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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Parte 3 Literatura Brasileira Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto




Parte 3 Literatura Brasileira
Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto

Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto, Moisés Neto




2ª geração Modernista. PROSA

·           JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
(Areia – PB, 1887 1980)

Formou-se em Direito, ligou-se ao grupo Regionalista do Recife com José Lins, Gilberto Freyre e Olívio Montenegro. Estreou em 1928 com A BAGACEIRA. Sua linguagem é enxuta, usa períodos curtos.
A Bagaceira é um romance que trata de gente pobre, vítima dos flagelos da seca. Narra-se, no romance, a incompatibilidade social existente entre sertanejos, que habitam o interior do nordeste, e brejeiros, que habitam o litoral. O romance se passa entre 1898 e 1915, dois períodos de seca.

·           JOSÉ LINS DO REGO – Um menino de engenho na cidade. Dos prosadores da Segunda Fase do Modernismo, José Lins do Rego (1901-1957) é o que mais revela, em suas obras, reminiscências de infância e adolescência, passadas no engenho do avô na Paraíba).

Nasceu no engenho Corredor, município de Pilar (PB), filho de uma família patriarcal nordestina. Assistiu à ascensão e à decadência de um tempo: o engenho de cana-de-açúcar e a chegada das usinas provocando mudanças socioeconômicas.
Passou a infância no engenho do avô materno, fato presente em sua obra que tem muito de memorialista. Conviveu com o sistema patriarcal, escravocrata e latifundiário – De um lado, a fatura nas casas dos senhores de engenho, a vida de regalias e promiscuidade; do outro, a miséria nas senzalas, a subserviência – com os moleques do engenho.
Sua obra – cujo cenário é a zona da Mata nordestina – está dividida em fases;

·                      1ª CICLO DA CANA-DE-AÇÚCAR (Menino de Engenho, Banguê, Usina e Fogo Morto) – Põe em destaque uma nova ordem econômica.

·                      2ª CICLO DO CANGAÇO, DO MITICISMO e DA SECA (Pedra Bonita, Os Cangaceiros)

·                      3ª Obras independentes
(O moleque Ricardo, Pureza, Riacho Doce, Água Mãe, Eurídice).

·                      Moleque Ricardo é a obra mais política do autor. Ricardo passa de moleque e serviçal de engenho a proletário.

Resgatou, em seus textos, o imaginário do homem nordestino, seu modo de viver e falar (linguagem de forte e poética oralidade), suas crendices. Pôs neles grande carga afetiva. Menino de engenho, por exemplo, fez com intenção de escrever a biografia do avô, o coronel José Paulino. Em sua mente, estavam fortes as cenas da infância. Temos assim uma produção (ciclo da cana-de-açúcar) que mistura memória e ficção. O livro puramente biografado do autor é Meus Verdes Anos. Sua narrativa teve inspiração na arte dos cantadores de feira, como afirma o autor.
“(...) quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memória, com o jeito (...) dos cegos poetas (...) gosto que me chamem de telúrico...”

José Lins foi, desse modo, um contador de histórias cuja atividade literária provém de forças que dizem do puro instinto. Sua linguagem é simples, popular, mais com bastante força para fazer irromper a vida nordestina, a paisagem e o elemento humano. A visão nostálgica é a marca dos romances do ciclo da cana-de-açúcar. Já o inconformismo social, a crítica contundente contra as injustiças e uma profunda tristeza aparecem em Fogo Morto, obra mais trabalhada do autor, em que exibe a dura realidade de uma estrutura social em plena decadência. Esta obra está dividida em três partes onde exibe um quadro da zona açucareira.

1ª parte – “O mestre José Amaro”.
              TEMA – A vida de um seleiro pobre, trabalhador, sua mulher e a filha louca. Recebe ordem de Lula de Holanda para abandonar o engenho.

2ª parte – “O engenho do seu Lula”.
TEMA – ascensão, apogeu e decadência do engenho Santa Fé. Exibe-se a autoridade de um coronel rico e poderoso.

3ª parte – “O capitão Vitorino”, conhecido como o Coronel Papa-Rabo, espécie de Dom Quixote nacional.
TEMA – luta contra as injustiças, acredita no direito.
“Vitorino levanta sua voz na época (ditadura) em que ninguém se atrevia a falar, face à censurua do Estado Novo.”

Leia, agora, o fragmento que selecionamos:

Seu Lula

Seu Lula já estava velho. D. Amélia era aquela criatura sumida, mas sempre com seu ar de nona, Neném uma moça que não se casava, D. Olívia falando, as mesmas coisas. Esta era  a casa-grande do Santa Fé.
A carruagem rompia as estradas com o povo mais triste da Várzea indo para a missa do Pilar, para as novenas, arrastadas por cavalos que não eram mais nem a sombra dos dois ruços do Capitão Tomás. A barba de seu Lula era toda branca, e as safras de açúcar e de algodão minguavam de ano para ano. As várzeas cobriam-se de grama, de mata-pasto, os altos cresciam em capoeira. Seu Lula, porém, não devia, não tomava dinheiro em prestado. Todas as aparências de senhor de engenho eram mantidas com dignidade. Diziam que todos os anos ia ele ao Recife trocar as moedas de ouro que o velho Tomás deixara enterradas. A cozinha da casa-grande só tinha uma negra para cozinhar. E enquanto na várzea não havia mais engenho de bestas, o Santa Fé continuava com suas almanjarras. Não botava máquina a vapor.
Nos dias de moagem, nos poucos dias do ano em que as moendas de Seu Lula esmagavam a cana, a vida dos tempos antigos voltava com ar animado, encher tudo de cheiro de mel, de ruído alegre. Tudo era como se fosse uma imitação da realidade. Tudo passava. Na casa de purgar ficava os cinquenta pães de açúcar, ali onde, mais de uma vez, o Capitão Tomás guardara os seus dois mil pães, em caixões, em formas, nas tulhas de mascavo seco ao sol. Apesar de tudo, vivia o Santa Fé. Era engenho vivo, acendia sua fornalha, a sua bagaceira cobria-se de abelhas para chupar os restos de açúcar que as moendas deixavam para os cortiços. O povo que passava pela porta da casa-grande sabia que lá dentro havia um senhor de engenho que se dava ao respeito. Ninguém gostava do velho Lula de Holanda, mas ao vê-lo, com as barbas até o peito, todo de preto, de olhar duro e fala de rompante, todos os respeitavam. Era um homem sério. As histórias com os negros, as suas malvadezas iam ficando de longe, de uma outra época. Havia os que tinham medo, os que falavam de castigo caindo sobre a família que era de uma tristeza de luto fechado. Não parava ninguém para oferecer uma vendagem, para puxar uma conversa, para uma visita. O Santa Fé cobria-se de mistério. Nas festas do Coronel José Paulino, toda a família de Seu Lula chegava no Santa Rosa. Lá ficavam D. Amélia e a filha para um canto, duras como se estivessem em castigo, carregadas de trancelins, de anéis. O Coronel Lula de Holanda pouco conversava, as danças iam até tarde, e não havia rapaz que tivesse coragem de tirar a moça do Santa Fé para dançar. Ficava ela de lado, indiferente à alegria das quadrilhas, como um fantasma, branca, de olhos fundos, de cabelos penteados como velha.
(José Lins do Rego – Fogo Morto)

almanjarra (s.f.): pau a que se atrela o animal em aparelhos rústicos de moagem de cana.
rompante (s.m.): altivez, orgulho.
trancelim (s.m.): trancinha.


TEXTO 2

Este trecho apresenta o capitão Vitorino depois de ter conseguido livrar da cadeia o mestre Amaro, o negro passarinho e o cego Torquato. Apanhara do tenente Maurício, mas conseguira se impor e vencer.

A velha deixou o quarto e saiu para o fundo da casa. Vitorino fechou os olhos, mas estava muito bem acordado com os pensamentos voltados para a vida dos outros. Ele muito tinha que fazer ainda Ele tinha o Pilar para tomar conta, ele tinha o seu eleitorado, os seus adversários. Tudo isso precisava de seus cuidados, da força do seu braço, de seu tino. Lá se fora seu compadre José Amaro, o negro passarinho, o cego Torquato. Todos necessitavam de Vitorino Carneiro da Cunha. Fora à barra do tribunal para arrastá-los da cadeia. Que lhe importava a violência do Tenente Maurício? O que valia era a petição que, com sua letra, com a sua assinatura, botara para a rua três homens inocentes. Ele era homem que não se entregava aos grandes. Que lhe importava a riqueza de José Paulino? Tinha o seu voto e não dava ao primo rico, tinha eleitores que não votavam nas chapas do governo. O governo não podia com sua determinação. Ele sabia que havia muitos Tenentes Maurícios na dependência e às ordens do governo. Todos seriam capangas, guarda-costas do Presidente. Mas Vitorino Carneiro da Cunha mandava no que era seu, na sua vida. As feridas que lhe abriam no corpo nada queriam dizer. Não havia força que pudesse com ele. Os parentes se riam de seus rompantes, de suas franquezas. Eram todos uns pobres ignorantes, verdadeiros bichos que não sabiam onde tinham as ventas. Quando parava no engenho, quando conversava com um Manuel Gomes do Riachão, via que era melhor ser como ele, homem sem um palmo de terra, mas sabendo que era capaz de viver conforme os seus desejos. Todos tinham medo do governo, todos iam atrás de José Paulino e de Quinca do Engenho Novo, como se fossem carneiros de rebanho. Não possuía nada e se sentia como se fosse o senhor do mundo, sua velha Adriana quisera abandoná-lo para correr atrás do filho. Desistiu para ficar ali como uma pobre. Podia ter ido. Ele, Vitorino Carneiro da Cunha, não precisava de ninguém para viver. Se lhe tomassem a casa onde morava, armaria uma rede por debaixo de um pé de pau. Não temia a desgraça, não queria a riqueza. Lá se foram os três homens que libertara, a quem dera toda a sua ajuda. O tenente se enfurecera com o seu poder. Nunca pensara que existisse um homem que fosse capaz de enfrentá-lo como fizera. A sua letra, o papel que assinara com seu nome, dera com a força do miserável no chão. Era Vitorino Carneiro da Cunha. Tudo podia fazer, e nada temia. Um dia tomaria conta do município. E tudo faria para que ele que aquele calcanhar-de-judas fosse mais alguma coisa. Então Vitorino se via no dia de triunfo. Haveria muita festa, haveria tocada de música, discurso do Dr. Samuel, e dança na casa da Câmara. Viriam todos os chaleiras do Pilar falar com ele. Era o chefe, era o mais homem da terra. E não teria as besteiras de José Paulino, aquela tolerância para com os sujeitos safados, que só queria comer no cocho da municipalidade. Com Vitorino Canreiro da Cunha não haveria ladrões, fiscais de feria roubando o povo. Tudo andaria na correta, na decência.

José Lins do Rego. Fogo morto. P. 284-285.


·           RACHEL DE QUEIROZ
Fortaleza – 1910-2003

Dedicada ao jornalismo e à tradução, a escritora militou durante algum tempo junto à esquerda política. A terra e a tradição nordestina eram, no entanto, os pontos mais altos de sua preocupação humanista.
Na esteira de um Graciliano Ramos, a sua literatura é concisa e descamada, perfeita tradução do mundo que retrata: a seca e a miséria do sertão.
Após forte militância política no nordeste, muda-se para o Rio de Janeiro, em 1932, onde residiu até a morte.

OBRAS:

Romance – O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras, As três Marias, O galo de ouro (folhetim de O Cruzeiro), Memorial de Maria Moura.
Teatro – Lampião, A beata Maria do Egito, A sereia voadora.
              Crônica –  A donzela e a moura torta, Cem crônicas escolhidas, O brasileiro perplexo – Histórias e Crônicas, O caçador de tatu.
Literatura infantil – O menino mágico.

Rachel, primeira mulher imortal da Academia Brasileira de Letras, escreveu seu primeiro romance O Quinze em 1930. Sua militância, entretanto se fará notar em Caminho de Pedras (137), romance em que a escritora tende ao socialismo libertário, que ela mistura a um caso de amor de um casal de classe média, enfraquecendo, consequentemente, a força do enredo que girava em torno de um grupo sindical. Enfim, os problemas se resolvem no campo sentimental.
Vale destacar que a escritora cearense alicerçou sua preocupação social também na psicologia do personagem. Outro fato interessante é que em seus primeiros livros o socialismo crítico libertário se fez intenso e o conservadorismo irrompeu em obras mais recentes. Para o crítico literário Alfredo Bosi, Rachel, em boa parte de sua produção, defende um “humanismo moderado e piedoso”. Não podemos esquecer (apesar desse aspecto) que a escritora tem habilidade para construir diálogos vivos que lembram a novelística. Sua prosa é enxuta e dinâmica graças a técnica do discurso direto. O enfoque psicológico dá ao personagem uma dimensão mais humana. Notam-se, em sua prosa, características do linguajar sertanejo e personagens submissos às forças da natureza. Em O Quinze e João Miguel explora o tema da seca, do coronelismo e das paixões do homem do sertão (Conceição e Vicente em O Quinze; Santa – João Miguel e o Cabo Salu, amante de Santa).
No romance AS TRÊS MARIAS, a autora confere mais vigor à psicologia do personagem. O Nordeste entra como cenário.

Leia, agora, comentários sobre a obra Memorial de Maria Moura.

Rachel é polêmica a partir da grafia do seu nome. Muitos autores preferem “Raquel de Queirós”, erroneamente. Em 1992, a imortal lançou seu declarado último romance, o calhamaço “Memorial de Maria Moura” (482 páginas 11ª edição. Editora Siciliano, São Paulo, 1998). Uma narrativa ágil. Uma trama cheia de aventuras folhetinescas. Rachel sempre flertou com o romance popular.
Inicialmente, o romance tem três núcleos de ação: O de Maria Moura, dos primos inimigos dela e o do Padre José Maria (Beato Romão). Posteriormente surge o sub-núcleo  Marialva e Valentim (com seus parentes mãe, pai, e tio, no “circo”). Os últimos capítulos são narrados por Moura e pelo Beato que se joga numa aventura suicida com ela. Maria Moura mostra-se arisca desde os primeiros momentos em que aparece. Manda assassinar o padrasto que a assediava desde os tempos que a mãe dela era viva (a mãe se enforcou no armador de rede: “sonho com aquela cara de enforcada, a face roxa, os olhos estatelados, a ponta da língua saindo da boca” diz a sinhazinha, assim chamam Maria, cuja história se passa na época da escravidão no Brasil). A seguir, Maria trama a morte do assassino que ela mesma tinha seduzido para matar o padrasto. Enfrenta a ganância dos primos Irineu, Tonho e sua mulher Firma, já que a prima Marialva está mais interessada em fugir com um artista de circo de olhos verdes iguais aos delas. Maria incendeia sua casa no sítio Limoeiro, que fica próximo da Vila Vargem da Cruz. Foge com um bando de homens, que lembram em tudo cangaceiros. Rachel diz que se inspirou em Elizabeth I, Rainha da Ingraterra (1533-1603) para compor Maria.
Após a fuga do Limoeiro, Maria e seu bando vagam pelas brenhas do sertão ao relento, sem tomar banho e comendo o que aparecesse e aparecia muito pouco. Tudo com muito respeito e dignidade: Maria é a “chefe” do bando e a maior parte dos jagunços são os jovens, sem ambição e querendo “aventura”, como ela mesma sugere enquanto ia se enchendo de ouro que roubava, numa espécie de farra inconsequente, até a metade do livro. Tudo para ela vai dando certo. Dentre os narradores estão: o Padre José Maria, Irineu e Tonho (primos da Moura, o primeiro solteiro; o segundo, casado com uma megera chamada Firma) e Marialva (prima de Maria que fugiu e casou com um artista de circo, Valentim). A participação dos diversos narradores propõe uma certa ruptura com a linearidade.
A Moura é o eixo, o ponto de convergência, símbolo do poder e da ambição. No final do livro, apenas ela e o Beato Romano narram. A narrativa em primeira pessoa vai impregnando o romance de subjetividade. Maria desafia o poder masculino. Apesar de sua força, apaixona-se por Cirino que a engana:
Ao descobrir que Cirino traiu a casa forte, Maria chora com tanta fúria que chega a rasgar o lençol com os dentes (p-404). Cirino traiu Maria porque “era ruim”, por dinheiro de Judas. Rachel intensifica o código de honra proposto pelo Romantismo. “O meu mal era aquela grande fraqueza por ele que eu sentia. Eu gostava de comigo chamar aquilo de amor. Mas não era amor, era pior. Não era cio (...) E eu me imaginando tão forte, tão braba. Era afronta – Era para acabar comigo (...) aquele coisa ruim (...) solapar os alicerces do meu castelo! (...) por amor dos trinta dinheiro de Judas! E eu adorar um desgraçado desses, abri para ele meu quarto, a minha cama, o meu corpo. Foi humilhação demais. Se ainda soubesse rezar, rezava, tão desesperada me sentia. (...) Como é que vou acabar com o Cirino, sem acabar comigo? (...) Como posso arrancar o coração pra fora? Ninguém pode fazer isso e continuar vivo. E se me matasse com ele? (...) Não. Eu quero morrer na minha grandeza (...)E eu estou me importando em salvar esta desgraça de vida, Duarte? (...) Desça Deus do céu e me peça, que eu falto e faço que disse”. Na partida da tropa, Duarte diz: “Ainda está na hora de mudar de ideia, Sinhá. Vai ser uma luta muito dura, com esses homens traquejados para matar. Não é briga pra mulher. E se lhe matam?”. Maria responde olho no olho: “Se tiver de morrer lá, eu morro e pronto. Mas ficando aqui eu morro muito mais”. E, nas últimas linhas da narrativa (do romance), Maria arremata: “Sai na frente, num trote largo. Só mais adiante segurei as rédeas, diminuí o passo do cavalo, para os homens poderem me acompanhar”. E Rachel de Queiroz localiza o tempo em que concluiu, com maestria, seu último romance, este “Memorial de Maria Moura”. Rio 22 de fevereiro de 1992 – onze da manhã.

               

              Graciliano Ramos
(Quebrângulo AL– 1892, Rio de Janeiro – 1953)

Nascido em Alagoas, foi em 1914, para o Rio de Janeiro. Trabalhava no Correio da Manhã, em A Tarde, e em O Século. De volta ao estado natal, foi eleito em 1927, prefeito de Palmeira dos Índios.
Apaixonado por educação, não conseguiu permanecer muito tempo em cargos políticos. No início de 1936, aceitou ser funcionários da Instrução Pública de Alagoas. Sob alegação que era comunista ficou nove meses na prisão, sendo solto porque não havia provas. Em 1939, foi nomeado Inspetor Federal do Ensino. Em 1945, entrou para o Partido Comunista, do qual passou a ser militante. Passou parte de sua vida em Buíque (PE) e parte em Viçosa (Alagoas). No Rio de Janeiro (1914) foi revisor do Correio da Manhã e de A Tarde. Entre 1927 e 1930 fez jornalismo e político.

Obras:
Romances – Caetés, São Bernardo, Angústia, Vidas Secas.
Contos – Insônia, Alexandre e outros heróis.
Memórias – Infância, Memórias do Cárcere. (Em Memórias do Cárcere tem-se depoimento do autor sobre sua experiência no presídio).
Crônicas – Linhas tortas, Viventes de Alagoas.
Histórias Infantis – História-  Alexandre; Dois Dedos; Histórias Incompletas.

Expressou, mediante equilíbrio entre a análise psicológica dos personagens e a dimensão social, a dura realidade do nordestino. Desprezou para tanto o lado pitoresco da região e seu regionalismo o aspecto crítico e o herói problemático (distancia-se dessa forma do melodrama).

Dados constantes em sua prosa:
A contenção vocabular, o uso limitado de adjetivos, a sintaxe rigorosa, clássica – muitos o aproximam de Machado de Assis – a concisão, a clareza da linguagem, o uso de períodos coordenados. Foge, de certa forma, aos modismos da época. É autor de narrativas que falam da seca, do latifúndio, do drama dos retirantes.
Graciliano em seus textos pôs em relevo não só o fazendeiro autoritário como também o sertanejo oprimido, vítima do meio natural e social. Um sertanejo “passivo” ante os poderosos.
A dimensão do “Universal” se faz notar na criação de personagens que revelam uma “condição coletiva”.
Podemos afirmar que Graciliano tem o senso estético, o senso psicológico e o senso sociológico.
Sua primeira obra foi Caetés (1933) – Revela influência naturalista. Situa a narrativa em Palmeira dos Índios. O narrador é João Valério, cuja vida interior é revelada ao leitor. Fala do meio proviciano com ironia. João Valério apaixona-se por Luísa, mulher de Adrião, dono de um estabelecimento comercial onde Valério trabalhava. A traição levará o marido a cometer suicídio. Arrependido João se afasta de Luísa. Esta obra foi apenas o início (prática literária) para grandes romances.

Com São Bernardo (1934) nasce uma obra-prima narrada em retrospectiva. Clareza, técnica e estilo se fundem com a análise psicológica e social dos personagens. Destacam-se as figuras de Paulo Honório – homem rude que teve infância pobre,passou de guia de cego a proprietário da fazenda São Bernardo, respeitado e temido – e Madalena (sua esposa) – mulher humanitária, não  aceita a relação de exploração. Fraterna, preocupa-se com a educação dos trabalhadores. Casam-se. Cresce o conflito cujo clímax se dá com o suicídio da professora e esposa. Irrompe, em Paulo Honório, a angústia de ter sido o que foi:
“Estraguei minha vida estupidamente (...) Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos...”
O instinto de posse, o sentimento de propriedade marcam a vida do protagonista que acabará quase só à procura de entender os descaminhos de sua vida: “Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber por quê!...”
São Bernardo é um livro dentro de outro livro, isto é, Paulo Honório depois de conseguir seus objetivos e perder tudo resolve escrever um livro (pede ajuda, pois ele só entendia de números) contando desde a sua dura vida até chegar ser senhor da fazenda São Bernardo.

Como escrevi Vidas Secas
       Em cartas e depoimentos, Graciliano Ramos explicou que o livro Vidas Secas nasceu da junção de textos independentes. O ponto inicial foi o episódio da morte da cachorra Baleia: “Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil, como você vê: procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperarmos preás”.
       Depois de escrever “Baleia”, que saiu como conto em jornal, Graciliano explica: “Dediquei em seguida várias páginas aos donos do animal. Essas coisas foram vendidas em retalho, a jornais e revistas. E como José Olimpyo me pedisse um livro para o começo do ano passado, arranjei outras narrações, que tanto podem ser contos como capítulos de romance. Assim nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia”.*
É interessante destacar-se que, no livro, os personagens quase nunca se comunicam. Quando muito, Fabiano, nervoso, xinga o filho. A ausência de diálogos é uma constante bem como a exposição de uma vida sem identidade (menino mais novo, menino mais velho), sem sentido vivida pelos retirantes. Fabiano é um homem embrutecido, mas que se analisa o tempo todo. Tem consciência de que não domina a palavra, mas pensa tudo e sabe que a palavra pode ser usada para o bem ou para o mal. Seu Tomás da Bolandeira é um homem bom e que falava bonito, já o fazendeiro, o patrão usavam a palavra para explorar, enganar nas contas e ele, Fabiano, não podia dizer nada, porque não sabia articular um discurso.
Leia o fragmento abaixo:
– “Fabiano você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só (...)
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a murmurando:
– Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Em 1936, escreveu Angústia romance na linha mais psicológica.
O protagonista, Luís da Silva, resultado de uma sociedade rural em decadência, apaixona-se por sua vizinha Marina. Ficam noivos.
Luís da Silva economiza o que pode e prepara-se para o casamento. Marina, entretanto, troca-o por Julião Tavares, homem rico ousado e de posição social. Luís da Silva cuja personalidade era de alguém frustrado não suporta a traição – comparações vêm à sua mente bem como o complexo de pobreza e rejeição – e assassina Julião Tavares.
Luís da Silva é o personagem mais dramático da ficção brasileira no que atinge ao tema frustração. O assassinato foi a única maneira encontrada pelo protagonista de mostrar-se superior. A abjeção (nojo), daquele dia em diante, tornar-se-á uma constante em sua vida, tentará livrar-se com muita água e sabão. Aflora dessa forma um mundo interior em conflito, que vem desde a infância marcada pela separação do pai, pela solidão, pelas humilhações: “O amor para mim sempre fora uma coisa complicada, dolorosa, incompleta.”
Nesta obra, Graciliano explora a técnica do monólogo interior, reduz sensivelmente os diálogos, destaca “o fluxo da vida interior”. Luís da Silva é o ser oprimido moldado pela cidade.

Vidas Secas (1938) foi seu único romance narrado em 3ª pessoa. Para alguns estudiosos, esta obra é uma mistura de romance e livro de contos em função da forma como foi escrito. Ramos destaca criaturas em condições subumanas vivendo os horrores da seca na região nordeste.

Leia um fragmento de São Bernardo, texto que Paulo Honório faz um balanço de sua vida:

“Encontro-me aqui em São Bernardo, escrevendo. As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na casa deserta. Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se. Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madrugada, é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. Amanhã não terei com que me entreter.
Ponho a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto arrepio. A lembrança de Madalena persegue-me. Diligencio afastá-la e caminho em redor da mesa.  Aperto as mãos de tal forma que firo com as unhas, e quando caio em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue.
De longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa:
– Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. A agitação diminui.
– Estraguei minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insist6encia. Se fosse possível recomeçarmos... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que me aflinge.
A molecoreba de mestre Caetano arrasta-se por aí, lambuzada, faminta. A Rosa, com a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalha no campo e trabalha na cama. O marido é cada vez mais molambo. E os moradores que me restam são uns cambembes como ele.
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas esta desgraçada profissão nos distanciou.
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarrara com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte!
A desconfiança é também consequência da profissão.
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.
Fecho os olhos, agito a cabeça para repetir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas.
A vela está quase a extinguir-se. (..)”
nos romances de Graciliano Ramos destaca-se um Realismo crítico em que o herói não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Não há predomínio do Regionalismo, da paisagem, que só interessa quando interage com o psicológico, e mesmo assim tudo passando pelo crivo da economia vocabular e correção gramatical. Ao contrário de Jorge Amado, não apelou para o populismo.
Graciliano e “todo um desejo intenso de testemunhar sobre o homem”.


Em Memórias do Cárcere o autor mistura ficção e biografia. O limite do pessoal é rompido e o autor dá seu depoimento sobre a realidade brasileira. Faz denúncia da nossa pobreza cultural e das injustiças e protecionismo do Estado Novo. Graciliano passou onze meses na prisão (1936) sob a vaga acusação de comunista – Não houve motivos concretos para tal situação. Passou por vários presídios e acabou no presídio da Ilha Grande e de lá só saiu graças e ajuda de um advogado famoso chamado Sobra Pinto. Só em 1945, ingressou no partido comunista Brasileiro.
Veja, agora, um resumo sobre a organização das obras do autor feita pelo crítico Antônio Cândido:

·           ROMANCES NARRADOS EM PRIMEIRA PESSOA
·           Caetés, São Bernardo e Angústia:  Tem-se a pesquisa da alma humana e análise social.
·           ROMANCE NARRADO EM TERCEIRA PESSOA – VIDAS SECAS
·           AUTOBIOGRAFIA
·           Infância e Memórias do Cárcere – O autor se expõe como caso humano e depõe sobre um momento. Exibe os condicionamentos sociais e psicológicos que motivam o comportamento humano.


         
·           JORGE AMADO – (BA 1912-2000)

Jorge Amado de Faria trabalhou como jornalista, formou-se em Direito, foi deputado federal em São Paulo. Em virtude de suas posições políticas, foi preso.
Muitos de seus romances e novelas foram adaptados para o teatro, cinema e televisão. Em 1959, tomou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Com sua morte, em 2001, a esposa Zélia ocupou a cadeira.

Amado nasceu em Itabuna (BA), passou a infância em Ilheis, onde fez seus estudos iniciais. Filho de fazendeiros (pobres) de cacau desde muito cedo assistiu a lutas pela terra. A consciência social fez-se plena no baiano. A amizade e o convívio com trabalhadores rurais foram decisivos para sua extensa obra, ou seja, ela tem algo de memorialista. Sua obra é hoje lida por muitos e está traduzida em quase todas as línguas.
Para o crítico Alfredo Bosi, Amado é representando do populismo literário; do gosto pelo pitoresco em vez da expressão estética do meio; da exibição de estereótipos em vez de mostrar os conflitos sociais. O crítico ataca também o uso de palavrões e o descuido estético que o baiano Jorge Amado adota em nome da oralidade.
Parte do que Bosi afirmou tem pertinência, mas entenderemos melhor se virmos a obra deste escritor como a mistura de Realismo e Romantismo, de lirismo com aspecto documentário. O pitoresco existe assim como a preocupação com a justiça social. Há os que defendem, nas primeiras obras do autor, a existência de um realismo socialista e militante, ou seja, romances proletárias (engajados) como o próprio Jorge Amado definia.
Outros revelam o caráter estético de algumas obras e apontam o lugar comum no restante da volumosa produção do autor.
As opiniões sobre o autor divergem, mas podemos perceber no trabalho do autor aspectos interessantes tais como: a ênfase que ele deu em algumas obras ao exótico, ao fantástico, aos costumes provincianos, ao sincretismo religioso, à denúncia da exploração do latifúndio do cacau, à luta contra a burguesia hipócrita e reacionária; em outras o realismo socialista cedeu espaço ao lirismo, ao humor, aos depoimentos líricos, ao realismo pitoresco, folclórico e desengajado.
Jorge Amado buscou inspiração no seu convívio com o povo baiano no dia-a-dia com essa gente (capoeristas, marinheiros, políticos, coronéis, letrados), nas visitas aos candomblés. Tornou-se um contador de casos, um seguidos dos folhetins românticos.

Obras:
ProsaO país do carnaval, Cacau, Suor, Jubiabá, Mar Morto, Capitães de Areia, Terras do sem fim, São Jorge de Ilhéus, Seara vermelha, O amor de Castro Alves posteriormente reeditado de O amor do soldado, Os subterrâneos da Liberdade, Gabriela, Cravo e canela, Quincas Berro D’água, Os velhos marinheiros ou O capitão-de-velho-curso, Os pastores da noite, Dona Flor e seus dois maridos, Tenda dos milagres, Teresa Batista cansada de guerra, Tieta do agreste, Farda, fardão e camisola de dormir, Tocaia grande, O sumiço da santa, Navegação de cabotagem.
Poesia – A Estrada do mar.
Outras – ABC de Castro Alves, O Cavaleiro da Esperança, Bahia de todos os santos, O mundo da paz, O gato e a andorinha sinhá.

·           ROMANCES DE UMA PRIMEIRA FASE:
– romances proletários (tema social, de denúncia) – a vida baiana no meio rural e na cidade; as crises da classe patriarcal. (Cacau, Suor, O País do Carnaval, Terras do Sem Fim).
Aparece, nesta fase, as mazelas da cidade, os marginais e os grupos revolucionários em Jubiabá (1935) e Capitães de Areia (1937).

·           ROMANCES DE UMA SEGUNDA FASE:
Inicia com Gabriela Cravo e Canela (1958) – Abandona o radicalismo político e cria figuras irreverentes, sensuais, inesquecíveis como D. Flor, Tieta, Teresa Batista.
Leia o fragmento Terras Sem Fim:

Por vezes, quando chegavam os navios abarrotados de emigrantes vindo do sertão, de Sergipe e do Ceará, quando as pensões de perto da estação não tinham mais lugar de tão cheias, então barracas eram armadas na frente do porto. Improvisavam-se cozinhas, os coronéis vinham ali escolher trabalhadores. Dr. Rui, certa vez, mostrara um daqueles acampamentos a um visitante da capital:
– Aqui é o mercado de escravos...
Dizia com um certo orgulho e certo desprezo, era assim que ele amava aquele cidade que nascera de repente, filha do porto, amamentada pelo cacau, já se tornando a mais rica do Estado, a mais próspera também. Existiam poucos ilhenses de nascimento que já tivessem importância na vida da cidade. Quase todos fazendeiros, médicos, advogados, agrônomos, políticos, jornalistas, mestre-de-obras eram gente vinda de fora, de outros Estados. Mas amavam estranhamente aquela terra venturosa e rica. Todos se diziam “grapiúnas” e, quando estavam na Bahia, em toda parte eram facilmente reconhecíveis pelo orgulho com que falavam.
– Aquele é um ilhense... – diziam.
Nos cabarés e nas casas de negócios da capital eles arrotavam valentia e riqueza gastando dinheiro, comprando do bom e do melhor, pagando sem discutir preços, topando barulhos sem discutir o porquê. Nas casas de rameiras, na Bahia, eram respeitados, temidos e ansiosamente esperados. E também nas casas exportadoras de produtos para o interior os comerciantes de ilhéus eram tratados com maior consideração, tinham crédito ilimitado.
De todo Norte do Brasil descia gente para essas terras do Sul da Bahia. A fama corria longe, diziam que o dinheiro rodava na rua, que ninguém fazia caso, em ilhéus, de prata de dois-mil-réis. Os navios chegavam entupidos de emigrantes, vinham aventureiros de toda espécie, mulheres de toda idade, para quem ilhéus era a primeira ou a última esperança.
Na cidade todos se misturavam, o pobre de hoje podia ser o rico de amanhã, o tropeiro de agora poderia ter uma grande fazenda de cacau, o trabalhador que não sabia ler poderia ser um dia chefe político respeitado. Citavam-se os exemplos e citava-se sempre a Horácio que começara tropeiro e agora era dos maiores fazendeiros da zona. E o rico de hoje poderia ser o pobre de amanhã se um mais rico, junto com um advogado, fizesse um “caxixe” bem feito e tomasse sua terra. E todos os vivos de hoje poderiam amanhã estar mortos na rua, com uma bala no peito. Por cima da justiça, do juiz promotor, do júri de cidadãos, estava a lei do gatilho, última instância da justiça em Ilhéus.

·           ÉRICO VERÍSSIMO
(Cruz Alta – 1905 – Porto Alegre – 1975)

De família tradicional do Rio Grande do Sul, viu-se obrigado a passar por empregos menores, quando sua família repentinamente perdeu a fortuna. Em 1931, começou a trabalhar como secretário e redator da Revista o Globo, em Porto Alegre. Em 1932, saiu o romance de estreia Clarissa, que marcou o início da popularidade. Desde então, passou a exercer intensa atividade literária tendo estado mais de uma vez em missão cultural nos Estados Unidos.
Romance: Clarissa (1933); Caminhos Cruzados(1935); Música ao Longe (1935); Um lugar ao sol (1936); Olhai os lírios do campo (1938); Saga (1940); O resto é silêncio (1942); O tempo e o vento: I. O continente (1948) – II. O retrato (1951) – III. O arquipélago (1961); O senhor embaixador (1965); O prisioneiro (1967); Incidente em Antares (1971).
Conto e novela: Fantoches (1932); Noite (1954).
Literatura infantil: As aventuras do avião vermelho (1936); Os três porquinhos pobres (1936); As aventuras de Tibicuera (1937); O urso com música na barriga (1938); A vida do elefante Basílio (1939).
Memórias: Solo de clarineta (1973); Solo de clarineta II (1975).

       Érico Veríssimo é apontado pela crítica como escritor que fez uso convencional da linguagem em seus romances sendo que os últimos exibem preocupação política, gosto pelo fantástico e surreal. (Leia Incidente em Antares).
* Sua obra costuma ser estudada por fases:

* A fase dos romances urbanos. Segue uma linha mais lírica, intimista, psicológica. Ocorre a presença de personagens como Vasco X Clarissa; Fernanda X Noel marca de união entre obras como Caminhos Cruzados, música ao longe, um lugar ao sol, Olhai os Lírios do Campo. O autor destaca o cotidiano de Porto Alegre e problemas ligados aos valores humanos, à crise da sociedade moderna. Na segunda fase aparece a trilogia de O TEMPO e o VENTO (O continente, O Retrato, O Arquipélago). O autor exibe a saga do Rio Grande do Sul, sua formação desde as origens – início da colonização até o governo Vargas (1945). Destaca o poderio de famílias como os Amaral, os Terras e os Cambará, inimigos políticos. São personagens dessa fase: Ana Terra, Pedro Terra, Bibiana, Capitão Rodrigo, Bolívar, Pedro Missioneiro. Em O Retrato o deslocamento temporal vai até o Estado Novo. Tem-se a fragmentação dos valores morais. Em O Arquipélago tem-se o fim de tudo, a separação das famílias. A última fase é mais política. É a fase de romances como O Senhor Embaixador, O Prisioneiro e Incidente em Antares. Exibe a falsa moral da sociedade.





Segundo Momento Modernista
Poesia
Cecília Meireles

 Nasceu em 7 de novembro de 1901, no Estácio,bairro marginal do Rio de Janeiro,em cima de um açougue .Na infância perdeu pai,mãe e irmãos.Foi criada pela avó que morreu em 1935. Casou-se, mas seu marido cometeu suicídio em 1955. O câncer matou Cecília em 1964. Seu lirismo puro, poesia essencial, metafísica e até alegórica (“Romanceiro da Inconfidência”, poesia social: crítica à ausência de cidadania e autonomia da mulher,sátira à hipocrisia religiosa. Alguns consideram-no “Os Lusíadas” brasileiro) beira o encantamento,o maravilhoso.
São trinta livros,dos quais dez são póstumos. Sua obra em prosa,grande parte inédita,vem sendo publicada desde 1998.São vinte e três volumes,sete já publicados,e incluem conferências sobre literatura e arte em geral.Boa parte deste material é inédita. Cecília deixou também cerca de 500 cartas,onde transparecem fina ironia e humor, e escreveu cinco peças de teatro. Ela traduziu poetas árabes,persas japoneses,russos,hebraicos.  Suas memórias de infância estão no livro “Olhinhos de Gato”,dos anos trinta.Em “Criança,meu amor” (didático) expôs suas ideias solidárias e igualitárias.”Batuque,samba e macumba” (83),revela nosso folclore. Foi a primeira mulher a ser incluída na lista de maiores poetas brasileiros,ao lado de nomes como Drummond,Bandeira e João Cabral. “Viagem” ,dedicado aos amigos portugueses,é o primeiro livro de sua “segunda fase” poética, ela não considerou a primeira,quando fez parte do grupo Festa,católico-espiritualista.  Seu “segundo” livro, “Vaga Música”, foi definido por Mário de Andrade como a “melhor coisa de lirismo puro que já apareceu neste país”.
Mergulhada no seu “eu-profundo", seguiu entre o “todo” e o “nada”, como bem salientou a crítica Leila Gouveia (Revista Cult,outubro de 2001): “A arte como exercício de uma verdade supraterrena” .  O clima de segunda guerra mundial afundou Cecília nos versos de “Mar Absoluto”(45). Em 53 criticou a indústria cultural emergente,a tv e suas influências. Anticatólica,Cecília volta-se para o Cristianismo primitivo (“Santa Clara,Santa Cecília”): “Pagã como as árvores/e,como um druida,mística”. Na semana de 22,Cecília era ainda a neo-simbolista de “Baladas para El-Rei”.Evoluiu para a simplicidade vocabular e sintética,economia verbal,para o verso livre e brincou até com metros breves.O flerte com o inconsciente faz-nos lembrar a experiência surrealista  A noção da inutilidade humana;a indiferença pela esperança ;o desapego pela lógica,fizeram de Cecília “uma criatura sem raízes na terra,prescindindo de tudo e à mercê dos casos que a queiram transportar”, como disse. Os livros “Nunca Mais”(23) e “Poema dos poemas”(23), neo-simbolistas, foram “apagados”/perdidos. Como dissemos antes: ela se reinaugura com livros como ”Retrato Natural”(49), ”Doze Noturnos de Holanda” (52), “Poemas escritos na Índia (década de 50), “Metal Rosicler” (60), “Solombra” (63), dentre outros.
Primeiro tratou Getúlio Vargas como “Sr. Ditador”, depois trabalhou numa revista do governo dele (Travel in Brazil), ao lado de Mário de Andrade
“Pastora de nuvens”, sofreu influência da cultura oriental.
O panteísmo (Deus em tudo) de suas metáforas,prosopopeias e outras figuras de linguagem aparecem em poemas como “Elegia do tapeceiro egípcio”.
Alma e corpo em conflito,eis a lírica ceciliana ,que prefere a alma,apesar de ter “ vício de gostar de gente”. E para finalizar um trecho de um poema de Cecília, “Cançãozinha para Tagore" (poeta indiano que ela adorava ):  "Àquele lado do tempo/onde abre a rosa da aurora,/chegaremos de mãos dadas ,/cantando canções de roda/com palavras encantadas./Para além do hoje e outrora,/veremos os Reis ocultos/senhores da Vida ocultos/senhores da vida toda,/em cuja etérea Cidade/fomos lágrima e saudade/por seus nomes e seus vultos(...)E então nossa vida toda/será de coisas amadas”.



Carlos  Drummond de Andrade
Nasceu em Itabnira(MG). Ele tinha a História como perspectiva,e dizia-se poeta de “ritmos elementares”. Porém sua obra é uma espécie de suporte pra o viver, o sobreviver e o morrer. Onde o Bem, o Belo, a Forma,a Estrutura,a Verdade,a Realidade,o Indivíduo, as Pessoas,a Sociedade,o Canto,a Arte,o Artifício,o Menos e o Mais,o Sim e o Não, giram em alegorias no cotidiano do brasileiro simples. O poeta descobriu também que o sentido da vida é o seu sem-sentido onde tudo se comunica: o real e o imaginário de todas as épocas se misturam.Assuntos,motivos,temas,tópicos que até então estavam banidos da poética aparecem na poesia dele numa espécie de novo “viva o dia”(carpe diem),como frisou Antônio Houaiss. Drummond é mestre da língua.Sua invenção da modernidade é uma postura que se faz necessária,é pois um projeto de vida ou de carreira.Uma busca incessante,onde Linguagem e Homem reinauguram-se. Sua busca da simplicidade,oralidade,é característica marcante,particularizante.
Suas utopias,sonhos,protestos,indagações,enlaces,desenlaces,fazem dele um “corajoso desor-ganizador”. Ele se escreve. Ele acusa o limite,não apenas entre o bem e o mal (que não existe,é apenas um contraste do bem).
Sua obra “que não foi construída segundo um projeto,a partir de intenções e fôrmas e/ou formas externas- por exemplo a de `ser´ poeta,a de fazer um soneto,uma sextilha ou um poema de vanguarda,sobre este ou aquele tema,segundo esta ou aquela técnica”.
“O amor truncado,que não chega a ser amor,mas que perdido se revela amor que podia ter sido”.
O humor dessa vida que continuará nos outros,ou em “algo que talvez nem seja o Outro,mesmo que não valha a pena:continuará”: “Onde o diabo joga dama com o destino”. “Debruça-se o autor sobre o próprio texto à medida que o elabora,inquirindo-lhe do cabimento,da legitimidade,da propriedade das palavras.Uma atitude metalinguística.É o cotidiano repetido num singular irrepetido.A técnica machadiana:espíritos afins,em determinadas condições histórico-sociais,são levados ao uso de técnicas de expressão afins”,ressaltou o mestre Houaiss.
O itabirano foi cristalizador do modernismo em sua plenitude cheia de crises, monstros e utopias. Crise totalizante,porque planetizada num mundo “fomicizado” pela mecanização “coisificante”,daí o conflito da mente do poeta com a realidade total em que vivia,
Luís Costa Lima afirmou: ”Drummond é o maior e último poeta modernista:seu riso corrói,dissolve aquelas dissonâncias que são a regra da vida.Ele assume com a História uma relação aberta”.
Ele se opõe ao “fluir sentimental de Manuel Bandeira, pois que não há piedade em si mesmo por uma vida que podia ter sido e que não foi e cujos elementos de saudade se constituem,assim,em força predominante de um poetar num infinito jogo de recursos para enunciação do inédito.Uma lição de vida”.


O Terceiro Tempo do Modernismo ou a GERAÇÃO DE 45 (PROSA e POESIA)

Leia:

·           O que mais lhe chama a atenção na literatura brasileira?

“Vocês criaram uma linguagem própria, em que a diversidade brasileira está de corpo inteiro: a violência urbana de hoje já estava em Clarice Lispector, a complexidade verbal de Guimarães Rosa tem a ver com os diversos níveis de linguagem que há nas cidades – e não fala apenas de níveis sociais, mas também de linguagens que se movem, se transformam, refletindo um país em mudança veloz e perpétua (...) Fiquei deslumbrado com as obras de Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade (...) É sempre vi essas obras relacionadas com o riquíssimo Cinema Novo, com a música popular ou clássica (as Bachianas de Villa-Lobos e as óperas de Chico Buarque estão entre as minhas favoritas.), com a pintura e a arquitetura (...) cada um deles me enriqueceu...”(Tomaz Eloy Martinez)

Terminada a 2ª guerra mundial e a ditadura de Vargas, o Brasil passou por um momento de tranquilidade até 1964. Foi uma fase de desenvolvimento e (quase) serenidade.
Estudaremos agora o cenário e os autores da literatura brasileira a partir de 1945. Sem dúvida, é preciso destacarmos uma nova etapa na história do modernismo. Nos anos 30 e 40, formou-se uma geração de escritores voltada para a crítica das relações sociais – foi a época do governo Vargas. Este período continuou a ser alvo de reflexões por parte de alguns escritores, mas a grande preocupação dos prosadores de 45 se deu cm a análise psicológica dos personagens (o que vai no mundo interior deles), com o conflito existente entre os homens e o contexto social em que estão inseridos, com a linguagem.
Estes aspectos aparecem nos romances, contos de Clarice Lispector, Osmar Lins, Lygia Fagundes Telles, entre outros.
A literatura assumiu um novo rumo com a publicação em 1944 do romance Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector. A autora ressaltou, nesta obra, o interior do ser, o sentido da vida, o trabalho com a linguagem (a “ESCRITURA” Clariceana). Nasceu a ficção experimental.
Alguns anos mais tarde Guimarães Rosa com a sua coletânea de contos cuja matéria é o sertão: SAGARANA (1946). O regionalismo, com Rosa, ganhou o brilho do trabalho estético, o gosto pelo universal, a fusão com o mundo mágico, mítico. Rosa, assim como Clarice Lispector, inovou, na ficção brasileira, pela forma como lidou com a linguagem, como enfrentou a palavra. Ambos modificaram a ficção brasileira a partir dos dramas íntimos, da transfiguração do regionalismo (Rosa) do experimentalismo da linguagem, do afastamento das técnicas convencionais da ficção (prosa).
A prosa dessa época perdeu o caráter referencial (a ligação direta com acontecimentos), a linearidade. Apareceu uma narrativa interiorizada, marcada pelo fluxo de consciência (vivência interior do personagem).

“A vida oblíqua? Bem sei que há um desencentro leve entre as coisas, elas quase se chocam  há desencontro entre os seres que se perdem uns dos outros entre palavras que quase não  dizem mais nada. Mas quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que éa única forma de suportar a vida emcheio, pois um encontro face a face com ela nos assustaria, espaventaria os seusdelicados fios de tela de aranha”.
(Clarice Lispector)

Esse contato direto com o mais íntimo do ser implicou a produção de narrativas em primeira pessoa. O personagem fala de sua vida, faz confissões.
A interiorização dos relatos não distancia a prosa do trabalho com o elemento estético. A prosa se aproxima da poesia, mistura dos gêneros é constantes.
O grande desafio do escritor do período entre 40 e 50) foi com estética, com a nova forma ou expressão literária:
Leia:

A.     “Agora as trevas vão se dissipando.
       Nasci.
       Pausa.
       Maravilhas escândalo: nasço”.(Clarice Lispector – em Água Viva)

B.  “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisas ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro!” (Guimarães Rosa – Manueilzão e Miguillim)

Se a PROSA apresentou as maiores inovações, a POESIA DE 45 voltou a discutir a palavra, a marca formalizante, lembrando o estilo pomposo, culto, formal dos parnasianos – caso típico do “poeta engenheiro” João Cabral de Melo Neto. Outros poetas se preocuparam mais com a palavra concreta, exata, uma linguagem mais sintética originando depois o movimento Concretista.
Observe os comentários abaixo sobre outras manifestações artísticas desse período: (Fonte – Língua e Literatura dos professores Carlos E. Faraco e F.M. de Moura, p. 236):

Manifestações artísticas

Pintura
A partir de 45, a fundação de museus foi um fator de grande importância para a divulgação de artes plásticas. Da mesma forma, a Bienal de São Paulo, a partir de 50, faria convergir para cá a arte contemporânea de todas as partes do mundo.
Aparece o grupo concretista, em cujas  obras predomina o geometrismo.
A partir daí surgem várias tendências de difícil esquematização.

Arquitetura


Brasília é o exemplo mais ilustrativo das renovações que caracterizam o período em questão


O risco original de Lúcio Costa para o projeto de Brasília, uma cidade inteiramente planejada que refletia a ânsia de progresso da época.
No que tange à dramaturgia (TEATRO) tivemos nomes como Jorge de Andrade (A Moratória), Ariano Suassuna,¸Augusto Boal, entre outros.
É desta época a montagem para o teatro de Vestido de Noiva, de Nélson Rodrigues. Encenação que surpreendeu pela inovação quanto ao plano cênico.

              PROSA
Clarice Lispector (1925-1977)
Ucrânia (União Soviética) e faleceu no Rio de Janeiro.

“Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre  o mundo.”
“Algumas pessoas cosem para fora; eu coso para dentro”.


A família veio para o Brasil quando a escritora era recém-nascida, instalando-se no Recife. Mais tarde, Clarice Lispector viveu no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Casada com um diplomata, conheceu vários países.
Romance: Perto do coração selvagem (1944); O lustre (1946); A cidade sitiada (1949); A maçã no escuro (1961); A paixão segundo G.H. (1964); Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969); Água viva (1973); A hora da estrela (1977).
Conto: Alguns conos (1952); Laços de família (1960); A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); Imitação da rosa (1973).
Literatura Infantil: O mistério do coelho pensante (1967);
Crônica: A descoberta do mundo (1984).
A “escritura” clariceana se caracteriza, normalmente pela ruptura quanto à estrutura dos gêneros – aproxima prosa de poesia – pela não preocupação com o desenvolvimento do enredo (volta-se mais para a repercussão que os fatos têm sobre a consciência dos personagens), pelo mergulho fundo no interior do ser humano (literatura introspectiva), pelo uso que faz da metáfora insólita, do fluxo de consciência.
Levar o personagem a conhecer-se, a mergulhar no seu interior, no espaço labiríntico da memória traz como consequência o aparecimento de um sujeito despojado das ilusões do cotidiano. Levá-lo, a conhecer, abruptamente a “verdade” dele é o objetivo da autora. Este ponto máximo da narrativa se dá com o chamado MOMENTO EPIFÂNICO, ou seja, MOMENTO DE ILUMINAÇÃO, processo que ocorre a partir de cenas comuns do cotidiano: “um grito”, “um susto”, “um encontrão” permitem ao personagem ver a si de outro modo. Aprofundam-se as relações humanas.
O universo mental dos personagens é investigado de forma não linear, ou seja, a escritom não se preocupa com a determinação nem do espaço nem tempo. O tempo é marcado por superposição de planos: passado (tempo da memória) que se diferencia do tempo presente ou do tempo da imaginação. Não há preocupação com a lógica, com a ordem da narrativa. Assim, vários planos narrativos se cruzam abrangendo o problema da existência como problemas da expressão e da comunicação. Às vezes as dimensões espaço e tempo se fundem.
“Vê-se que a literatura volta-se sobre si mesma, de modo que a ação narrada é a própria situação problemática dos personagens em busca de si próprios.
A negação da linguagem transforma-se em signo do ser”.  Em Clarice é “como se em vez de escrever, ela descrevesse, conseguindo um efeito mágico de refluxo da linguagem, que deixa à mostra o “aquilo”, o “isto”, o “inexpressado”, o “inefável”. O tom bíblico surge em alguns de seus contos mostrando possíveis saídas para a náusea existencial. A escritora, assim, não interpreta o mundo, anseia refleti-lo. Procura nos ensinar a ver e compreender o mundo e os seres que nos cercam.
Clarice Lispector apresenta uma escritura metafórico-metafísica, dilacerada pelo dilema entre existir e escrever, entre razão e sensibilidade: “A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito, mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio”. (Água Viva).
Não podemos esquecer que o efeito do “estranhamento”, da perplexidade é comum na produção clariceana. Quem não lembra a barata em A Paixão Segundo G. H?
Ao esmagar uma barata, a personagem G.H. sente náusea (náusea sartreana). Vive o momento de iluminação. O transe da  narradora G. H. No quarto de sua ex-empregada, durante o qual revê todos os valores de sua vida até então, é transmitida por várias imagens que se interligam, exibindo as metáforas da vida.
“As grutas são meu inferno (...) Dentro da caverna obscura tremeluzem pendurados os ratos com asas em forma de cruz dos morcegos. Vejo aranhas penugentas e negras.” (A.V.)

        A dúvida sistemática no que diz respeito à possibilidade do conhecimento, a visão da verdade como algo que sempre incluiu o seu oposto, a preocupação com a precariedade da aparência, o uso de paradoxos, antíteses paralelas, expressões temporais opostas (passado x futuro). Em A Paixão Segundo G. H “mansa loucura”, “aterradora liberdade”,  “vivificadora morte”, “gozo horrendo”.
Clarice usou demais expressões contrastantes que revelam uma tensão equilibrada. Quanto mais estranho, mais harmonioso: “Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.” (em Água Viva)
Eis as surpresas conseguidas pelas diferenças quando o objetivo é ver-se de todos os pontos de vista possíveis: “tudo olha para tudo, tudo vive o outro”. Perde-se a visão ordenada para ganhar o face-a-face com a realidade final. O encontro com essa batalha total começa com a linguagem, daí termos iniciado esse estudo sobre Clarice falando na “ESCRITURA”da autora.
Reflexões sobre “valores”, questionamentos filosóficos e existenciais, a mulher e o ambiente familiar (os perfis femininos e uma reflexão sobre os papéis sociais) a ‘escritura’ literária (metalinguagem) são pontos frequentes em sua prosa.
Em seu último livro A HORA DA ESTRELA (1977) conta a história de Macabea e Olímpico de Jesus, retirantes nordestinos que vão para o Rio de Janeiro. Macabea, moça ingênua, alienada de si e do mundo sofre na cidade grande. Busca sua identidade, mas não a obtém. Desprezada pelo namorado, vai procurar consolo na casa de uma cartomante que lhe enche a cabeça. Ao sair é atropelada por um Mercedes Benz – eis sua hora, eis a HORA DA ESTRELA, seus segundos de felicidade, de transformação interior.
Em sua obra – de modo geral – Clarice explorou territórios desconhecidos do espírito humano e para atingi-los violentou e ampliou os limites da linguagem. Sua obra pode ser vista pelo ângulo formal, filosófico, psicanalítico e místico.



João Guimarães Rosa (1908-1967)
um mestre da PROSA experimentalista BRASILEIRA
“Sensacional. Estranho. Poderoso.”


Nasceu em Cordisburgo (MG) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ). Formou-se em Medicina, tendo exercido a profissão até 1934, quando entrou para a carreira diplomática, servindo em vários paises. Em 1963, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, adiando a posse até 1967. Três dias depois de solenemente empossado, Guimarães Rosa morreu, vítima de problemas cardíacos.

Obras: Sagarana (1946); Corpo de baile (1956); Grande sertão: veredas (1956); Primeiras estórias (1962); Tutameia: terceiras estórias (1967); Estas estórias (1969); Ave, palavra (1970); Corpo de baile (1956) – aparece a partir de terceira edição em três volumes (Manuelzão e Miguillim; No Urubuquaquá, no Pinhém; Noites do sertão).

“SABE O SENHOR: SERTÃO É ONDE O PENSAMENTO DA GENTE SE FORMA MAIS FORTE DO QUE O PODER DO LUGAR. VIVER É MUITO PERIGOSO...”
“Mire e veja: o importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (Riobaldo, personagem narrador  - Grande sertão: veredas)

Quando se fala em Guimarães Rosa, fala-se na inovação da linguagem, na originalidade quanto ao uso do código verbal, na visão de mundo marcada pela reflexão sobre o ser, sobre a existência, sobre Deus, sobre valores como o bem e o mal. Discute-se o sentido da amizade, do amor, a difícil travessia que é a vida (“Viver é muito perigoso”), os problemas que angustiam a humanidade independente do lugar e do tempo em que cada homem se encontra. Enfim, investe-se na sondagem do universo interior. Em 1946 ele surgiu no cenário da literatura brasileira com a coletânea de contos SAGARANA (SAGA = canto heróico, lenda; RANA = à maneira de). Nesta obra, o autor investe no sertão geográfico e universal: “O sertão é o mundo.” Fala do sertão de Minas Gerais, do vaqueiro, do gado, da política de coronéis, da ideia do bem e do mal, dos homens do sertão, do amor, da paisagem. Busca um sentido, uma moral. Cada conto é introduzido por epígrafes que são indícios da essência da narrativa. Elas são reflexos do folclore mineiro, dos ditos populares, das cantigas da roça:

“Eu  sou pobre, pobre, pobre,
vou-me embora, vou-me embora...
.......................................................
Eu sou rica, rica, rica,
vou-me embora daqui”.  (CANTIGA)

“SAPO NÃO PULA POR BONITEZA. MAS PORÉM POR PRECISÃO.” (Provérbio capiau)


Um dos contos mais conhecidos dessa coletânea é A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA. Narra a história de Nhô Augusto, homem prepotente da redondeza e metido a dono do mundo. Um dia é castigado, abandonado pela família e pelos empregados da fazenda. Atacado pelos inimigos quase morre. Consegue escapar e promete mudar, pois quer entrar no céu, “nem que seja a porrete”, torna-se um penitente. Vai, assim, ao encontro daquilo por que tanto ansiava, sua hora e sua vez.
Vê-se, com Sagarana¸que Rosa é hábil em criar enredos e lidar com a linguagem: resgata a oralidade sertaneja, aproveita os regionalismos e arcaísmos do sertão, lança mão dos estrangeirismos, cria neologismos, inventar palavras sonoras (SAGARANA, palavra cheia de a a). Essas serão as marcas de sua obra: O manejo com a linguagem, a pluralidade dos enredos.
O escritor adensa os seus temas com Corpo de Baile (1956) e Grande Sertão: Veredas, seu único romance.
Em Campo Geral (primeira novela), encanta ao construir o personagem Miguilim, menino que morava no engenho Mutum com sua família. Miguilim aprende o sentido da morte (encantamento), da saudade – em função da perda do irmão Dito. Passou a ver o seu lugar de forma diferente quando, um dia, um senhor dos óculos chegou, ao engenho, a cavalo e ao perceber a ‘miopia’ de Miguilim lhe emprestou os óculos daí então o menino nunca mais foi o mesmo:
“Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim... E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
– Olha, agora!
Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas (...) E tonteava. Aqui, ali meu Deus tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe esteve assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo...”
A obra-prima do autor é Grande Sertão: Veredas, texto traduzido para várias línguas. Nesta produção, a reflexão sobre a vida e o lidar com o texto se amalgamam possibilitando uma série de interpretações (obra aberta).
A tessitura romanesca é construída a partir de uma longa narrativa oral: Riobaldo, ex-jagunço, já velho conta sua história de vida pelo sertão de Minas, de Goiás e do Sul da Bahia a um ‘suposto’ interlocutor que jamais usa da palavra. Tem-se, na verdade, um grande monólogo e o narrador – personagem “apesar de ter pertencido à plebe rural e de ter aderido à jagunçagem, recebeu educação formal”,  fato que garante a coerência quanto ao caráter metafísico de seus questionamentos e a leveza do seu discurso, o texto explicando a existência.
A obra é polifônica, mas todos falam pela boca de Riobaldo (MONÓLOGO DE TOM MEMORIALISTA), um grande contador de histórias que mistura fatos vividos com fatos imaginados.
Já que tudo se dá via memória, é natural que a narrativa tenha uma sequência caótica, desarmônica.
O grande inimigo do narrador-personagem Riobaldo é Hermógenes, (assassino do chefe Joca Ramiro, eis um dos fios da tessitura narrativa. Outro fio é a questão amorosa, a atração que Riobaldo sente por Reinaldo (na verdade Diadorim – identidade revelada só bem depois quando Diadorim é morto (a) por Hermógenes, mas antes vinga a morte de seu pai, Joca Ramiro).
Para alguns críticos o romance Grande Sertão: Veredas é estruturado em três planos:

1)         Riobaldo e sua vida de jagunço:
O narrador expõe o sertão e os aspectos geoeconômico-sócio-político-sociais.
2)         Riobaldo faz reflexões sobre seus medos, a vida, a difícil travessia, a totalidade do “Si-Mesmo”.
3)         Riobaldo reflete sobre a ideia de Deus, “os conflitos representados pelas forças da natureza”. (PLANO MÍTICO).

Para criar todo esse universo Rosa lançou mão dos elementos que traduzem o poético: ritmo das sequências verbais, uso de frases exclamativas e interrogativas, interjeições, repetições de palavras, metáforas, aliterações, assonâncias. Resgatou o modo de falar do sertanejo na voz de Riobaldo, misturou esse modo ao código linguístico de cunho erudito e assim fez surgir: regionalismos, arcaísmos, estrangeirismos, neologismos, africanismos.
Rosa usa, às vezes, do surrealismo, de um português bem diferente e o experimentalismo com a linguagem. Em Tutameia Terceiras Estórias usou provérbios invertidos, ou melhor, negou-os para criá-los inéditos.
A linguagem da produção rosiana é altamente estilizada. Ela elimina a distância entre prosa e poesia e traz ao romance múltiplos sentidos. A obra Grande Sertão: Veredas encerra com o símbolo do infinito a dizer que o mistério da vida continua e à travessia é perigosa. Cabe ao homem o difícil INTERVALO.
Tem-se assim a síntese de experiências formais e ideológicas, as operações da linguagem para dizer do homem, da vida, da amizade, da profundidade do ser.

Primeiras Estórias : O próprio autor cunhou o gênero estória como conto breve. Conforme a organização dos enredos e dos núcleos temáticos, as estórias pode ser classificadas em cinco categorias. Loucura: Sorôco, sua mãe e sua filha - Nada e a nossa condição - O cavalo que bebia cerveja -A benfazeja - Darandina - Tarantão, meu patrão. Infância :As margens da alegria - A menina de lá - Pirlimpsiquice - Partida do audaz navegante - Os cimos . Violência-Famigerado - Os irmãos Dagobé . Fatalidade/Misticismo : A terceira margem do rio - Nenhum, nenhuma - O espelho - Um moço muito branco . Amor :Sequência - Luas-de-mel –Substância.

O próprio Guimarães Rosa escreveu o texto a seguir, para divulgação do livro Grande Sertão: Veredas. Observe os pontos que ele acentua e o destaque dado à surpresa do epílogo, quando a leitor descobre que Diadorim é mulher: Sendo um amor o impossível. Onde narra sua vida o ex-jagunço Riobaldo. O sertão está em toda a parte. Dois meninos atravessam o São Francisco numa canoa. A força particular. O escrito que veio da matriz de Itacambira. Nhorinhá, a linda, rapariga perdida no ser do sertão. Os cavalos na madrugada. Diadorim e Otacília. Seja ciúme, amor, ódio e sangues. A carne do homem que não era macaco. Na Guararavacã do Guaicuí do nunca mais. Carece de ter coragem. Carece de ter muita coragem. Rosa’uarda, moça turca. Um homem desceu o rio Paracatu, numa balsa de buriti. À meia-noite  nas Veredas Mortas. O que apareceu montado na égua. O leproso trepado na árvore. Seis chefes jagunços põem outro em julgamento, na fazenda Sempre-Verde. Episódio de Maria Mutema e do Padre Ponte. A matança dos cavalos. De como Inadalécio e Antônio Dó invadem a cidade de São Francisco. A canção de Siruiz. O sofrer de dois amores. Morte de Medeiro Vaz – o rei dos Grais. O sertão é dentro da gente. A mulher presa no sobrado. Nos campos do Tamanduá-tão: foi grande batalha.
_______________________




              POESIA

João Cabral de Melo Neto (1920-2000) –  O Poeta – engenheiro

A VOLTA AO RIGOR FORMAL, À DISCIPLINA

Recifense. Ingressou na carreira diplomática, exercendo sua profissão durante mais de quarenta anos, em diversos países. Aposentado, morou no Rio de Janeiro. A Espanha pareceu ter sido o país que mais influenciou a obra de João Cabral. Pertenceu à Academia Brasileira de Letra desde 1968.

Obras: Pedra de sono (1942); O engenheiro 91945); Psicologia da composição (1947); O cão sem plumas (1950); O rio (1954); Morte e vida Severina (1956); Paisagens com figuras 91956); Uma faca só lâmina (1956); A educação pela pedra (1966); Museu de tudo (1975); Auto do frade (1984); Agrestes (1985); Crime na Calle Relator (1987)”.

O poeta João Cabral sempre se preocupou com a depuração da forma, em manter vivo o espírito da pesquisa formal, com objetividade ao examinar a realidade seja ela o Nordeste, a Espanha ou a própria Arte. Do ponto de vista estética, Cabral se distanciou das propostas inovadoras da geração de 22 e reviveu certos valores parnasianos e simbolistas tais como a preocupação com o fazer poético, o uso de vocabulário erudito por isso foi chamado de neoparnasiano. Leia os textos abaixo e confirme a preocupação com o fazer poético, o uso de vocabulário erudito por isso foi chamado de neoparnasiano. Leia os textos abaixo e confirme a preocupação do autor com a ‘arquitetura’ da poesia com o distanciamento quanto à emoção, o combate ao sentimentalismo:

Equilíbrio reestabelecido, de Lothar Charoux, 1958. Linhas paralelas  escupem, inesperadamente, formas circulares.




O ovo

     O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda vida.

E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas nágua, na brisa.

No entretanto, o ovo e apesar
da pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

(MELO NETO. João Cabral de. As formas do nu)

NOTA: O pintor surrealista Joan Miro bem como Piet Mondrian mereceram admiração profunda de João Cabral. Mondrian impressionou pelo racionalismo e geometrização dos traços.

“Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grão na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e coco, palha e eco.”
(Catar Feijão)

Veja que o poeta reflete o que é para ele fazer poesia – METALINGUAGEM -, situação comum a outros escritores estudados como Carlos Drummond de Andrade (Procura da Poesia), Murilo Mendes (A Poesia em Pânico, Poemas) – que influenciaram João Cabral. A Preocupação em atacar a chamada “poesia dita profunda” irrompe em sua obra PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO. Esforçou-se muito para pôr em relevo a simetria, construir uma poética anti-românica, distante do que se chama inspiração, fato constante em seu trabalho.
Como filho e neto de senhores de engenho conheceu de perto o sertanejo, os canaviais banguês, os cantadores e repentistas, os escritores de literatura de cordel. No Recife, esteve ao lado de seus primos Gilberto Freyre e Manuel Bandeira. Leia agora um texto de Cabral que é reflexo dessa vida nos engenhos:

TEXTO

A DESCOBERTA DA LITERATURA

No dia-a-dia do engenho / toda a semana, durante / cochichavam-me em segredo: / saiu um novo romance. / E da feira do domingo / me traziam conspirantes / para que os lesse e explicasse / um romance de barbante / Sentados na roda morta / de um carro de boi, sem jante, / ouviam o folheto guenzo, / o seu leitor semelhante,  / com as peripécias de espanto / preditas pelos feirantes. / Embora as coisas contadas / e todo mirabolante / em nada ou pouco variassem / nos crimes, no amor, nos lances, / e soassem como sabidas / de outros folhetos migrantes, / a tensão era tão densa, / subia tão alarmante / que o leitor que lia aquilo / como puro alto-falante, / e, sem querer, imantara / todos ali, circunstantes, / receava que confundissem / o de perto com o distante, / o ali com espaço mágico, / seu franzino com o gigante, / e que acabasse tomando / pelo autor imaginante / ou tivesse que afrontar / as brabezas do brigante.”    (João Cabral de Melo Neto)

As marcas do Recife ficaram em Cabral – mesmo quando decidiu morar no Rio de Janeiro (1942). O Rio Capibaribe aparece em obras como O Rio, O Cão Sem Plumas, Morte e Vida Severina bem como a influência do engenheiro poeta Joaquim Cardoso (poeta e matemático) – Leia, no texto abaixo, a presença do Rio Capibaribe na obra do autor:

II
Paisagem do Capibaribe

Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão
humilde e espesso.

Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.

Como rio
aqueles homens
são como cães sem plumas
(um cão sem plumas
é mais
que um cão saqueado;
é mais
que um cão assassinado.

Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).

O rio sabia
daqueles homens sem plumas.
Sabia
de suas barbas expostas,
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa.

Ele sabia também
dos grandes galpões na beira do cais
(onde tudo
é uma imensa porta
sem portas)
escancarados
aos horizontes que cheiram a gasolina.

E sabia
da magra cidade de rolha,
onde homens ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos
(vão todos
vestidos de brim)
secam
até sua mais funda caliça.

Mas ele conhecia melhor
os homens sem pluma.
Estes
secam
ainda mais além
de sua caliça extrema;
ainda mais além
de sua palha;
mais além
da palha de seu chapéu;
mais além
até
da camisa que não tem;
muito mais além do nome
mesmo escrito na folha
do papel mais seco.

Porque é na água do rio
que eles se perdem
(lentamente
e sem dente).
Ali se perdem
(Como uma agulha não se perde).
Ali se perdem
(como um relógio não se quebra).

O CÃO SEM PLUMAS poema desenvolvido em prosa discursiva”. Divisão; I – Paisagem do Capibaribe; II – Paisagem do Capibaribe; III – Fábula do Capibaribe; IV – Discurso do Capibaribe). O Cão Sem Plumas foi escrito em Barcelona, Espanha. Esse longo poema iniciou um ciclo na obra de João Cabral, em que o poeta explicitou sua preocupação com a realidade pernambucana: ele buscou, em meio a uma atmosfera mineral, um homem vivo. A ênfase sociológica desse poema marcará produção seguintes como O Rio e Morte e Vida Severina.
Não podemos esquecer que para o ‘poeta-engenheiro’ João Cabral a construção de texto é fruto de um trabalho lúcido, demorado e paciente e os problemas sociais do Nordeste entram como temas de forma equilibrada, reflexos de sua experiência de nordestino.
Em AUTO DO FRADE (1984), enveredou pela poesia de base histórica e falou do percurso trágico de frei Caneca, (o último dia do frei) homem condenado à morte em 1825 por ter participado da CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR, por ter passado um mundo justo, uma sociedade futura. À semelhança de Severino (um retirante às avessas) Caneca, em seu trajeto, descortina nova vida e por isso vai morrer.
Há, na poética cabralina, algumas imagens recorrentes tais como: a pedra (a didática da pedra, forma de se falar da realidade dura, áspera do homem, sobretudo nordestino), a paisagem mineral, o deserto, a areia do deserto (a folha em branco, a paisagem esterilizada pelo Sol), o “pomar às avessas”, as “raízes aéreas” (sem vínculos, sem passado – tentativa de livrar-se da subjetividade, das lembranças.), o tear (a máquina do poema, as palavras concretas “tecidas e destecidas” à maneira de fios, de “tramas complicadas” e que provocam surpresas.); a Cidade Solar de Frei Caneca (símbolo da ordem social almejada); o papel praia, a brancura crítica.
Cabral estreou com a obra PEDRA DO SONO (1942), poemas curtos com versos regulares e brancos. O título dessa obra já se revela antitético: a pedra – a dureza, o trabalho racional, o intelectualismo; o SONO, a dimensão surreal, a imaginação,o inconsciente. Cabral usou do método surrealista para escrever e não da ‘escola surrealista’. Lançou mão das ‘sugestões oníricas’ à maneira de Murilo Mendes e da ‘estilística da repetição de Carlos Drummond.
A construção do texto de forma mais rigorosa, geométrica, a palavra exata, precisa que corta como uma faca (a faca só lâmina) se firma em O Engenheiro (1945), obra em que se percebe a supremacia do pensamento, da razão, a linguagem pensada e pesada segundo critérios de rigor formal e precisão de significado. Cabral se apropria das habilidades do tecelão, da bailadora Andaluza, do toureiro, do cantador de flamenco, do ferrageiro e de vários poetas, pintores e escultores construtivistas. É o projetista destinado a inscrever a sua prática numa visão clara e precisa do objeto a construir, a geometria como modelo de linguagem, as técnicas do projetista armado de visão crítica:

“A luz, o sol, o ar livre

envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.

o lápis, o esquadro, o papel;
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.”
(O engenheiro – J.C.M.N.)

Veja que, além da preocupação formal, tem-se o reconhecimento da coletividade: “o mundo justo” sonhado pelo engenheiro.

Em PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO (1947), levou o sentido lógico de O Engenheiro às últimas consequências, primou pela geometria da composição, expôs significados no espaço textual, deu à matéria a aritmética do metal, o objetivismo.
A Psicologia será o reforço do rigor formal: “Esta folha branca / me proscreve o sonho, / me incita ao verso / nítido e preciso.” Nos textos dessa obra, o autor procura livrar-se de tudo que comprometa seu trabalho de nitidez, precisão tais como: o lado onírico (sonho), a inspiração, o acaso, o improviso, a fuga, a subjetividade, o casual:

“Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
(...)
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.”

Veja o repúdio à retórica do ‘gorduroso’, do ‘encharcamento’, e a opção pelo despojamento do “poeta de SIMETRIAS”.

Em 1954, escreveu O Rio, poema geográfico. O Rio (Capibaribe) conta tudo o que vai vendo desde seu nascimento até continuar pelo mar, ao chegar no porto do Recife onde se junta a outros rios.
Seu trabalho mais popular é o poema dramático.
Morte e Vida Severina  (1956), auto de Natal do folclore pernambucano. “Trata-se de uma peça destinada ao povo, daí o verso popular típico dos romances e romanceiros”.
Cabral conta a história de Severino (um retirante à avessas) personagem-protagonista desde a retirada do sertão até chegar ao Recife. Diz todos os problemas econômico-sociais enfrentados por Severino e pelos outros nordestinos com que Severino se depara. Severino assim como Frei Caneca é a coletividade, é o fazer e o agir, unificados na solidariedade da consciência com o mundo. Em sua viagem (trajeto), Severino descortina uma nova vida e representa o retirante nordestino cujo sofrimento adensa a percepção da vida. Eis o segundo movimento da obra: a vida – (morte = trajeto x vida = capacidade de mudar as situações.)

NOTA: Atente para o nome SEVERINO que lembra severo (adjetivo): vida severa, vida severina. Morte desenganos, fome, miséria se misturam à luz, nascimento, ao espetáculo da vida.

– Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se não responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.

E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, frazina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.


Em 1955, escreveu UMA FACA SÓ LÂMINA: Como estrutura de livro, A Educação Pela Pedra é a obra mais tensa. Como verso é UMA FACA SÓ LÂMINA. “Cabral fala da vantagem de se viver com uma ideia fixa seja ela política ou o amor de uma mulher. Para ele é assim que se adquire lucidez, criatividade. Uma faca só lâmina é um poema sobre a obsessão concreta.
Com DOIS PARLAMENTOS (1958-1960) preocupou-se com a estruturação da obra (estrofação e métrica). Na primeira parte, fala do problema da seca – Um grupo de senadores sulistas dirigem-se ao polígono das secas. Na segunda, quase o mesmo tema, acrescenta Festa na Casa Grande. Com destaque para o Serial (1959-1961) – 16 poemas de 4 partes, 4 maneiras diferentes de ver coisas. São poemas em série. O fazer poético mais uma vez é contido e o poeta tenta ir além do tom lírico, da subjetividade, da musicalidade. Toda atenção do escritor se volta para o objeto:

“Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
Maciçamente ovo, num todo.”

A Educação pela pedra (1962-1965)
“O rigor estético, formal já aparece sugerido na imagem da pedra. O livro foi estruturado num dualismo: 48 poemas, metade deles é dedicado a Pernambuco, a outra metade não; metade dos poemas tem 24 versos, a outra metade 16; metade dos poemas são simétricos, os outros, assimétricos; metade associam-se, outra metade repelem-se...” É a educação, pela pedra, pela lama, pela história sofrida de Pernambuco.

Em Museu de Tudo (1966-1974)
Neste livro, fez de tudo: poemas de circunstâncias, poemas escritos em 52, poemas sobre um filósofo, poemas sobre a música da Andaluzia, sobre pintores, escritores, futebol e outros poemas que não conseguiu inserir na arquitetura de nenhuma obra anterior.

A Escola das Facas (1975-1980)
O nome seria Poemas Pernambucanos, mas o editor achou que não seria comercial. O título A Escola de Facas veio por imitação ao título da obra de molière A Escola de mulheres.
Nesta obra, Cabral lembra as coisas da infância e faz uso da 1ª pessoa do singular.
Em Crime na Calle Relatorn (1985-1987), aparecem os poemas narrativos, fatos ocorridos com o poeta em Sevilha, Pernambuco, Inglaterra. A obra apresenta – de certo modo – unidade formal, mas não em termos de temas. O Recife é a cidade que mais aparece na obra.
Seu objetivo é contar histórias, anedotas e boa parte das histórias são verdadeiras: “Essa história quem me contou foi uma bailarina de flamenco...”
Assim “O projeto do poeta-engenheiro, inicialmente pensado à luz da claridade meridiana e desenhado com a ajuda do esquadro e do número, vai se materializando na palavra mineralizada à superfície da folha de papel, move-se na discursividade do rio-discurso, metaliza-se no fio da faca só lâmina, mineraliza-se nas asperezas da pedra e tensiona-se ao extremo na ponta-só-ponta do punhal de Pajeú.”
Mesmo sabendo que Cabral fez um corte profundo entre a poesia romântica e moderna, distanciou-se do “eu-lírico”, do sentimentalismo não podemos esquecer que a figura feminina, o tema amoroso aparecem embora marcados pelo racionalismo, pelo equilíbrio.

“Tua  sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
rua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será quando se abra:
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas.”


O Concretismo e as novas possibilidades estéticas na poesia: A Vanguarda Concretismo:

O desejo de renovação estética fez surgir, no Brasil, a mais significativa vanguarda poética após a Semana de Arte Moderna de 1922.
Entre os anos de 1956 e 1962 ocorreram publicações que exploraram novas formas de fazer poesia. Era o desejo do novo em meio à civilização industrial e tecnológica, afinal “sem forma revolucionária, não há arte revolucionária”, pensou Maiakóvski.
Visou-se, nesse momento ao despojamento do vocábulo e ao uso, mais racional possível da palavra ­­– projeto já iniciado pelo pernambucano João Cabral de Melo Neto.
A essa renovação da linguagem, do uso da palavra e do experimentalismo estético, chamou-se CONCRETISMO.
Em 1952, formou-se o grupo NOIGANDRES e ocorreu a publicação de uma revista com o mesmo nome (NOIGANDRES = “antídoto do tédio”) que divulgou o desejo de novas formas de fazer poesia e a proximidade da poesia com as artes visuais.
Em 1956, houve, no Museu de Artes Moderna de São Paulo, a primeira mostra da poesia concreta. Estava lançado oficialmente o movimento da Poesia Concreta. Muitos apoiaram e outros repudiaram. O grupo Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (grupo noigandres) divulgou a nova tendência na arte em suplementos de jornais da época que virou depois um livro (Teoria da Poesia Concreta – 1965).

Leia os textos a seguir: Observe a ruptura com a estrutura discursiva do verso tradicional e o renascimento do poema-ícone.



              TEXTOS:


                   se
                   nasce
                   morre nasce
                   morre nasce morre
                               renasce remorre renasce
                                          remorre renasce
                                                      remorre
                                                                re

                              re
                               desnasce
          desmorre desnasce
       desmorre desnasce desmorre
                                          nasce morrenasce
                                          morrenasce
                                          morre
                                          se

              (Texto de AUGUSTO DE CAMPOS)





       beba coca cola
       babe
       beba coca
       babe cola caco
       caco
       cola
                   c l o a c a

              (Texto de DÉCIO PIGNATARI)



Os textos de Décio Pignatari e de Augusto de Campos põem em evidência o desejo dos poetas concretos nesse momento: a morte da poesia intimista e o desaparecimento do eu-lírico. Valorizou-se a geometrização e o aspecto visual da linguagem. Essas novas experiências têm seu alicerce em vanguardas europeias como o Futurismo e o Cubismo.
Entre os precusores bresileiros da tendência concretista pode-se apontar Oswald de Andrade (“em comprimidos minutos de poesia”) e João Cabral de Melo Neto (“linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso”). Além de Décio Pignatari e dos irmãos Campos, integraram a corrente concretista José Paulo Paes, Ronaldo Azevedo, Pedro Xisto, José Lino Grunewald, Edgar Braga.

1.          Característica da Poesia Concreta
¨         Exploração de todas as potencialidades das palavras e das combinações sintáticas.
¨         Ruptura com a leitura linear (cada poema é um convite a um novo tipo de leitura) – LUDISMO.
¨         Aproveitamento das conquistas modernistas de 1922 (as experiências radicais de Oswald de Andrade).
¨         Objeção ao subjetivismo formalista e o ideário classicizante.
¨         Influência da civilização industrial e tecnológica. Reflexo dos meios de comunicação de massa (quadrinhos, por exemplo).
¨         Preferência por estruturas nominais que se relacionam espacialmente (horizontal e/ou verticalmente).
¨         Substituição da sintaxe verbal pela sintexe analógico-visual (visão, audição, carga semântica).
¨         Valorização do significante (a palavra).
¨         Exploram-se os campos.

a)           Semântico: possemia, trocadilhos.
b)          Sintático: ruptura com a sintaxe tradicional.
c)           Léxico: neologismos, estrageirismos, siglas, substantivos concretos.
d)          Morfológicos: separações dos prefixos, dos radicais, dos sufixos.
e)           Fonético: uso de figuras de som; jogos sonoros.
f)            Topográfico: abolição do verso tradicional, aproveitamento dos espaços brancos, ausência dos sinais de pontuação. (Explora-se  uma sintaxe mais gráfica).   

1.1        Poesia – Práxis
Em consequência de uma dissonância no grupo concretista, em fins dos anos 50, surge uma nova tendência de vanguarda: A POESIA-PRÁXIS. Entretanto só em 1961 aparece seu  Manifesto Didático, assinado pelo poeta-mor  Mário Chamie.
Para os poetas desse momento “a palavra é uma célula dos discursos”. O texto – práxis  valoriza a palavra no contexto extralinguístico. A palavra se caracteriza pela periodicidade e repetição cujo sentido e dicção mudam, segundo sua posição no texto.


                    FORÇA NA FORÇA

             A palavra na boca
Na boca a palavra: força

A forca da  palavra força
A palavra rolha fofa

A rolha sem força
a palavra em folha rolha

na força da palavra forca
 a  palavra de boca em boca

na boca a palavra forca
a palavra e sua força


falar na era da forca
calar na era da força

na era de falar a forca
a era  de calar a boca

na era de calar a boca
a era  de falar à força

calar a força da boca com a força
falar a boca da força com a força

calar falar a palavra
não na ira da era ida

falar calar a palavra
nesta ira de era viva

calar a palavra na era ida da ira
falar a palavra na viva era da vida


mas a forca da palavra força
: um cedilha em sua boca

(Mário Chamie: Objeto Selvagem)


Vale destacar, com base no texto, que Chamie desenvolveu seu trabalho explorando as permutações fonéticas e as variações semânticas possíveis de algumas palavras: falar – calar; era – ira.

               

              Agiotagem


um
dois
três
o juro: o prazo
o pôr / o centro / o mês / o ágio

porcentágio.

dez
cem
mil
o lucro: o dízimo
o ágio / a moral / a monta em péssimo

empréstimo.

muito
nada
tudo
a quebra: a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota

haja nota
agiota.

              (Mário Chamie)


1.2 Poema - Processo

O poema – processo também proveio da poesia concreta. Apareceu em fins de 1967, no Rio de Janeiro e seu maior representante foi  Wladimir  Dias-Pino.  Entra-se na área dos signos visuais plásticos `´a procura de novas experiências”. Busca-se a superação da palavra:”O poema se faz com oprocesso e não com palavras (...) O poema é físico e tátil em sua visualização”.
No poema concreto, é a palavra que é disposta no espaço da página para dar conformação, a conformação visual ao poema. Nos trabalhos de Dias- Pino, as palavras são substituídas, no decorrer dos trabalhos, por signos gráficos (figuras geométricas, perfurações no papel) e ao final os trabalhos  ficam sem qualquer palavra.


1.3                 A Poesia Social

Alguns escritores dos anos 50 e 60 se opuseram aos excessos de teorização e experimentalismo que caracterizam a poesia modernista desta época e  propuseram a volta à estrutura discursiva do verso. Além da linguagem discursiva, preocuparam-se em trazer par o texto o dia-a-dia difícil do homem comum, a situação política caótica. Nasce uma arte que revela a postura do escritor diante da vida.
São escritores desse momento: Thiago de Melo e principalmente Ferreira Gullar que rompeu com o grupo de poesia concreta (pouco antes do golpe de 1964) e se voltou para a construção de (textos mais na linha social). A Guerra Fria, o mundo capitalista, a opressão, a bomba atômica, o Terceiro Mundo (começaram a incomodar o “poeta maranhense” que se mudou depois para o Rio de Janeiro. Em 1962 escreveu João da Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer e Quem Matou Aparecida. Na época da ditadura militar, sua poesia ganhou ainda mais resistência. Nasce Dentro da Noite Veloz (1975) e Poema Sujo (1976).Produziu ainda na linha da dramaturgia e dos ensaios. No teatro, destacou-se com a pela Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Com Vanguarda  e Subdesenvolvimento (1969) fez um ensaio sobre sociologia da arte e em 1963 a linha do ensaio já se fazia notar com CULTURA POSTA EM QUESTÃO. Em seus ensaios, Gullar teorizou sobre a participação do artista no processo de evolução social. Tem também roteiros para a televisão com o objetivo de manter viva sua poesia de resistência. Repugnando a repressão e ávido por justiça carregou nas tintas e fez uma obra de tensão psíquica e ideológica. Um trabalho de denúncia dos problemas da época. Viveu, exprimiu e experimentou as angústias de uma crise cultural, evidenciou em seu lirismo trágico e subversivo os problemas do homem, conduziu a manifestação poética para além de quaisquer limites. O poeta do mundo em suas muitas vozes trouxe ainda para a tessitura textual a sua infância, os seus parentes e conhecidos, o cotidiano da velha São Luís do Maranhão.
Sua poética, no dizer de Ivan Junqueira “está marcada, desde o início por um intenso e radiante cromatismo, por uma viva preocupação plástico-visual.”
Apesar do envolvimento político-social, manteve-se autêntico para falar de suas lembranças “sujas”, de um momento gravado a “ferro e fogo” em sua alma de poeta universal em sua peculiaridade, em sua habilidade em tornar lírico o cotidiano dos homens comuns.



A VIDA BATE

       O amor é difícil
       mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
       E estamos na cidade
       sob as nuvens e entre as águas azuis.
       A cidade. Visto do alto
       ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
       como se estivesse pronta.
       Vista do alto,
       com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheia de vozes
e ruínas. És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
Clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso.
       a vida bate
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.
                                            (Gullar, em Dentro da Noite Veloz)



2. TROPICALISMO

       Na década de 60 (1960) ocorreram vários festivais de MPB. Jovens dessa época preocuparam-se em expor uma linguagem verbal e musical bem diferente. Queriam romper a tradição (Chico Buarque) e protestar (Geraldo Vandré).
       O tropicalismo foi um movimento artístico-cultural que nasceu com os jovens Caetano Veloso, Gilberto Gil, o grupo Mutantes e Tom Zé.
       Admiradores das inovações musicais do movimento Bossa Nova (encabeçado por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes) e movidos pelo desejo de devorar as várias tendências culturais nascido com a antropofagia de Oswald de Andrade. Os artistas partiram para a construção de uma música que fundisse os Beatles (e suas guitarras elétricas), a Bossa Nova e o regionalismo de Luís Gonzaga: as guitarras incorporadas à música brasileira e o afã de deglutir diversas tendências musicais, culturais.
       Aproximar os aspectos contraditórios de nossa realidade: o lado cultura, civilização x o lado primitivo, o popular com o erudito. Eis a marca desse movimento cuja base foi uma visão crítica da cultura e de realidade brasileira num momento de ditadura militar, de Al-5, de presos políticos e exílios.

               
Texto: TROPICÁLIA (Caetano Veloso)

 “Sobre a cabeça os aviões/ sob os meus pés os caminhões/ aponta contra os chapadões
meu nariz /eu organizo o movimento/ eu oriento o carnaval/ eu inauguro o monumento /no planalto central
do país/ viva a bossa sa as/ viva a palhoça ça ça ça/ o monumento é de papel crepom e prata
os olhos verdes da mulata/ a cabeleira esconde atrás da verde mata o luar/ do sertão/ o monumento não tem porta/ a entrada é uma rua antiga estreita e torta/ e no joelho uma criança sorridente feia e morta/ estende a mão/ no pátio interno há uma piscina/ com água azul de amarralina/ coqueiro fala e brisa nordestina/ e faróis/ na mão direita tem uma roseira/ autenticando eterna primavera/ e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira/ entre os girassóis/ viva maria ia ia/ viva a bah ia ia iá iá ia/ nopulso esquerdo o bang-bang/ em suas veias corre muito pouco sangue/ mas seu coração balança ao som de um tambor/ emite acordes dissonantes/ pelos cinco mil alto-falantes/ senhoras e senhores ele põe os olhos grandes sobre mim/ viva iracema  ma ma/ viva ipanema ma ma ma ma/ Domingo é o fino da bossa/ Segundo-feira está na fossa/ Terça-feira vai à roça/ porém/ o monumento é bem moderno/ não disse nada do modelo do meu terno/ que tudo mais vá pro inferno/ meu bem/ viva a banda da da/ carmem miranda  da da da da” (Caetano Veloso)

               
               

ARIANO SUASSUNA
O criativo e polêmico mestre das Letras no Nordeste.

“Eu vi a Morte, a moça Caetana,/ com o manto negro, rubro e amarelo./Vi o inocente olhar, puro e perverso,/ e os dentes da Coral da desumana// Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel(...) Ela virá, a Mulher aflando as asas,/ com os dentes de cristal, feitos de brasas(...) só assim verei a coroa da Chama e Deus, meu Rei,/ assentado em seu trono do Sertão”.  Ariano Suassuna (Sonetos: “A Moça Caetana” e “A Morte”)

Uma análise da obra teatral de Ariano Suassuna nos fez mergulhar nas nossas origens culturais. Num recuo positivo em direção às sucessivas fontes que nos fizeram quem somos hoje: misto de regional e universal.
Os primeiros colonizadores trouxeram para cá a cultura europeia, transmitida oralmente. Assimilada pelos nordestinos, desenvolveram-se as influências ibéricas e mediterrâneas. Lançou o Movimento Armorial (cultura ibérica+africana+indígena= cultura brasileira)
Uma das influências que Ariano sofreu foi a dos escritores Gil Vicente, português, e do espanhol Calderón, ambos homens de teatro na época das grandes descobertas. Suassuna pratica o entrecruzamento de textos, adaptando várias obras populares (do cordel ao teatro europeu) ao seu modo. Conserva a língua popular, mas, com grafia e correção gramatical eruditas. Prepara o espectador para uma moral conforme o cristianismo. É muito comum em suas peças a cena de um “juízo final” (juiz-acusador-defensor-réu).
Além de usar textos alheios, recriando-os, Ariano pratica a intertextualidade, refazendo cenas de suas peças (exemplo: “O auto da Compadecida”) e enxertando-os em outras (em “A pena e a lei”).
Suas fontes vão de Shakespeare até a Bíblia. A intertextualidade (“comunicação entre texto”) era prática comum desde a Idade Média. Ariano a mantém, utilizando o cordel, o bumba-meu-boi, o mamulengo e também mistura o popular ao erudito (Cervantes, Moliére), fazendo tudo às claras, muito bem explicado em prefácio, palestras e aulas.

PEÇAS PRINCIPAIS:

O AUTO DA COMPADECIDA (1955): Como sabemos, um “AUTO” é o teatro medieval de alegorias (pecado, virtude, etc.) Personagens como santos, demônios. É um teatro de construção simples, ingenuidade na linguagem, caracterização exacerbada e intenção moralizante, podendo conter o cômico. Para escrever esta peça, Suassuna baseou-se em folhetos populares – primeiro e segundo atos baseiam-se em, respectivamente, “O Enterro do Cachorro” e “ A História do Cavalo que defecava dinheiro”, textos de Leandro Gomes. O terceiro ato é uma mistura de “O castigo da sabedoria”, de Anselmo Vieira e “A peleja da alma”, de Silvino Pirauá Lima. A invocação de João Grilo à Maria e o nome “Compadecida” também são inspirados em textos populares. João Grilo é o herói picaresco, passou fome e mente para ganhar o que quer, seu amigo Chicó também é mentiroso. A infidelidade da mulher do padeiro, a mesquinhez deste, o anteclericalismo e o cangaço são analisados por Suassuna num julgamento presidido por Maria, Jesus (negro) e atiçado por uma figura diabólica. No final, João Grilo volta à vida depois de morto.
A FARSA DA BOA PREGUIÇA(1955): Escrita em versos livres, tem trechos cantados. Cita a Bíblia e Camões, poeta da Renascença portuguesa. Cada ato tem uma certa independência um do outro (“O peru do cão coxo”, “A cabra do cão caolho” e “O rico avarento”). A inspiração de Suassuna desta vez recai sobre a arte do mamulengo, teatro de bonecos do Nordeste, com suas pancadarias e mestres, sua trama simples, como por exemplo, o patrão sempre é culpado. A história do diabo que quer levar uma mulher e um homem para o inferno. A exploração do homem pelo homem. A falta de caridade, a preguiça, a prova imposta à mulher, a vitória, seres celestiais disfarçados de pedintes e seres infernais oferecendo o pecado são temas que mais uma vez nos remetem à referida simplicidade medieval que apontamos no início deste estudo.
O CASAMENTO SUSPEITOSO (1957): É uma comédia de costumes. Trata do tema casamento por dinheiro. A ação se passa na casa da matriarca de uma família, dona Guida. Travestimentos, cenas de pancadaria e sátira aos membros da igreja e da justiça compõem esta pela Canção (figura tomada emprestada do bumba-meu-boi) é o empregado esperto e também faz lembrar alguns personagens das comédias de Molière (autor de comédias, francês).
O SANTO E A PORCA (1957), o casamento da filha de um avarento. O “santo” em questão é Santo Antônio e a “porca” é um cofrinho, símbolo do acúmulo de dinheiro (tão protetor quanto o santo).
A PENA E A LEI (1959): Aqui Suassuna reaproveitou cenas de seus textos “Torturas de um Coração” e da “Compadecida”, numa encenação que vai do boneco irresponsável ao ser humano pleno diante de Deus (Benedito, Mateus, Cheiroso e Cheirosa intensificam o cômico). A peça diverte mas também analisa as questões sociais: trabalho na usina, reivindicações  dos trabalhadores, companhias estrangeiras, fome, prostituição em cenas curtas e de muita movimentação. A preocupação com a moral está sempre presente e o trágico é diluído pelo cômico. São personagens estereotipados. Suassuna também se utiliza das cantorias nordestinas.
RESUMINDO: a comédia da antiguidade, o teatro religioso, a arte popular do Nordeste e seus folguedos são as salutares influências deste mestre das letras que é o paraibano Ariano Suassuna, Ex-aluno do Colégio Americano Batista do Recife (dos 10 anos 15 anos, uma fase de sua vida que sempre recorda com saudade), professor de Filosofia, foi  secretário de cultura do governo Arraes e que também é autor de três romances: Fernando e Isaura (sobre um amor impossível”,) Romance d’A pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. (Ed. José Olympio.RJ.1970), sobre um poeta que na década de 230 sonha em escrever um épico nordestino e acaba preso como comunista e História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao sold a onça Caetana, suas lembranças de infância e do pai, mescladas num sertão mítico.
Ariano é fundador do MOVIMENTO ARMORIAL reafirmando no nordeste a influência ibérica, africana e indígena.
A musicalidade dos textos de Ariano é agreste. Sua poesia rebrilha à luz ardente do Nordeste.
“Não faço distinção entre a cultura popular e erudita. A cultura brasileira, a cultura popular brasileira, não está ameaçada. Ela é resistente. Estão tentando matá-la, mas não conseguirão”, diz Ariano e nos convida ao deleite com pérolas do cancioneiro ibérico, a arquitetura africana, as cores da África, textos de José de Alencar, de Aluízio Azevedo. E é no Romanceiro popular que Ariano mais se inspira. Nas novelas de cavalaria, nos amores incríveis, nos heróis picarescos (zombeteiros) que permeiam as histórias que o povo conhece. Ele chega a usar um mesmo texto várias vezes como base para sua recriação. “A novela da Renascença é picaresca. O personagem principal é a Fome”. Emigra para o Brasil e herói pícaro ibérico, o astucioso que difere do opressor que é o lado ruim. Ao comentar o Brasil antes de Cabral, Ariano reafirma nossa cultura milenar: “Existia teatro indígena antes da chegada dos jesuítas. É absurdo centralizar a origem do teatro. O teatro japonês não nasceu na Grécia. Tem outra origem. O teatro indígena é um teatro de máscaras e excelentes figurinos e enredos fascinantes que envolvem sua religiosidade. Eu queria que um cineasta brasileiro fizesse com este tipo de teatro brasileiro o cineasta japonês Kurosawa fez com o antigo teatro japonês, o teatro Nô e com o Kabuki. Injustiça social não é base para a arte popular. Ela também não é primitiva. Os violeiros vêem televisão, os artistas populares transformam as informações universais em linguagem com temática local. Temos que fortalecer nossa cultura”. Para isso, Ariano usa seus conhecimentos de Filosofia, História e Literatura, trabalhando o belo de forma dialética, unindo-o ao cômico misturando o espírito intelectual com a esperança no homem, fundindo nossa herança barroca com um espírito neoclássico.
Análise do Romance d’A Pedra do Reino  (1970): Ariano recheia seu livro “Romance d’A Pedra do Reino” com humor malicioso e exibe sua perícia na selva das palavras. Mistura nobres e pobres num processo criativo ímpar. Os colonizadores do Brasil aparecem como bravos que tiveram coragem de matar para estabelecer novos rumos. Ariano traz para a narrativa suas experiências com o teatro e a poesia, brinca com a metalinguagem, expõe os “mistérios” da criação. O tema central do romance são as artimanhas de Quaderna e a trágica história dos seus antepassados na cidade de São José do Belmonte, interior de Pernambuco. Ariano, através da narração em primeira pessoa (Quaderna), descreve paisagens e situações alucinantes, reinventa a cronologia, adapta fatos históricos à sua ficção (a magia das grandes navegações, as cruzadas, os romances de cavalaria, as revoluções. Se Alencar foi exuberante mas não ousou exibir um herói picaresco, Ariano, com seu Regionalismo natural, busca as interseções entre o popular e o erudito, misturando a poética aristotélica com Romantismo e buscando o êxtase criativo num realismo que alguns intelectuais rotulam de mágico, fantástico. O encatatório, o mítico, o exótico vão delineando o espaço criativo que traça o painel do sonho de uma monarquia de esquerda, sonho que Ariano alimentou durante algum tempo. Obcecado em criar uma epopeia nordestina, o narrador torna-se cômico e o recurso Deus ex machina (sobrenatural) surge para resolver as inquietações da alma que perturbam a raça humana. Outro mito recorrente é o sebastianismo.
Podemos até arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que recusa a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa espécie de circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido, de dignidade, num emaranhado de “causos” alinhados por uma escrita competente que se utiliza do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo, transforma o interior de Pernambuco numa esspécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo, à lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo Corregador) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares (cordel e emboladores) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes, Quaderna busca a imortalidade através da Literatura, quer ser fidalgo. Quer louvar sua estirpe. Tenta reinventar Homero, a sua Odisseia é através do Atlântico nordestino e sua ilíada tem como palco o sertão, ali está a Onça Caetana ( a morte, a vida, o amor, a nacionalidade). Seres fantáscisoc pululam ao lado de personagens estilizados numa narrativa explosiva recheada de situações absurdas. (MOISÉS NETO  in Estudos Literários)


              DIAS GOMES
Uma visão do social no teatro e na novelística do Brasil. Nasceu em Salvador em 1922 e faleceu num trágico acidente automobilístico ocorrido em São Paulo no final dos anos 90. Teatro “Pé de Cabra”. “Amanhã Será Outro Dia”, “Doutor Ninguém” e “Zeca Diabo”. “O Pagador de Promessas” (marco da dramaturgia nacional), peça que se transformou em filme e venceu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. O Santo Inquérito, “A Revolução dos Beatos”, O Berço do Herói, “A invasão”, “Meu Reino por um Cavalo” e outras pelas, sempre com temática em defesa da justiça social e contra a opressão. Para a TV escreveu, dentre outras novelas, “O Bem-Amado” (1973), “Saramandaia” (1975)  e a censurada versão original de “Roque Santeiro” (1976). “O Santo Inquérito”: História de Branca Dias, torturada e morta pela santa inquisição na Paraíba, por ansiar a liberdade terminou na fogueira: “Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar”, diz a mártir.
Dias Gomes o autor da temática de problemas sociais e humanos, do questionamento da sociedade, da solidariedade com os despossuídos e discriminados, da escrita despida de artifícios, da transmutação da língua falada, viva e criativa. Gomes quis mostrar as várias faces de nosso país,  um país em crise, porém não o faz com amargura ou ceticismo, mas como alguém que consegue enxergar uma saída. Assim Jorge Amado se referiu ao escritor Dias Gomes: “Sois da guerra, vossa vida é uma/ sucessão de combate, mas vossas/ armas foram a escrita e a imaginação,/ e a causa pela qual lutastes é a/ paz e a felicidade do homem sobre a terra.”


Alguns autores contemporâneos também merecem especial destaque. São eles:

Luzilá Gonçalves Ferreira (autora, dentre outros romances, de OS RIOS TURVOS, romance sobre o autor do poema épico que deu início à nossa literatura barroca, Bento Teixeira e sua esposa Felipa Raposa) Dona de uma linguagem poética e pesquisadora da voz feminina através da história de Pernambuco.
Raimundo Carrero (autor, dentre outros do romance SOMBRA SEVERA, sobre dois irmãos Abel e Judas, ligados um ao outro pelo laço de uma estranha mulher). Clima psicológico tenso mesclado a um peculiar Naturalismo e laivos armoriais em suas raízes mais distantes.
Lygia Fagundes Teles (autora, dentre outros livros, da coletânea de contos A ESTRUTURA DA BOLHA DE SABÃO).  Paulista que escreve num clima meio Clarice Lispector.
Joaquim Cardozo. Poeta e dramaturgo pernambucano (autor dentre outras da peça O CAPATAZ DE SALEMA). Poesia simbolista, metafísica, experimental. Joaquim é terno e profundamente impregnado de um lirismo que reflete sua alma recifense e ao mesmo tempo simplesmente cósmica. Foi engenheiro de Niemeyer na construção de Brasília e estabeleceu sem querer vínculos concretistas.
Osman Lins. Romancista, contista e dramaturgo pernambucano sua obra é marcada pelo cálculo formal e enigmático. Seus personagens transitam em universo não tão simples  pois veste-se da dúvida e do esquecimento. São romances como o genial Avalovara. Autor da comédia Lisbela e o Prisioneiro. Escreveu os contos de Os Gestos e Nove, Novena, fundamentais para a compreensão da sua obra.
Há muitos outros grandes escritores pernambucanos, como Hermilo Borba Filho, Mauro Mota, Ascenso Ferreira, dentre vários, que estudo no meu livro Anticânone, Literatura em Pernambuco a partir do século XX.



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