Parte 3 Literatura Brasileira
Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto
Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto, Moisés Neto
2ª
geração Modernista. PROSA
·
JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
(Areia – PB, 1887 1980)
Formou-se
em Direito, ligou-se ao grupo Regionalista do Recife com José Lins, Gilberto
Freyre e Olívio Montenegro. Estreou em 1928 com A BAGACEIRA. Sua linguagem é enxuta, usa períodos curtos.
A
Bagaceira é um romance que trata de gente pobre, vítima dos flagelos
da seca. Narra-se, no romance, a incompatibilidade social existente entre
sertanejos, que habitam o interior do nordeste, e brejeiros, que habitam o
litoral. O romance se passa entre 1898 e 1915, dois períodos de seca.
·
JOSÉ LINS DO REGO – Um
menino de engenho na cidade. Dos prosadores da Segunda Fase do Modernismo, José
Lins do Rego (1901-1957) é o que mais revela, em suas obras, reminiscências de
infância e adolescência, passadas no engenho do avô na Paraíba).
Nasceu
no engenho Corredor, município de Pilar (PB), filho de uma família patriarcal
nordestina. Assistiu à ascensão e à decadência de um tempo: o engenho de
cana-de-açúcar e a chegada das usinas provocando mudanças socioeconômicas.
Passou
a infância no engenho do avô materno, fato presente em sua obra que tem muito
de memorialista. Conviveu com o sistema patriarcal, escravocrata e
latifundiário – De um lado, a fatura nas casas dos senhores de engenho, a vida
de regalias e promiscuidade; do outro, a miséria nas senzalas, a subserviência
– com os moleques do engenho.
Sua
obra – cujo cenário é a zona da Mata nordestina – está dividida em fases;
·
1ª CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR (Menino de Engenho, Banguê, Usina e Fogo
Morto) – Põe em destaque uma nova ordem econômica.
·
2ª CICLO DO CANGAÇO, DO MITICISMO e DA
SECA (Pedra Bonita, Os
Cangaceiros)
·
3ª Obras independentes
(O moleque
Ricardo, Pureza, Riacho Doce, Água Mãe, Eurídice).
·
Moleque
Ricardo é a obra mais política do
autor. Ricardo passa de moleque e serviçal de engenho a proletário.
Resgatou,
em seus textos, o imaginário do homem nordestino, seu modo de viver e falar
(linguagem de forte e poética oralidade), suas crendices. Pôs neles grande
carga afetiva. Menino de engenho, por exemplo, fez com intenção de escrever a
biografia do avô, o coronel José Paulino. Em sua mente, estavam fortes as cenas
da infância. Temos assim uma produção (ciclo da cana-de-açúcar) que mistura
memória e ficção. O livro puramente biografado do autor é Meus Verdes Anos. Sua narrativa teve
inspiração na arte dos cantadores de feira, como afirma o autor.
“(...)
quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as
coisas como elas surgem na memória, com o jeito (...) dos cegos poetas (...)
gosto que me chamem de telúrico...”
José
Lins foi, desse modo, um contador de histórias cuja atividade literária provém
de forças que dizem do puro instinto. Sua linguagem é simples, popular, mais
com bastante força para fazer irromper a vida nordestina, a paisagem e o
elemento humano. A visão nostálgica é a marca dos romances do ciclo da
cana-de-açúcar. Já o inconformismo social, a crítica contundente contra as
injustiças e uma profunda tristeza aparecem em Fogo Morto, obra mais trabalhada
do autor, em que exibe a dura realidade de uma estrutura social em plena
decadência. Esta obra está dividida em três partes onde exibe um quadro da zona
açucareira.
1ª
parte – “O mestre José Amaro”.
TEMA – A vida de um seleiro pobre,
trabalhador, sua mulher e a filha louca. Recebe ordem de Lula de Holanda para
abandonar o engenho.
2ª
parte – “O engenho do seu Lula”.
TEMA –
ascensão, apogeu e decadência do engenho Santa Fé. Exibe-se a autoridade
de um coronel rico e poderoso.
3ª
parte – “O capitão Vitorino”, conhecido como o Coronel Papa-Rabo,
espécie de Dom Quixote nacional.
TEMA – luta
contra as injustiças, acredita no direito.
“Vitorino
levanta sua voz na época (ditadura) em que ninguém se atrevia a falar, face à
censurua do Estado Novo.”
Leia,
agora, o fragmento que selecionamos:
Seu Lula
Seu
Lula já estava velho. D. Amélia era aquela criatura sumida, mas sempre com seu
ar de nona, Neném uma moça que não se casava, D. Olívia falando, as mesmas
coisas. Esta era a casa-grande do Santa
Fé.
A
carruagem rompia as estradas com o povo mais triste da Várzea indo para a missa
do Pilar, para as novenas, arrastadas por cavalos que não eram mais nem a
sombra dos dois ruços do Capitão Tomás. A barba de seu Lula era toda branca, e
as safras de açúcar e de algodão minguavam de ano para ano. As várzeas
cobriam-se de grama, de mata-pasto, os altos cresciam em capoeira. Seu Lula,
porém, não devia, não tomava dinheiro em prestado. Todas as aparências de
senhor de engenho eram mantidas com dignidade. Diziam que todos os anos ia ele
ao Recife trocar as moedas de ouro que o velho Tomás deixara enterradas. A
cozinha da casa-grande só tinha uma negra para cozinhar. E enquanto na várzea
não havia mais engenho de bestas, o Santa Fé continuava com suas almanjarras.
Não botava máquina a vapor.
Nos
dias de moagem, nos poucos dias do ano em que as moendas de Seu Lula esmagavam
a cana, a vida dos tempos antigos voltava com ar animado, encher tudo de cheiro
de mel, de ruído alegre. Tudo era como se fosse uma imitação da realidade. Tudo
passava. Na casa de purgar ficava os cinquenta pães de açúcar, ali onde, mais
de uma vez, o Capitão Tomás guardara os seus dois mil pães, em caixões, em
formas, nas tulhas de mascavo seco ao sol. Apesar de tudo, vivia o Santa Fé.
Era engenho vivo, acendia sua fornalha, a sua bagaceira cobria-se de abelhas
para chupar os restos de açúcar que as moendas deixavam para os cortiços. O
povo que passava pela porta da casa-grande sabia que lá dentro havia um senhor
de engenho que se dava ao respeito. Ninguém gostava do velho Lula de Holanda,
mas ao vê-lo, com as barbas até o peito, todo de preto, de olhar duro e fala de
rompante, todos os respeitavam. Era um homem sério. As histórias com os negros,
as suas malvadezas iam ficando de longe, de uma outra época. Havia os que
tinham medo, os que falavam de castigo caindo sobre a família que era de uma
tristeza de luto fechado. Não parava ninguém para oferecer uma vendagem, para
puxar uma conversa, para uma visita. O Santa Fé cobria-se de mistério. Nas
festas do Coronel José Paulino, toda a família de Seu Lula chegava no Santa
Rosa. Lá ficavam D. Amélia e a filha para um canto, duras como se estivessem em
castigo, carregadas de trancelins, de anéis. O Coronel Lula de Holanda pouco
conversava, as danças iam até tarde, e não havia rapaz que tivesse coragem de
tirar a moça do Santa Fé para dançar. Ficava ela de lado, indiferente à alegria
das quadrilhas, como um fantasma, branca, de olhos fundos, de cabelos penteados
como velha.
(José Lins do
Rego – Fogo Morto)
almanjarra (s.f.): pau a que se atrela o
animal em aparelhos rústicos de moagem de cana.
rompante
(s.m.): altivez, orgulho.
trancelim
(s.m.): trancinha.
TEXTO 2
Este
trecho apresenta o capitão Vitorino depois de ter conseguido livrar da cadeia o
mestre Amaro, o negro passarinho e o cego Torquato. Apanhara do tenente
Maurício, mas conseguira se impor e vencer.
A
velha deixou o quarto e saiu para o fundo da casa. Vitorino fechou os olhos,
mas estava muito bem acordado com os pensamentos voltados para a vida dos
outros. Ele muito tinha que fazer ainda Ele tinha o Pilar para tomar conta, ele
tinha o seu eleitorado, os seus adversários. Tudo isso precisava de seus
cuidados, da força do seu braço, de seu tino. Lá se fora seu compadre José
Amaro, o negro passarinho, o cego Torquato. Todos necessitavam de Vitorino
Carneiro da Cunha. Fora à barra do tribunal para arrastá-los da cadeia. Que lhe
importava a violência do Tenente Maurício? O que valia era a petição que, com
sua letra, com a sua assinatura, botara para a rua três homens inocentes. Ele
era homem que não se entregava aos grandes. Que lhe importava a riqueza de José
Paulino? Tinha o seu voto e não dava ao primo rico, tinha eleitores que não
votavam nas chapas do governo. O governo não podia com sua determinação. Ele
sabia que havia muitos Tenentes Maurícios na dependência e às ordens do
governo. Todos seriam capangas, guarda-costas do Presidente. Mas Vitorino
Carneiro da Cunha mandava no que era seu, na sua vida. As feridas que lhe
abriam no corpo nada queriam dizer. Não havia força que pudesse com ele. Os
parentes se riam de seus rompantes, de suas franquezas. Eram todos uns pobres
ignorantes, verdadeiros bichos que não sabiam onde tinham as ventas. Quando
parava no engenho, quando conversava com um Manuel Gomes do Riachão, via que
era melhor ser como ele, homem sem um palmo de terra, mas sabendo que era capaz
de viver conforme os seus desejos. Todos tinham medo do governo, todos iam
atrás de José Paulino e de Quinca do Engenho Novo, como se fossem carneiros de
rebanho. Não possuía nada e se sentia como se fosse o senhor do mundo, sua
velha Adriana quisera abandoná-lo para correr atrás do filho. Desistiu para
ficar ali como uma pobre. Podia ter ido. Ele, Vitorino Carneiro da Cunha, não
precisava de ninguém para viver. Se lhe tomassem a casa onde morava, armaria
uma rede por debaixo de um pé de pau. Não temia a desgraça, não queria a
riqueza. Lá se foram os três homens que libertara, a quem dera toda a sua
ajuda. O tenente se enfurecera com o seu poder. Nunca pensara que existisse um
homem que fosse capaz de enfrentá-lo como fizera. A sua letra, o papel que
assinara com seu nome, dera com a força do miserável no chão. Era Vitorino
Carneiro da Cunha. Tudo podia fazer, e nada temia. Um dia tomaria conta do
município. E tudo faria para que ele que aquele calcanhar-de-judas fosse mais
alguma coisa. Então Vitorino se via no dia de triunfo. Haveria muita festa,
haveria tocada de música, discurso do Dr. Samuel, e dança na casa da Câmara.
Viriam todos os chaleiras do Pilar falar com ele. Era o chefe, era o mais homem
da terra. E não teria as besteiras de José Paulino, aquela tolerância para com
os sujeitos safados, que só queria comer no cocho da municipalidade. Com
Vitorino Canreiro da Cunha não haveria ladrões, fiscais de feria roubando o
povo. Tudo andaria na correta, na decência.
José Lins do Rego.
Fogo morto. P. 284-285.
·
RACHEL DE QUEIROZ
Fortaleza – 1910-2003
Dedicada
ao jornalismo e à tradução, a escritora militou durante algum tempo junto à
esquerda política. A terra e a tradição nordestina eram, no entanto, os pontos
mais altos de sua preocupação humanista.
Na
esteira de um Graciliano Ramos, a sua literatura é concisa e descamada,
perfeita tradução do mundo que retrata: a seca e a miséria do sertão.
Após
forte militância política no nordeste, muda-se para o Rio de Janeiro, em 1932,
onde residiu até a morte.
OBRAS:
Romance
–
O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras,
As três Marias, O galo de ouro (folhetim de O Cruzeiro), Memorial de Maria
Moura.
Teatro
–
Lampião, A beata Maria do Egito, A sereia
voadora.
Crônica – A donzela
e a moura torta, Cem crônicas
escolhidas, O brasileiro perplexo – Histórias e Crônicas, O caçador de tatu.
Literatura
infantil – O menino mágico.
Rachel,
primeira mulher imortal da Academia Brasileira de Letras, escreveu seu primeiro
romance O Quinze em 1930. Sua militância, entretanto se fará notar em Caminho de Pedras (137), romance em
que a escritora tende ao socialismo libertário, que ela mistura a um caso de
amor de um casal de classe média, enfraquecendo, consequentemente, a força do
enredo que girava em torno de um grupo sindical. Enfim, os problemas se
resolvem no campo sentimental.
Vale
destacar que a escritora cearense alicerçou sua preocupação social
também na psicologia do personagem. Outro fato interessante é que em
seus primeiros livros o socialismo crítico libertário se fez intenso e o
conservadorismo irrompeu em obras mais recentes. Para o crítico literário
Alfredo Bosi, Rachel, em boa parte de sua produção, defende um “humanismo
moderado e piedoso”. Não podemos esquecer (apesar desse aspecto) que a
escritora tem habilidade para construir diálogos vivos que lembram a
novelística. Sua prosa é enxuta e dinâmica graças a técnica do discurso direto.
O enfoque psicológico dá ao personagem uma dimensão mais humana. Notam-se, em
sua prosa, características do linguajar sertanejo e personagens submissos às
forças da natureza. Em O Quinze e João Miguel explora o tema da seca, do
coronelismo e das paixões do homem do sertão (Conceição e Vicente em O Quinze; Santa – João Miguel e o Cabo Salu, amante de Santa).
No
romance AS TRÊS MARIAS, a
autora confere mais vigor à psicologia do personagem. O Nordeste entra
como cenário.
Leia,
agora, comentários sobre a obra Memorial
de Maria Moura.
Rachel
é polêmica a partir da grafia do seu nome. Muitos autores preferem “Raquel de
Queirós”, erroneamente. Em 1992, a imortal lançou seu declarado último
romance, o calhamaço “Memorial de Maria Moura” (482 páginas 11ª edição. Editora
Siciliano, São Paulo, 1998). Uma narrativa ágil. Uma trama cheia de aventuras
folhetinescas. Rachel sempre flertou com o romance popular.
Inicialmente,
o romance tem três núcleos de ação: O de Maria Moura, dos primos inimigos dela
e o do Padre José Maria (Beato Romão). Posteriormente surge o sub-núcleo Marialva e Valentim (com seus parentes mãe,
pai, e tio, no “circo”). Os últimos capítulos são narrados por Moura e pelo
Beato que se joga numa aventura suicida com ela. Maria Moura mostra-se arisca
desde os primeiros momentos em que aparece. Manda assassinar o padrasto que a
assediava desde os tempos que a mãe dela era viva (a mãe se enforcou no armador
de rede: “sonho com aquela cara de enforcada, a face roxa, os olhos estatelados,
a ponta da língua saindo da boca” diz a sinhazinha, assim chamam Maria, cuja
história se passa na época da escravidão no Brasil). A seguir, Maria
trama a morte do assassino que ela mesma tinha seduzido para matar o padrasto.
Enfrenta a ganância dos primos Irineu, Tonho e sua mulher Firma, já que a prima
Marialva está mais interessada em fugir com um artista de circo de olhos verdes
iguais aos delas. Maria incendeia sua casa no sítio Limoeiro, que fica próximo
da Vila Vargem da Cruz. Foge com um bando de homens, que lembram em tudo
cangaceiros. Rachel diz que se inspirou em Elizabeth I, Rainha da Ingraterra
(1533-1603) para compor Maria.
Após
a fuga do Limoeiro, Maria e seu bando vagam pelas brenhas do sertão ao relento,
sem tomar banho e comendo o que aparecesse e aparecia muito pouco. Tudo com
muito respeito e dignidade: Maria é a “chefe” do bando e a maior parte dos
jagunços são os jovens, sem ambição e querendo “aventura”, como ela mesma
sugere enquanto ia se enchendo de ouro que roubava, numa espécie de farra
inconsequente, até a metade do livro. Tudo para ela vai dando certo. Dentre os
narradores estão: o Padre José Maria, Irineu e Tonho (primos da Moura, o
primeiro solteiro; o segundo, casado com uma megera chamada Firma) e Marialva
(prima de Maria que fugiu e casou com um artista de circo, Valentim).
A participação dos diversos narradores propõe uma certa ruptura com a
linearidade.
A
Moura é o eixo, o ponto de convergência, símbolo do poder e da ambição. No
final do livro, apenas ela e o Beato Romano narram. A narrativa em primeira
pessoa vai impregnando o romance de subjetividade. Maria desafia o poder
masculino. Apesar de sua força, apaixona-se por Cirino que a engana:
Ao
descobrir que Cirino traiu a casa forte, Maria chora com tanta fúria que chega
a rasgar o lençol com os dentes (p-404). Cirino traiu Maria porque “era ruim”,
por dinheiro de Judas. Rachel intensifica o código de honra proposto pelo
Romantismo. “O meu mal era aquela grande fraqueza por ele que eu sentia. Eu
gostava de comigo chamar aquilo de amor. Mas não era amor, era pior. Não era
cio (...) E eu me imaginando tão forte, tão braba. Era afronta – Era para
acabar comigo (...) aquele coisa ruim (...) solapar os alicerces do meu
castelo! (...) por amor dos trinta dinheiro de Judas! E eu adorar um desgraçado
desses, abri para ele meu quarto, a minha cama, o meu corpo. Foi humilhação
demais. Se ainda soubesse rezar, rezava, tão desesperada me sentia.
(...) Como é que vou acabar com o Cirino, sem acabar comigo? (...) Como posso
arrancar o coração pra fora? Ninguém pode fazer isso e continuar vivo. E se me
matasse com ele? (...) Não. Eu quero morrer na minha grandeza (...)E
eu estou me importando em salvar esta desgraça de vida, Duarte? (...) Desça
Deus do céu e me peça, que eu falto e faço que disse”. Na partida da tropa,
Duarte diz: “Ainda está na hora de mudar de ideia, Sinhá. Vai ser uma
luta muito dura, com esses homens traquejados para matar. Não é briga pra
mulher. E se lhe matam?”. Maria responde olho no olho: “Se tiver de morrer lá,
eu morro e pronto. Mas ficando aqui eu morro muito mais”. E, nas últimas linhas
da narrativa (do romance), Maria arremata: “Sai na frente, num trote largo. Só
mais adiante segurei as rédeas, diminuí o passo do cavalo, para os homens
poderem me acompanhar”. E Rachel de Queiroz localiza o tempo em que concluiu,
com maestria, seu último romance, este “Memorial de Maria Moura”. Rio 22 de
fevereiro de 1992 – onze da manhã.
Graciliano Ramos
(Quebrângulo
AL– 1892, Rio de Janeiro – 1953)
Nascido
em Alagoas, foi em 1914, para o Rio de Janeiro. Trabalhava no Correio da Manhã,
em A Tarde, e em O Século. De volta ao estado natal, foi eleito em 1927,
prefeito de Palmeira dos Índios.
Apaixonado
por educação, não conseguiu permanecer muito tempo em cargos políticos. No
início de 1936, aceitou ser funcionários da Instrução Pública de Alagoas. Sob
alegação que era comunista ficou nove meses na prisão, sendo solto porque não
havia provas. Em 1939, foi nomeado Inspetor Federal do Ensino. Em 1945, entrou
para o Partido Comunista, do qual passou a ser militante. Passou parte de sua
vida em Buíque (PE) e parte em Viçosa (Alagoas). No Rio de Janeiro (1914) foi
revisor do Correio da Manhã e de A Tarde. Entre 1927 e 1930 fez
jornalismo e político.
Obras:
Romances
–
Caetés, São Bernardo, Angústia, Vidas Secas.
Contos
–
Insônia, Alexandre e outros heróis.
Memórias
– Infância, Memórias do Cárcere. (Em
Memórias do Cárcere tem-se depoimento do autor sobre sua experiência no
presídio).
Crônicas
–
Linhas tortas, Viventes de Alagoas.
Histórias
Infantis – História- Alexandre; Dois Dedos; Histórias Incompletas.
Expressou,
mediante equilíbrio entre a análise psicológica dos personagens e a dimensão
social, a dura realidade do nordestino. Desprezou para tanto o lado pitoresco
da região e seu regionalismo o aspecto crítico e o herói problemático
(distancia-se dessa forma do melodrama).
Dados
constantes em sua prosa:
A
contenção vocabular, o uso limitado de adjetivos, a sintaxe rigorosa, clássica
– muitos o aproximam de Machado de Assis – a concisão, a clareza da linguagem,
o uso de períodos coordenados. Foge, de certa forma, aos modismos da época. É
autor de narrativas que falam da seca, do latifúndio, do drama dos retirantes.
Graciliano
em seus textos pôs em relevo não só o fazendeiro autoritário como também o
sertanejo oprimido, vítima do meio natural e social. Um sertanejo “passivo”
ante os poderosos.
A
dimensão do “Universal” se faz notar na criação de personagens que revelam uma
“condição coletiva”.
Podemos
afirmar que Graciliano tem o senso estético, o senso psicológico
e o senso sociológico.
Sua
primeira obra foi Caetés
(1933) – Revela influência naturalista. Situa a narrativa em Palmeira dos
Índios. O narrador é João Valério, cuja vida interior é revelada ao leitor.
Fala do meio proviciano com ironia. João Valério apaixona-se por Luísa,
mulher de Adrião, dono de um estabelecimento comercial onde Valério
trabalhava. A traição levará o marido a cometer suicídio. Arrependido João se
afasta de Luísa. Esta obra foi apenas o início (prática literária) para grandes
romances.
Com
São Bernardo (1934) nasce uma
obra-prima narrada em retrospectiva. Clareza, técnica e estilo se fundem com a
análise psicológica e social dos personagens. Destacam-se as figuras de Paulo
Honório – homem rude que teve infância pobre,passou de guia de cego a
proprietário da fazenda São Bernardo, respeitado e temido – e Madalena (sua
esposa) – mulher humanitária, não aceita
a relação de exploração. Fraterna, preocupa-se com a educação dos
trabalhadores. Casam-se. Cresce o conflito cujo clímax se dá com o suicídio da
professora e esposa. Irrompe, em Paulo Honório, a angústia de ter sido o que
foi:
“Estraguei
minha vida estupidamente (...) Madalena entrou aqui cheia de bons
sentimentos...”
O
instinto de posse, o sentimento de propriedade marcam a vida do protagonista
que acabará quase só à procura de entender os descaminhos de sua vida: “Cinquenta
anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber
por quê!...”
São
Bernardo é um livro dentro de outro livro, isto é, Paulo Honório depois de
conseguir seus objetivos e perder tudo resolve escrever um livro (pede ajuda,
pois ele só entendia de números) contando desde a sua dura vida até chegar ser
senhor da fazenda São Bernardo.
Como
escrevi Vidas Secas
Em cartas e depoimentos,
Graciliano Ramos explicou que o livro Vidas Secas nasceu da junção de textos
independentes. O ponto inicial foi o episódio da morte da cachorra Baleia:
“Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil, como você vê: procurei
adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em
cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio
de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que
eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em
sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperarmos
preás”.
Depois de escrever “Baleia”, que saiu
como conto em jornal, Graciliano explica: “Dediquei em seguida várias páginas
aos donos do animal. Essas coisas foram vendidas em retalho, a jornais e
revistas. E como José Olimpyo me pedisse um livro para o começo do ano passado,
arranjei outras narrações, que tanto podem ser contos como capítulos de
romance. Assim nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra
Baleia”.*
É
interessante destacar-se que, no livro, os personagens quase nunca se
comunicam. Quando muito, Fabiano, nervoso, xinga o filho. A ausência de
diálogos é uma constante bem como a exposição de uma vida sem identidade
(menino mais novo, menino mais velho), sem sentido vivida pelos retirantes.
Fabiano é um homem embrutecido, mas que se analisa o tempo todo. Tem
consciência de que não domina a palavra, mas pensa tudo e sabe que a palavra
pode ser usada para o bem ou para o mal. Seu Tomás da Bolandeira é um homem bom
e que falava bonito, já o fazendeiro, o patrão usavam a palavra para explorar,
enganar nas contas e ele, Fabiano, não podia dizer nada, porque não sabia
articular um discurso.
Leia
o fragmento abaixo:
–
“Fabiano você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os
meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só (...)
Olhou
em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase
imprudente. Corrigiu-a murmurando:
–
Você é um bicho, Fabiano.
Isto
para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer
dificuldades.
Em
1936, escreveu Angústia
romance na linha mais psicológica.
O
protagonista, Luís da Silva, resultado de uma sociedade rural em decadência,
apaixona-se por sua vizinha Marina. Ficam noivos.
Luís
da Silva economiza o que pode e prepara-se para o casamento. Marina,
entretanto, troca-o por Julião Tavares, homem rico ousado e de posição social.
Luís da Silva cuja personalidade era de alguém frustrado não suporta a traição
– comparações vêm à sua mente bem como o complexo de pobreza e rejeição – e
assassina Julião Tavares.
Luís
da Silva é o personagem mais dramático da ficção brasileira no que atinge ao
tema frustração. O assassinato foi a única maneira encontrada pelo protagonista
de mostrar-se superior. A abjeção (nojo), daquele dia em diante, tornar-se-á
uma constante em sua vida, tentará livrar-se com muita água e sabão. Aflora
dessa forma um mundo interior em conflito, que vem desde a infância marcada
pela separação do pai, pela solidão, pelas humilhações: “O amor para mim sempre
fora uma coisa complicada, dolorosa, incompleta.”
Nesta
obra, Graciliano explora a técnica do monólogo interior, reduz
sensivelmente os diálogos, destaca “o fluxo da vida interior”. Luís da Silva é
o ser oprimido moldado pela cidade.
Vidas
Secas (1938) foi seu único romance narrado em 3ª pessoa. Para
alguns estudiosos, esta obra é uma mistura de romance e livro de contos em
função da forma como foi escrito. Ramos destaca criaturas em condições
subumanas vivendo os horrores da seca na região nordeste.
Leia
um fragmento de São Bernardo,
texto que Paulo Honório faz um balanço de sua vida:
“Encontro-me
aqui em São Bernardo, escrevendo. As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum
rumor na casa deserta. Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se.
Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madrugada, é uma tortura.
Prefiro ficar sentado, concluindo isto. Amanhã não terei com que me entreter.
Ponho
a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto arrepio. A lembrança de
Madalena persegue-me. Diligencio afastá-la e caminho em redor da mesa. Aperto as mãos de tal forma que firo com as
unhas, e quando caio em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue.
De
longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa:
–
Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. A agitação diminui.
–
Estraguei minha vida estupidamente.
Penso
em Madalena com insist6encia. Se fosse possível recomeçarmos... Para que
enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que
aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que me aflinge.
A
molecoreba de mestre Caetano arrasta-se por aí, lambuzada, faminta. A Rosa, com
a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalha no campo e
trabalha na cama. O marido é cada vez mais molambo. E os moradores que me
restam são uns cambembes como ele.
Para
ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a
situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas esta
desgraçada profissão nos distanciou.
Madalena
entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os
propósitos esbarrara com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio
que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão
ruins.
E
a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte!
A
desconfiança é também consequência da profissão.
Foi
este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração
miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um
nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
Se
Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.
Fecho
os olhos, agito a cabeça para repetir a visão que me exibe essas deformidades
monstruosas.
A
vela está quase a extinguir-se. (..)”
nos
romances de Graciliano Ramos destaca-se um Realismo crítico em que o herói não
aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Não há predomínio do
Regionalismo, da paisagem, que só interessa quando interage com o psicológico,
e mesmo assim tudo passando pelo crivo da economia vocabular e correção
gramatical. Ao contrário de Jorge Amado, não apelou para o populismo.
Graciliano
e “todo um desejo intenso de testemunhar sobre o homem”.
Em
Memórias do Cárcere o autor mistura ficção e biografia. O limite do
pessoal é rompido e o autor dá seu depoimento sobre a realidade brasileira. Faz
denúncia da nossa pobreza cultural e das injustiças e protecionismo do Estado
Novo. Graciliano passou onze meses na prisão (1936) sob a vaga acusação
de comunista – Não houve motivos concretos para tal situação. Passou por vários
presídios e acabou no presídio da Ilha Grande e de lá só saiu graças e ajuda de
um advogado famoso chamado Sobra Pinto. Só em 1945, ingressou no partido
comunista Brasileiro.
Veja,
agora, um resumo sobre a organização das obras do autor feita pelo crítico Antônio
Cândido:
·
ROMANCES NARRADOS EM PRIMEIRA PESSOA
·
Caetés,
São Bernardo e Angústia:
Tem-se a pesquisa da alma humana e
análise social.
·
ROMANCE NARRADO EM TERCEIRA PESSOA – VIDAS SECAS
·
AUTOBIOGRAFIA
·
Infância e Memórias do Cárcere – O autor se expõe como caso humano e depõe
sobre um momento. Exibe os condicionamentos sociais e psicológicos que motivam
o comportamento humano.
·
JORGE AMADO – (BA 1912-2000)
Jorge
Amado de Faria trabalhou como jornalista, formou-se em Direito, foi deputado
federal em São Paulo. Em virtude de suas posições políticas, foi preso.
Muitos
de seus romances e novelas foram adaptados para o teatro, cinema e televisão.
Em 1959, tomou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Com sua morte, em
2001, a esposa Zélia ocupou a cadeira.
Amado
nasceu em Itabuna (BA), passou a infância em Ilheis, onde fez seus estudos iniciais.
Filho de fazendeiros (pobres) de cacau desde muito cedo assistiu a lutas pela
terra. A consciência social fez-se plena no baiano. A amizade e o convívio com
trabalhadores rurais foram decisivos para sua extensa obra, ou seja, ela tem
algo de memorialista. Sua obra é hoje lida por muitos e está traduzida em quase
todas as línguas.
Para
o crítico Alfredo Bosi, Amado é representando do populismo literário; do
gosto pelo pitoresco em vez da expressão estética do meio; da exibição de
estereótipos em vez de mostrar os conflitos sociais. O crítico ataca também o
uso de palavrões e o descuido estético que o baiano Jorge Amado adota em nome
da oralidade.
Parte
do que Bosi afirmou tem pertinência, mas entenderemos melhor se virmos a obra
deste escritor como a mistura de Realismo e Romantismo, de lirismo com aspecto
documentário. O pitoresco existe assim como a preocupação com a justiça social.
Há os que defendem, nas primeiras obras do autor, a existência de um realismo
socialista e militante, ou seja, romances proletárias (engajados) como o
próprio Jorge Amado definia.
Outros
revelam o caráter estético de algumas obras e apontam o lugar comum no restante
da volumosa produção do autor.
As
opiniões sobre o autor divergem, mas podemos perceber no trabalho do autor
aspectos interessantes tais como: a ênfase que ele deu em algumas obras ao
exótico, ao fantástico, aos costumes provincianos, ao sincretismo religioso, à
denúncia da exploração do latifúndio do cacau, à luta contra a burguesia
hipócrita e reacionária; em outras o realismo socialista cedeu espaço ao
lirismo, ao humor, aos depoimentos líricos, ao realismo pitoresco, folclórico e
desengajado.
Jorge
Amado buscou inspiração no seu convívio com o povo baiano no dia-a-dia com essa
gente (capoeristas, marinheiros, políticos, coronéis, letrados), nas visitas
aos candomblés. Tornou-se um contador de casos, um seguidos dos folhetins
românticos.
Obras:
Prosa – O país do carnaval, Cacau, Suor, Jubiabá,
Mar Morto, Capitães de Areia, Terras do sem fim, São Jorge de Ilhéus, Seara
vermelha, O amor de Castro Alves posteriormente reeditado de O amor do soldado,
Os subterrâneos da Liberdade, Gabriela, Cravo e canela, Quincas Berro D’água,
Os velhos marinheiros ou O capitão-de-velho-curso, Os pastores da noite, Dona
Flor e seus dois maridos, Tenda dos milagres, Teresa Batista cansada de guerra,
Tieta do agreste, Farda, fardão e camisola de dormir, Tocaia grande, O sumiço
da santa, Navegação de cabotagem.
Poesia
–
A Estrada do mar.
Outras
–
ABC de Castro Alves, O Cavaleiro da Esperança,
Bahia de todos os santos, O mundo da paz, O gato e a andorinha sinhá.
·
ROMANCES DE UMA PRIMEIRA FASE:
–
romances proletários (tema social, de denúncia) – a vida baiana no meio rural e
na cidade; as crises da classe patriarcal. (Cacau,
Suor, O País do Carnaval, Terras do Sem Fim).
Aparece,
nesta fase, as mazelas da cidade, os marginais e os grupos revolucionários em Jubiabá (1935) e Capitães de Areia (1937).
·
ROMANCES DE UMA SEGUNDA FASE:
Inicia
com Gabriela Cravo e Canela (1958) –
Abandona o radicalismo político e cria figuras irreverentes, sensuais,
inesquecíveis como D. Flor, Tieta, Teresa Batista.
Leia
o fragmento Terras Sem Fim:
Por
vezes, quando chegavam os navios abarrotados de emigrantes vindo do sertão, de
Sergipe e do Ceará, quando as pensões de perto da estação não tinham mais lugar
de tão cheias, então barracas eram armadas na frente do porto. Improvisavam-se
cozinhas, os coronéis vinham ali escolher trabalhadores. Dr. Rui, certa vez,
mostrara um daqueles acampamentos a um visitante da capital:
–
Aqui é o mercado de escravos...
Dizia
com um certo orgulho e certo desprezo, era assim que ele amava aquele cidade
que nascera de repente, filha do porto, amamentada pelo cacau, já se tornando a
mais rica do Estado, a mais próspera também. Existiam poucos ilhenses de
nascimento que já tivessem importância na vida da cidade. Quase todos
fazendeiros, médicos, advogados, agrônomos, políticos, jornalistas,
mestre-de-obras eram gente vinda de fora, de outros Estados. Mas amavam
estranhamente aquela terra venturosa e rica. Todos se diziam “grapiúnas” e,
quando estavam na Bahia, em toda parte eram facilmente reconhecíveis pelo
orgulho com que falavam.
–
Aquele é um ilhense... – diziam.
Nos
cabarés e nas casas de negócios da capital eles arrotavam valentia e riqueza
gastando dinheiro, comprando do bom e do melhor, pagando sem discutir preços,
topando barulhos sem discutir o porquê. Nas casas de rameiras, na Bahia, eram
respeitados, temidos e ansiosamente esperados. E também nas casas exportadoras
de produtos para o interior os comerciantes de ilhéus eram tratados com maior
consideração, tinham crédito ilimitado.
De
todo Norte do Brasil descia gente para essas terras do Sul da Bahia. A fama
corria longe, diziam que o dinheiro rodava na rua, que ninguém fazia caso, em
ilhéus, de prata de dois-mil-réis. Os navios chegavam entupidos de emigrantes,
vinham aventureiros de toda espécie, mulheres de toda idade, para quem ilhéus
era a primeira ou a última esperança.
Na
cidade todos se misturavam, o pobre de hoje podia ser o rico de amanhã, o
tropeiro de agora poderia ter uma grande fazenda de cacau, o trabalhador que
não sabia ler poderia ser um dia chefe político respeitado. Citavam-se os
exemplos e citava-se sempre a Horácio que começara tropeiro e agora era dos maiores
fazendeiros da zona. E o rico de hoje poderia ser o pobre de amanhã se um mais
rico, junto com um advogado, fizesse um “caxixe” bem feito e tomasse sua terra.
E todos os vivos de hoje poderiam amanhã estar mortos na rua, com uma bala no
peito. Por cima da justiça, do juiz promotor, do júri de cidadãos, estava a lei
do gatilho, última instância da justiça em Ilhéus.
·
ÉRICO VERÍSSIMO
(Cruz
Alta – 1905 – Porto Alegre – 1975)
De
família tradicional do Rio Grande do Sul, viu-se obrigado a passar por empregos
menores, quando sua família repentinamente perdeu a fortuna. Em 1931, começou a
trabalhar como secretário e redator da Revista o Globo, em Porto Alegre. Em
1932, saiu o romance de estreia Clarissa, que marcou o início da
popularidade. Desde então, passou a exercer intensa atividade literária tendo
estado mais de uma vez em missão cultural nos Estados Unidos.
Romance: Clarissa (1933); Caminhos Cruzados(1935);
Música ao Longe (1935); Um lugar ao sol (1936); Olhai os lírios do campo
(1938); Saga (1940); O resto é silêncio (1942); O tempo e o vento: I. O
continente (1948) – II. O retrato (1951) – III. O arquipélago (1961); O senhor
embaixador (1965); O prisioneiro (1967); Incidente em Antares (1971).
Conto
e novela: Fantoches (1932);
Noite (1954).
Literatura
infantil: As aventuras do
avião vermelho (1936); Os três porquinhos pobres (1936); As aventuras de
Tibicuera (1937); O urso com música na barriga (1938); A vida do elefante
Basílio (1939).
Memórias: Solo de clarineta (1973); Solo de
clarineta II (1975).
Érico Veríssimo é apontado pela
crítica como escritor que fez uso convencional da linguagem em seus romances
sendo que os últimos exibem preocupação política, gosto pelo fantástico e
surreal. (Leia Incidente em Antares).
*
Sua obra costuma ser estudada por fases:
*
A fase dos romances urbanos. Segue uma linha mais lírica,
intimista, psicológica. Ocorre a presença de personagens como Vasco X Clarissa;
Fernanda X Noel marca de união entre obras como Caminhos Cruzados, música ao
longe, um lugar ao sol, Olhai os Lírios do Campo. O autor destaca o cotidiano
de Porto Alegre e problemas ligados aos valores humanos, à crise da sociedade
moderna. Na segunda fase aparece a trilogia de O TEMPO e o VENTO (O continente, O Retrato, O Arquipélago). O
autor exibe a saga do Rio Grande do Sul, sua formação desde as origens – início
da colonização até o governo Vargas (1945). Destaca o poderio de famílias como
os Amaral, os Terras e os Cambará, inimigos políticos. São
personagens dessa fase: Ana Terra, Pedro Terra, Bibiana, Capitão Rodrigo,
Bolívar, Pedro Missioneiro. Em O
Retrato o deslocamento temporal vai até o Estado Novo. Tem-se a
fragmentação dos valores morais. Em O
Arquipélago tem-se o fim de tudo, a separação das famílias. A última
fase é mais política. É a fase de romances como O Senhor Embaixador, O Prisioneiro e Incidente em Antares. Exibe a falsa moral da sociedade.
Segundo
Momento Modernista
Poesia
Cecília
Meireles
Nasceu em 7 de novembro de 1901, no
Estácio,bairro marginal do Rio de Janeiro,em cima de um açougue .Na infância
perdeu pai,mãe e irmãos.Foi criada pela avó que morreu em 1935. Casou-se, mas
seu marido cometeu suicídio em 1955. O câncer matou Cecília em 1964. Seu
lirismo puro, poesia essencial, metafísica e até alegórica (“Romanceiro da
Inconfidência”, poesia social: crítica à ausência de cidadania e autonomia da
mulher,sátira à hipocrisia religiosa. Alguns consideram-no “Os Lusíadas”
brasileiro) beira o encantamento,o maravilhoso.
São
trinta livros,dos quais dez são póstumos. Sua obra em prosa,grande parte
inédita,vem sendo publicada desde 1998.São vinte e três volumes,sete já
publicados,e incluem conferências sobre literatura e arte em geral.Boa parte
deste material é inédita. Cecília deixou também cerca de 500 cartas,onde
transparecem fina ironia e humor, e escreveu cinco peças de teatro. Ela
traduziu poetas árabes,persas japoneses,russos,hebraicos. Suas memórias de infância estão no livro
“Olhinhos de Gato”,dos anos trinta.Em “Criança,meu amor” (didático) expôs suas
ideias solidárias e igualitárias.”Batuque,samba e macumba” (83),revela nosso
folclore. Foi a primeira mulher a ser incluída na lista de maiores poetas
brasileiros,ao lado de nomes como Drummond,Bandeira e João Cabral. “Viagem”
,dedicado aos amigos portugueses,é o primeiro livro de sua “segunda fase”
poética, ela não considerou a primeira,quando fez parte do grupo
Festa,católico-espiritualista. Seu
“segundo” livro, “Vaga Música”, foi definido por Mário de Andrade como a “melhor
coisa de lirismo puro que já apareceu neste país”.
Mergulhada
no seu “eu-profundo", seguiu entre o “todo” e o “nada”, como bem salientou
a crítica Leila Gouveia (Revista Cult,outubro de 2001): “A arte como
exercício de uma verdade supraterrena” .
O clima de segunda guerra mundial afundou Cecília nos versos de “Mar
Absoluto”(45). Em 53 criticou a indústria cultural emergente,a tv e suas
influências. Anticatólica,Cecília volta-se para o Cristianismo primitivo
(“Santa Clara,Santa Cecília”): “Pagã como as árvores/e,como um
druida,mística”. Na semana de 22,Cecília era ainda a neo-simbolista de
“Baladas para El-Rei”.Evoluiu para a simplicidade vocabular e
sintética,economia verbal,para o verso livre e brincou até com metros breves.O
flerte com o inconsciente faz-nos lembrar a experiência surrealista A noção da inutilidade humana;a indiferença
pela esperança ;o desapego pela lógica,fizeram de Cecília “uma criatura sem
raízes na terra,prescindindo de tudo e à mercê dos casos que a queiram
transportar”, como disse. Os livros “Nunca Mais”(23) e “Poema dos
poemas”(23), neo-simbolistas, foram “apagados”/perdidos. Como dissemos antes:
ela se reinaugura com livros como ”Retrato Natural”(49), ”Doze Noturnos de
Holanda” (52), “Poemas escritos na Índia (década de 50), “Metal Rosicler” (60),
“Solombra” (63), dentre outros.
Primeiro tratou Getúlio Vargas como “Sr. Ditador”, depois trabalhou numa revista do governo dele (Travel in Brazil), ao lado de Mário de Andrade
“Pastora de nuvens”, sofreu influência da cultura oriental.
O panteísmo (Deus em tudo) de suas metáforas,prosopopeias e outras figuras de linguagem aparecem em poemas como “Elegia do tapeceiro egípcio”.
Alma e corpo em conflito,eis a lírica ceciliana ,que prefere a alma,apesar de ter “ vício de gostar de gente”. E para finalizar um trecho de um poema de Cecília, “Cançãozinha para Tagore" (poeta indiano que ela adorava ): "Àquele lado do tempo/onde abre a rosa da aurora,/chegaremos de mãos dadas ,/cantando canções de roda/com palavras encantadas./Para além do hoje e outrora,/veremos os Reis ocultos/senhores da Vida ocultos/senhores da vida toda,/em cuja etérea Cidade/fomos lágrima e saudade/por seus nomes e seus vultos(...)E então nossa vida toda/será de coisas amadas”.
Primeiro tratou Getúlio Vargas como “Sr. Ditador”, depois trabalhou numa revista do governo dele (Travel in Brazil), ao lado de Mário de Andrade
“Pastora de nuvens”, sofreu influência da cultura oriental.
O panteísmo (Deus em tudo) de suas metáforas,prosopopeias e outras figuras de linguagem aparecem em poemas como “Elegia do tapeceiro egípcio”.
Alma e corpo em conflito,eis a lírica ceciliana ,que prefere a alma,apesar de ter “ vício de gostar de gente”. E para finalizar um trecho de um poema de Cecília, “Cançãozinha para Tagore" (poeta indiano que ela adorava ): "Àquele lado do tempo/onde abre a rosa da aurora,/chegaremos de mãos dadas ,/cantando canções de roda/com palavras encantadas./Para além do hoje e outrora,/veremos os Reis ocultos/senhores da Vida ocultos/senhores da vida toda,/em cuja etérea Cidade/fomos lágrima e saudade/por seus nomes e seus vultos(...)E então nossa vida toda/será de coisas amadas”.
Carlos Drummond de Andrade
Nasceu
em Itabnira(MG). Ele tinha a História como perspectiva,e dizia-se poeta de “ritmos
elementares”. Porém sua obra é uma espécie de suporte pra o viver, o
sobreviver e o morrer. Onde o Bem, o Belo, a Forma,a Estrutura,a Verdade,a
Realidade,o Indivíduo, as Pessoas,a Sociedade,o Canto,a Arte,o Artifício,o
Menos e o Mais,o Sim e o Não, giram em alegorias no cotidiano do brasileiro
simples. O poeta descobriu também que o sentido da vida é o seu sem-sentido
onde tudo se comunica: o real e o imaginário de todas as épocas se
misturam.Assuntos,motivos,temas,tópicos que até então estavam banidos da
poética aparecem na poesia dele numa espécie de novo “viva o dia”(carpe
diem),como frisou Antônio Houaiss. Drummond é mestre da língua.Sua invenção da
modernidade é uma postura que se faz necessária,é pois um projeto de vida ou de
carreira.Uma busca incessante,onde Linguagem e Homem reinauguram-se. Sua busca
da simplicidade,oralidade,é característica marcante,particularizante.
Suas utopias,sonhos,protestos,indagações,enlaces,desenlaces,fazem dele um “corajoso desor-ganizador”. Ele se escreve. Ele acusa o limite,não apenas entre o bem e o mal (que não existe,é apenas um contraste do bem).
Suas utopias,sonhos,protestos,indagações,enlaces,desenlaces,fazem dele um “corajoso desor-ganizador”. Ele se escreve. Ele acusa o limite,não apenas entre o bem e o mal (que não existe,é apenas um contraste do bem).
Sua
obra “que não foi construída segundo um projeto,a partir de intenções e
fôrmas e/ou formas externas- por exemplo a de `ser´ poeta,a de fazer um soneto,uma
sextilha ou um poema de vanguarda,sobre este ou aquele tema,segundo esta ou
aquela técnica”.
“O amor truncado,que não chega a ser amor,mas que perdido se revela amor que podia ter sido”.
“O amor truncado,que não chega a ser amor,mas que perdido se revela amor que podia ter sido”.
O
humor dessa vida que continuará nos outros,ou em “algo que talvez nem seja o
Outro,mesmo que não valha a pena:continuará”: “Onde o diabo joga dama com o
destino”. “Debruça-se o autor sobre o próprio texto à medida que o
elabora,inquirindo-lhe do cabimento,da legitimidade,da propriedade das
palavras.Uma atitude metalinguística.É o cotidiano repetido num singular
irrepetido.A técnica machadiana:espíritos afins,em determinadas condições
histórico-sociais,são levados ao uso de técnicas de expressão afins”,ressaltou
o mestre Houaiss.
O itabirano foi cristalizador do modernismo em sua plenitude cheia de crises, monstros e utopias. Crise totalizante,porque planetizada num mundo “fomicizado” pela mecanização “coisificante”,daí o conflito da mente do poeta com a realidade total em que vivia,
Luís Costa Lima afirmou: ”Drummond é o maior e último poeta modernista:seu riso corrói,dissolve aquelas dissonâncias que são a regra da vida.Ele assume com a História uma relação aberta”.
Ele se opõe ao “fluir sentimental de Manuel Bandeira, pois que não há piedade em si mesmo por uma vida que podia ter sido e que não foi e cujos elementos de saudade se constituem,assim,em força predominante de um poetar num infinito jogo de recursos para enunciação do inédito.Uma lição de vida”.
O itabirano foi cristalizador do modernismo em sua plenitude cheia de crises, monstros e utopias. Crise totalizante,porque planetizada num mundo “fomicizado” pela mecanização “coisificante”,daí o conflito da mente do poeta com a realidade total em que vivia,
Luís Costa Lima afirmou: ”Drummond é o maior e último poeta modernista:seu riso corrói,dissolve aquelas dissonâncias que são a regra da vida.Ele assume com a História uma relação aberta”.
Ele se opõe ao “fluir sentimental de Manuel Bandeira, pois que não há piedade em si mesmo por uma vida que podia ter sido e que não foi e cujos elementos de saudade se constituem,assim,em força predominante de um poetar num infinito jogo de recursos para enunciação do inédito.Uma lição de vida”.
O Terceiro Tempo do Modernismo ou a
GERAÇÃO DE 45 (PROSA e POESIA)
Leia:
·
O que mais lhe chama a atenção na
literatura brasileira?
“Vocês
criaram uma linguagem própria, em que a diversidade brasileira está de corpo
inteiro: a violência urbana de hoje já estava em Clarice Lispector, a
complexidade verbal de Guimarães Rosa tem a ver com os diversos níveis
de linguagem que há nas cidades – e não fala apenas de níveis sociais, mas
também de linguagens que se movem, se transformam, refletindo um país em
mudança veloz e perpétua (...) Fiquei deslumbrado com as obras de
Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond
de Andrade (...) É sempre vi essas obras relacionadas com o riquíssimo Cinema
Novo, com a música popular ou clássica (as Bachianas de Villa-Lobos e as
óperas de Chico Buarque estão entre as minhas favoritas.), com a pintura e a
arquitetura (...) cada um deles me enriqueceu...”(Tomaz Eloy Martinez)
Terminada
a 2ª guerra mundial e a ditadura de Vargas, o Brasil passou por um momento de
tranquilidade até 1964. Foi uma fase de desenvolvimento e (quase) serenidade.
Estudaremos
agora o cenário e os autores da literatura brasileira a partir de 1945.
Sem dúvida, é preciso destacarmos uma nova etapa na história do modernismo. Nos
anos 30 e 40, formou-se uma geração de escritores voltada para a crítica
das relações sociais – foi a época do governo Vargas. Este período
continuou a ser alvo de reflexões por parte de alguns escritores, mas a grande
preocupação dos prosadores de 45 se deu cm a análise psicológica dos
personagens (o que vai no mundo interior deles), com o conflito
existente entre os homens e o contexto social em que estão inseridos, com a
linguagem.
Estes
aspectos aparecem nos romances, contos de Clarice Lispector, Osmar Lins, Lygia
Fagundes Telles, entre outros.
A
literatura assumiu um novo rumo com a publicação em 1944 do romance
Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector. A autora ressaltou,
nesta obra, o interior do ser, o sentido da vida, o trabalho com a linguagem (a
“ESCRITURA” Clariceana). Nasceu a ficção experimental.
Alguns
anos mais tarde Guimarães Rosa com a sua coletânea de contos cuja
matéria é o sertão: SAGARANA
(1946). O regionalismo, com Rosa, ganhou o brilho do trabalho
estético, o gosto pelo universal, a fusão com o mundo mágico, mítico. Rosa,
assim como Clarice Lispector, inovou, na ficção brasileira, pela forma
como lidou com a linguagem, como enfrentou a palavra. Ambos modificaram a
ficção brasileira a partir dos dramas íntimos, da transfiguração do
regionalismo (Rosa) do experimentalismo da linguagem, do afastamento das
técnicas convencionais da ficção (prosa).
A
prosa dessa época perdeu o caráter referencial (a ligação direta com
acontecimentos), a linearidade. Apareceu uma narrativa interiorizada,
marcada pelo fluxo de consciência (vivência interior do personagem).
“A
vida oblíqua? Bem sei que há um desencentro leve entre as coisas, elas quase se
chocam há desencontro entre os seres que
se perdem uns dos outros entre palavras que quase não dizem mais nada. Mas quase nos entendemos
nesse leve desencontro, nesse quase que éa única forma de suportar a vida
emcheio, pois um encontro face a face com ela nos assustaria, espaventaria os
seusdelicados fios de tela de aranha”.
(Clarice
Lispector)
Esse
contato direto com o mais íntimo do ser implicou a produção de narrativas em
primeira pessoa. O personagem fala de sua vida, faz confissões.
A
interiorização dos relatos não distancia a prosa do trabalho com o elemento
estético. A prosa se aproxima da poesia, mistura dos gêneros é constantes.
O
grande desafio do escritor do período entre 40 e 50) foi com
estética, com a nova forma ou expressão literária:
Leia:
A. “Agora
as trevas vão se dissipando.
Nasci.
Pausa.
Maravilhas escândalo: nasço”.(Clarice Lispector – em Água Viva)
B. “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que
agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo
com toda coisas ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar
então mais alegre, mais alegre, por dentro!” (Guimarães Rosa – Manueilzão e Miguillim)
Se
a PROSA apresentou as maiores inovações, a POESIA DE 45 voltou a
discutir a palavra, a marca formalizante, lembrando o estilo
pomposo, culto, formal dos parnasianos – caso típico do “poeta engenheiro” João
Cabral de Melo Neto. Outros poetas se preocuparam mais com a palavra
concreta, exata, uma linguagem mais sintética originando depois o movimento Concretista.
Observe
os comentários abaixo sobre outras manifestações artísticas desse período:
(Fonte – Língua e Literatura dos professores Carlos E. Faraco e F.M. de Moura,
p. 236):
Manifestações
artísticas
Pintura
A
partir de 45, a fundação de museus foi um fator de grande importância para a
divulgação de artes plásticas. Da mesma forma, a Bienal de São Paulo, a partir
de 50, faria convergir para cá a arte contemporânea de todas as partes do
mundo.
Aparece
o grupo concretista, em cujas obras
predomina o geometrismo.
A
partir daí surgem várias tendências de difícil esquematização.
Arquitetura
Brasília
é o exemplo mais ilustrativo das renovações que caracterizam o período em
questão
O risco original de Lúcio Costa para o projeto de
Brasília, uma cidade inteiramente planejada que refletia a ânsia de progresso
da época.
No
que tange à dramaturgia (TEATRO) tivemos nomes como Jorge de
Andrade (A Moratória), Ariano
Suassuna,¸Augusto Boal, entre outros.
É
desta época a montagem para o teatro de Vestido
de Noiva, de Nélson Rodrigues. Encenação que surpreendeu pela inovação
quanto ao plano cênico.
PROSA
Clarice
Lispector (1925-1977)
Ucrânia
(União Soviética) e faleceu no Rio de Janeiro.
“Minha liberdade é escrever. A
palavra é o meu domínio sobre o mundo.”
“Algumas pessoas cosem para fora;
eu coso para dentro”.
A
família veio para o Brasil quando a escritora era recém-nascida, instalando-se
no Recife. Mais tarde, Clarice Lispector viveu no Rio de Janeiro, onde se
formou em Direito. Casada com um diplomata, conheceu vários países.
Romance: Perto do coração selvagem (1944); O lustre
(1946); A cidade sitiada (1949); A maçã no escuro (1961); A paixão segundo G.H.
(1964); Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969); Água viva (1973); A
hora da estrela (1977).
Conto: Alguns conos (1952); Laços de família (1960);
A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); Imitação da rosa (1973).
Literatura
Infantil: O mistério do coelho
pensante (1967);
Crônica: A
descoberta do mundo (1984).
A
“escritura” clariceana se caracteriza, normalmente pela ruptura quanto à
estrutura dos gêneros – aproxima prosa de poesia – pela não preocupação
com o desenvolvimento do enredo (volta-se mais para a repercussão que os fatos
têm sobre a consciência dos personagens), pelo mergulho fundo no interior do
ser humano (literatura introspectiva), pelo uso que faz da metáfora insólita,
do fluxo de consciência.
Levar
o personagem a conhecer-se, a mergulhar no seu interior, no espaço labiríntico
da memória traz como consequência o aparecimento de um sujeito despojado das
ilusões do cotidiano. Levá-lo, a conhecer, abruptamente a “verdade” dele é o
objetivo da autora. Este ponto máximo da narrativa se dá com o chamado MOMENTO
EPIFÂNICO, ou seja, MOMENTO DE ILUMINAÇÃO, processo que ocorre a
partir de cenas comuns do cotidiano: “um grito”, “um susto”, “um encontrão”
permitem ao personagem ver a si de outro modo. Aprofundam-se as relações
humanas.
O
universo mental dos personagens é investigado de forma não linear, ou seja, a
escritom não se preocupa com a determinação nem do espaço nem tempo. O tempo
é marcado por superposição de planos: passado (tempo da memória) que se
diferencia do tempo presente ou do tempo da imaginação. Não há preocupação com
a lógica, com a ordem da narrativa. Assim, vários planos narrativos se cruzam
abrangendo o problema da existência como problemas da expressão e da
comunicação. Às vezes as dimensões espaço e tempo se fundem.
“Vê-se
que a literatura volta-se sobre si mesma, de modo que a ação narrada é a
própria situação problemática dos personagens em busca de si próprios.
A
negação da linguagem transforma-se em signo do ser”. Em Clarice é “como se em vez de
escrever, ela descrevesse, conseguindo um efeito mágico de refluxo da
linguagem, que deixa à mostra o “aquilo”, o “isto”, o “inexpressado”, o
“inefável”. O tom bíblico surge em alguns de seus contos mostrando
possíveis saídas para a náusea existencial. A escritora, assim, não interpreta
o mundo, anseia refleti-lo. Procura nos ensinar a ver e compreender o mundo e
os seres que nos cercam.
Clarice
Lispector apresenta uma escritura metafórico-metafísica,
dilacerada pelo dilema entre existir e escrever, entre razão e
sensibilidade: “A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está
feito, mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras
são o luxo do meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo
por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande
medida do silêncio”. (Água Viva).
Não
podemos esquecer que o efeito do “estranhamento”, da perplexidade
é comum na produção clariceana. Quem não lembra a barata em A Paixão
Segundo G. H?
Ao
esmagar uma barata, a personagem G.H. sente náusea (náusea sartreana).
Vive o momento de iluminação. O transe da narradora G. H. No quarto de sua
ex-empregada, durante o qual revê todos os valores de sua vida até então, é
transmitida por várias imagens que se interligam, exibindo as metáforas da
vida.
“As
grutas são meu inferno (...) Dentro da caverna obscura tremeluzem pendurados os
ratos com asas em forma de cruz dos morcegos. Vejo aranhas penugentas e
negras.” (A.V.)
A dúvida sistemática no que diz
respeito à possibilidade do conhecimento, a visão da verdade como algo que
sempre incluiu o seu oposto, a preocupação com a precariedade da aparência, o
uso de paradoxos, antíteses paralelas, expressões temporais opostas (passado x
futuro). Em A Paixão Segundo G. H “mansa loucura”, “aterradora liberdade”, “vivificadora morte”, “gozo horrendo”.
Clarice usou
demais expressões contrastantes que revelam uma tensão equilibrada.
Quanto mais estranho, mais harmonioso: “Ouve-me, ouve o silêncio.
O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa
e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.”
(em Água Viva)
Eis
as surpresas conseguidas pelas diferenças quando o objetivo é ver-se de todos
os pontos de vista possíveis: “tudo olha para tudo, tudo vive o outro”.
Perde-se a visão ordenada para ganhar o face-a-face com a realidade final. O
encontro com essa batalha total começa com a linguagem, daí termos
iniciado esse estudo sobre Clarice falando na “ESCRITURA”da autora.
Reflexões
sobre “valores”, questionamentos filosóficos e existenciais, a mulher e
o ambiente familiar (os perfis femininos e uma reflexão sobre os papéis
sociais) a ‘escritura’ literária (metalinguagem) são pontos frequentes em sua
prosa.
Em
seu último livro A HORA DA ESTRELA
(1977) conta a história de Macabea e Olímpico de Jesus, retirantes nordestinos
que vão para o Rio de Janeiro. Macabea, moça ingênua, alienada de si e do mundo
sofre na cidade grande. Busca sua identidade, mas não a obtém. Desprezada pelo
namorado, vai procurar consolo na casa de uma cartomante que lhe enche a
cabeça. Ao sair é atropelada por um Mercedes Benz – eis sua hora, eis a HORA DA ESTRELA, seus segundos de
felicidade, de transformação interior.
Em
sua obra – de modo geral – Clarice explorou territórios desconhecidos do
espírito humano e para atingi-los violentou e ampliou os limites da linguagem.
Sua obra pode ser vista pelo ângulo formal, filosófico, psicanalítico e
místico.
João Guimarães Rosa (1908-1967)
um mestre da PROSA experimentalista BRASILEIRA
“Sensacional. Estranho. Poderoso.”
Nasceu
em Cordisburgo (MG) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ). Formou-se em Medicina,
tendo exercido a profissão até 1934, quando entrou para a carreira diplomática,
servindo em vários paises. Em 1963, foi eleito para a Academia Brasileira de
Letras, adiando a posse até 1967. Três dias depois de solenemente empossado,
Guimarães Rosa morreu, vítima de problemas cardíacos.
Obras:
Sagarana (1946); Corpo de baile (1956); Grande sertão: veredas (1956); Primeiras estórias (1962); Tutameia:
terceiras estórias (1967); Estas estórias (1969); Ave, palavra (1970); Corpo de
baile (1956) – aparece a partir de terceira edição em três volumes (Manuelzão e
Miguillim; No Urubuquaquá, no Pinhém; Noites do sertão).
“SABE
O SENHOR: SERTÃO É ONDE O PENSAMENTO DA GENTE SE FORMA MAIS FORTE DO QUE O
PODER DO LUGAR. VIVER É MUITO PERIGOSO...”
“Mire
e veja: o importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (Riobaldo, personagem narrador - Grande sertão: veredas)
Quando
se fala em Guimarães Rosa, fala-se na inovação da linguagem, na
originalidade quanto ao uso do código verbal, na visão de mundo marcada pela
reflexão sobre o ser, sobre a existência, sobre Deus, sobre valores como o bem
e o mal. Discute-se o sentido da amizade, do amor, a difícil travessia
que é a vida (“Viver é muito perigoso”), os problemas que angustiam a
humanidade independente do lugar e do tempo em que cada homem se encontra.
Enfim, investe-se na sondagem do universo interior. Em 1946 ele surgiu no
cenário da literatura brasileira com a coletânea de contos SAGARANA (SAGA =
canto heróico, lenda; RANA = à maneira de). Nesta obra, o autor investe
no sertão geográfico e universal: “O sertão é o mundo.” Fala do sertão
de Minas Gerais, do vaqueiro, do gado, da política de coronéis, da ideia do bem
e do mal, dos homens do sertão, do amor, da paisagem. Busca um sentido, uma moral.
Cada conto é introduzido por epígrafes que são indícios da essência da
narrativa. Elas são reflexos do folclore mineiro, dos ditos
populares, das cantigas da roça:
“Eu sou pobre, pobre, pobre,
vou-me
embora, vou-me embora...
.......................................................
Eu
sou rica, rica, rica,
vou-me
embora daqui”. (CANTIGA)
“SAPO NÃO PULA POR BONITEZA.
MAS PORÉM POR PRECISÃO.” (Provérbio
capiau)
Um
dos contos mais conhecidos dessa coletânea é A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA. Narra a história de Nhô
Augusto, homem prepotente da redondeza e metido a dono do mundo. Um dia é
castigado, abandonado pela família e pelos empregados da fazenda. Atacado pelos
inimigos quase morre. Consegue escapar e promete mudar, pois quer entrar no
céu, “nem que seja a porrete”, torna-se um penitente. Vai, assim, ao encontro
daquilo por que tanto ansiava, sua hora e sua vez.
Vê-se,
com Sagarana¸que Rosa é hábil em criar enredos e lidar
com a linguagem: resgata a oralidade sertaneja, aproveita os regionalismos e
arcaísmos do sertão, lança mão dos estrangeirismos, cria neologismos, inventar
palavras sonoras (SAGARANA,
palavra cheia de a a). Essas serão as marcas de sua obra: O manejo
com a linguagem, a pluralidade dos enredos.
O
escritor adensa os seus temas com Corpo
de Baile (1956) e Grande Sertão: Veredas, seu único
romance.
Em
Campo Geral (primeira novela),
encanta ao construir o personagem Miguilim, menino que morava no engenho Mutum
com sua família. Miguilim aprende o sentido da morte (encantamento), da saudade
– em função da perda do irmão Dito. Passou a ver o seu lugar de forma diferente
quando, um dia, um senhor dos óculos chegou, ao engenho, a cavalo e ao perceber
a ‘miopia’ de Miguilim lhe emprestou os óculos daí então o menino nunca mais
foi o mesmo:
“Este
nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim... E o senhor tirava os
óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
–
Olha, agora!
Miguilim
olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e
diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas (...) E tonteava. Aqui,
ali meu Deus tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os óculos, e
Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe
esteve assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo...”
A
obra-prima do autor é Grande Sertão:
Veredas, texto traduzido para várias línguas. Nesta produção, a
reflexão sobre a vida e o lidar com o texto se amalgamam possibilitando uma
série de interpretações (obra aberta).
A
tessitura romanesca é construída a partir de uma longa narrativa oral:
Riobaldo, ex-jagunço, já velho conta sua história de vida pelo sertão de Minas,
de Goiás e do Sul da Bahia a um ‘suposto’ interlocutor que jamais usa da
palavra. Tem-se, na verdade, um grande monólogo e o narrador – personagem
“apesar de ter pertencido à plebe rural e de ter aderido à jagunçagem, recebeu
educação formal”, fato que garante a
coerência quanto ao caráter metafísico de seus questionamentos e a leveza do
seu discurso, o texto explicando a existência.
A
obra é polifônica, mas todos falam pela boca de Riobaldo
(MONÓLOGO DE TOM MEMORIALISTA), um grande contador de histórias que
mistura fatos vividos com fatos imaginados.
Já
que tudo se dá via memória, é natural que a narrativa tenha uma sequência
caótica, desarmônica.
O
grande inimigo do narrador-personagem Riobaldo é Hermógenes,
(assassino do chefe Joca Ramiro, eis um dos fios da tessitura narrativa.
Outro fio é a questão amorosa, a atração que Riobaldo sente por Reinaldo
(na verdade Diadorim – identidade revelada só bem depois quando Diadorim é
morto (a) por Hermógenes, mas antes vinga a morte de seu pai, Joca Ramiro).
Para
alguns críticos o romance Grande
Sertão: Veredas é
estruturado em três planos:
1)
Riobaldo e sua vida de jagunço:
O narrador expõe o sertão e os aspectos geoeconômico-sócio-político-sociais.
2)
Riobaldo faz reflexões sobre seus medos, a
vida, a difícil travessia, a totalidade do “Si-Mesmo”.
3)
Riobaldo reflete sobre a ideia de Deus, “os
conflitos representados pelas forças da natureza”. (PLANO MÍTICO).
Para
criar todo esse universo Rosa lançou mão dos elementos que traduzem o poético:
ritmo das sequências verbais, uso de frases exclamativas e interrogativas,
interjeições, repetições de palavras, metáforas, aliterações, assonâncias.
Resgatou o modo de falar do sertanejo na voz de Riobaldo, misturou esse modo ao
código linguístico de cunho erudito e assim fez surgir: regionalismos,
arcaísmos, estrangeirismos, neologismos, africanismos.
Rosa
usa, às vezes, do surrealismo, de um português bem diferente e o
experimentalismo com a linguagem. Em Tutameia – Terceiras Estórias usou provérbios invertidos, ou melhor,
negou-os para criá-los inéditos.
A
linguagem da produção rosiana é altamente estilizada. Ela elimina a distância
entre prosa e poesia e traz ao romance múltiplos sentidos. A obra Grande Sertão: Veredas encerra com o
símbolo do infinito a dizer que o mistério da vida continua e à travessia é
perigosa. Cabe ao homem o difícil INTERVALO.
Tem-se
assim a síntese de experiências formais e ideológicas, as operações da
linguagem para dizer do homem, da vida, da amizade, da profundidade do ser.
Primeiras Estórias : O próprio autor cunhou
o gênero estória como conto breve. Conforme a organização dos enredos e dos
núcleos temáticos, as estórias pode ser classificadas em cinco categorias. Loucura:
Sorôco, sua mãe e sua filha - Nada e a
nossa condição - O cavalo que bebia cerveja -A benfazeja - Darandina -
Tarantão, meu patrão. Infância :As margens da alegria - A menina de lá - Pirlimpsiquice - Partida do
audaz navegante - Os cimos . Violência-Famigerado - Os
irmãos Dagobé . Fatalidade/Misticismo : A terceira margem
do rio - Nenhum, nenhuma - O espelho - Um moço muito branco . Amor :Sequência - Luas-de-mel –Substância.
O
próprio Guimarães Rosa escreveu o texto a seguir, para divulgação do livro Grande Sertão: Veredas. Observe
os pontos que ele acentua e o destaque dado à surpresa do epílogo, quando a
leitor descobre que Diadorim é mulher: Sendo um amor o impossível. Onde narra
sua vida o ex-jagunço Riobaldo. O sertão está em toda a parte. Dois
meninos atravessam o São Francisco numa canoa. A força particular. O escrito
que veio da matriz de Itacambira. Nhorinhá, a linda, rapariga perdida no ser do
sertão. Os cavalos na madrugada. Diadorim e Otacília. Seja ciúme, amor, ódio e
sangues. A carne do homem que não era macaco. Na Guararavacã do Guaicuí do
nunca mais. Carece de ter coragem. Carece de ter muita coragem. Rosa’uarda,
moça turca. Um homem desceu o rio Paracatu, numa balsa de buriti. À meia-noite nas Veredas Mortas. O que
apareceu montado na égua. O leproso trepado na árvore. Seis chefes jagunços
põem outro em julgamento, na fazenda Sempre-Verde. Episódio de Maria Mutema e
do Padre Ponte. A matança dos cavalos. De como Inadalécio e Antônio Dó invadem
a cidade de São Francisco. A canção de Siruiz. O sofrer de dois amores. Morte
de Medeiro Vaz – o rei dos Grais. O
sertão é dentro da gente. A mulher
presa no sobrado. Nos campos do Tamanduá-tão: foi grande batalha.
_______________________
POESIA
João Cabral de Melo Neto
(1920-2000) – O Poeta – engenheiro
A
VOLTA AO RIGOR FORMAL, À DISCIPLINA
Recifense.
Ingressou na carreira diplomática, exercendo sua profissão durante mais de
quarenta anos, em diversos países. Aposentado, morou no Rio de Janeiro. A
Espanha pareceu ter sido o país que mais influenciou a obra de João Cabral.
Pertenceu à Academia Brasileira de Letra desde 1968.
Obras: Pedra de sono (1942); O engenheiro 91945);
Psicologia da composição (1947); O cão sem plumas (1950); O rio (1954); Morte e
vida Severina (1956); Paisagens com figuras 91956); Uma faca só lâmina (1956);
A educação pela pedra (1966); Museu de tudo (1975); Auto do frade (1984);
Agrestes (1985); Crime na Calle Relator (1987)”.
O
poeta João Cabral sempre se preocupou com a depuração da forma, em
manter vivo o espírito da pesquisa formal, com objetividade ao examinar
a realidade seja ela o Nordeste, a Espanha ou a própria Arte. Do
ponto de vista estética, Cabral se distanciou das propostas inovadoras da
geração de 22 e reviveu certos valores parnasianos e simbolistas tais
como a preocupação com o fazer poético, o uso de vocabulário erudito por isso
foi chamado de neoparnasiano. Leia os textos abaixo e confirme a preocupação
com o fazer poético, o uso de vocabulário erudito por isso foi chamado de
neoparnasiano. Leia os textos abaixo e confirme a preocupação do autor com a ‘arquitetura’
da poesia com o distanciamento quanto à emoção, o combate ao
sentimentalismo:
Equilíbrio
reestabelecido, de
Lothar Charoux, 1958. Linhas paralelas
escupem, inesperadamente, formas circulares.
O ovo
O ovo
revela o acabamento
a
toda mão que o acaricia,
daquelas
coisas torneadas
num
trabalho de toda vida.
E
que se encontra também noutras
que
entretanto mão não fabrica:
nos
corais, nos seixos rolados
e
em tantas coisas esculpidas
cujas
formas simples são obra
de
mil inacabáveis lixas
usadas
por mãos escultoras
escondidas
nágua, na brisa.
No
entretanto, o ovo e apesar
da
pura forma concluída,
não
se situa no final:
está
no ponto de partida.
(MELO
NETO. João Cabral de. As formas do nu)
NOTA: O
pintor surrealista Joan Miro bem como Piet Mondrian mereceram admiração
profunda de João Cabral. Mondrian impressionou pelo racionalismo e
geometrização dos traços.
“Catar
feijão se limita com escrever:
joga-se
os grão na água do alguidar
e
as palavras na folha de papel;
e
depois, joga-se fora o que boiar.
Certo,
toda palavra boiará no papel,
água
congelada, por chumbo seu verbo
pois
catar esse feijão, soprar nele,
e
jogar fora o leve e coco, palha e eco.”
(Catar Feijão)
Veja
que o poeta reflete o que é para ele fazer poesia – METALINGUAGEM -,
situação comum a outros escritores estudados como Carlos Drummond de Andrade
(Procura da Poesia), Murilo Mendes (A Poesia em Pânico, Poemas) – que
influenciaram João Cabral. A Preocupação em atacar a chamada “poesia dita
profunda” irrompe em sua obra PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO. Esforçou-se
muito para pôr em relevo a simetria, construir uma poética
anti-românica, distante do que se chama inspiração, fato constante em seu
trabalho.
Como
filho e neto de senhores de engenho conheceu de perto o sertanejo, os canaviais
banguês, os cantadores e repentistas, os escritores de literatura de cordel.
No Recife, esteve ao lado de seus primos Gilberto Freyre e Manuel
Bandeira. Leia agora um texto de Cabral que é reflexo dessa vida nos
engenhos:
TEXTO
A
DESCOBERTA DA LITERATURA
No dia-a-dia do engenho / toda
a semana, durante / cochichavam-me em segredo: / saiu um novo romance. / E da
feira do domingo / me traziam conspirantes / para que os lesse e explicasse /
um romance de barbante / Sentados na roda morta / de um carro de boi, sem
jante, / ouviam o folheto guenzo, / o seu leitor semelhante, / com as peripécias de espanto / preditas
pelos feirantes. / Embora as coisas contadas / e todo mirabolante / em nada ou
pouco variassem / nos crimes, no amor, nos lances, / e soassem como sabidas /
de outros folhetos migrantes, / a tensão era tão densa, / subia tão alarmante /
que o leitor que lia aquilo / como puro alto-falante, / e, sem querer, imantara
/ todos ali, circunstantes, / receava que confundissem / o de perto com o
distante, / o ali com espaço mágico, / seu franzino com o gigante, / e que
acabasse tomando / pelo autor imaginante / ou tivesse que afrontar / as brabezas
do brigante.” (João
Cabral de Melo Neto)
As
marcas do Recife ficaram em Cabral – mesmo quando decidiu morar no Rio
de Janeiro (1942). O Rio Capibaribe aparece em obras como O Rio, O Cão Sem Plumas, Morte e Vida
Severina bem como a influência do engenheiro poeta Joaquim
Cardoso (poeta e matemático) – Leia, no texto abaixo, a presença do Rio
Capibaribe na obra do autor:
II
Paisagem
do Capibaribe
Entre
a paisagem
o
rio fluía
como
uma espada de líquido espesso.
Como
um cão
humilde
e espesso.
Entre
a paisagem
(fluía)
de
homens plantados na lama;
de
casas de lama
plantadas
em ilhas
coaguladas
na lama;
paisagem
de anfíbios
de
lama e lama.
Como
rio
aqueles
homens
são
como cães sem plumas
(um
cão sem plumas
é
mais
que
um cão saqueado;
é
mais
que
um cão assassinado.
Um
cão sem plumas
é
quando uma árvore sem voz.
É
quando de um pássaro
suas
raízes no ar.
É
quando a alguma coisa
roem
tão fundo
até
o que não tem).
O
rio sabia
daqueles
homens sem plumas.
Sabia
de
suas barbas expostas,
de
seu doloroso cabelo
de
camarão e estopa.
Ele
sabia também
dos
grandes galpões na beira do cais
(onde
tudo
é
uma imensa porta
sem
portas)
escancarados
aos
horizontes que cheiram a gasolina.
E
sabia
da
magra cidade de rolha,
onde
homens ossudos,
onde
pontes, sobrados ossudos,
onde
pontes, sobrados ossudos
(vão
todos
vestidos
de brim)
secam
até
sua mais funda caliça.
Mas
ele conhecia melhor
os
homens sem pluma.
Estes
secam
ainda
mais além
de
sua caliça extrema;
ainda
mais além
de
sua palha;
mais
além
da
palha de seu chapéu;
mais
além
até
da
camisa que não tem;
muito
mais além do nome
mesmo
escrito na folha
do
papel mais seco.
Porque
é na água do rio
que
eles se perdem
(lentamente
e
sem dente).
Ali
se perdem
(Como
uma agulha não se perde).
Ali
se perdem
(como
um relógio não se quebra).
O CÃO SEM PLUMAS – poema
desenvolvido em prosa discursiva”. Divisão; I – Paisagem do Capibaribe; II – Paisagem do Capibaribe; III – Fábula
do Capibaribe; IV – Discurso do Capibaribe). O Cão Sem Plumas foi escrito em Barcelona, Espanha. Esse
longo poema iniciou um ciclo na obra de João Cabral, em que o poeta
explicitou sua preocupação com a realidade pernambucana: ele buscou, em
meio a uma atmosfera mineral, um homem vivo. A ênfase sociológica desse poema
marcará produção seguintes como O Rio e Morte e Vida Severina.
Não
podemos esquecer que para o ‘poeta-engenheiro’ João Cabral a construção de
texto é fruto de um trabalho lúcido, demorado e paciente e os problemas sociais
do Nordeste entram como temas de forma equilibrada, reflexos de sua experiência
de nordestino.
Em
AUTO DO FRADE (1984),
enveredou pela poesia de base histórica e falou do percurso trágico de frei
Caneca, (o último dia do frei) homem condenado à morte em 1825 por
ter participado da CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR, por ter passado um mundo
justo, uma sociedade futura. À semelhança de Severino (um retirante às avessas)
Caneca, em seu trajeto, descortina nova vida e por isso vai morrer.
Há,
na poética cabralina, algumas imagens recorrentes tais como: a pedra
(a didática da pedra, forma de se falar da realidade dura, áspera do
homem, sobretudo nordestino), a paisagem mineral, o deserto, a areia do
deserto (a folha em branco, a paisagem esterilizada pelo Sol), o “pomar
às avessas”, as “raízes aéreas” (sem vínculos, sem passado –
tentativa de livrar-se da subjetividade, das lembranças.), o tear (a máquina do
poema, as palavras concretas “tecidas e destecidas” à maneira de fios, de
“tramas complicadas” e que provocam surpresas.); a Cidade Solar de Frei
Caneca (símbolo da ordem social almejada); o papel praia, a brancura crítica.
Cabral
estreou com a obra PEDRA DO SONO
(1942), poemas curtos com versos regulares e brancos. O título dessa obra já se
revela antitético: a pedra – a dureza, o trabalho racional, o
intelectualismo; o SONO, a dimensão surreal, a imaginação,o
inconsciente. Cabral usou do método surrealista para escrever e não da ‘escola
surrealista’. Lançou mão das ‘sugestões oníricas’ à maneira de Murilo Mendes
e da ‘estilística da repetição de Carlos Drummond’.
A
construção do texto de forma mais rigorosa, geométrica, a palavra exata,
precisa que corta como uma faca (a faca só lâmina) se firma em O Engenheiro (1945), obra em que se
percebe a supremacia do pensamento, da razão, a linguagem pensada e pesada
segundo critérios de rigor formal e precisão de significado. Cabral se apropria
das habilidades do tecelão, da bailadora Andaluza, do toureiro, do cantador de
flamenco, do ferrageiro e de vários poetas, pintores e escultores
construtivistas. É o projetista destinado a inscrever a sua prática numa visão
clara e precisa do objeto a construir, a geometria como modelo de linguagem, as
técnicas do projetista armado de visão crítica:
“A luz, o sol, o
ar livre
envolvem
o sonho do engenheiro.
O
engenheiro sonha coisas claras:
superfícies,
tênis, um copo de água.
o
lápis, o esquadro, o papel;
o
desenho, o projeto, o número:
o
engenheiro pensa o mundo justo,
mundo
que nenhum véu encobre.”
(O engenheiro – J.C.M.N.)
Veja
que, além da preocupação formal, tem-se o reconhecimento da coletividade: “o
mundo justo” sonhado pelo engenheiro.
Em
PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO
(1947), levou o sentido lógico de O
Engenheiro às últimas consequências,
primou pela geometria da composição, expôs significados no espaço textual, deu
à matéria a aritmética do metal, o objetivismo.
A Psicologia será o reforço do
rigor formal: “Esta folha branca / me proscreve o sonho, / me incita ao verso /
nítido e preciso.” Nos textos dessa obra, o autor procura livrar-se de
tudo que comprometa seu trabalho de nitidez, precisão tais como: o lado onírico
(sonho), a inspiração, o acaso, o improviso, a fuga, a subjetividade, o casual:
“Não
a forma encontrada
como
uma concha, perdida
nos
frouxos areais
como
cabelos;
(...)
mas
a forma atingida
como
a ponta do novelo
que
a atenção, lenta,
desenrola,
aranha;
como o mais extremo
desse
fio frágil, que se rompe
ao
peso, sempre, das mãos
enormes.”
Veja
o repúdio à retórica do ‘gorduroso’, do ‘encharcamento’, e a opção pelo
despojamento do “poeta de SIMETRIAS”.
Em
1954, escreveu O Rio, poema
geográfico. O Rio (Capibaribe)
conta tudo o que vai vendo desde seu nascimento até continuar pelo mar, ao
chegar no porto do Recife onde se junta a outros rios.
Seu
trabalho mais popular é o poema dramático.
Morte e Vida Severina (1956), auto de Natal do folclore pernambucano.
“Trata-se de uma peça destinada ao povo, daí o verso popular típico dos
romances e romanceiros”.
Cabral conta
a história de Severino (um retirante à avessas) personagem-protagonista
desde a retirada do sertão até chegar ao Recife. Diz todos os problemas
econômico-sociais enfrentados por Severino e pelos outros nordestinos com que
Severino se depara. Severino assim como Frei Caneca é a
coletividade, é o fazer e o agir, unificados na solidariedade da consciência
com o mundo. Em sua viagem (trajeto), Severino descortina uma nova vida e
representa o retirante nordestino cujo sofrimento adensa a percepção da vida.
Eis o segundo movimento da obra: a vida – (morte = trajeto x vida
= capacidade de mudar as situações.)
NOTA:
Atente para o nome SEVERINO que lembra severo (adjetivo): vida
severa, vida severina. Morte desenganos, fome, miséria se misturam à luz,
nascimento, ao espetáculo da vida.
–
Severino retirante,
deixe
agora que lhe diga:
eu
não sei bem a resposta
da
pergunta que fazia,
se
não vale mais saltar
fora
da ponte e da vida;
nem
conheço essa resposta,
se
quer mesmo que lhe diga;
é
difícil defender,
só
com palavras, a vida,
ainda
mais quando ela é
esta
que vê, severina;
mas
se não responder não pude
à
pergunta que fazia,
ela,
a vida, a respondeu
com
sua presença viva.
E
não há melhor resposta
que
o espetáculo da vida:
vê-la
desfiar seu fio,
que
também se chama vida,
ver
a fábrica que ela mesma,
teimosamente,
se fabrica,
vê-la
brotar como há pouco
em
nova vida explodida;
mesmo
quando é assim pequena
a
explosão, como a ocorrida;
mesmo
quando é uma explosão
como
a de há pouco, frazina;
mesmo
quando é a explosão
de
uma vida Severina.
Em
1955, escreveu UMA FACA SÓ LÂMINA:
Como estrutura de livro, A
Educação Pela Pedra é a obra mais tensa. Como verso é UMA FACA SÓ LÂMINA. “Cabral fala da
vantagem de se viver com uma ideia fixa seja ela política ou o amor de uma
mulher. Para ele é assim que se adquire lucidez, criatividade. Uma faca só
lâmina é um poema sobre a obsessão concreta.
Com
DOIS PARLAMENTOS (1958-1960)
preocupou-se com a estruturação da obra (estrofação e métrica). Na primeira
parte, fala do problema da seca – Um grupo de senadores sulistas dirigem-se ao
polígono das secas. Na segunda, quase o mesmo tema, acrescenta Festa na Casa Grande. Com destaque
para o Serial (1959-1961) – 16 poemas de 4 partes, 4 maneiras diferentes
de ver coisas. São poemas em série. O fazer poético mais uma vez é contido e o
poeta tenta ir além do tom lírico, da subjetividade, da musicalidade. Toda
atenção do escritor se volta para o objeto:
“Ao
olho mostra a integridade
de
uma coisa num bloco, um ovo.
Numa
só matéria, unitária,
Maciçamente
ovo, num todo.”
A Educação pela pedra
(1962-1965)
“O
rigor estético, formal já aparece sugerido na imagem da pedra. O livro foi estruturado
num dualismo: 48 poemas, metade deles é dedicado a Pernambuco, a outra metade
não; metade dos poemas tem 24 versos, a outra metade 16; metade dos poemas são
simétricos, os outros, assimétricos; metade associam-se, outra metade
repelem-se...” É a educação, pela pedra, pela lama, pela história sofrida de
Pernambuco.
Em
Museu de Tudo (1966-1974)
Neste
livro, fez de tudo: poemas de circunstâncias, poemas escritos em 52, poemas
sobre um filósofo, poemas sobre a música da Andaluzia, sobre pintores, escritores,
futebol e outros poemas que não conseguiu inserir na arquitetura de nenhuma
obra anterior.
A Escola das Facas
(1975-1980)
O
nome seria Poemas Pernambucanos,
mas o editor achou que não seria comercial. O título A Escola de Facas
veio por imitação ao título da obra de molière A Escola de mulheres.
Nesta
obra, Cabral lembra as coisas da infância e faz uso da 1ª pessoa do singular.
Em
Crime na Calle Relatorn
(1985-1987), aparecem os poemas narrativos, fatos ocorridos com o poeta em
Sevilha, Pernambuco, Inglaterra. A obra apresenta – de certo modo – unidade
formal, mas não em termos de temas. O Recife é a cidade que mais aparece na
obra.
Seu
objetivo é contar histórias, anedotas e boa parte das histórias são
verdadeiras: “Essa história quem me contou foi uma bailarina de flamenco...”
Assim
“O projeto do poeta-engenheiro, inicialmente pensado à luz da claridade
meridiana e desenhado com a ajuda do esquadro e do número, vai se
materializando na palavra mineralizada à superfície da folha de papel, move-se
na discursividade do rio-discurso, metaliza-se no fio da faca só lâmina,
mineraliza-se nas asperezas da pedra e tensiona-se ao extremo na ponta-só-ponta
do punhal de Pajeú.”
Mesmo
sabendo que Cabral fez um corte profundo entre a poesia romântica e moderna,
distanciou-se do “eu-lírico”, do sentimentalismo não podemos esquecer que a
figura feminina, o tema amoroso aparecem embora marcados pelo racionalismo,
pelo equilíbrio.
“Tua sedução é menos
de
mulher do que de casa:
pois
vem de como é por dentro
ou
por detrás da fachada.
Mesmo
quando ela possui
rua
plácida elegância,
esse
teu reboco claro,
riso
franco de varandas,
uma
casa não é nunca
só
para ser contemplada;
melhor:
somente por dentro
é
possível contemplá-la.
Seduz
pelo que é dentro,
ou
será quando se abra:
pelo
que pode ser dentro
de
suas paredes fechadas.”
O Concretismo e as novas possibilidades estéticas
na poesia: A Vanguarda Concretismo:
O
desejo de renovação estética fez surgir, no Brasil, a mais significativa
vanguarda poética após a Semana de Arte Moderna de 1922.
Entre
os anos de 1956 e 1962 ocorreram publicações que exploraram novas formas de
fazer poesia. Era o desejo do novo em meio à civilização industrial e
tecnológica, afinal “sem forma revolucionária, não há arte revolucionária”, pensou
Maiakóvski.
Visou-se,
nesse momento ao despojamento do vocábulo e ao uso, mais racional possível da
palavra – projeto já iniciado pelo pernambucano João Cabral de Melo Neto.
A
essa renovação da linguagem, do uso da palavra e do experimentalismo estético,
chamou-se CONCRETISMO.
Em
1952, formou-se o grupo NOIGANDRES e
ocorreu a publicação de uma revista com o mesmo nome (NOIGANDRES = “antídoto do
tédio”) que divulgou o desejo de novas formas de fazer poesia e a proximidade
da poesia com as artes visuais.
Em
1956, houve, no Museu de Artes Moderna de São Paulo, a primeira mostra da
poesia concreta. Estava lançado oficialmente o movimento da Poesia Concreta.
Muitos apoiaram e outros repudiaram. O grupo Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (grupo noigandres) divulgou a nova tendência na
arte em suplementos de jornais da época que virou depois um livro (Teoria da
Poesia Concreta – 1965).
Leia
os textos a seguir: Observe a ruptura com a estrutura discursiva do verso
tradicional e o renascimento do poema-ícone.
TEXTOS:
se
nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce remorre
renasce
remorre
renasce
remorre
re
re
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nasce
morrenasce
morrenasce
morre
se
(Texto de AUGUSTO DE CAMPOS)
beba coca cola
babe
beba coca
babe cola caco
caco
cola
c l o a c a
(Texto de DÉCIO PIGNATARI)
Os
textos de Décio Pignatari e de Augusto de Campos põem em evidência o desejo dos
poetas concretos nesse momento: a morte da poesia intimista e o desaparecimento
do eu-lírico. Valorizou-se a geometrização e o aspecto visual da linguagem.
Essas novas experiências têm seu alicerce em vanguardas europeias como o
Futurismo e o Cubismo.
Entre
os precusores bresileiros da tendência concretista pode-se apontar Oswald de
Andrade (“em comprimidos minutos de poesia”) e João Cabral de Melo Neto
(“linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso”). Além de Décio
Pignatari e dos irmãos Campos, integraram a corrente concretista José Paulo
Paes, Ronaldo Azevedo, Pedro Xisto, José Lino Grunewald, Edgar Braga.
1.
Característica
da Poesia Concreta
¨
Exploração de todas as potencialidades das
palavras e das combinações sintáticas.
¨
Ruptura com a leitura linear (cada poema é um
convite a um novo tipo de leitura) – LUDISMO.
¨
Aproveitamento das conquistas modernistas de
1922 (as experiências radicais de Oswald de Andrade).
¨
Objeção ao subjetivismo formalista e o ideário
classicizante.
¨
Influência da civilização industrial e
tecnológica. Reflexo dos meios de comunicação de massa (quadrinhos, por
exemplo).
¨
Preferência por estruturas nominais que se
relacionam espacialmente (horizontal e/ou verticalmente).
¨
Substituição da sintaxe verbal pela sintexe analógico-visual
(visão, audição, carga semântica).
¨
Valorização do significante (a palavra).
¨
Exploram-se os campos.
a)
Semântico:
possemia, trocadilhos.
b)
Sintático:
ruptura com a sintaxe tradicional.
c)
Léxico:
neologismos, estrageirismos, siglas, substantivos concretos.
d)
Morfológicos:
separações dos prefixos, dos radicais, dos sufixos.
e)
Fonético: uso
de figuras de som; jogos sonoros.
f)
Topográfico:
abolição do verso tradicional, aproveitamento dos espaços brancos, ausência dos
sinais de pontuação. (Explora-se uma sintaxe
mais gráfica).
1.1
Poesia
– Práxis
Em consequência de uma dissonância no grupo
concretista, em fins dos anos 50, surge uma nova tendência de vanguarda: A
POESIA-PRÁXIS. Entretanto só em 1961 aparece seu Manifesto Didático, assinado pelo poeta-mor Mário
Chamie.
Para os poetas desse momento “a palavra é uma
célula dos discursos”. O texto – práxis
valoriza a palavra no contexto extralinguístico. A palavra se
caracteriza pela periodicidade e repetição cujo sentido e dicção mudam, segundo
sua posição no texto.
FORÇA NA FORÇA
A palavra na boca
Na boca a palavra: força
A forca da
palavra força
A palavra rolha fofa
A rolha sem força
a palavra em folha rolha
na força da palavra forca
a palavra de boca em boca
na boca a palavra forca
a palavra e sua força
falar na era da forca
calar na era da força
na era de falar a forca
a era de
calar a boca
na era de calar a boca
a era de
falar à força
calar a força da boca com a força
falar a boca da força com a força
calar falar a palavra
não na ira da era ida
falar calar a palavra
nesta ira de era viva
calar a palavra na era ida da ira
falar a palavra na viva era da vida
mas a forca da palavra força
: um cedilha em sua boca
(Mário Chamie: Objeto Selvagem)
Vale
destacar, com base no texto, que Chamie desenvolveu seu trabalho explorando as
permutações fonéticas e as variações semânticas possíveis de algumas palavras:
falar – calar; era – ira.
Agiotagem
um
dois
três
o juro: o prazo
o pôr / o centro / o mês / o ágio
porcentágio.
dez
cem
mil
o lucro: o dízimo
o ágio / a moral / a monta em péssimo
empréstimo.
muito
nada
tudo
a quebra: a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota
haja nota
agiota.
(Mário Chamie)
1.2 Poema - Processo
O
poema – processo também proveio da poesia concreta. Apareceu em fins de 1967,
no Rio de Janeiro e seu maior representante foi
Wladimir Dias-Pino. Entra-se na área dos signos visuais plásticos
`´a procura de novas experiências”. Busca-se a superação da palavra:”O poema se
faz com oprocesso e não com palavras (...) O poema é físico e tátil em sua
visualização”.
No
poema concreto, é a palavra que é disposta no espaço da página para dar
conformação, a conformação visual ao poema. Nos trabalhos de Dias- Pino, as
palavras são substituídas, no decorrer dos trabalhos, por signos gráficos
(figuras geométricas, perfurações no papel) e ao final os trabalhos ficam sem qualquer palavra.
1.3
A
Poesia Social
Alguns
escritores dos anos 50 e 60 se opuseram aos excessos de teorização e
experimentalismo que caracterizam a poesia modernista desta época e propuseram a volta à estrutura discursiva do
verso. Além da linguagem discursiva, preocuparam-se em trazer par o texto o
dia-a-dia difícil do homem comum, a situação política caótica. Nasce uma arte
que revela a postura do escritor diante da vida.
São escritores desse momento:
Thiago de Melo e principalmente Ferreira Gullar que rompeu com o grupo de
poesia concreta (pouco antes do golpe de 1964) e se voltou para a construção de
(textos mais na linha social). A Guerra Fria, o mundo capitalista, a opressão,
a bomba atômica, o Terceiro Mundo (começaram a incomodar o “poeta maranhense”
que se mudou depois para o Rio de Janeiro. Em 1962 escreveu João da Boa-Morte,
Cabra Marcado para Morrer e Quem Matou Aparecida. Na época da ditadura militar,
sua poesia ganhou ainda mais resistência. Nasce Dentro da Noite Veloz (1975) e
Poema Sujo (1976).Produziu ainda na linha da dramaturgia e dos ensaios. No
teatro, destacou-se com a pela Se correr
o bicho pega, se ficar o bicho come. Com Vanguarda e Subdesenvolvimento (1969) fez um ensaio
sobre sociologia da arte e em 1963 a linha do ensaio já se fazia notar com CULTURA POSTA EM QUESTÃO. Em seus
ensaios, Gullar teorizou sobre a participação do artista no processo de
evolução social. Tem também roteiros para a televisão com o objetivo de manter
viva sua poesia de resistência. Repugnando a repressão e ávido por justiça
carregou nas tintas e fez uma obra de tensão psíquica e ideológica. Um trabalho
de denúncia dos problemas da época. Viveu, exprimiu e experimentou as angústias
de uma crise cultural, evidenciou em seu lirismo trágico e subversivo os
problemas do homem, conduziu a manifestação poética para além de quaisquer
limites. O poeta do mundo em suas muitas vozes trouxe ainda para a tessitura
textual a sua infância, os seus parentes e conhecidos, o cotidiano da velha São
Luís do Maranhão.
Sua
poética, no dizer de Ivan Junqueira “está marcada, desde o início por um
intenso e radiante cromatismo, por uma viva preocupação plástico-visual.”
Apesar
do envolvimento político-social, manteve-se autêntico para falar de suas
lembranças “sujas”, de um momento gravado a “ferro e fogo” em sua alma de poeta
universal em sua peculiaridade, em sua habilidade em tornar lírico o cotidiano
dos homens comuns.
A
VIDA BATE
O
amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A
cidade. Visto do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o
refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém
Mas
vista
de
perto,
revela
o seu túrbido presente, sua
carnadura
de pânico: as
pessoas
que vão e vêm
que
entram e saem, que passam
sem
rir sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano
movido
a juros.
São
pessoas que passam sem falar
e
estão cheia de vozes
e
ruínas. És Antônio?
És
Francisco? És Mariana?
Onde
escondeste o verde
Clarão
dos dias? Onde
escondeste
a vida
que em
teu olhar se apaga mal se acende?
E
passamos
carregados
de flores sufocadas.
Mas,
dentro, no coração,
eu
sei,
a vida
bate. Subterraneamente,
a vida
bate
Em
Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as
penas da lei,
em teu
pulso.
a vida bate
E é
essa clandestina esperança
misturada
ao sal do mar
que
sustenta
esta
tarde
debruçado
à janela de meu quarto em Ipanema
na
América Latina.
(Gullar,
em Dentro da Noite Veloz)
2. TROPICALISMO
Na década de 60 (1960) ocorreram vários
festivais de MPB. Jovens dessa época preocuparam-se em expor uma linguagem
verbal e musical bem diferente. Queriam romper a tradição (Chico Buarque) e
protestar (Geraldo Vandré).
O tropicalismo foi um movimento
artístico-cultural que nasceu com os jovens Caetano Veloso, Gilberto Gil, o
grupo Mutantes e Tom Zé.
Admiradores das inovações musicais do
movimento Bossa Nova (encabeçado por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de
Moraes) e movidos pelo desejo de devorar as várias tendências culturais nascido
com a antropofagia de Oswald de
Andrade. Os artistas partiram para a construção de uma música que fundisse os
Beatles (e suas guitarras elétricas), a Bossa Nova e o regionalismo de Luís
Gonzaga: as guitarras incorporadas à música brasileira e o afã de deglutir
diversas tendências musicais, culturais.
Aproximar os aspectos contraditórios de
nossa realidade: o lado cultura, civilização x o lado primitivo, o popular com
o erudito. Eis a marca desse movimento cuja base foi uma visão crítica da
cultura e de realidade brasileira num momento de ditadura militar, de Al-5, de
presos políticos e exílios.
Texto: TROPICÁLIA (Caetano Veloso)
“Sobre a cabeça os aviões/ sob os meus pés os
caminhões/ aponta contra os chapadões
meu nariz /eu organizo o
movimento/ eu oriento o carnaval/ eu inauguro o monumento /no planalto central
do país/ viva a bossa sa as/
viva a palhoça ça ça ça/ o monumento é de papel crepom e prata
os olhos verdes da mulata/ a
cabeleira esconde atrás da verde mata o luar/ do sertão/ o monumento não tem
porta/ a entrada é uma rua antiga estreita e torta/ e no joelho uma criança
sorridente feia e morta/ estende a mão/ no pátio interno há uma piscina/ com
água azul de amarralina/ coqueiro fala e brisa nordestina/ e faróis/ na mão
direita tem uma roseira/ autenticando eterna primavera/ e nos jardins os urubus
passeiam a tarde inteira/ entre os girassóis/ viva maria ia ia/ viva a bah ia
ia iá iá ia/ nopulso esquerdo o bang-bang/ em suas veias corre muito pouco
sangue/ mas seu coração balança ao som de um tambor/ emite acordes dissonantes/
pelos cinco mil alto-falantes/ senhoras e senhores ele põe os olhos grandes
sobre mim/ viva iracema ma ma/ viva
ipanema ma ma ma ma/ Domingo é o fino da bossa/ Segundo-feira está na fossa/
Terça-feira vai à roça/ porém/ o monumento é bem moderno/ não disse nada do
modelo do meu terno/ que tudo mais vá pro inferno/ meu bem/ viva a banda da da/
carmem miranda da da da da” (Caetano Veloso)
ARIANO
SUASSUNA
O criativo e polêmico mestre das Letras no Nordeste.
“Eu
vi a Morte, a moça Caetana,/ com o manto negro, rubro e amarelo./Vi o inocente
olhar, puro e perverso,/ e os dentes da Coral da desumana// Eu vi o Estrago, o
bote, o ardor cruel(...) Ela virá, a Mulher aflando as asas,/ com os dentes de
cristal, feitos de brasas(...) só assim verei a coroa da Chama e Deus, meu
Rei,/ assentado em seu trono do Sertão”. Ariano
Suassuna (Sonetos: “A Moça Caetana” e “A Morte”)
Uma análise da obra teatral de
Ariano Suassuna nos fez mergulhar nas nossas origens culturais. Num recuo
positivo em direção às sucessivas fontes que nos fizeram quem somos hoje: misto
de regional e universal.
Os
primeiros colonizadores trouxeram para cá a cultura europeia, transmitida
oralmente. Assimilada pelos nordestinos, desenvolveram-se as influências
ibéricas e mediterrâneas. Lançou o Movimento Armorial (cultura ibérica+africana+indígena= cultura brasileira)
Uma
das influências que Ariano sofreu foi a dos escritores Gil Vicente, português, e do espanhol Calderón, ambos homens de teatro na época das grandes descobertas.
Suassuna pratica o entrecruzamento de textos, adaptando várias obras populares
(do cordel ao teatro europeu) ao seu modo. Conserva a língua popular, mas, com
grafia e correção gramatical eruditas. Prepara o espectador para uma moral
conforme o cristianismo. É muito comum em suas peças a cena de um “juízo final”
(juiz-acusador-defensor-réu).
Além
de usar textos alheios, recriando-os, Ariano pratica a intertextualidade,
refazendo cenas de suas peças (exemplo: “O auto da Compadecida”) e
enxertando-os em outras (em “A pena e a lei”).
Suas
fontes vão de Shakespeare até a
Bíblia. A intertextualidade (“comunicação entre texto”) era prática comum desde
a Idade Média. Ariano a mantém, utilizando o cordel, o bumba-meu-boi, o
mamulengo e também mistura o popular ao erudito (Cervantes, Moliére), fazendo tudo às claras, muito bem explicado em
prefácio, palestras e aulas.
PEÇAS
PRINCIPAIS:
O
AUTO DA COMPADECIDA
(1955): Como sabemos, um “AUTO” é o teatro medieval de alegorias
(pecado, virtude, etc.) Personagens como santos, demônios. É um teatro de
construção simples, ingenuidade na linguagem, caracterização exacerbada e
intenção moralizante, podendo conter o cômico. Para escrever esta peça,
Suassuna baseou-se em folhetos populares – primeiro e segundo atos baseiam-se
em, respectivamente, “O Enterro do Cachorro” e “ A História do Cavalo que
defecava dinheiro”, textos de Leandro Gomes. O terceiro ato é uma mistura de “O
castigo da sabedoria”, de Anselmo Vieira e “A peleja da alma”, de Silvino
Pirauá Lima. A invocação de João Grilo à Maria e o nome “Compadecida” também
são inspirados em textos populares. João Grilo é o herói picaresco, passou fome
e mente para ganhar o que quer, seu amigo Chicó também é mentiroso. A
infidelidade da mulher do padeiro, a mesquinhez deste, o anteclericalismo e o
cangaço são analisados por Suassuna num julgamento
presidido por Maria, Jesus (negro) e atiçado
por uma figura diabólica. No final, João Grilo volta à vida depois de morto.
A
FARSA DA BOA PREGUIÇA(1955):
Escrita em versos livres, tem trechos cantados. Cita a Bíblia e Camões, poeta
da Renascença portuguesa. Cada ato tem uma certa independência um do outro (“O
peru do cão coxo”, “A cabra do cão caolho” e “O rico avarento”). A inspiração
de Suassuna desta vez recai sobre a arte do mamulengo, teatro de bonecos do
Nordeste, com suas pancadarias e mestres, sua trama simples, como por exemplo,
o patrão sempre é culpado. A história do diabo que quer levar uma mulher e um
homem para o inferno. A exploração do homem pelo homem. A falta de caridade, a
preguiça, a prova imposta à mulher, a vitória, seres celestiais disfarçados de
pedintes e seres infernais oferecendo o pecado são temas que mais uma vez nos
remetem à referida simplicidade medieval que apontamos no início deste estudo.
O
CASAMENTO SUSPEITOSO (1957): É uma comédia de costumes. Trata
do tema casamento por dinheiro. A ação se passa na casa da matriarca de uma
família, dona Guida. Travestimentos, cenas de pancadaria e sátira aos membros
da igreja e da justiça compõem esta pela Canção (figura tomada emprestada do
bumba-meu-boi) é o empregado esperto e também faz lembrar alguns personagens
das comédias de Molière (autor de comédias, francês).
O
SANTO E A PORCA (1957), o
casamento da filha de um avarento. O “santo” em questão é Santo Antônio e a
“porca” é um cofrinho, símbolo do acúmulo de dinheiro (tão protetor quanto o
santo).
A
PENA E A LEI (1959): Aqui
Suassuna reaproveitou cenas de seus textos “Torturas de um Coração” e da
“Compadecida”, numa encenação que vai do boneco irresponsável ao ser humano pleno
diante de Deus (Benedito, Mateus, Cheiroso e Cheirosa intensificam o cômico). A
peça diverte mas também analisa as questões sociais: trabalho na usina,
reivindicações dos trabalhadores,
companhias estrangeiras, fome, prostituição em cenas curtas e de muita
movimentação. A preocupação com a moral está sempre presente e o trágico é
diluído pelo cômico. São personagens estereotipados. Suassuna também se utiliza
das cantorias nordestinas.
RESUMINDO: a
comédia da antiguidade, o teatro religioso, a arte popular do Nordeste e seus
folguedos são as salutares influências deste mestre das letras que é o
paraibano Ariano Suassuna, Ex-aluno do Colégio Americano Batista do Recife (dos
10 anos 15 anos, uma fase de sua vida que sempre recorda com saudade),
professor de Filosofia, foi secretário
de cultura do governo Arraes e que também é autor de três romances: Fernando
e Isaura (sobre um amor impossível”,) Romance d’A pedra do Reino e o
Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. (Ed. José Olympio.RJ.1970), sobre um
poeta que na década de 230 sonha em escrever um épico nordestino e acaba preso
como comunista e História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao sold a onça
Caetana, suas lembranças de infância e do pai, mescladas num sertão
mítico.
Ariano
é fundador do MOVIMENTO ARMORIAL reafirmando no nordeste a influência ibérica,
africana e indígena.
A
musicalidade dos textos de Ariano é agreste. Sua poesia rebrilha à luz ardente
do Nordeste.
“Não faço distinção entre a
cultura popular e erudita. A cultura brasileira, a cultura popular brasileira,
não está ameaçada. Ela é resistente. Estão tentando matá-la, mas não
conseguirão”, diz Ariano e nos convida ao deleite com pérolas
do cancioneiro ibérico, a arquitetura africana, as cores da África, textos de
José de Alencar, de Aluízio Azevedo. E é no Romanceiro popular que Ariano mais
se inspira. Nas novelas de cavalaria, nos amores incríveis, nos heróis
picarescos (zombeteiros) que permeiam as histórias que o povo conhece. Ele
chega a usar um mesmo texto várias vezes como base para sua recriação. “A novela da Renascença é picaresca. O
personagem principal é a Fome”. Emigra para o Brasil e herói pícaro
ibérico, o astucioso que difere do opressor que é o lado ruim. Ao comentar o
Brasil antes de Cabral, Ariano reafirma nossa cultura milenar: “Existia teatro
indígena antes da chegada dos jesuítas. É absurdo centralizar a origem do
teatro. O teatro japonês não nasceu na Grécia. Tem outra origem. O teatro
indígena é um teatro de máscaras e excelentes figurinos e enredos fascinantes
que envolvem sua religiosidade. Eu queria que um cineasta brasileiro fizesse
com este tipo de teatro brasileiro o cineasta japonês Kurosawa fez com o antigo teatro japonês, o teatro Nô e com o
Kabuki. Injustiça social não é base para a arte popular. Ela também não é
primitiva. Os violeiros vêem televisão, os artistas populares transformam as
informações universais em linguagem com temática local. Temos que fortalecer
nossa cultura”. Para isso, Ariano usa seus conhecimentos de Filosofia, História
e Literatura, trabalhando o belo de forma dialética, unindo-o ao cômico
misturando o espírito intelectual com a esperança no homem, fundindo nossa
herança barroca com um espírito neoclássico.
Análise do Romance d’A Pedra do Reino (1970): Ariano recheia seu
livro “Romance d’A Pedra do Reino” com humor malicioso e exibe sua perícia na
selva das palavras. Mistura nobres e pobres num processo criativo ímpar. Os
colonizadores do Brasil aparecem como bravos que tiveram coragem de matar para
estabelecer novos rumos. Ariano traz para a narrativa suas experiências com o
teatro e a poesia, brinca com a metalinguagem, expõe os “mistérios” da criação.
O tema central do romance são as artimanhas de Quaderna e a trágica história
dos seus antepassados na cidade de São
José do Belmonte, interior de Pernambuco.
Ariano, através da narração em primeira pessoa (Quaderna), descreve
paisagens e situações alucinantes, reinventa a cronologia, adapta fatos
históricos à sua ficção (a magia das grandes navegações, as cruzadas, os
romances de cavalaria, as revoluções. Se Alencar foi exuberante mas não ousou
exibir um herói picaresco, Ariano, com seu Regionalismo natural, busca as
interseções entre o popular e o erudito, misturando a poética aristotélica com
Romantismo e buscando o êxtase criativo num realismo que alguns intelectuais
rotulam de mágico, fantástico. O encatatório, o mítico, o exótico vão
delineando o espaço criativo que traça o painel do sonho de uma monarquia de
esquerda, sonho que Ariano alimentou durante algum tempo. Obcecado em criar uma
epopeia nordestina, o narrador torna-se cômico e o recurso Deus ex machina
(sobrenatural) surge para resolver as inquietações da alma que perturbam a raça
humana. Outro mito recorrente é o sebastianismo.
Podemos
até arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que
recusa a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa
espécie de circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido, de dignidade,
num emaranhado de “causos” alinhados por uma escrita competente que se utiliza
do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo,
transforma o interior de Pernambuco numa esspécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo, à
lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo
Corregador) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado
histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a
linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa
central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento
de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares
(cordel e emboladores) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes,
Quaderna busca a imortalidade através da Literatura, quer ser fidalgo. Quer
louvar sua estirpe. Tenta reinventar Homero,
a sua Odisseia é através do Atlântico nordestino e sua ilíada tem como
palco o sertão, ali está a Onça Caetana ( a morte, a vida, o amor, a
nacionalidade). Seres fantáscisoc pululam ao lado de personagens estilizados
numa narrativa explosiva recheada de situações absurdas. (MOISÉS NETO in Estudos Literários)
DIAS GOMES
Uma visão do social no teatro
e na novelística do Brasil. Nasceu em Salvador em 1922 e faleceu num
trágico acidente automobilístico ocorrido em São Paulo no final dos anos 90.
Teatro “Pé de Cabra”. “Amanhã Será Outro Dia”, “Doutor Ninguém” e “Zeca Diabo”.
“O Pagador de Promessas” (marco da dramaturgia nacional), peça que se
transformou em filme e venceu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. O
Santo Inquérito, “A Revolução dos Beatos”, O Berço do Herói, “A invasão”, “Meu Reino por um Cavalo” e outras
pelas, sempre com temática em defesa da justiça social e contra a opressão.
Para a TV escreveu, dentre outras novelas, “O Bem-Amado” (1973), “Saramandaia”
(1975) e a censurada versão original de
“Roque Santeiro” (1976). “O Santo
Inquérito”: História de Branca Dias, torturada e morta pela santa
inquisição na Paraíba, por ansiar a liberdade terminou na fogueira: “Há um mínimo de dignidade que não se pode
negociar”, diz a mártir.
Dias
Gomes o autor da temática de problemas sociais e humanos, do questionamento da
sociedade, da solidariedade com os despossuídos e discriminados, da escrita
despida de artifícios, da transmutação da língua falada, viva e criativa. Gomes
quis mostrar as várias faces de nosso país,
um país em crise, porém não o faz com amargura ou ceticismo, mas como
alguém que consegue enxergar uma saída. Assim Jorge Amado se referiu ao
escritor Dias Gomes: “Sois da guerra,
vossa vida é uma/ sucessão de
combate, mas vossas/ armas foram a
escrita e a imaginação,/ e a causa
pela qual lutastes é a/ paz e a
felicidade do homem sobre a terra.”
Alguns
autores contemporâneos também
merecem especial destaque. São eles:
Luzilá
Gonçalves Ferreira (autora, dentre outros romances, de OS RIOS TURVOS, romance sobre o autor do poema épico que deu início
à nossa literatura barroca, Bento Teixeira e sua esposa Felipa Raposa) Dona de
uma linguagem poética e pesquisadora da voz feminina através da história de
Pernambuco.
Raimundo
Carrero (autor, dentre outros do
romance SOMBRA SEVERA, sobre dois
irmãos Abel e Judas, ligados um ao outro pelo laço de uma estranha mulher).
Clima psicológico tenso mesclado a um peculiar Naturalismo e laivos armoriais
em suas raízes mais distantes.
Lygia
Fagundes Teles (autora, dentre outros livros, da coletânea de contos A ESTRUTURA DA BOLHA DE SABÃO). Paulista que escreve num clima meio Clarice
Lispector.
Joaquim
Cardozo. Poeta e dramaturgo
pernambucano (autor dentre outras da peça O
CAPATAZ DE SALEMA). Poesia simbolista, metafísica, experimental. Joaquim é
terno e profundamente impregnado de um lirismo que reflete sua alma recifense e
ao mesmo tempo simplesmente cósmica. Foi engenheiro de Niemeyer na construção
de Brasília e estabeleceu sem querer vínculos concretistas.
Osman Lins.
Romancista, contista e dramaturgo pernambucano sua obra é marcada pelo cálculo
formal e enigmático. Seus personagens transitam em universo não tão
simples pois veste-se da dúvida e do
esquecimento. São romances como o genial Avalovara.
Autor da comédia Lisbela e o Prisioneiro.
Escreveu os contos de Os Gestos e Nove, Novena, fundamentais para a
compreensão da sua obra.
Há
muitos outros grandes escritores pernambucanos, como Hermilo Borba Filho, Mauro
Mota, Ascenso Ferreira, dentre vários, que estudo no meu livro Anticânone,
Literatura em Pernambuco a partir do século XX.
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