spivak e outras que se unem em torno do questionamento sobre a posição opressora da voz masculina como dominante nos discursos históricos, antropológicos, psicanalíticos, literários, ideológicos enfim.

Percebendo que em Simone de Beauvoir e seu livro “O segundo sexo” já se começava a tecer a idéia de respeito ao “outro”, hoje vemos que mesmo a idéia do “outro”, no caso das mulheres, às vezes justifica até uma visão patriarcal e que é impossível representar coerentemente este “outro”, isto é, a visão que a mulher tem do homem ou vice-versa, pois será sempre transcrito por um “eu”. A mulher, quer seja na literatura lírica, épica e dramática, atravessou milênios no papel de musa, muitas vezes foi representada no papel de submissa ou traidora como a bíblica Dalila, transgressora como Joana D´Arc, cujo maior delito teria sido travestir-se de homem numa época que proibia as mulheres, inclusive, de morrer pela pátria.

Esbarramos agora no ponto da teoria: os textos femininos visitados pelos teóricos, quase sempre homens até o início do Século XX, eram vistos como textos de exceção. Contra isso, levantou-se a inglesa Virgínia Woolf que, no ensaio “Um teto todo seu”, fez da literatura o pódio onde sugeria às mulheres que sem independência - inclusive financeira - não haveria possibilidade de “voz”, aqui mais uma vez no sentido Bakthiniano, numa sociedade que as proibia até de freqüentar determinadas instituições. Se observamos não só pelo lado das idéias e preconceitos dos teóricos mas da própria representação literária vemos a mulher apresentada como reprodutora, cujos filhos machos devem desde cedo dela diferenciar-se e serem alertados sobre este necessário distanciamento e o reforço da identidade masculina. As correntes teóricas literárias de hoje sofrem grande influxo dos estudos culturais, como as deHomi Bhabha, por exemplo, e apontam como correção aos antigos erros a sugestão, mais uma vez desconstrucionista, Bhabha serve de influência para intelectuais como Gayatri Spivak, por exemplo. Ela consegue arrancar das palavras o sentido e reescrevê-las em palimpsesto e catacrese, revertendo assim o discurso do machoopressor.

Os discurso pós-coloniais de teóricos como os caribenhos Stuart HallÉdouard Glissant e Fanon, também vêm a cada dia comprovando que a problemática dos gêneros na literatura, a questão da voz, não deve separar-se de outros como raça, etnia, classes sociais, homossexualismo, multiculturalismo enfim. A escritora norte-americana Toni Morrison em seus livros “Amada” e “Paraíso”, só para citar alguns, exibe o panorama da mulher negra na sociedade machista e racista, no primeiro caso da 2ªmetade do Séc. XIX e no 2º o de uma comunidade de negros até os anos 60/70 do Séc. XX nos EUA. Em “Amada” a mulher negra violentada e enlouquecida pelos pesadelos da escravidão e do machismo é levada ao infanticídio e a conviver com o fantasma da sua filha e em “Paraíso” uma comunidade de raiz africana é levada à barbárie pelo preconceito. Morrison tece num discurso não linear as possibilidades de um discurso que apontam para um terceiro espaço: onde nem o “eu” nem o “você” prevalece tranqüilamente.

As teorias feministas francesas apoiaram-se na psicanálise, as anglo-americanas nas questões marxistas, mas o que percebemos é que tais discursos constroem-se com bases num resgate que envolve a história de um silenciamento das mulheres na sociedade, silêncio este que aos poucos rompe suas últimas amarras.

A escritora Heloisa Buarque tem um discurso recheado de ironia quando traça um estranho paralelo entre a mulher de hoje e um Cyborg, ser construído em laboratório. Tal criatura artificial superaria o modelo de família, nem “pais” nem “filhos”, religião metafísica (não voltaria ao pó, pois não veio do barro e como uma salamandra poderia até recompor suas partes físicas que se perdessem). Notamos que os teóricos usam tais exemplos para justificar seus posicionamentos antagônicos quando que se trata de conservadorismo social.

Observando a visão que os escritores transmitiram sobre o gênero feminino na narrativa latino-americana vemos que no México da segunda metade do Século XIX qualquer tipo de transgressão por parte das mulheres, no retrato ficcionista terminava em submissão por parte destas, ou da tragédia, como no caso de “La Malageña”. No Brasil, Euclides da Cunha exibe um Antônio Conselheiro, em “Os Sertões”, completamente avesso aos direitos da mulher. Machado forjou Capitu, Sofia e Marcela no viés do atrevimento, ganância e depravação até uma pequena transgressão dos horizontes de expectativas como em “Helena” é punido como uma morte espalhafatosa.

No teatro o gênero feminino no Brasil também é marcado pela obra de Nelson Rodrigues e suas mulheres traidoras, que dominam quando o “macho” fraqueja.

A crítica, ao recuperar a força da voz feminina sob tais narrativas, vem pouco a pouco tecendo e destecendo, qual Penépole, novos conceitos e usando antigos exemplos como ícones de um anacrônico colonialismo que projetou sua sombra sobre várias áreas e que até hoje sobrevive, como farsa, é óbvio. Pois é sobre Colonialismo e Capitalismo que falaremos agora.


ESTAMOS FUNCIONANDO NUM MUNDO CARACTERIZADO POR OBJETOS, SERES HUMANOS, IDÉIAS, IDEOLOGIAS, IMAGENS, MENSAGENS E MERCADORIAS EM MOVIMENTO: FLUXOS DE PESSOAS, IMAGENS, INFORMAÇÕES, NARRAÇÕES, TECNOLOGIAS, CAPITAL, HISTÓRIAS SEM RAIZES, E DISJUNÇÕES GLOBAIS. O “INTER” É O FIO CORTANTE DA TRADUÇÃO E DA NEGOCIAÇÃO: O ENTRE-LUGAR (SIGNIFICADO DA CULTURA). QUAIS AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA COMPARADA PARA MAPEAR ESTES FLUXOS DISJUNTIVOS ENTRE O LOCAL E O GLOBAL?


O capitalismo atingiu finalmente o que chamaríamos do seu 3º estágio: o lixo da cultura no mundo. E explodiu em uma estética que se chamou pós-moderna. Cá estamos nós: com o fluxo entre as culturas acelerado pelos meios de comunicação, como a Internet, e por outro lado instaurou-se um capitalismo interligado que não deixa nada nem ninguém escapar desse processo avassalador. Testemunhamos o estilhaçamento, a bricolagem dos antigos valores e a reificação (estratégica) dos sentimentos, a valorização das coisas e a diminuição da importância de quem as usa. Nós estamos justamente no meio do choque provocado pela tentativa no final do século XX de fazer calar a voz a diferença perante o processo de globalização, daí é observarmos essas disjunções e intersecções a partir deste ponto questionarmos os fluxos nas fronteiras, nas encruzilhadas, os deslocamentos e transculturalismos.

Quero analisar melhor as palavras “traduzir” e “negociar” que surgem neste meu texto como epítetos de diversas possibilidades. Vejamos por exemplo como estas idéias expostas até aqui se coadunariam com um projeto de crítica literária pelo qual eu anseio: um processo que envolva a idéia não simplesmente de comparar para achar semelhanças, mas buscar as diferenças haja vista que a literatura comparada serviu para compor a(s) literatura(s) do mundo, como está expresso num termo forjado pelo alemão Goethe. Eu gostaria de ampliar este conceito de forma que servisse de lastro inclusive para possíveis desenvolvimentos de teorias literárias que repensassem os limites do local e do global. Guio-me, por exemplo, por conceitos de cultura de raiz e “cena”, a primeira envolveria os resultados das culturas formados antigamente por camponeses e pelos artesões urbanos e a segunda como fruto da conjunção das possibilidades locais receberem influência de outros lugares, principalmente estrangeiros, estabelecendo assim um conceito de flutuante e não geográfica.

Alguns trabalhos de literatura comparada, como observamos, fazem-nos rever certos conceitos. Por exemplo: a influência de Byron sobre o poeta brasileiro Álvares de Azevedo. Ao comparar as traduções que este faz do poeta inglês percebemos que há contradições que denotam que o brasileiro impôs seus traços sobre os poemas “traduzidos”, que nos levaria usar aqui o conceito de Bhabha sobre “negociação”.

Retrabalhar o discurso do outro, quer seja masculino ou feminino, em busca de estratégias libertárias, comparar tendências e buscar novas estratégias parece-nos um dos caminhos mais adequados nos dias de hoje em que a relação entre os seres e as coisas devem buscar reativar o senso crítico e não a reificação. Proponho algo similar a um palimpsesto que tanto exiba o que estava antes quanto abra caminhos para um novo quadro usando a linguagem para desconstruir o racionalismo e as noções de veralidade.

Autores como Bhabha, Stuart HallBaudrillard, Barthes e Foucault, dentre outros, fazem-nos repensar a globalização, que, contraditoriamente, hoje vem ressaltando diferenças, num mundo onde peles e máscaras se confundem e se separam numa velocidade estonteante, como que um entremez representado no teatro do entre-lugar onde se anuncia que o termo pós-moderno, tão habilmente forjado para anunciar o fim da história e do engajamento, parece não ser mais suficiente para abranger e acalentar vítimas, algozes e passageiros deste fluxo acelerado de informações, de propostas, de imposições, reforço e rasuras nas fronteiras e impedem que passados não-ditos assombrem presentes históricos mal resolvidos.

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