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sábado, 26 de maio de 2018

De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro, conto de Mia Couto e Pierre Menard, autor del Quijot,e de Jorge Luis Borges: com referência ao DOM QUIXOTE, de Miguel de Cervantes


Vivenda da Santíssima Palha era o nome na tabuleta, à margem da estrada. Um atalho de areia levava à quinta, lugar esquecido do suor e das canseiras. No centro, meio coberta pelas mangueiras, a casa colonial media-se com o tempo. Ali, na sombra das tardes, se varandeava Ascolino Fernandes do Perpétuo Socorro. Herdeiro da propriedade, ruminava lembranças sem pressa nem obrigações. Recordava Goa, sua terra natal. Caneco se negava:
- Indo-português sou, católico de fé e costume.
Vestia sempre de rigor, fato de linho branco, sapatos de igual branco, chapéu de idem cor. Cerimonioso, emendado, Ascolino costurava no discurso os rendilhados lusitanos da sua admiração. Enfeitava os ditos com adévrbios sem propósito nem cabimento. Uma imensa lista dava entrada nas frases, mal faladas de sotaque:
- Não obstante, porém, todavia, contudo...
Na Munhava estabelecera seus domínios, mais sonhados que plantados. A glória do goês só ele a via, enquanto nas demoradas tardes separava as brisas das moscas.
As visitas distribuía vénias, longos silêncios e mangas verdes com sal. Dona Epifânia, sua esposa, era quem servia. Tão magra que nem se sentia chegar. As portas de rede batiam: assim se sabia de sua presença. Gesto de amor entre os dois nunca foi visto. Amavam-se? Se sim, amavam sem corpo. Ascolino sofria do eterno retiro de sua esposa. Consolava-se mas desconven-cido. Epifânia, dizia ele, uma amêijoa. Se for aberta morre, exposta ao mundo e às marés. Quando os outros lhe notavam as ausências da mulher, Ascolino confirmava:
- Epifane, sagrada esposa. Contudo, porém, trinte anos di casamento.
Hora respeitada, mais sagrada que a esposa, era das cinco da tarde. Houvesse ou não visitas repetia-se o ritual. Vasco João Joãoquinho, fiel e dedicado empregado, surgia da sombra das mangueiras. Fardava caqui, balalaica e calção engomado. Aproximava-se trazendo uma bicicleta. Ascolino Fernandes, protocolar, inclinava-se perante ausentes e presentes. O empregado entregava-lhe uma pequena almofada que ele ajeitava no quadro da bicicleta. Acomodava-se, com cuidado de não manchar as calças na corrente. Ultimados os preparos, Vasco João Joãoquinho montava no selim e, com um puxão vigoroso, dava início ao desfile. Arrancada difícil, ondeada nas areias. E os dois, Ascolino e o seu biciclitista, seguiam de adeuses em diante, rumo à cantina do Meneses. Os modos de um e de outro estavam certos, só o veículo não encostava ao estatuto. Seguiam, obedecidos à vontade viciosa de Ascolino, pedalando contra a sede e a distância.
Naquela tarde se repetia a paisagem com os homens dentro. Vasco esco-lhia os capins para segurar as rodas no caminho. De súbito, a bicicleta resvala e os dois, patrão e criado, caem na valeta. Ascolino fica imóvel, deitado na lama. Vasco arruma os desperdícios, endireita o volante, alisa o chapéu do patrão.
A custo, Ascolino se recompõe. Avalia os estragos e dispõe-se a ralhar:
- Qui têm, homem? Essetragô sapéu de nosso. Não obstante, quem qui vai pagar?
- Desculpa, patrão. Foi desviar bacecola. De vido desse matope que passámos.
- Vucê não viu, p? Já disse toda hora: não faça travage deripente.
E montaram mais outra vez. Ascolino Perpétuo Socorro, dignidade reposta, chapéu amolgado. Vasco pedalando pelo pôr do Sol. Em cima, os coqueiros vão barulhando brisas.
- Vê se descarril outra vez velocípede, hein, Vasco?
Caracolando nas areias, o criado puxava a foras pelas pernas. Mas longos sao os minutos da sede do gos:
- Celere, Vasco. Pedal com mais força!
Chegam ao Viriato, a cantina do Meneses. A bicicleta pra junto ao pátio de cimento. O patrão desmonta, aliviado das poeiras. Puxa a corrente do relógio enquanto se dirige para a mesa reservada. O Vasco não entra nas dianteiras. Preto vai nas traseiras, a norma do tempo. No quintal, atrás, serve-se vinho aguado. No bar, frente, são outras qualidades.
Vasco João Joãoquinho ia entrando nos seus vagares. Os outros sauda-vam-lhe a chegada e pediam-lhe histórias acontecidas com patrão Ascolino. Vasco sempre contava, inventador de graças. Mas demorava-se nos começos enquanto preparava os condimentos da aventura.
- Então, Vasco? E essa noite o seu patrão?
Vasco olhou as palavras, ante-riu com a história.
- O meu patrão, nem vocês não acreditam...
- Conta lá, pá.
E relatou o que passara na noite anterior, incrível. Ascolino Fernandes, ao meio da meia-noite, iniciara as cantorias, o fado das andorinhas. Vasco Joãoquinho imitava, de copo na mão:
- Por morrer uma andorinha...
Ascolino cantou a noite toda. As andorinhas iam morrendo e a fria dele ia crescendo. Até que, pela janela, comeou a anunciar as ameaças:
- Agora, vou deitar a ventoinha.
E seguiu ventoinha, do primeiro andar para baixo. Rebentou-se no chão, as peças tin-tin-tin no pátio. Depois, outro aviso:
- Agora, são pratos.
E voaram louças para o quintal. Vidros devolveram mil luas no pátio da vivenda. O Ascolino cada vez mais alto:
- Por morrer uma andorinha...
Epifânia nem se ouvia. Talvez estivesse fechada no quarto. Ou talvez chorasse daquela maneira dela. Tristeza mais triste aquela que não se ouve.
- Estou a falar sério, meus amigos, porque entendo da tristeza. Na nossa raça choramos com o corpo. Eles não, ficam presos da desgraça.
- Ouve lá, ó Vasco, deixa lá essa conversa. Continua história do teu patrão.
Mobílias viajavam pela janela até em baixo. Vasco se aproximou e pediu:
- Patrão, faça favor, pára com isso.
- Sai dai, Vasco.
- Ó patrão, não faça mais isso, não estraga toda casa.
- Casa di quem, é sua?
- Mas, patrao, já viu sucata toda que está aqui em baixo?
- Afaste, depressa. Agora, vou deitar frigorife.
Aterrado, Vasco saiu do pátio. Um passo curto, outro comprido para não pisar os vidros, o criado escondeu-se na sombra. Ali, ajudado pelo escuro, esperou o estrondo. Nada. Geleira não descia.
- Patrão?
- Quê qui quer? Todavia, ainda me chateia?
E de novo fadista. Cantava aos berros, toda a Munhava se espalhando de andorinhas. Interrompia as artes para insultar, virado para dentro, para Epifânia:
- Não me dás carinhos. É só oração, di manhã até di noite. Isto não é casa de mortal. Vivenda não é! É igreja. Catedral de Santíssima Palha. Mas porém, já lhe digo o que vou fazer: atirar fora mobília di reza, cruz e altar qui tem. Tudo fora, fora!
Depois, foi a vez do silêncio. Vasco Joãoquinho perguntava-se: intervalo ou fim do espectáculo? Parecia o final quando se ouviu o ruído de uma cadeira arrastando junto à janela. Foi entâo que surgiu, inteiro dos joelhos até à cabeça, o vulto do goês. As suas mãos finas corrigiram os desalinhos enquanto, solene, anunciava:
- Mobília tudo já foi. Agora vou eu.
E antes que Vasco pudesse dizer alguma coisa, Ascolino Fernandes do Perpétuo Socorro atirou-se da janela abaixo. Magreza do Ascolino não ajudou a velocidade. Não parecia um corpo mas uma cortina. Quando caiu não arrancou barulho da terra. Foi só um suspiro, uma nuvenzita de poeira. Vasco, espantado, acorreu a ajudar Procurou sangue, remendos do corpo. Não havia.
- Patrão, não estragou nada?
- Quê nada? Me ajude sair de chão.
Levantou o patrao. Já no alto de si mesmo, Ascolino olhou os estragos em volta. Depois, foi-se pelo escuro cantarolando, baixinho, o seu fado. Todos, nas traseiras do Bar Viriato, se riram com a história. Desta vez, porém, Vasco Joãoquinho arrumou o silêncio num rosto triste.
- Eh pá, Vasco, você sempre traz boas histórias, tantíssimas.
- Não inventei, tudo isso aconteceu. Mas não riam-se tao alto, pode ser ele escuta lá do outro lado.
Mas do outro lado não se ouvia. Ascolino estava de serviço no uísque. Separado por uma nica parede, o outro lado era muito longe.
Na mesa reservada, Ascolino demora seus modos, relembra Goa, Damão e Diu, repuxa advérbios. Não obstante, porém.
- Sai mais dose dele, rebise o visqui.
O Meneses parece nem ver o Ascolino. Aponta as bebidas encomendadas enquanto o céu desalumia. O tempo vai escorrendo, copo a copo. Ascolino bebe com a certeza de um vice-rei das Índias. Ascolino superior a Ascolino, o indo-português vencendo, pelo álcool, o caneco. Só uma inquietação permanecia sem ter sido afogada no uísque: Epifânia. Nessa altura, a esposa já devia revirar o sono entre injúrias e cansaços. Ascolino espreita a hora, não quer transnoitar no caminho. Adivinhando-lhe os receios, um português diz:
- Não se apresse, Fernandes. Não se apresse que a sua patroa diz-lhe a bonita.
Ascolino nega prazos, mostra-se homem, ousado a demoras. Se no viver era calcado, no falar se levantava.
- Epifane, tudo já sabe. Caril, chácuti, sarapatel, boa comida qui tem, tudo ela já cozinhou para chegada di nosso. Epifane, sagrada esposa.
Numa outra mesa, soldados espreitam ocasião. Resolvem, então, lançar provocação:
- Goa, lá se foi. Sacanas de monhés, raça maldita!
Mas o Ascolino, para espanto, não regista ofensa. Antes se junta aos ofensores.
- Monhés, sacana sim senhor. Aliás, porém, indo-português qui sou, combatente dos inimigos di Pátria lusitane.
Os soldados entreolham-se, desconfiados. Mas o Ascolino leva mais alto a afirmação da lusitanidade. Subindo à cadeira, oscilante, discursa heroísmos sonhados. Uma cruzada, sim, uma cruzada para recuperar o nome de Goa para uso português. À frente, comandando os pelotões, ele, Ascolino Fernandes do Perpétuo Socorro. Atrás, soldados e missionários, navios carregados de armas, bíblias e umas garrafitas de visqui.
- O tipo está a gozar com a malta - conclui um dos soldados, o maior. Levanta-se e aproxima-se de Ascolino, farejando-lhe os humores:
- Cruzadas, quais cruzadas? A única coisa que você tem cruzadas são as pernas, essas perninhas de caneco.
Não foi por mal, talvez do desequilíbrio, mas o copo do Ascolino respin-gou na farda do outro. Um murro cruza o ar, rasga as palavras do orador e Ascolino despeja-se no chão. Os outros agarram o agressor, afastam-no, põem-no fora da cantina. Ascolino continua deitado de costas, vice-morto, um braço erguido a segurar no copo. O Meneses acode-lhe:
- Senhor Ascolino, está bem?
- Essetatetou.
- Mas, como que foi que isto aconteceu?
- Abruptamente.
Endireitam o goês. Ele arruma os vincos, investiga os restos no copo. Olha em volta a multidão e proclama o adiamento da cruzada.
No pátio da cantina o goês prepara a retirada:
- Vassco, vamusembor!
Enquanto espera o chofer, procura a corrente do relógio, cumpre o hábito. Mas, desta vez, a corrente está, o relógio é que não. Ascolino vê as horas no relógio que já não tem e comenta o tardio regresso.
- Depresse, Vassco.
E ajeita a almofada no quadro, antes de sentar. A almofada está no lugar, Ascolino é que falhou. Cai, insiste e, de novo, regressa ao chão.
- Vassco, cende luz. Apague essa escuridão.
O empregado encosta o dínamo ao pneu e anima uma pedalada forte. Ascolino está de gatas, procura do próprio corpo.
- Sapéu pissgou?
Vasco Joãoquinho também está de passo torcido. Apanha o chapu e, depois, sobe na bicicleta. Lá se aprontam os dois, desajudando-se. Na janela, Meneses goza o espectculo:
- O caneco já vai de todo. Aviado de usque e de murraças.
Vasco afasta pedaços do escuro, estorvos no regresso. Vai campainhando, trim-trim-trim. Já não se escutam os corvos, nem se vêem as garas. A noite igualou as cores, apagou as diferenças. No caminho, o goês piora dos fermentos escoceses e abandona o porte.
- Sou caneco de cu lavado. Primeir catégoria, si fassfavor. - E gritando com toda a alma:
- Viva Nehru!
Mais adiante, já quando acabam os arrozais e começam os coqueiros, Ascolino troca o empregado pela mulher, chama-lhe Epifânia.
- Mulher não ande atrás, passe a frente.
Vasco, obediente, dá-lhe o lugar no selim. O goês excitado agarra o criado pela cintura.
- Patrão, vamos embora disto.
Mas Ascolino insiste, açucaroso. Tenta beijar o empregado que se esquiva com vigor. Insistência aumenta, respeito diminui. O Vasco já que empurra o patrao:
- Deixa-me, não sou tua mulher.
E um safanão maior derruba Ascolino. Silêncio nos coqueirais. Só os corvos, curiosos, vigiam a briga. O goês está espalhado no chão. Pede um pouco de luz para ver se aquele molhado nas calças é água do charco ou que se mijou. Vasco ri-se. Ascolino, pendente, rodopia, nariz quase a raspar o chão. Chegado vertical, interroga o capim em volta:
- Vassco, roubaram vivenda de Santíssima Palha!
- Não, patrão! E que não chegámos, ainda falta.
Capaz de mais concluir, Ascolino retorna:
- Vassco, perdemos vivenda. Não obstante, você vai lá e procura ela.
O empregado impacienta-se e puxa-o pelas axilas. E assim rebocado, AscoIino vê o avesso do caminho, a estrada caranguejando. Confundindo ida com vinda, solicita:
- Vassco, não ande pra trás. Estamos voltar na cantina de Mneses.
E adiantando-se à chegada, encomenda:
- Méneses, sai visqui para mim e outra dose para Epifane, sagrade bebida.
E voltando a cabeça para trás, generoso:
- Quando vucê quer pode pedir, Vassco.Desconte depois, no salário de mês. Pode beber neste lado, não precisa ir nas traseiras.
Esgotado de andar às arrecuas, Vasco larga-o. Sentindo-se na horizontal, o goês reza e despede-se:
- Boa noite, Epifane, sagrade esposa.
Mas Vasco já não està. Voltou atràs para buscar a bicicleta. Ascolino ergue a custo a cabeça e, vendo o empregado carregado, aplaude:
- Isso, traz cobertor, me tape. Epifane, tape ela também.
Vasco, em desespero, tenta o aviso final:
- Eu não sei, patrão. Se não chegarmos essa noite, se dormirmos aqui, vai ser grande milando com a senhora.
Ascolino concorda. A ameça parece ter resultado. Sustentado pelos coto-velos, o patrão encara o criado:
- Qui têm Epifane? Agora, voce dorme de calção de caqui?
E, abreviando o tempo, adormeceu. De tal maneira entrou no seu peso que Vasco desconseguiu deslocá-lo.


No dia seguinte, cobria-os um lençol de insectos, folhas e cacimbo. Vasco foi o primeiro a chegar ao mundo. Estranhou o ruído de um motor nas vizinhanças. Olhou em volta, resistindo ao peso das pálpebras. É então que vê, próxima, a vivenda da Santíssima Palha. Afinal, tinham dormido ali a um instante de casa?
No pátio da entrada estão as mobílias todas amontoadas. Há homens carregando tudo para cima de um camião. Era esse, então, o motor. Dona Epifânia, ordenosa, vai orientando o carregamento.
O empregado hesita. Olha o patrão ainda entregue ao sono. Decide-se, por fim. Filho das areias, Vasco Joãoquinho segue para a vivenda. Chegado, viu a intenção da patroa. Ela queria sair, fechar sua vida com Ascolino, sem anúncio nem explicação.
- Senhora, não vai embora.
A patroa surpreende-se. Refaz-se do susto e prossegue o despejo.
- Senhora, o atraso foi devido de porrada que deram no patrão, lá na cantina.
Palavras do empregado disseram nada. A patroa continuou a distribuir ordens. Mas Vasco Joãoquinho não desiste:
- Senhora, não foi só isso da porrada. Trasámos por causa de acidente na estrada.
- Acidente?
Epifânia, duvidosa, medita. Pede prova da verdade. Vasco mostra o chapéu retorcido. Ela olha as manchas, morde os lábios. Segurou a palavra, antes da pergunta:
- Morreu?
- Morrer? Não, senhora. Só está deitado no caminho.
- Machucou?
- Nada. Só está dormitoso. Posso-lhe ir buscar?
Palavras arrependidas. Logo ouvidas, Epifânia refaz a decisão de partir e as mobílias recomeçam o embarque.
Vasco recuou o pé no caminho. Vagaroso, regressa ao lugar onde deixara o sono do patrão. Quando chegou, já Ascolino espreguiçava. Incapaz de traduzir a claridade, esfrega-se nos olhos sem entender o ruído do camião que se aproxima. Sentado, resume-se ao corpo dolorido. A buzina do camião assusta-o. De um salto, arruma-se na valeta. O carregamento passa, lento, quase oposto viagem. Ali, frente aos olhos desinstruídos de Ascolino, se vazava sua vida, sem notícia nem reparo. Passada a poeira, Vasco est de um lado da estrada, funeroso. Do outro lado, Ascolino vai subindo a valeta. Durante o tempo da visão, segue o camião que se afasta. Depois, sacudindo as rugas do casaco, pergunta:
- Qui tem Vasco? Vizinhos estão mudar na Munhava?
- Não são vizinhos, patrão. É a senhora, dona Epifânia própria, que se vai embora.
- Epifane?
- Sim. E está a levar todas coisas.
Ascolino ficou todo na admiração do impossível. Só repetia:
- Epifane?
Ficou rodando, chutando capins, desarrumando a paisagem. O empre-gado nem levantava os olhos do chão. Até que Ascolino, decidido:
- Traz bacecola, Vassco. Vamos perseguir esse camião. Depresse.
- Mas, patrão, se o camião já vai na distância.
- Cala, vucê não sabe nada. Carrega velocípede, rápido.
E o empregado prepara os assentos. No quadro, sem almofada, se senta o patrão. No selim, o criado. E começam a bicicletar, estrada fora. O sulco da roda vai-se desfiando na manhã. Já nem sequer o ruído do camião se sente nos arrozais em volta. Ascolino, vice-rei, comanda a impossível cruzada para resgatar a esposa perdida.
- Pedal, pedal depresse. Não obstante, temos que chegar cedo. Hora de cinco hora temos que voltar na cantina de Meneses.



AGORA

Pierre Menard, autor del Quijote

 de Jorge Luis Borges: 


La obra visible que ha dejado este novelista es de fácil y breve enumeración. Son, por lo tanto, imperdonables las omisiones y adiciones perpetradas por madame Henri Bachelier en un catálogo falaz que cierto diario cuya tendencia «protestante» no es un secreto ha tenido la desconsideración de inferir a sus deplorables lectores -si bien estos son pocos y calvinistas, cuando no masones y circuncisos-. Los amigos auténticos de Menard han visto con alarma ese catálogo y aun con cierta tristeza. Diríase que ayer nos reunimos ante el mármol final y entre los cipreses infaustos y ya el Error trata de empañar su Memoria... Decididamente, una breve rectificación es inevitable. Me consta que es muy fácil recusar mi pobre autoridad. Espero, sin embargo, que no me prohibirán mencionar dos altos testimonios. La baronesa de Bacourt (en cuyos vendredis inolvidables tuve el honor de conocer al llorado poeta) ha tenido a bien aprobar las líneas que siguen. La condesa de Bagnoregio, uno de los espíritus más finos del principado de Mónaco (y ahora de Pittsburgh, Pennsylvania, después de su reciente boda con el filántropo internacional Simón Kautzsch, tan calumniado, ¡ay!, por las víctimas de sus desinteresadas maniobras) ha sacrificado «a la veracidad y a la muerte» (tales son sus palabras) la señoril reserva que la distingue y en una carta abierta publicada en la revista Luxe me concede asimismo su beneplácito. Esas ejecutorias, creo, no son insuficientes. He dicho que la obra visible de Menard es fácilmente enumerable. Examinado con esmero su archivo particular, he verificado que consta de las piezas que siguen: a) Un soneto simbolista que apareció dos veces (con variaciones) en la revista La conque (números de marzo y octubre de 1899). b) Una monografía sobre la posibilidad de construir un vocabulario poético de conceptos que no fueran sinónimos o perífrasis de los que informan el lenguaje común, «sino objetos ideales creados por una convención y esencialmente destinados a las necesidades poéticas» (Nîmes, 1901). c) Una monografía sobre «ciertas conexiones o afinidades» del pensamiento de Descartes, de Leibniz y de John Wilkins (Nîmes, 1903). d) Una monografía sobre la Characteristica universalis de Leibniz (Nîmes, 1904). e) Un artículo técnico sobre la posibilidad de enriquecer el ajedrez eliminando uno de los peones de torre. Menard propone, recomienda, discute y acaba por rechazar esa innovación. f) Una monografía sobre el Ars magna generalis de Ramón Llull (Nîmes, 1906). g) Una traducción con prólogo y notas del Libro de la invención liberal y arte del juego del axedrez de Ruy López de Segura (París, 1907). Ficciones Jorge Luis Borges 21 h) Los borradores de una monografía sobre la lógica simbólica de George Boole.. i) Un examen de las leyes métricas esenciales de la prosa francesa, ilustrado con ejemplos de Saint-Simon (Revue des Langues Romanes, Montpellier, octubre de 1909). j) Una réplica a Luc Durtain (que había negado la existencia de tales leyes) ilustrada con ejemplos de Luc Durtain (Revue des Langues Romanes, Montpellier, diciembre de 1909). k) Una traducción manuscrita de la Aguja de navegar cultos de Quevedo, intitulada La Boussole des précieux. l) Un prefacio al catálogo de la exposición de litografías de Carolus Hourcade (Nîmes, 1914). m) La obra Les Problèmes d un problème (París, 1917) que discute en orden cronológico las soluciones del ilustre problema de Aquiles y la tortuga. Dos ediciones de este libro han aparecido hasta ahora; la segunda trae como epígrafe el consejo de Leibniz «Ne craignez point, monsieur, la tortue», y renueva los capítulos dedicados a Russell y a Descartes. n) Un obstinado análisis de las «costumbres sintácticas» de Toulet (N.R.F., marzo de 1921). Menard -recuerdo- declaraba que censurar y alabar son operaciones sentimentales que nada tienen que ver con la crítica. o) Una transposición en alejandrinos del Cimetière marin, de Paul Valéry (N.R.F., enero de 1928). p) Una invectiva contra Paul Valéry, en las Hojas para la supresión de la realidad de Jacques Reboul. (Esa invectiva, dicho sea entre paréntesis, es el reverso exacto de su verdadera opinión sobre Valéry. Éste así lo entendió y la amistad antigua de los dos no corrió peligro.) q) Una «definición» de la condesa de Bagnoregio, en el «victorioso volumen» -la locución es de otro colaborador, Gabriele d'Annunzio- que anualmente publica esta dama para rectificar los inevitables falseos del periodismo y presentar «al mundo y a Italia» una auténtica efigie de su persona, tan expuesta (en razón misma de su belleza y de su actuación) a interpretaciones erróneas o apresuradas. r) Un ciclo de admirables sonetos para la baronesa de Bacourt (1934). s) Una lista manuscrita de versos que deben su eficacia a la puntuación.1 Hasta aquí (sin otra omisión que unos vagos sonetos circunstanciales para el hospitalario, o ávido, álbum de madame Henri Ba- a chelier) la obra visible de Menard, en su orden cronológico. Paso ahora a la otra: la subterránea, la interminablemente heroica, la impar. También, ¡ay de las posibilidades del hombre!, la inconclusa. Esa obra, tal vez la más significativa de nuestro tiempo, consta de los capítulos noveno y trigésimo octavo de la primera parte del Don Quijote y de un fragmento del capítulo veintidós. Yo sé que tal afirmación parece un dislate; justificar ese «dislate» es el objeto primordial de esta nota.2 1 Madame Henri Bachelier enumera asimismo una versión literal de ¡aversión literal que hizo Quevedo de la Introduction à la vie dévote de san Francisco de Sales. En la biblioteca de Pierre Menard no hay rastros de tal obra. Debe tratarse de una broma de nuestro amigo, mal escuchada. 2 Tuve también el propósito secundario de bosquejar la imagen de Pierre Menard. Pero ¿cómo atreverme a competir con las páginas áureas que me dicen prepara la baronesa de Bacourt o con el lápiz delicado y puntual de Carolus Hourcade? Ficciones Jorge Luis Borges 22 Dos textos de valor desigual inspiraron la empresa. Uno es aquel fragmento filológico de Novalis -el que lleva el número 2.005 en la edición de Dresden- que esboza el tema de la total identificación con un autor determinado. Otro es uno de esos libros parasitarios que sitúan a Cristo en un bulevar, a Hamlet en la Cannebiére o a don Quijote en Wall Street. Como todo hombre de buen gusto, Menard abominaba de esos carnavales inútiles, sólo aptos -decía- para ocasionar el plebeyo placer del anacronismo o (lo que es peor) para embelesarnos con la idea primaria de que todas las épocas son iguales o de que son distintas. Más interesante, aunque de ejecución contradictoria y superficial, le parecía el famoso propósito de Daudet: conjugar en una figura, que es Tartarín, al Ingenioso Hidalgo y a su escudero... Quienes han insinuado que Menard dedicó su vida a escribir un Quijote contemporáneo, calumnian su clara memoria. No quería componer otro Quijote -lo cual es fácil- sino «el» Quijote. Inútil agregar que no encaró nunca una transcripción mecánica del original; no se proponía copiarlo. Su admirable ambición era producir unas páginas que coincidieran -palabra por palabra y línea por línea- con las de Miguel de Cervantes. «Mi propósito es meramente asombroso», me escribió el 30 de septiembre de 1934 desde Bayonne. «El término final de una demostración teológica o metafísica -el mundo externo, Dios, la causalidad, las formas universales- no es menos anterior y común que mi divulgada novela. La sola diferencia es que los filósofos publican en agradables volúmenes las etapas intermediarias de su labor y que yo he resuelto perderlas.» En efecto, no queda un solo borrador que atestigüe ese trabajo de años. El método inicial que imaginó era relativamente sencillo. Conocer bien el español, recuperar la fe católica, guerrear contra Ficciones Jorge Luis Borges 23 engendró a Valéry, que engendró a Edmond Teste. La carta precitada ilumina el punto. «El Quijote -aclara Menard- me interesa profundamente, pero no me parece ¿cómo lo diré? inevitable. No puedo imaginar el universo sin la interjección de Edgar Allan Poe: Ah, bear in mind this Barden was enchanted! o sin el Bateau ivre o el Ancient Mariner, pero me sé capaz de imaginarlo sin el Quijote. (Hablo, naturalmente, de mi capacidad personal, no de la resonancia histórica de las obras.) El Quijote es un libro contingente, el Quijote es innecesario. Puedo premeditar su escritura, puedo escribirlo, sin incurrir en una tautología. A los doce o trece años lo leí, tal vez íntegramente. Después, he releído con atención algunos capítulos, aquellos que no intentaré por ahora. He cursado asimismo los entremeses, las comedias, La Galatea, las Novelas ejemplares, los trabajos sin duda laboriosos de Persiles y Segismunda y el Viaje del Parnaso... Mi recuerdo general del Quijote, simplificado por el olvido y la indiferencia, puede muy bien equivaler a la imprecisa imagen anterior de un libro no escrito. Postulada esa imagen (que nadie en buena ley me puede negar) es indiscutible que mi problema es harto más difícil que el de Cervantes. Mi complaciente precursor no rehusó la colaboración del azar: iba componiendo la obra inmortal un poco à la diable, llevado por inercias del lenguaje y de la invención. Yo he contraído el misterioso deber de reconstruir literalmente su obra espontánea. Mi solitario juego está gobernado por dos leyes polares. La primera me permite ensayar variantes de tipo formal o psicológico; la segunda me obliga a sacrificarlas al texto «original» y a razonar de un modo irrefutable esa aniquilación... A esas trabas artificiales hay que sumar otra, congénita. Componer el Quijote a principios del siglo Xvii era una empresa razonable, necesaria, acaso fatal; a principios del XX, es casi imposible. No en vano han transcurrido trescientos años, cargados de complejísimos hechos. Entre ellos, para mencionar uno solo: el mismo Quijote.» A pesar de esos tres obstáculos, el fragmentario Quijote de Menard es más sutil que el de Cervantes. Éste, de un modo burdo, opone a las ficciones caballerescas la pobre realidad provinciana de su país; Menard elige como «realidad» la tierra de Carmen durante el siglo de Lepanto y de Lope. ¡Qué españoladas no habría aconsejado esa elección a Maurice Barrès o al doctor Rodríguez Larreta! Menard, con toda naturalidad, las elude. En su obra no hay gitanerías ni conquistadores ni místicos ni Felipe II ni autos de fe. Desatiende o proscribe el color local. Ese desdén indica un sentido nuevo de la novela histórica. Ese desdén condena a Salammbô, inapelablemente. No menos asombroso es considerar capítulos aislados. Por ejemplo, examinemos el XXXVIII de la primera parte, «que trata del curioso discurso que hizo don Quixote de las armas y las letras». Es sabido que don Quijote (como Quevedo en el pasaje análogo, y posterior, de La hora de todos) falla el pleito contra las letras y en favor de las armas. Cervantes era un viejo militar: su fallo se explica. ¡Pero que el don Quijote de Pierre Menard -hombre contemporáneo de La Trahison des clercs y de Bertrand Russellreincida en esas nebulosas sofisterías! Madame Bachelier ha visto en ellas una admirable y típica subordinación del autor a la psicología del héroe; otros (nada perspicazmente) una transcripción del Quijote; la baronesa de Bacourt, la influencia de Nietzsche. A esa tercera interpretación (que juzgo irrefutable) no sé si me atreveré a añadir una cuarta, que condice muy bien con la casi divina modestia de Pierre Menard: su hábito resignado o irónico de propagar ideas que eran el estricto reverso de las preferidas por él. (Rememoremos otra vez su diatriba contra Paul Valéry en la efímera hoja superrealista de Ficciones Jorge Luis Borges 24 Jacques Reboul.) El texto de Cervantes y el de Menard son verbalmente idénticos, pero el segundo es casi infinitamente más rico. (Más ambiguo, dirán sus detractores; pero la ambigüedad es una riqueza.) Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primera parte, noveno capítulo,): ... la verdad cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir. Redactada en el siglo XVII, redactada por el «ingenio lego» Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe: ... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir. La historia, «madre» de la verdad; la idea es asombrosa. Menard, contemporáneo de William James, no define la historia como una indagación de la realidad sino como su origen. La verdad histórica, para él, no es lo que sucedió; es lo que juzgamos que sucedió. Las cláusulas finales -«ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir»- son descaradamente pragmáticas. También es vívido el contraste de los estilos. El estilo arcaizante de Menard -extranjero al fin- adolece de alguna afectación. No así el del precursor, que maneja con desenfado el español corriente de su época. No hay ejercicio intelectual que no sea finalmente inútil. Una doctrina es al principio una descripción verosímil del universo; giran los años y es un mero capítulo -cuando no un párrafo o un nombre- de la historia de la filosofía. En la literatura, esa caducidad es aún más notoria. El Quijote -me dijo Menard- fue ante todo un libro agradable; ahora es una ocasión de brindis patriótico, de soberbia gramatical, de obscenas ediciones de lujo. La gloria es una incomprensión y quizá la peor. Nada tienen de nuevo esas comprobaciones nihilistas; lo singular es la decisión que de ellas derivó Pierre Menard. Resolvió adelantarse a la vanidad que aguarda todas las fatigas del hombre; acometió una empresa complejísima y de antemano fútil. Dedicó sus escrúpulos y vigilias a repetir en un idioma ajeno un libro preexistente. Multiplicó los borradores; corrigió tenazmente y desgarró miles de páginas manuscritas.1 No permitió que fueran examinadas por nadie y cuidó que no le sobrevivieran. En vano he procurado reconstruirlas. He reflexionado que es lícito ver en el Quijote «final» una especie de palimpsesto, en el que deben traslucirse los rastros -tenues pero no indescifrables- de la «previa» escritura de nuestro amigo. Desgraciadamente, sólo un segundo Pierre Menard, invirtiendo el trabajo del anterior, podría exhumar y resucitar esas Troyas... «Pensar, analizar, inventar -me escribió también- no son actos anómalos, son la normal respiración de la inteligencia. Glorificar el ocasional cumplimiento de esa función, atesorar 1 Recuerdo sus cuadernos cuadriculados, sus negras tachaduras, sus peculiares símbolos tipográficos y su letra de insecto. En los atardeceres le gustaba salir a caminar por los arrabales de Nîmes; solía llevar consigo un cuaderno y hacer una alegre fogata. Ficciones Jorge Luis Borges 25 antiguos y ajenos pensamientos, recordar con incrédulo estupor que el doctor universalis pensó, es confesar nuestra languidez o nuestra barbarie. Todo hombre debe ser capaz de todas las ideas y entiendo que en el porvenir lo será.» Menard (acaso sin quererlo) ha enriquecido mediante una técnica nueva el arte detenido y rudimentario de la lectura: la técnica del anacronismo deliberado y de las atribuciones erróneas. Esa técnica de aplicación infinita nos insta a recorrer la Odisea como si fuera posterior a la Eneida y el libro Le jardin du Centaure a madame Henri Bachelier como si fuera de madame Henri Bachelier. Esa técnica puebla de aventura los libros más calmosos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline o a James Joyce la Imitación de Cristo ¿no es una suficiente renovación de esos tenues avisos espirituales? Nîmes, 1939.






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