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domingo, 9 de junho de 2013

Contos, crônicas e ensaios de Moisés Neto publicados no
Jornal do Commercio:

"Abandonar a Literatura" (Conto)

Londres, junho 

Caro amigo,

Desculpe não ter escrito antes, mas tudo foi tão repentino que, confesso, fiquei horrorizado. A imagem da mulher que amei (enquanto estava com ela eu não sabia), morta daquele modo bárbaro, a impossibilidade de tê- la novamente em meus braços, a maneira covarde como os amigos se omitiram, tudo isso somado a uma falta de fé cada vez maior, quase me levou à loucura. Você deve estar estranhando um e- mail em vez de um telefonema. Eu havia jurado evitar qualquer narrativa escrita. Prometi abandonar de vez a porra da literatura.

Mas aí está, bem na sua frente: meu primeiro desabafo depois da maior dor da minha vida (ainda dói). A traição dela foi uma coisa tão perfeita que até agora me pergunto como pude ser tão idiota e não prever que ela estava alimentando aquele menino, dando roupas, tratando dos dentes dele e dando dinheiro porque precisava de um novo corpo para sugar e se manter "jovem".

Acredite, quando vi o rapazinho no nosso apartamento - quando fui concretizar que a estava abandonando para sempre - eu até achei bom que aquela bruxa tivesse arranjado nova vítima e me deixado em "paz". Não imaginava a espécie de feitiço que me aguardava nem imaginei que aquele boy fosse matá-la.

Pobrezinha.

Tinha 51 anos mas era como se tivesse começando a viver naquele momento, tal era a vitalidade dos gestos - que até hoje debatem- se na minha memória desde que fugi do Recife e vim para cá. Sei que perdi dinheiro com a venda do apartamento. Mas, somando tudo, tenho grana para passar dois anos sem trabalhar, penso em fazer mestrado, você sabe. As coisas são mais fáceis do que pensávamos . Tem também aquele lance de passar seis meses no Tibet.

Esse meu amigo, com quem estou dividindo as despesas de uma casa aqui na Inglaterra , ensina Literatura e tem contatos que você nem imagina. Temos conversado muito. Ele é budista, é tudo tão surpreendente e tão possível que eu, de certa forma, estou superando esta minha maldita ansiedade e encontrando um caminho para recompor meu coração e ensiná-lo a ser feliz novamente neste quase verão londrino. Tenho ido a todos os lugares que visitamos juntos o ano passado .

E o Recife, como está?

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