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domingo, 9 de junho de 2013

Homi Bhabha lê o Recife
 por Moisés Neto

Negociar significados é encontrá-los fora do centro, do óbvio, ambíguos. Escutar as diversas vozes, interelacioná-las, colocá-las próximas as suas fronteiras de tempo e lugar. Ver como o poder criador registrou a memória do amor, desamor por uma cidade, por exemplo, no seu texto, o modo como o poético/narrativo e o “histórico” se abraçam ou se repelem. Como a cidade está enterrada nestas produções e que tipo de árvore pode brotar e dar sombras numa praça buliçosa e reconfortante na nova URBE: propícia a epifanias. Fronteira onde algo começa, longe da árdua luta por sobrevivência, lugar também para refletir sobre ela, lugar de sustentação do tempo.
Escritores de Bento Teixeira até Raimundo Carrero servirão de guias usaremos a teoria para chamá-los à nossa rede. Teóricos dos estudos culturais, já que é esse o nosso viés. As posições dos sujeitos (raça, geração, localidade geopolítica, orientação sexual, etc) tentaremos reconhecê-las na composição do retrato atual de Recife e existem (ou como estão) os novos signos de identidade.
Aos mais e/ou os menos favorecidos nosso campo textual oferecerá um intercâmbio de valores, na medida da sua incomensurabilidade. Pois, a representação da diferença deve ter como contraste,  neste texto que comenta os das tais representações, o establishment em si. E por a tensão destas minorias e enraizamento, solapar e solidificar certos conceitos e modelos que a “tradição” outorga, faz parte desta nossa construção discursiva.
Nosso objetivo será o de desmontar o sentimento, momento em que o pinto sobrepôs às pinceladas iniciais, novas pinceladas.
Na parte um fonema de dentro para fora, buscando cronologicamente as raízes da representação de Pernambuco na pedra fundamental “prosopopéia” do Bento Teixeira.
Usaremos como contraponto aqui a obra de Luzilá G. Ferreira. O jogo político com a metrópole, os reflexos da civilização européia e o olhar de cristão novo de Bento na construção poética do Pernambuco permeado desde então pela diferença cultural.
Nosso campo de abrangência, na verdade será a área hoje conhecida como “Grande Recife”, que inclui  dentre outras cidades; Jaboatão e Olinda, por isto oscilarmos em chamar Recife/Pernambuco, nosso campo de estudo que busca na interpretação do passado literário, a invenção da tradição. Longe de nós buscarmos uma “identidade original”, ou “tradição recebida” que permaneça intacta. Juntamente o processo de permanente reconstrução identitária é o nos atrai, estar “fendas”(a literatura) na história/política “oficial”.
Recriação/representação – inclusive do poder político na “Prosopopéia”, por exemplo. Ao voltarmos 4 séculos no tempo proporcionaremos revisão e reconstrução dos conteúdos (ideológicos?) das obras comentadas.
Todas as obras escolhidas entrelaçam-se de alguma maneira. O lugar é o nosso lixo, mesmo quando exibido de forma descontínua quando o presente se fizer um lugar de expansão, em sincronicidade com o passado, ressaltando às vezes vozes dissonantes no nosso comparativismo crítico que quer reconhecer “perigos de fixidez e do fetichismo de identidade (Bhabha, 1998: 29). Segue nosso estudo em busca daquilo que deveria ter permanecido secreto mas que insistiremos em trazer à luz (o “Unheimlich” freudiano).
Discutiremos, no caso da “Prosopopéia” a questão dos gêneros na sociedade patriarcal, comparando a obra de Bento com a de Luzilá.
Ter sua intervenção histórica representada no seu discurso. Aqui nos deteremos também no Guia Prático ________ onde Freyre debruça-se sobre este período pernambucano, além, é claro de “Casa Grande & Senzala”, do qual extrairemos apenas a contextualização para determinada produção artística. Evitando divisões ginásios e faltando várias possibilidades entre o definido e o não-definido, na tentativa de articular, quiçá, o não-dito(?).
“Quero que você me toque no meu lado de dentro e me chame pelo meu nome (...) “Estou buscando o encontro”, diz Beloved, (Toni Morrison) e é assim que procuraremos atrás faces pernambucanas refeitas na literatura.
As questões de estranhamento e/ou reforço e hibridismo cultural são de fundamental importância se pensarmos que instrumental utilizar para reler com o intuito de relacionar o social e o artístico.
Como descobrir que tudo que foi representado, e aqui poderemos oferecer um leque de possibilidades de (RE) leituras, pode revitalizar de forma contundente (será?) o nosso presente?
Da obra analisada, “A Guerra dos Mascates”, extrairemos o Estado colonial cindido por medos e desconfianças que marcaram talvez a hiperbólico, nacionalismo alencarino, vacilando entre o histórico e o social.
Nesta primeira parte sobre o período colonial confrontaremos a tentativa dos autores de pôr ordem no mundo caótico que parece ser a fragmentada aventura pernambucana. Investiremos ainda algum tempo a discutir o fluxo de consciência de Leminski em “Catatau”, romance que aborda de forma livre e período holandês em Pernambuco. Queremos exibir como estes autores puderam, de certa forma.
Não buscamos simplesmente os fundamentos das causas progressistas ou reacionárias e sim o retrato e suas relações com o espaço e o tempo (de hoje?)? o (a) político como estratégia. Usando a distância (possível) epistemológica defenderemos nossa tese: de que foi forjada, sim, uma “identidade natural” para um lugar, Recife/Pernambuco e que conseqüências isto trouxe até hoje.
Trabalho o conceito/sentido de mímesis (elástico) vamos rever posicionamentos do ufanismo bajulador, passando por: subjetivismo, história, crítica, ódio/amor, renovação lingüística, que trouxeram como resultado uma produção, claro, não-linear uma expressão da terra/ espaço artístico-ideológico (objeto refletido / convertido em arte). Descentrando/Deslocando veremos como aspectos antagônicos podem ser absorvidos em um mesmo discurso (no caso os vários autores) e o metatexto que é esta tese, que quer questionar se a representação artística pode ou não aparecer como farsa ou testemunho histórico/revolucionário, da língua ou do poder político estabelecido. Tocaremos de perto o problema da ambivalência (no ponto de vista da anunciação) como pede Bhabha (BHABHA, 1998: 50).
A ação política e o agente na escrita são foco especial da nossa atenção quando tratamos do lugar do indivíduo em relação ao social. Realizou esta busca evitando maniqueísmos na análise de significante e significado será nossa tarefa: trazer oposição e doxa amarradas em um só discurso e que isto sirva como base para a classificação das máscaras identitárias, forjadas um processo literário, certa das nossas observações.
Não nos apressaremos em criar unidades. Haverá várias direções, sugestão de várias hipóteses, pois se trata de um objeto de estudo (a literatura que retratou/ retrata o Recife/Pernambuco) que sta em construção. Flagrar este corpo  que delimitamos (nossos autores / obras escolhidos) requer habilidade para negociar valores. Recorreremos a teóricos como Bhabha, Fanon, Spivak, Hall, Said e outros guias nos estudos culturais (que negociaram contradições e antagonismos), no sentido de afirmar como lhes nossas direções especulativas, um processo de iteração (operação partindo de resultados anteriores).
Não há nenhuma verdade radical a ser anunciada, não buscamos, repetimos, homogeneidade na explicação do fenômeno que apontamos como vital para a compreensão do retrato de uma comunidade (Recife) o que entendemos como correto é a heterogeneidade base do processo cultural do momento fruto de tantas discisporas principalmente no final do 2º milênio. Queremos desde já anunciar a eliminação de vernizes moralistas. Somos contra-hegemônicos quando tratamos principalmente de imagens simbólicas e identidades fragmentárias, talvez até nos bastidores das encenações de fantasias de denúncia social ou da doxa, sabendo que “não há ato final ou primeiro de transformação social” (Bhabha, 1998, 58). Diferença, e não diversidade, é o que buscamos salientar, no diálogo entre os textos sob nosso foco. A luta colonial e pós-colonial pela posse da “identidade”(pernambucana/brasileira – até na poesia de Frei Caneca, por exemplo). Se essa questão é ou não resolvível é o que procuraremos trazer à cruz com nossa tese, através do confronto das ambivalências e contradições (culturais e políticas).
Na questão Diferença (capacidade de expressão) versus Diversidade (intocada pelo intertexto, objeto epistemológico, costumes culturais pré-dados: enquadramento temporal relativista), optamos pela “diferença”, pois a segunda ainda parece “conservadora” no sentido de memória mística de uma identidade coletiva única. A exposição da indecibilidade significatória ou representacional nos faz por todo nosso objeto em xeque.
E o que seria signo fiel da memória histórica poderá soar às vezes como um artifício arcaico na luta pelo poder hegemônico e provinciano. A instabilidade (65), podemos concluir, é perceptível através do estranhamento que propomos. A literatura não é só mimesis nem muito menos só transparência.
Quem anuncia pode pretender esta (bem) distanciado (ocultamento) do objeto retratado, porém, sua interpretação cria uma terceira via (espaço), que representa a ausência de uma “fixidez primordial” que se abre sempre a releituras (interpretativas). O “inter” como o entre-lugar onde o hibridismo se articular em um processo de tradução e negociação, é o que podemos logo aqui apresentar como leitmotiv das nossas atenções. Entrevemos isso já no modo como G. Freyre a partir de 1933 (FREYRE, 2003) entrecruzou culturas na tessitura da sua análise pró-miscigenação (repulsa e atração). Por que a tese freyriana foi tão “bem” aceita, como este texto dialogo com J. Cabral, M. Bandeira, o autor e o(s) observador(es)? Com Mauro Mota se comunica com Joaquim Cardoso no espaço da saudade e da reivindicação (libertária?)? Seriam estes autores os “outros de nós mesmos?” (69)
Sacudiu o alimento familiar freyriano, ou na poética de Bandeira e Ascensor passando por Chico Science ou até Luzilá Ferreira, G. Lemos e R. Carrera, parece nos fundamental. O jogo do poder econômico e intelectual. Teriam alguns se transportado para bem longe da própria presença? Como diria Fanon (Apud BHABHA, 1998: 73). Como as autoridades individual e social foram questionadas? Em Leminski (Catatau) como o padrão da linguagem foi subvertido e com que finalidade ele aborda o período holandês em Pernambuco Colonial? O ódio a si mesmo que sente o Severino cabralino, é o ódio do autor a impressão do social como marca/do superior (latifundiário/burguês) no inferior (mestiço submisso)?
As imagens febris e fantasmáticas da representação de Pernambuco que buscamos passa pela análise de Jung em sua teoria da sincronicidade e procura expurgar o delírio maniqueísta, a mumificação cultural, o palimpsesto do global sobre a tez nacional/local. O que está em J. Cabral não é uma espécie de vingança por sua, digamos assim, impotência diante de tanta injustiça? A ruptura de equivalências entre o Eu (lírico/narrado/dualista), a imagem, o objeto e a identidade corresponde a um jogo de espelhos, que resumimos no objeto do olhar, este referente problemático.
Queremos situar também a problemática do leitor (local ou não), sempre colocado em lugar(es) contraditório(s): o invasor (leitor) através da quarta parede (transparência – qe tanto buscam os metanarrativas “realistas”.
A identidade humana como imagem a autoconsciência apreendendo o outro, fitando seu objeto (83). Flagaremos a isca para  leitor voyeurista”, ávido de ver e fixar afinidades e diferenças a partir do “outro” (autor/objeto) numa partida onde a imagem não temos mimeticamente como a aparência da realidade e somente como ilusão de presença, metonímia de sua ausência e perda.
Em Josué de Castro “Homens e Caranguejos” e em José Lins “Moleque Ricardo”, a degradação do Recife. Algo sempre repetido e que sempre parece (ou deveria?) o nordestino ignorante, por exemplo, submisso aos interesses dos detentores do capital e da mídia. Como se construiu este discurso que mostra o cidadão ora como folgazão ora como vítima esmagada pelas circunstâncias eis aonde queremos chegar, apontando a alteridade como importa e não natural observaremos, é claro, a relação forma e conteúdo, porém nos deteremos mais no último. Oprimido e opressor, narrador e narrado: o jogo e o resíduo, eis nossa preocupação maior. Que jogos percebemos por trás das máscaras sociais. Como a relação do sujeito com o outro se produz.
Nossas fábulas de identidade são medidas por outras (o outro), são desvios que passam pelo social/religioso/artístico e é expressa no alfabeto romano, comum ao ocidente.
No caso do Recife em “Morte e vida Severina” de J. Cabral, o que pressentimos é uma espécie de horror do intelectual em relação aquele ser sem perspectiva de encaixe uma realidade progressista/intelectual como é a objetividade do poeta escondido por trás de um eu-lírico vacilante que entrega sua voz a outrem constantemente, não possuindo sua própria posição hegemônica que não seja o coletivo miserável e auto-revolucionário, o da realidade como uma coisa estática, imutável. No “Auto do Frade” o mesmo poeta expõe poeticamente  estertor do carmelita em redenção diante do Recife comovido.
Chico Buarque (e Ruy Guerra) na peça “Calabar” nos traz para seu universo de cabaré, o Recife holandês, ardendo em desejo, perversão, calúnia, dissimulação, jogo de interesses e de cruzamento de culturas. Já em R. Carrero, a angústia e a insatisfação podem ser comparadas à frustração e ao desejo de vingança de G. Lemos, na “Lenda dos Cem”, onde o descendente indígena retoma suas raízes e vai assassinar o latifundiário, mas não reconhece sua própria tribo, ou os velhos de “Vingança de Desvalidos”, a andar em círculos e gozar pela masturbação, uma energia minada pela agonia ou pelo êxtase.
O Recife articulando-se na supressão do eu, esmagado em sua diferença.
Identidade e agressividade em um ringue de semi-reconhecimento da confusão cultural, onde a completude do homem parece anestesiada, impossibilitada, imobilizada pelo espírito zombeteiro pernambucano que serve de juiz na trapaça no jogo de dados viciados que é na nossa cidade-objeto de estudo a vivência das diferenças. A transformação social só é sugerida em forma de mais desgraça no teatro dos antagonismos e da corrupção. Tal sistema de representação mesmo quando similar ao realismo, como em Cabral, não podemos esquecer que são deformações (113). Resultante de uma certa manipulação de forças. De certo modo percebemos nesta obra uma simplificação, na forma presa, fixa, de representação que segue a mesma linha do regionalismo das décadas anteriores (30 e 40).
Há também no espaço escópico (prazer de ver) o ufanismo de Gonçalves Dias que não poupou chamar Recife de Veneza Americana, flutuante terra de “heróis” e dos “coqueiros”. (“Segundos Cantos”) semeando assim o estereótipo/submissão ao eurocentrismo. O estereótipo, como diz Bhabha: “Requer, para uma significação bem sucedida, uma cadeia contínua e repetitiva de outros estereótipos”(BHABHA, 1998: 120).
Nesta “Veneza” não haveria prazer em ver/valorizar a miscigenação que o próprio Dias em “Marabá” tanto criticara. E estes “heróis”, aos quais se refere, talvez estivessem mais bem acomodados no panteão do império repressor dos senhores de engenho. O que vemos na faceta nacionalista de Dias é a possibilidade de se abraçar crenças contraditórias: Arcaica e progressista.
O cabo de força entre a metáfora (Veneza) e a metomínia (civilização européia) trai os inconsciente colonial em pleno nacionalismo (tardio?). Já M-Bandeira afasta-se desta ótica no poema “Evocação ao Recife” (Libertinagem). Dias foi criado no Brasil colônia, formou-se em Portugal e o seu sabiá é um tanto quanto ventríloquo dos lusos preconceitos: devíamos nos contentar com um império incompetente e com nossa parcial “independência”, a metonímia da presença européia pairava na representação do colonizado (o retorno do reprimido?). Deixa de notar a incompatibilidade entre império e nação, descarta a discussão. A literatura conduz, leve o leitor a um determinado ponto, exercendo uma pressão, uma percepção autoritária no seu conteúdo (significamos) onde paira certa discriminação que não podemos tratar ingenuamente. É transparente, para usar a metáfora de Bhabha (160), como um negativo de um filme/fotografia. Está ali, mas precisa ser revelado, atravessado por uma luz. Só então percebemos a presença da autoridade, no caso do discurso (o etnocentrismo, por exemplo). Ele resiste a uma “visibilidade imediata’. A parte (estrangeiro) é representativa do todo (o país colonizado) na hibridização do discurso. Essa “transparência” é construída na fronteira.
Quando Luzilá G. Ferreira em seu livro “Os rios turvos”(1993) coloca Bento traduzindo trechos da Bíblia, o faz de modo onde a fé e o desejo de dinheiro são separados pelo viés intelectual que se coloca além d discussão teocrática ou logocêntrica.
Nem por um átimo de segundo queremos nos afastar da nossa tese que é exigir o pasado no presente como razão para as atitudes extremistas no Recife hoje onde o local e o global exprimem-se como amor ou ódio e não permite o urbano desenvolver-se, prendendo-o sempre a estereótipos (quem os elaborou?) Quem os representa? Há saídas intelectuais?).
Quando Freyre, em Sobrados e Mucambos para o urbano (Recife) nós vemos ali toda a tirania escravocrata-feudal representada como numa partida de xadrez narrada de forma dengosa cheira de metáforas conflitantes, Freyre ao tentar fala a língua do opressor e do oprimidos parece vacilar, como no Romance “Dona Sinhá e o filho padre” quando aborda a questão da homossexualidade.
Se “imitar é agarrar-se à negação dos limites do ego, e identificar-se é assimilar conflituosamente”(BHABHA, 1998: 195) Freyre parece estar numa espécie de intervalo na representação da cultura, um local onde nunca se fala “toda” a verdade e sociologia é artístico palimpsesto da revolta (contra a farsa burguesa encerrada em Pernambuco/Recife). Lembremo-nos de que no contar da história individual está envolvida toda a comunidade (holismo?). Cabe a este nosso texto representar o homem e a admiração de ver representada nossa nação em determinados textos. O nordeste, especificamente, Recife/Pernambuco, nosso corte/delimitação, sendo interpretado, mesmo que não possa haver, nunca, explicação única, origem única, mas aqui, um dos berços mais próprios do Brasil. Para isso rompemos linearidades (tempos, lugar, caráter) e buscamos cruzar o cotidiano e o “histórico”.
O nacionalismo que floresceu com o Iluminismo chegou ao Recife timidamente, com a Guerra dos Mascates, que aqui analisamos sob a ótica romântica nacionalista alencarina, ou na revolta de Frei Caneca com a Confederação do Equador; veio permeado de toda uma ambivalência ideológica. Como fica representada a nação nas obras dos autores que abordamos? O Recife aparece como uma ilha? Cadê o Continente? Por que nossa voz pareceria estranha e... anônima? Bandeira, Cabral e outros que estamos desdobrando na busca de um futuro necessário. Como se dá a duplicação, divisão e intercâmbio do eu-narrador/lírico em tal situação de “rejeitado”(?) nacional como é o pernambucano (exótico/ignorante) em relação ao poderio do Sudeste que buscou capitanear intelectualmente a nação desde o século XIX? Seríamos mesmo capazes de uma INSURREIÇÃO (MAROONAGE) Radical?
Há possibilidade de detectarmos hoje chance de quilombos (MAROONS) de resistência para que os intelectuais planejem melhores dias? Dias melhores virão? Como está/foi o Recife na gestão do partido dos trabalhadores (2000-2008). O Recife pode representar o Brasil? Ou isto pode provocar uma crise dentro do processo de significação e interpelação discursiva nacional? Estamos exilados dentro do nosso próprio país> Temos um presidente pernambucano (22002-2006). E daí?
O enigma da linguagem é nosso fio condutor. Ela demarca a emergência do nosso tema. Como tornar obvia a degradação intelectual a qual estão expostos os intelectuais recifenses e representar a miséria e degradação em Pernambuco?
Estamos diante do problema da nação dividida no interior dela própria. Preocupamo-nos tanto em denunciar a fome e a calamidade que nos esquecemos de falar sobre a ausência de um discurso intelectual da salvação.
O Recife aqui representa o local tenso de diferença cultural no interior da nação e nenhuma ideologia política pode suprir até agora nossa ânsia de liberdade, que está encoberta. Recife foi eliminado na formação intelectual brasileira no final dos anos 90 e sua única figura de destaque foi Chico Science. E observemos que a cultura dominante não o aclamou unanimemente.
As projeções de amor e ódio desta “cultura dominante” assombram e fazem o agente/intérprete/artista/autor desligar constantemente de uma posição a outra para poder se expressar, vitima (ou algoz?) que é do colapso da certeza, no qual estamos todos mergulhados na era em que a nação não é mais o homogeneizante signo de modernidade e sim cena múltipla. Em nossa análise, como observadores nós incluímos junto ao objeto, buscando assim a tridimensionalidade, não nos anularemos como sujeito inserido numa luta.
O presente torna o passado visível. Vivamos agora um momento em que a totalidade é a individualização. Preocupamo-nos com determinadas escritas que tentam (re)construir narrativas do imaginário social do povo pernambucano / recifense. Nada que seja estático é do povo, pois este é instável (inclusive na sua significação cultural. Se a história é pedagogia a cultura do povo é antes de tudo performática (moldada no momento em que se expressa). Tal urgência exige (re)negociação de tempo, termos e tradições para que a contemporaneidade se transforme em arte. Temos então Recife/PE como uma comunidade imaginada, vejamos como ela se relaciona com o tempo-calendário e com outro que não é nem sincrônico nem serial: o presente é sucessão sem sincronia, súbito, faz-se um lugar dia-a-dia é sempre trabalho inacabado.
Muito há para se lembrar e se esquecer a minoria que resiste às vezes totalização, ao holismo e temas que ler neles todos um contexto sócio-histórico-político-cultural-artístico e não podemos nunca generaliza-los. Quando Leminski retrabalha sua linguagem em “Catatau” e expõe o caos do significante privando-o de uma referência estável exterior, traz-nos uma comunidade imaginada, rompe com a memória histórica através de uma narrativa híbrida que se abre para assuntos embaralhados pela memória, o caso tropical ingovernável. O filósofo francês René Descartes junta-se a Maurício de Nassau em Pernambuco (Renatus Cartesius), onde procura transplantar a lógica européia, impossível(?) naquele calor e beleza. É a palavra montagem a corromper construções lingüísticas onde o “cogito, ergo sum” não resiste. O fracasso de pensar Pernambuco/Brasil em pensamento europeu.
Nem holismo nem sociologia do subdesenvolvimento nem teria da “dependência”, tentaremos, revisar o nacionalismo, o capitalismo tardio, o pastiche, a simulação, demonstrar, mas antes que retorne para “deslocar” o presente que a metáfora da linguagem Lucena com seus paradoxos. Recife em fantasia semiótica: Signo Versus Formação Discursiva, re-locação e reinscrição: o sujeito escrevendo e desaparecendo dentro do discurso versus nossa tentativa de ouvi-lo no fluxo do código comunicativo da sentença. O que o autor pretende? Há algo entre quem fala, como fala e quem lê. Agência é este terceiro local, local da identificação simbólica, espaço de intersubjetividade (movimento e manobra) longe de uma finalidade ou totalidade. Entra aqui a comparação com o negativo de um filme (transparência).
            A leitura de Bhabha passa pelas entrelinhas (BHABHA, 1998:261) de quem fala e a quem se dirige (ADDRESSITY, como Bhabha cita Bakhtin, 1998:262) e é ele e Bakthin uma das bases que fortalecem nosso argumento quando reafirmamos que a educação, no caso de produção literária que usa Recife/PE como referência, tem muitos planos principalmente quando contrastamo-la com outras elocuções associadas a ela. Às vezes tendemos a isolar o agente (produto de cada obra), aquele que coloca todo o “processo”  em movimento, ou até buscamos, para sermos mais justos, o “herói” da história, e catamos nele o interesse (humano), aí entrou o conceito de AGENCIA:  a ação seria o local e a tela e manifestação seria a tal agência (263), socializar o agente seria possível do autor (seria este um ator invisível? O que teríamos além dessa definição, a de uma fantasma ancioso? (alculista?). Como poderíamos explorar melhor esta relação obra-autor-objeto de observação/referência (Recife/PE)? As questões do social e da metáfora. Não é simples redescrição da cultural burguesa, que atingiu seu limite histórico no colonialismo, nem das esquerdas no seu crepúsculo de fênix, tendemos a não definir a consciência subalterna através de maniqueísmos, preferimos o palimpsesto sobre traços que antes delimitavam concepções (antigas?) vindas desde o texto colonial, prosopopéia ou Gregório de Matos, por exemplo e que chegou até o historicismo de Alencar em “Guerra dos Mascates” escrita no período pós-colonial. Mas cuja ação somente o leitor do século XVIII.
Tal rememoração, alencariana, carregada de ficcionalidade exibe nas entrelinhas, e por que não dizer? Abertamente uma gama de preconceitos cujas profundezas nos levam até a incompreensibilidade do que quer que fosse chamado (nas duas épocas narrativa e autoral) direitos humanos em um verdadeiro jogo de contradições entre tempo, lugar e ser e derrota um ambiente repleto de artifícios sufocantes construído pelo narrador/autor, um espaço interisticial, intervalar, uma espécie de fenda histórica. Com sua volta ao passado, colapso de temporalidade típica do Romantismo, Alencar tentou romper com a fixidez do passado, que ele queria resgatar / reinventar, mas o que vemos é a reiteração de um império inoperante, retrógrado projetando sua sombra a colônia, no Recife reescrito, lido indiretamente, nem colônia nem nação, como um híbrido terceiro espaço.
O sujeito não-centrado, dividido entre a cidade rica Olinda e a menor e mais próxima à negociação Recife, é chave e exemplo para o que estamos querendo esclarecer: representação cultural necessariamente não pode estar ligada a fronteiras como conceitos de classe. Falta-lhe o que chamamos de tradução cultural pois o que vemos aí é a visão alencarina tradicionalista revestida com a tinta libertária tendo a cidade-mangue como cenário.
A questão de repetir e reinscrever através de uma contestação discursiva está longe do que aconteceu com Alencar. Sua visão histórica parece superficial. Não lhe parece apetecer nem o sonho nostálgico de tradição nem o sonho utópico de progresso.
Já o trabalho de Leminski, que aborda o período colonial de forma a romper a comunidade imaginada da nação no seu cerne: a língua nos traz mais a ruptura com a idéia de ser súdito.
Em narrativa cindida-e-dupla fugindo da identificação com a linguagem comum ao brasileiro comum misturando racionalismo e confusão tropical no seu direito de significar em uma encenação híbrida como a zombar dos conceitos (tantos!) do (pós)modernismo que já vão tarde, progresso, eurocentrismo, racionalidade, historicidade que queria dizer que chegamos muito tarde e não há nada mais possibilidade de uma marginal (re)construir o mundo junto com os outros homens. Que tal começar pela linguagem. O próprio Alencar o tentara nos século XIX.
O céu branco da folha de papel está ao nosso dispor. Cheio de estrelas negras, as letras, a nos chamar para contemplá-lo, segui-lo, por novos e velhos caminhos. Aqui ele não quer ocupar o passado que o conservadorismo seja o futuro.
Não quer nem pode/deve. Quer sim uma experiência interruptora, interrogativa, mesmo nos dias de hoje, quando parece que não há mais chance em Nova York, Cabul, Bagdá, sei lá. Quando nas ruas do Recife jovem recebem spray de pimenta nos olhos, nos pulmões asmáticos de uma garota socorrida às pressas quando clamava contra a injustiça dos aumentos constantes nas passagens de ônibus. Onde estão quase todos sem a verdadeira causa que é a liberdade plena e  responsável.
Palimpsesto, pintura sobre pintura, é o que resta nesta tela única que é a vida de cada um (recifense?) em seu agitado/complacente fazer humano.
Romper, deslocar, rasurar o escrito que se quiser único sobre a formação do sujeito.
Como a literatura pode expressar a idéia de um lugar, a possibilidade de uma, digamos assim, ética. Existe uma ética recifense? Pernambucana? Onde ela está localizada. Há mesmo o/um local da cultura, além/aquém do hibridismo? Há possibilidade de deslocamento do reflexo no falso espelho (quadro estático?) onde a identidade deste lugar Recife/PE se ‘vê” refletido.
Agora começamos a traçar um painel da possibilidade na (re) construção social pela literatura. Será que ao analisar estes textos de/sobre o Recife/PE chegaremos a alguma conclusão sobre a referida “ética”? Será permitida com ela uma nova relação? Podemos mesmo nos apoderar-se uma (nova?) codificação de valor? Abrir um entre-tempo interruptor, que nem seja o do autor nem do leitor (mesmo o ausente, por ignorância). Em vez do terceiro mundo arcaico um terceiro espaço. A revisão do modernismo, como entenderam nossos autores escolhidos (Ascenso, Carrero, Luzilá, G. Lemos, Cabral, Gregório, Alencar, Leminski, M. Mota, J. Cardoso, Luzilá, Science, dentre outros) requer investidura lingüística, transvalorização da estrutura; representativa da enunciação, já que a “modernidade” está no interior do discurso.
Vamos deslocar estas falas colocá-las sob estranhamento, diferença (não-um). Rasuraremos e questionaremos o tempo vazio homogêneo do imaginário social moderno e da história como “acúmulo” pseudo-sequencial e o seu retrato literário. “Eu vi o mundo e ele começava no Recife”, expressou Cícero Dias. Vejamos que valores podemos extrair de determinados signos e as articulações negociações possíveis entre o locus, a locução e a crítica/análise.
Tentaremos mostrar que a ruptura com as fronteiras binárias é de fundamental importância (passado/presente, significante/significado, sujeito/objeto, moderno/anti-moderno e mais). Queremos lugares diferentes a partir dos quais possamos todos iniciar a reconstrução da sociedade.
“O que podia ter sido imunda o ventre até me afogar”, escreveu a poeta afro-americana Sonia Sanchez vivemos mesmo à margem desse tipo de contingência (o que “podia ter sido”)? Queremos o caminho entre o passado e o presente, traçar o mapa em rapsódia, mais uma vez, prestando atenção, as nossas obras de literatura e tentando transformar nossa nação do que significa viver no Recife/PE em tempos e espaços diferentes.

Prof. Moisés Neto


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