Homi
Bhabha lê o Recife
por Moisés Neto
Negociar significados é encontrá-los fora do centro,
do óbvio, ambíguos. Escutar as diversas vozes, interelacioná-las, colocá-las
próximas as suas fronteiras de tempo e lugar. Ver como o poder criador
registrou a memória do amor, desamor por uma cidade, por exemplo, no seu texto,
o modo como o poético/narrativo e o “histórico” se abraçam ou se repelem. Como
a cidade está enterrada nestas produções e que tipo de árvore pode brotar e dar
sombras numa praça buliçosa e reconfortante na nova URBE: propícia a epifanias.
Fronteira onde algo começa, longe da árdua luta por sobrevivência, lugar também
para refletir sobre ela, lugar de sustentação do tempo.
Escritores de Bento Teixeira
até Raimundo Carrero servirão de guias usaremos a teoria para chamá-los à nossa
rede. Teóricos dos estudos culturais, já que é esse o nosso viés. As posições
dos sujeitos (raça, geração, localidade geopolítica, orientação sexual, etc)
tentaremos reconhecê-las na composição do retrato atual de Recife e existem (ou
como estão) os novos signos de identidade.
Aos mais e/ou os menos
favorecidos nosso campo textual oferecerá um intercâmbio de valores, na medida
da sua incomensurabilidade. Pois, a representação da diferença deve ter como
contraste, neste texto que comenta os
das tais representações, o establishment em si. E por a tensão destas
minorias e enraizamento, solapar e solidificar certos conceitos e modelos que a
“tradição” outorga, faz parte desta nossa construção discursiva.
Nosso objetivo será o de
desmontar o sentimento, momento em que o pinto sobrepôs às pinceladas iniciais,
novas pinceladas.
Na parte um fonema de dentro
para fora, buscando cronologicamente as raízes da representação de Pernambuco
na pedra fundamental “prosopopéia” do Bento Teixeira.
Usaremos como contraponto
aqui a obra de Luzilá G. Ferreira. O jogo político com a metrópole, os reflexos
da civilização européia e o olhar de cristão novo de Bento na construção
poética do Pernambuco permeado desde então pela diferença cultural.
Nosso campo de abrangência,
na verdade será a área hoje conhecida como “Grande Recife”, que inclui dentre outras cidades; Jaboatão e Olinda, por
isto oscilarmos em chamar Recife/Pernambuco, nosso campo de estudo que busca na
interpretação do passado literário, a invenção da tradição. Longe de nós
buscarmos uma “identidade original”, ou “tradição recebida” que permaneça
intacta. Juntamente o processo de permanente reconstrução identitária é o nos
atrai, estar “fendas”(a literatura) na história/política “oficial”.
Recriação/representação –
inclusive do poder político na “Prosopopéia”, por exemplo. Ao voltarmos 4
séculos no tempo proporcionaremos revisão e reconstrução dos conteúdos
(ideológicos?) das obras comentadas.
Todas as obras escolhidas
entrelaçam-se de alguma maneira. O lugar é o nosso lixo, mesmo quando exibido
de forma descontínua quando o presente se fizer um lugar de expansão, em
sincronicidade com o passado, ressaltando às vezes vozes dissonantes no nosso
comparativismo crítico que quer reconhecer “perigos de fixidez e do fetichismo
de identidade (Bhabha, 1998: 29). Segue nosso estudo em busca daquilo que
deveria ter permanecido secreto mas que insistiremos em trazer à luz (o
“Unheimlich” freudiano).
Discutiremos, no caso da
“Prosopopéia” a questão dos gêneros na sociedade patriarcal, comparando a obra
de Bento com a de Luzilá.
Ter sua intervenção
histórica representada no seu discurso. Aqui nos deteremos também no Guia
Prático ________ onde Freyre debruça-se sobre este período pernambucano, além,
é claro de “Casa Grande & Senzala”, do qual extrairemos apenas a
contextualização para determinada produção artística. Evitando divisões
ginásios e faltando várias possibilidades entre o definido e o não-definido, na
tentativa de articular, quiçá, o não-dito(?).
“Quero que você me toque no
meu lado de dentro e me chame pelo meu nome (...) “Estou buscando o encontro”,
diz Beloved, (Toni Morrison) e é assim que procuraremos atrás faces
pernambucanas refeitas na literatura.
As questões de estranhamento
e/ou reforço e hibridismo cultural são de fundamental importância se pensarmos
que instrumental utilizar para reler com o intuito de relacionar o social e o
artístico.
Como descobrir que tudo que
foi representado, e aqui poderemos oferecer um leque de possibilidades de (RE)
leituras, pode revitalizar de forma contundente (será?) o nosso presente?
Da obra analisada, “A Guerra
dos Mascates”, extrairemos o Estado colonial cindido por medos e desconfianças
que marcaram talvez a hiperbólico, nacionalismo alencarino, vacilando entre o
histórico e o social.
Nesta primeira parte sobre o
período colonial confrontaremos a tentativa dos autores de pôr ordem no mundo
caótico que parece ser a fragmentada aventura pernambucana. Investiremos ainda
algum tempo a discutir o fluxo de consciência de Leminski em “Catatau”, romance
que aborda de forma livre e período holandês em Pernambuco. Queremos exibir
como estes autores puderam, de certa forma.
Não buscamos simplesmente os
fundamentos das causas progressistas ou reacionárias e sim o retrato e suas
relações com o espaço e o tempo (de hoje?)? o (a) político como estratégia.
Usando a distância (possível) epistemológica defenderemos nossa tese: de que
foi forjada, sim, uma “identidade natural” para um lugar, Recife/Pernambuco e
que conseqüências isto trouxe até hoje.
Trabalho o conceito/sentido
de mímesis (elástico) vamos rever posicionamentos do ufanismo bajulador,
passando por: subjetivismo, história, crítica, ódio/amor, renovação
lingüística, que trouxeram como resultado uma produção, claro, não-linear uma
expressão da terra/ espaço artístico-ideológico (objeto refletido / convertido
em arte). Descentrando/Deslocando veremos como aspectos antagônicos podem ser
absorvidos em um mesmo discurso (no caso os vários autores) e o metatexto que é
esta tese, que quer questionar se a representação artística pode ou não
aparecer como farsa ou testemunho histórico/revolucionário, da língua ou do
poder político estabelecido. Tocaremos de perto o problema da ambivalência (no
ponto de vista da anunciação) como pede Bhabha (BHABHA, 1998: 50).
A ação política e o agente
na escrita são foco especial da nossa atenção quando tratamos do lugar do
indivíduo em relação ao social. Realizou esta busca evitando maniqueísmos na
análise de significante e significado será nossa tarefa: trazer oposição e doxa
amarradas em um só discurso e que isto sirva como base para a classificação das
máscaras identitárias, forjadas um processo literário, certa das nossas
observações.
Não nos apressaremos em
criar unidades. Haverá várias direções, sugestão de várias hipóteses, pois se
trata de um objeto de estudo (a literatura que retratou/ retrata o
Recife/Pernambuco) que sta em construção. Flagrar este corpo que delimitamos (nossos autores / obras
escolhidos) requer habilidade para negociar valores. Recorreremos a teóricos
como Bhabha, Fanon, Spivak, Hall, Said e outros guias nos estudos culturais
(que negociaram contradições e antagonismos), no sentido de afirmar como lhes
nossas direções especulativas, um processo de iteração (operação partindo de
resultados anteriores).
Não há nenhuma verdade
radical a ser anunciada, não buscamos, repetimos, homogeneidade na explicação
do fenômeno que apontamos como vital para a compreensão do retrato de uma
comunidade (Recife) o que entendemos como correto é a heterogeneidade base do
processo cultural do momento fruto de tantas discisporas principalmente no
final do 2º milênio. Queremos desde já anunciar a eliminação de vernizes
moralistas. Somos contra-hegemônicos quando tratamos principalmente de imagens
simbólicas e identidades fragmentárias, talvez até nos bastidores das
encenações de fantasias de denúncia social ou da doxa, sabendo que “não há ato
final ou primeiro de transformação social” (Bhabha, 1998, 58). Diferença, e não
diversidade, é o que buscamos salientar, no diálogo entre os textos sob nosso
foco. A luta colonial e pós-colonial pela posse da
“identidade”(pernambucana/brasileira – até na poesia de Frei Caneca, por
exemplo). Se essa questão é ou não resolvível é o que procuraremos trazer à
cruz com nossa tese, através do confronto das ambivalências e contradições
(culturais e políticas).
Na questão Diferença
(capacidade de expressão) versus Diversidade (intocada pelo intertexto,
objeto epistemológico, costumes culturais pré-dados: enquadramento temporal
relativista), optamos pela “diferença”, pois a segunda ainda parece
“conservadora” no sentido de memória mística de uma identidade coletiva única.
A exposição da indecibilidade significatória ou representacional nos faz por
todo nosso objeto em xeque.
E o que seria signo fiel da
memória histórica poderá soar às vezes como um artifício arcaico na luta pelo
poder hegemônico e provinciano. A instabilidade (65), podemos concluir, é
perceptível através do estranhamento que propomos. A literatura não é só
mimesis nem muito menos só transparência.
Quem anuncia pode pretender
esta (bem) distanciado (ocultamento) do objeto retratado, porém, sua
interpretação cria uma terceira via (espaço), que representa a ausência de uma
“fixidez primordial” que se abre sempre a releituras (interpretativas). O
“inter” como o entre-lugar onde o hibridismo se articular em um processo de
tradução e negociação, é o que podemos logo aqui apresentar como leitmotiv das
nossas atenções. Entrevemos isso já no modo como G. Freyre a partir de 1933
(FREYRE, 2003) entrecruzou culturas na tessitura da sua análise
pró-miscigenação (repulsa e atração). Por que a tese freyriana foi tão “bem”
aceita, como este texto dialogo com J. Cabral, M. Bandeira, o autor e o(s)
observador(es)? Com Mauro Mota se comunica com Joaquim Cardoso no espaço da
saudade e da reivindicação (libertária?)? Seriam estes autores os “outros de
nós mesmos?” (69)
Sacudiu o alimento familiar
freyriano, ou na poética de Bandeira e Ascensor passando por Chico Science ou
até Luzilá Ferreira, G. Lemos e R. Carrera, parece nos fundamental. O jogo do
poder econômico e intelectual. Teriam alguns se transportado para bem longe da
própria presença? Como diria Fanon (Apud BHABHA, 1998: 73). Como as autoridades
individual e social foram questionadas? Em Leminski (Catatau) como o
padrão da linguagem foi subvertido e com que finalidade ele aborda o período
holandês em Pernambuco Colonial? O ódio a si mesmo que sente o Severino
cabralino, é o ódio do autor a impressão do social como marca/do superior
(latifundiário/burguês) no inferior (mestiço submisso)?
As imagens febris e
fantasmáticas da representação de Pernambuco que buscamos passa pela análise de
Jung em sua teoria da sincronicidade e procura expurgar o delírio maniqueísta,
a mumificação cultural, o palimpsesto do global sobre a tez nacional/local. O
que está em J. Cabral não é uma espécie de vingança por sua, digamos assim,
impotência diante de tanta injustiça? A ruptura de equivalências entre o Eu
(lírico/narrado/dualista), a imagem, o objeto e a identidade corresponde a um
jogo de espelhos, que resumimos no objeto do olhar, este referente
problemático.
Queremos situar também a
problemática do leitor (local ou não), sempre colocado em lugar(es)
contraditório(s): o invasor (leitor) através da quarta parede (transparência –
qe tanto buscam os metanarrativas “realistas”.
A identidade humana como
imagem a autoconsciência apreendendo o outro, fitando seu objeto (83).
Flagaremos a isca para leitor voyeurista”,
ávido de ver e fixar afinidades e diferenças a partir do “outro” (autor/objeto)
numa partida onde a imagem não temos mimeticamente como a aparência da
realidade e somente como ilusão de presença, metonímia de sua ausência e perda.
Em Josué de Castro “Homens e
Caranguejos” e em José Lins “Moleque Ricardo”, a degradação do Recife. Algo
sempre repetido e que sempre parece (ou deveria?) o nordestino ignorante, por
exemplo, submisso aos interesses dos detentores do capital e da mídia. Como se
construiu este discurso que mostra o cidadão ora como folgazão ora como vítima
esmagada pelas circunstâncias eis aonde queremos chegar, apontando a alteridade
como importa e não natural observaremos, é claro, a relação forma e conteúdo,
porém nos deteremos mais no último. Oprimido e opressor, narrador e narrado: o
jogo e o resíduo, eis nossa preocupação maior. Que jogos percebemos por trás
das máscaras sociais. Como a relação do sujeito com o outro se produz.
Nossas fábulas de identidade
são medidas por outras (o outro), são desvios que passam pelo
social/religioso/artístico e é expressa no alfabeto romano, comum ao ocidente.
No caso do Recife em “Morte
e vida Severina” de J. Cabral, o que pressentimos é uma espécie de horror do
intelectual em relação aquele ser sem perspectiva de encaixe uma realidade
progressista/intelectual como é a objetividade do poeta escondido por trás de
um eu-lírico vacilante que entrega sua voz a outrem constantemente, não
possuindo sua própria posição hegemônica que não seja o coletivo miserável e
auto-revolucionário, o da realidade como uma coisa estática, imutável. No “Auto
do Frade” o mesmo poeta expõe poeticamente
estertor do carmelita em redenção diante do Recife comovido.
Chico Buarque (e Ruy Guerra)
na peça “Calabar” nos traz para seu universo de cabaré, o Recife holandês,
ardendo em desejo, perversão, calúnia, dissimulação, jogo de interesses e de
cruzamento de culturas. Já em R. Carrero, a angústia e a insatisfação podem ser
comparadas à frustração e ao desejo de vingança de G. Lemos, na “Lenda dos
Cem”, onde o descendente indígena retoma suas raízes e vai assassinar o
latifundiário, mas não reconhece sua própria tribo, ou os velhos de “Vingança
de Desvalidos”, a andar em círculos e gozar pela masturbação, uma energia
minada pela agonia ou pelo êxtase.
O Recife articulando-se na
supressão do eu, esmagado em sua diferença.
Identidade e agressividade
em um ringue de semi-reconhecimento da confusão cultural, onde a completude do
homem parece anestesiada, impossibilitada, imobilizada pelo espírito zombeteiro
pernambucano que serve de juiz na trapaça no jogo de dados viciados que é na
nossa cidade-objeto de estudo a vivência das diferenças. A transformação social
só é sugerida em forma de mais desgraça no teatro dos antagonismos e da
corrupção. Tal sistema de representação mesmo quando similar ao realismo, como
em Cabral, não podemos esquecer que são deformações (113). Resultante de uma
certa manipulação de forças. De certo modo percebemos nesta obra uma
simplificação, na forma presa, fixa, de representação que segue a mesma linha
do regionalismo das décadas anteriores (30 e 40).
Há também no espaço escópico
(prazer de ver) o ufanismo de Gonçalves Dias que não poupou chamar Recife de
Veneza Americana, flutuante terra de “heróis” e dos “coqueiros”. (“Segundos
Cantos”) semeando assim o estereótipo/submissão ao eurocentrismo. O
estereótipo, como diz Bhabha: “Requer, para uma significação bem sucedida, uma
cadeia contínua e repetitiva de outros estereótipos”(BHABHA, 1998: 120).
Nesta “Veneza” não haveria
prazer em ver/valorizar a miscigenação que o próprio Dias em “Marabá” tanto
criticara. E estes “heróis”, aos quais se refere, talvez estivessem mais bem
acomodados no panteão do império repressor dos senhores de engenho. O que vemos
na faceta nacionalista de Dias é a possibilidade de se abraçar crenças
contraditórias: Arcaica e progressista.
O cabo de força entre a
metáfora (Veneza) e a metomínia (civilização européia) trai os inconsciente
colonial em pleno nacionalismo (tardio?). Já M-Bandeira afasta-se desta ótica
no poema “Evocação ao Recife” (Libertinagem). Dias foi criado no Brasil
colônia, formou-se em Portugal e o seu sabiá é um tanto quanto ventríloquo dos
lusos preconceitos: devíamos nos contentar com um império incompetente e com
nossa parcial “independência”, a metonímia da presença européia pairava na
representação do colonizado (o retorno do reprimido?). Deixa de notar a
incompatibilidade entre império e nação, descarta a discussão. A literatura
conduz, leve o leitor a um determinado ponto, exercendo uma pressão, uma percepção
autoritária no seu conteúdo (significamos) onde paira certa discriminação que
não podemos tratar ingenuamente. É transparente, para usar a metáfora de Bhabha
(160), como um negativo de um filme/fotografia. Está ali, mas precisa ser
revelado, atravessado por uma luz. Só então percebemos a presença da
autoridade, no caso do discurso (o etnocentrismo, por exemplo). Ele resiste a
uma “visibilidade imediata’. A parte (estrangeiro) é representativa do todo (o
país colonizado) na hibridização do discurso. Essa “transparência” é construída
na fronteira.
Quando Luzilá G. Ferreira em
seu livro “Os rios turvos”(1993) coloca Bento traduzindo trechos da Bíblia, o
faz de modo onde a fé e o desejo de dinheiro são separados pelo viés
intelectual que se coloca além d discussão teocrática ou logocêntrica.
Nem por um átimo de segundo
queremos nos afastar da nossa tese que é exigir o pasado no presente como razão
para as atitudes extremistas no Recife hoje onde o local e o global exprimem-se
como amor ou ódio e não permite o urbano desenvolver-se, prendendo-o sempre a
estereótipos (quem os elaborou?) Quem os representa? Há saídas intelectuais?).
Quando Freyre, em Sobrados
e Mucambos para o urbano (Recife) nós vemos ali toda a tirania
escravocrata-feudal representada como numa partida de xadrez narrada de forma
dengosa cheira de metáforas conflitantes, Freyre ao tentar fala a língua do
opressor e do oprimidos parece vacilar, como no Romance “Dona Sinhá e o filho
padre” quando aborda a questão da homossexualidade.
Se “imitar é agarrar-se à
negação dos limites do ego, e identificar-se é assimilar
conflituosamente”(BHABHA, 1998: 195) Freyre parece estar numa espécie de
intervalo na representação da cultura, um local onde nunca se fala “toda” a
verdade e sociologia é artístico palimpsesto da revolta (contra a farsa
burguesa encerrada em Pernambuco/Recife). Lembremo-nos de que no contar da
história individual está envolvida toda a comunidade (holismo?). Cabe a este
nosso texto representar o homem e a admiração de ver representada nossa nação
em determinados textos. O nordeste, especificamente, Recife/Pernambuco, nosso
corte/delimitação, sendo interpretado, mesmo que não possa haver, nunca,
explicação única, origem única, mas aqui, um dos berços mais próprios do
Brasil. Para isso rompemos linearidades (tempos, lugar, caráter) e buscamos
cruzar o cotidiano e o “histórico”.
O nacionalismo que floresceu
com o Iluminismo chegou ao Recife timidamente, com a Guerra dos Mascates, que
aqui analisamos sob a ótica romântica nacionalista alencarina, ou na revolta de
Frei Caneca com a Confederação do Equador; veio permeado de toda uma
ambivalência ideológica. Como fica representada a nação nas obras dos autores
que abordamos? O Recife aparece como uma ilha? Cadê o Continente? Por que nossa
voz pareceria estranha e... anônima? Bandeira, Cabral e outros que estamos
desdobrando na busca de um futuro necessário. Como se dá a duplicação, divisão
e intercâmbio do eu-narrador/lírico em tal situação de “rejeitado”(?) nacional
como é o pernambucano (exótico/ignorante) em relação ao poderio do Sudeste que
buscou capitanear intelectualmente a nação desde o século XIX? Seríamos mesmo
capazes de uma INSURREIÇÃO (MAROONAGE) Radical?
Há possibilidade de
detectarmos hoje chance de quilombos (MAROONS) de resistência para que os
intelectuais planejem melhores dias? Dias melhores virão? Como está/foi o
Recife na gestão do partido dos trabalhadores (2000-2008). O Recife pode
representar o Brasil? Ou isto pode provocar uma crise dentro do processo de
significação e interpelação discursiva nacional? Estamos exilados dentro do
nosso próprio país> Temos um presidente pernambucano (22002-2006). E daí?
O enigma da linguagem é
nosso fio condutor. Ela demarca a emergência do nosso tema. Como tornar obvia a
degradação intelectual a qual estão expostos os intelectuais recifenses e
representar a miséria e degradação em Pernambuco?
Estamos diante do problema
da nação dividida no interior dela própria. Preocupamo-nos tanto em denunciar a
fome e a calamidade que nos esquecemos de falar sobre a ausência de um discurso
intelectual da salvação.
O Recife aqui representa o
local tenso de diferença cultural no interior da nação e nenhuma ideologia
política pode suprir até agora nossa ânsia de liberdade, que está encoberta.
Recife foi eliminado na formação intelectual brasileira no final dos anos 90 e
sua única figura de destaque foi Chico Science. E observemos que a cultura
dominante não o aclamou unanimemente.
As projeções de amor e ódio
desta “cultura dominante” assombram e fazem o agente/intérprete/artista/autor
desligar constantemente de uma posição a outra para poder se expressar, vitima
(ou algoz?) que é do colapso da certeza, no qual estamos todos mergulhados na
era em que a nação não é mais o homogeneizante signo de modernidade e sim cena
múltipla. Em nossa análise, como observadores nós incluímos junto ao objeto,
buscando assim a tridimensionalidade, não nos anularemos como sujeito inserido
numa luta.
O presente torna o passado
visível. Vivamos agora um momento em que a totalidade é a individualização.
Preocupamo-nos com determinadas escritas que tentam (re)construir narrativas do
imaginário social do povo pernambucano / recifense. Nada que seja estático é do
povo, pois este é instável (inclusive na sua significação cultural. Se a história
é pedagogia a cultura do povo é antes de tudo performática (moldada no momento
em que se expressa). Tal urgência exige (re)negociação de tempo, termos e
tradições para que a contemporaneidade se transforme em arte. Temos então
Recife/PE como uma comunidade imaginada, vejamos como ela se relaciona com o
tempo-calendário e com outro que não é nem sincrônico nem serial: o presente é
sucessão sem sincronia, súbito, faz-se um lugar dia-a-dia é sempre trabalho
inacabado.
Muito há para se lembrar e
se esquecer a minoria que resiste às vezes totalização, ao holismo e temas que
ler neles todos um contexto sócio-histórico-político-cultural-artístico e não
podemos nunca generaliza-los. Quando Leminski retrabalha sua linguagem em
“Catatau” e expõe o caos do significante privando-o de uma referência estável
exterior, traz-nos uma comunidade imaginada, rompe com a memória histórica
através de uma narrativa híbrida que se abre para assuntos embaralhados pela
memória, o caso tropical ingovernável. O filósofo francês René Descartes
junta-se a Maurício de Nassau em Pernambuco (Renatus Cartesius), onde procura
transplantar a lógica européia, impossível(?) naquele calor e beleza. É a
palavra montagem a corromper construções lingüísticas onde o “cogito, ergo sum”
não resiste. O fracasso de pensar Pernambuco/Brasil em pensamento europeu.
Nem holismo nem sociologia
do subdesenvolvimento nem teria da “dependência”, tentaremos, revisar o
nacionalismo, o capitalismo tardio, o pastiche, a simulação, demonstrar, mas
antes que retorne para “deslocar” o presente que a metáfora da linguagem Lucena
com seus paradoxos. Recife em fantasia semiótica: Signo Versus Formação
Discursiva, re-locação e reinscrição: o sujeito escrevendo e desaparecendo
dentro do discurso versus nossa tentativa de ouvi-lo no fluxo do código
comunicativo da sentença. O que o autor pretende? Há algo entre quem fala, como
fala e quem lê. Agência é este terceiro local, local da identificação
simbólica, espaço de intersubjetividade (movimento e manobra) longe de uma finalidade
ou totalidade. Entra aqui a comparação com o negativo de um filme
(transparência).
A leitura de Bhabha passa pelas
entrelinhas (BHABHA, 1998:261) de quem fala e a quem se dirige (ADDRESSITY,
como Bhabha cita Bakhtin, 1998:262) e é ele e Bakthin uma das bases que
fortalecem nosso argumento quando reafirmamos que a educação, no caso de
produção literária que usa Recife/PE como referência, tem muitos planos
principalmente quando contrastamo-la com outras elocuções associadas a ela. Às
vezes tendemos a isolar o agente (produto de cada obra), aquele que coloca todo
o “processo” em movimento, ou até
buscamos, para sermos mais justos, o “herói” da história, e catamos nele o
interesse (humano), aí entrou o conceito de AGENCIA: a ação seria o local e a tela e manifestação
seria a tal agência (263), socializar o agente seria possível do autor (seria
este um ator invisível? O que teríamos além dessa definição, a de uma fantasma
ancioso? (alculista?). Como poderíamos explorar melhor esta relação obra-autor-objeto
de observação/referência (Recife/PE)? As questões do social e da metáfora. Não
é simples redescrição da cultural burguesa, que atingiu seu limite histórico no
colonialismo, nem das esquerdas no seu crepúsculo de fênix, tendemos a não
definir a consciência subalterna através de maniqueísmos, preferimos o
palimpsesto sobre traços que antes delimitavam concepções (antigas?) vindas
desde o texto colonial, prosopopéia ou Gregório de Matos, por exemplo e que
chegou até o historicismo de Alencar em “Guerra dos Mascates” escrita no
período pós-colonial. Mas cuja ação somente o leitor do século XVIII.
Tal rememoração,
alencariana, carregada de ficcionalidade exibe nas entrelinhas, e por que não
dizer? Abertamente uma gama de preconceitos cujas profundezas nos levam até a
incompreensibilidade do que quer que fosse chamado (nas duas épocas narrativa e
autoral) direitos humanos em um verdadeiro jogo de contradições entre tempo,
lugar e ser e derrota um ambiente repleto de artifícios sufocantes construído
pelo narrador/autor, um espaço interisticial, intervalar, uma espécie de fenda
histórica. Com sua volta ao passado, colapso de temporalidade típica do
Romantismo, Alencar tentou romper com a fixidez do passado, que ele queria
resgatar / reinventar, mas o que vemos é a reiteração de um império inoperante,
retrógrado projetando sua sombra a colônia, no Recife reescrito, lido
indiretamente, nem colônia nem nação, como um híbrido terceiro espaço.
O sujeito não-centrado,
dividido entre a cidade rica Olinda e a menor e mais próxima à negociação
Recife, é chave e exemplo para o que estamos querendo esclarecer: representação
cultural necessariamente não pode estar ligada a fronteiras como conceitos de
classe. Falta-lhe o que chamamos de tradução cultural pois o que vemos aí é a
visão alencarina tradicionalista revestida com a tinta libertária tendo a
cidade-mangue como cenário.
A questão de repetir e
reinscrever através de uma contestação discursiva está longe do que aconteceu
com Alencar. Sua visão histórica parece superficial. Não lhe parece apetecer
nem o sonho nostálgico de tradição nem o sonho utópico de progresso.
Já o trabalho de Leminski,
que aborda o período colonial de forma a romper a comunidade imaginada da nação
no seu cerne: a língua nos traz mais a ruptura com a idéia de ser súdito.
Em narrativa cindida-e-dupla
fugindo da identificação com a linguagem comum ao brasileiro comum misturando
racionalismo e confusão tropical no seu direito de significar em uma encenação
híbrida como a zombar dos conceitos (tantos!) do (pós)modernismo que já vão
tarde, progresso, eurocentrismo, racionalidade, historicidade que queria dizer
que chegamos muito tarde e não há nada mais possibilidade de uma marginal
(re)construir o mundo junto com os outros homens. Que tal começar pela linguagem.
O próprio Alencar o tentara nos século XIX.
O céu branco da folha de
papel está ao nosso dispor. Cheio de estrelas negras, as letras, a nos chamar
para contemplá-lo, segui-lo, por novos e velhos caminhos. Aqui ele não quer
ocupar o passado que o conservadorismo seja o futuro.
Não quer nem pode/deve. Quer
sim uma experiência interruptora, interrogativa, mesmo nos dias de hoje, quando
parece que não há mais chance em Nova York, Cabul, Bagdá, sei lá. Quando nas
ruas do Recife jovem recebem spray de pimenta nos olhos, nos pulmões asmáticos
de uma garota socorrida às pressas quando clamava contra a injustiça dos
aumentos constantes nas passagens de ônibus. Onde estão quase todos sem a
verdadeira causa que é a liberdade plena e
responsável.
Palimpsesto, pintura sobre
pintura, é o que resta nesta tela única que é a vida de cada um (recifense?) em
seu agitado/complacente fazer humano.
Romper, deslocar, rasurar o
escrito que se quiser único sobre a formação do sujeito.
Como a literatura pode
expressar a idéia de um lugar, a possibilidade de uma, digamos assim, ética.
Existe uma ética recifense? Pernambucana? Onde ela está localizada. Há mesmo
o/um local da cultura, além/aquém do hibridismo? Há possibilidade de
deslocamento do reflexo no falso espelho (quadro estático?) onde a identidade
deste lugar Recife/PE se ‘vê” refletido.
Agora começamos a traçar um
painel da possibilidade na (re) construção social pela literatura. Será que ao
analisar estes textos de/sobre o Recife/PE chegaremos a alguma conclusão sobre
a referida “ética”? Será permitida com ela uma nova relação? Podemos mesmo nos
apoderar-se uma (nova?) codificação de valor? Abrir um entre-tempo interruptor,
que nem seja o do autor nem do leitor (mesmo o ausente, por ignorância). Em vez
do terceiro mundo arcaico um terceiro espaço. A revisão do modernismo, como
entenderam nossos autores escolhidos (Ascenso, Carrero, Luzilá, G. Lemos,
Cabral, Gregório, Alencar, Leminski, M. Mota, J. Cardoso, Luzilá, Science,
dentre outros) requer investidura lingüística, transvalorização da estrutura;
representativa da enunciação, já que a “modernidade” está no interior do
discurso.
Vamos deslocar estas falas
colocá-las sob estranhamento, diferença (não-um). Rasuraremos e questionaremos
o tempo vazio homogêneo do imaginário social moderno e da história como
“acúmulo” pseudo-sequencial e o seu retrato literário. “Eu vi o mundo e ele
começava no Recife”, expressou Cícero Dias. Vejamos que valores podemos extrair
de determinados signos e as articulações negociações possíveis entre o locus, a
locução e a crítica/análise.
Tentaremos mostrar que a
ruptura com as fronteiras binárias é de fundamental importância
(passado/presente, significante/significado, sujeito/objeto,
moderno/anti-moderno e mais). Queremos lugares diferentes a partir dos quais
possamos todos iniciar a reconstrução da sociedade.
“O que podia ter sido imunda
o ventre até me afogar”, escreveu a poeta afro-americana Sonia Sanchez vivemos
mesmo à margem desse tipo de contingência (o que “podia ter sido”)? Queremos o
caminho entre o passado e o presente, traçar o mapa em rapsódia, mais uma vez,
prestando atenção, as nossas obras de literatura e tentando transformar nossa
nação do que significa viver no Recife/PE em tempos e espaços diferentes.
Prof. Moisés Neto
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