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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Minha mãe é uma peça e Deus é brasileiro (por Moisés Neto)

Minha mãe é uma peça e Deus é brasileiro (por Moisés Neto)

Minha mãe é uma peça! Morar em Niterói não é a mesma coisa de morar na capital do Rio, anuncia o “narrador” do filme pra começo de conversa, em Niteroi tem até similar do Central Park! Ah! As externas do filme me deram saudades de Niterói, Icaraí... minha adolescência cheia de férias. Já o título do filme em primeira pessoa (por quê?) nos leva à  primeira pergunta. Talvez para identificar mais ainda o TRAVESTISMO ali embutido? Mas isto parece o mínimo distanciamento brechtiano num país anfíbio, ambíguo e cheio de gente que não tem problema com dinheiro nem com sexo. É carro bom, é salão fashion, é clube, muita maquiagem e uma leveza sobre homossexualismo que até assusta. Maconha então?  É tipo passei por Woodstock, uma “marola” ao longe. E daí? Por que brasileiro gosta tanto de travesti? Lembrei agora do filme Os deuses malditos, e os travestis nazificados de Luchino Visconti, ou outro com Robin Williams, no qual ele SE TRAVESTIA PARA FICAR PRÓXIMO AOS... FILHOS (Uma babá quase perfeita), lembrei também, como bom recifense de Dona Verinha de Bob Mergulhão, de Cinderela e da Trupe do barulho, do Vivencial Diversiones etc. Bem, vamos ao filme em questão em seu cerne: Dona Hermínia é uma senhora (aposentada?) e mãe desdobrando fibra por fibra o coração com os filhos (3) já adultos, mas com teen spirit, principalmente o gay e a gordinha, tipos que sempre arrancam boas risadas, ao lado da empregada, de preferência, como nesta película, NEGRA. O clima é de fofoca e tudo vai se embolando em gags que não deixam o menor espaço para reflexão ou defesa (como se precisássemos disso num pacote como este). Ex-marido e dondoca agressiva também não falham quando bem arquitetados. Imagino este texto no palco: é tiro e queda (caiu o sabonete no chão no banheiro coletivo dos homens?) na gargalhada. Suely Franco é sempre encantadora e comovente com sua gentileza cênica. Herson Capri aquela mesma coisa de sempre: o cara de pau que resolve tudo com um comportamento urbano e com ares civilizados.Mas... Enfin...  AU REVOIR, CHAPLIN! Paulo Gustavo é o pivô da greia geral. Autor, ator e faz-tudo, parece bem à vontade num imbróglio digestivo que traça novas metas para o cinema nacional reaproximando-o da chanchada (vide Eva Tudor e Oscarito). Só que agora com o dinamismo do novo milênio, mas o filme faz questão de ambientar-se num clima meio anos 50/60, enfim, retrô, que vai dos móveis à caracterização dos personagens. Que importa se um tablet aqui ou ali atrapalhe este clima? Ingrid Guimarães está no seu aquário particular que no caso não fere nem interfere. É uma produção OK, neste momento que o Brasil atravessa de tanta incerteza e estádios incandescentes. Inflação? É assunto que a mãe ainda arisca um início de crítica, quando entrevistada por um repórter de rua, mas logo tudo volta ao lugar. Não faltam referências aos gases por má digestão, nem o baixo calão, os bobs(ela é do tempo do bob!). A direção de André Pellenz mostra sua mão para a comédia, coisa que a duração (85 min) ajuda. Com o auxílio luxuoso da distribuidora Paris Filmes e a classificação de 12 Anos, temos aqui um pastelão  bric-à-brac, no país natal de Deus. O problema talvez seja que nem todos são do Flamengo ou têm uma nega chamada Teresa. Restam mais algumas perguntas: é este o rumo do cinema nacional? Se for é até bom porque indica que há público, mas como promoção fácil também dá sumiço, vamos agarrar a mamãezona com unhas e dentes e comê-la toda enquanto o papai Hollywood dá sopa. Afinal, rir é a melhor diversão ou não? E rir da mais famigerada criatura freudiana. É tão bonita a cena do “reencontro” dos filhos problemáticos com a mama, não é mesmo? A gorda largando a gororoba gordurosa e o filho sem pensar no namorado, a tia  sem o uísque e dando pausa no disco de Sidney Magal (oito entre dez o usam para falar da alma nacional nas representações de TV e no cinema? Faltou Gretchen para capturar a plateia de vez!). E que bom que quase todos possam dizer: Minha mãe é uma peça! Dei umas gargalhadas neste fim de tarde invernoso enquanto lá fora o recife amargava numa boa uma greve de ônibus (patrões ofereciam 3% de aumento e os funcionários queriam dez vezes mais, ganham tão pouco). Que importa? Cada um no seu quadrado, não é mesmo? Na Wikipédia lemos que Paulo Gustavo que levou MILHÕES DE ESPECTADORES ao teatro ao longo dos anos em cartaz e agora chega arrasando o quarteirão no cine nacional. Que maravilha, graças a  Deus(ops!), pelo menos , nietzschianamente, O TEATRO ESTÁ VIVO, e o cinema está VIVENDO, no BRAZIL. É muito melhor rir do brasileiro do que destes made in USA, de novo.
Agora deixo vocês com um poema de Manuel Bandeira (para continuar no Recife): “Uns tomam éter, outros cocaína./Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria./Tenho todos os motivos menos um de ser triste./Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...[...]Sim, já perdi pai, mãe, irmãos./Perdi a saúde também./É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band./Uns tomam éter, outros cocaína./Eu tomo alegria!/Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda./Mistura muito excelente de chás.../Esta foi açafata.../- Não, foi arrumadeira./E está dançando com o ex-prefeito municipal:/tão Brasil!/De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil.../A filha do usineiro de Campos/olha com repugnância/para a crioula imoral,/no entanto o que faz a indecência da outra/é dengue nos olhos maravilhosos da moça./E aquele cair de ombros.../Mas ela não sabe.../Tão Brasil!/Ninguém se lembra de política.../Nem dos oito mil quilômetros de costa.../O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?/Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos./A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca./Eu tomo alegria!”




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