"O Exílio é um país sem alma" ( publicado no Jornal do Cemmercio). (Ensaio) .
"Os Versos Satânicos de Salman Rushdie"
"Satã sendo condenado a vagar , em sua condição de anjo, tem um tipo de império de água e ar . Parte de sua punição: não ter local fixo onde possa descansar os pés" , sentencia Daniel Dafoe na epígrafe de "Os Versos Satânicos" do escritor indiano naturalizado inglês Salman Rushdie , que voltou a ser notícia este ano (96) pelo lançamento do seu novo romance "O Último Suspiro do Mouro".
Vida frenética por ter recebido um édito de morte, a Fatwa, Rushdie também não tem lugar fixo para colocar os pés pois, o muçulmano que o matar ganhará uma fortuna de recompensa por livrar o Islã de tal praga. Rushdie, numa longa narrativa onde explora o fantástico , expôs o profeta Maomé ao ridículo, mostrando-o como um bêbado e o anjo Gabriel como um trapaceiro. Vamos e venhamos: Devemos ou não respeitar o altar dos outros? Até que ponto a não publicação de "Os Versos Satânicos" no Brasil é censura? Publicidade gratuita o livro tem, pois não é todo dia que surge uma obra de arte tão controversa.
Estes dois romances de Rushdie têm muito em comum: bom humor, mistério, fábulas, alegorias, jogo de palavras, amor e...provocação. "O Último Suspiro do Mouro" fala sobre a Índia e, sabendo que tipo de voz Rushdie empresta aos seus narradores e personagens , não nos espantamos que os ultranacionalistas tenham tentado proibir seu lançamento no país de Krishna .
Em Rushdie, a unidade e continuidade da cultura ocidental é condimentada com tempero do oriente. Em seus romances à clef (Chave: histórias codificadas onde personagens reais aparecem com nomes falsos e transfiguradas ), vemos que a religião nunca derrotou o paganismo , a cultura animalesca que domina o planeta Terra . "Os Versos Satânicos" exibe amoralidade, ironia , violência cômica , sadismo: Saladim Chamcha, um ator especializado em comédias, uma espécie de anti- herói, passa a se metamorfosear num demônio típico , de pêlos, chifres e rabo , depois de um acidente de avião. No mesmo avião vinha uma ator dramático, Gibree (Gabriel), que interpretava divindades no cinema e que depois do tal acidente, volta à vida emanando luz. Logo que o avião cai, Saladim começa sua purgação: apanha da polícia e é torturado , perde tudo que tem - mulher, dinheiro, emprego, respeito, enfim. Vemos com frenesi o narrador estilhaçar a trama em várias unidades e voyeuristicamente nos deparamos com uma sensualidade lambuzada de malícia obsessiva. Rushdie cria também imagens fantásticas: Uma tempestade de neve vista de um trem faz a Inglaterra parecer "TV quando acaba a programação do dia" e o avião "não é como um útero voador e sim como um falo metálico e os passageiros são como espermatozóides prontos para ser ejaculados". É uma ansiedade parecida com culpa sexual sublimada por sensacionalismo.
A conversa com o leitor dinamiza a narrativa, que por si só já está cheia de tiradas cômicas, como na passagem do seqüestro do avião onde o bandido ironiza dizendo que todos morrerão ( nossos heróis vão morrer/ cair na terra) e, já que são 50, renascerão "Cinqüêntuplos" ("fiftuplets") . Os dotes verborrágicos do autor assemelham- se aos do colombiano García Marquez dos primeiros livros.
"O exílio é um país sem alma, é o sonho de um retorno glorioso" , choraminga numa espécie de desabafo , para logo a seguir espinafrar: Amar o Islã é "amassar os relógios" (romper com o ontem / hoje/ amanhã), para eles( os muçulmanos) "o progresso é Satã". Aparecem personagens como a mulher que come borboletas e uma árvore muçulmana que cresceu tanto que ninguém mais distingue o que é árvore e o que é a cidade. E, para encerrar, uma frase de um dos personagens: "Não ter piedade é a única coisa que um cartunista precisa. Que artista teria sido Disney se não tivesse coração . Esta foi sua falha trágica."
Nenhum comentário:
Postar um comentário