Evento do Projeto Palavras Cruzadas (Espaço Multiver - cidades), em 03/12/2016, no
Auditório da Livraria Jaqueira, Recife, às 16 h.
A autora estará autografando seu livro Escuta do desejo.
QUAL O
SIGNIFICADO DO CINEMA ESCATOLÓGICO ?
Tomo
o escatológico como pretexto para cinematizar o cotidiano que é expresso em um
cinema particular; o cinema escatológico. Neste sentido, no livro
“Escuta do desejo: ensaios sobre psicanálise , cinema e literatura”
, explicito os mecanismos não só cinematográficos, mas
também do inconsciente para mostrar que determinado cinema e a
literatura põe em tela o “Resto” que é expelido de nossa sociedade
fundada na tradição romano /germânica. . Ele é assim composto de duas
partes que se completam. A primeira parte, desvela o cinema escatológico
como olhar, voz e fezes, e a segunda parte explora de forma nuançada a
natureza da relação da voz e do olhar com a causa do desejo que mobiliza a
sociedade humana.
QUAL
O FUNDAMENTO DESTA LEITURA DOS "RESTOS" DA SOCIEDADE HUMANA
CINEMATIZADA ?
Neste
exercício me apoio em uma estrutura extraída da lógica lacaniana do
significante latente no conceito de “sutura”, por meio do qual ato o
campo ao extra-campo, técnica estruturante do cinema e, evidencio o
espaço ausente eludido, onde o sentido aparece como sintoma que se expressa de
múltiplas formas, mas sempre como uma expressão do objeto escópico (causa do
desejo), que, como frisei acima,mobiliza os sujeitos.
QUAL
A CONSEQUENCIA DESTE DESVELAMENTO DAS ENTRANHAS DO CINEMA ESCATOLÓGICO, QUE SE
PRESSENTE EVIDENCIAR A PARTE CINZA DOS SUJEITOS POR MEIO DOS FILMES ANALISADOS?
A
consequência é a desconstrução da fantasia do espectador a
partir da exibição de uma posição des-fantasiada, nua e crua, ou mesmo
delirante do artista. Uma estética pornográfica, no sentido da evidenciação, da
mostração. São obras que, da mesma forma que a obra pictórica clássica e
moderna, indicam o real, mas não mais pela fantasia, e sim por sua
destituição violenta, por seu abalo traumático. Neste sentido, a abjeção e a
repetição são dois elementos presentes no cinema contemporâneo que
parecem querer produzir uma dessublimação. Conduzem a Coisa a seu rebaixamento,
abjeto, aviltam-na e degradam-na, em suma, rebaixam a Coisa à banalidade do
objeto. Elas fazem ver o que não pode ser visto: carnes apodrecidas, corpos
suspensos por ganchos de açougue, até mesmo ânus defecando. Uma arte que ao
expor o horror, força o olhar a se desviar dela. Uma arte assim pode ser
qualificada de psicótica, no sentido de que implica a perda dos limites
simbólicos que na arte em geral, bordeja o real da Coisa. Se para Salvador Dalí
o sublime só pode ser inspirado pelo corpo, na arte contemporânea, ao
presentificar o corpo despedaçado, o cinema traz à tona o antisublime, o horror
do corpo quando reduzido à matéria que o constitui e destituído do
simbólico que constitui, no fundo, a alma humana e o amor de que ela é
capaz.
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