HISTÓRIA
DA LITERATURA BRASILEIRA
Moisés
Monteiro de Melo Neto
Edições
ILUSIONISTAS
2011
SUMÁRIO
Quinhentismo.................................................8
Barroco
..................................................... 15
Arcadismo ou
Neoclassicismo.......................31
Romantismo...........................................46
Real-Naturalismo...................................65
Parnasianismo.........................................97
Simbolismo.......................................115
Pré-Modernismo.......................137
Introdução ao
Movimento Modernista..........157
MODERNISMO:Primeira
Geração...............181
Segundo Momento
Modernista. Prosa........227
Segundo Momento
Modernista. Poesia...255
O Terceiro Tempo do
Modernismo.......259
O Concretismo e as
Novas Possibilidades Estéticas na Poesia... 290
Tropicalismo..........................300
Ariano Suassuna e
Autores Contemporâneos.............302
O QUE
É LITERATURA?
Que pergunta
interessante. Não é mesmo?
A Literatura é uma das
artes mais complexas. Seu instrumento, a palavra, gera possibilidades infinitas
de expressão, já que cada uma delas admite várias flexões e sentidos.
A linguagem é o ponto mais sofisticado de um
processo que custou muito tempo a se consumar na evolução da humanidade. A
aquisição da linguagem oral, sua organização e seus códigos exigiram
expedientes requintados de associações.
A palavra, um sopro de ar articulado, ainda que impalpável, era tão
reveladora e transformadora que o homem
teve necessidade de representá-la materialmente.
Então, apareceram os
alfabetos, e vários idiomas, pouco a pouco, começaram a ter uma representação gráfica. Por meio da
palavra escrita, o homem fez registros de ordem documental e prática, firmou
acordos e contratos, enviou mensagens, colecionou informações e dados.
Porém, um dia usou
graficamente a palavra, como expressão de suas ideias e sentimentos mais profundos, como a formalização de seu
olhar subjetivo sobre o mundo... e a Literatura se fez. Ao que se sabe, os
fenícios foram os primeiros a inventar
um alfabeto, mas não nos deixaram obras literárias. Outros povos antigos,
porém, legaram-nos textos artísticos que venceram os milênios, quer pela
mensagem que soube capturar o que há de essencial na condição humana, quer pela
criatividade e imaginação reveladas. Muitos desses textos versavam sobre
religiões, exprimindo a necessidade humana de expressar o divino, o metafísico.
Chineses, persas, hindus, hebreus e egípcios, entre outros, produziram obras de
interesse universal que ecoam até nossos dias. De fato, a Literatura é parte
fundamental da cultura dos povos. Sofre o crivo do tempo, pois, pela
relação interativa entre o ser humano e seu tempo, periodicamente, as
tendências artísticas se transformam: é o que chamamos de Estilos de época, ou Movimentos, ou Escolas.
E sofre o crivo das individualidades, pois cada indivíduo recebe
distintamente a ação dessas interferências.
O mundo e a realidade
podem ser fenômenos objetivos, mas os olhares que recaem sobre eles são sempre
subjetivos. É natural que, ao expressar sua percepção de mundo, o indivíduo o
faça de modo particular, manifestando, portanto, um estilo individual.
Clenir
Bellezi de Oliveira
A ERA
COLONIAL
da Literatura Brasileira.
Nos
três primeiros séculos de existência do país, (colônia de Portugal) notamos a
subordinação política e econômica à Metrópole (dependência cultural e a
imitação dos modelos artísticos portugueses). Então não se pode falar numa
literatura propriamente brasileira antes da Independência política (1822)
e do Romantismo (1836). Mas é uma literatura cheia de brasilidade.
À
medida que a Colônia ganha fisionomia própria, as suas especificidades vão-se
refletindo na produção literária.
Eis
os três períodos :
I
– QUINHENTISMO – Séc. XVI – (1500-1601) – Literatura sobre o
Brasil, de caráter meramente informativo.
II
– SEISCENTISMO – BARROCO – Séc. XVII – (1601-1768) –
Literatura NO Brasil – Há produção propriamente literária, ainda que
constituída da simples transposição dos modelos ibéricos.
III
–SETECENTISMO- ARCADISMO – Séc. XVIII –
(1768-1836) – Literatura do Brasil – Começa a haver ressonância da sociedade
colonial na produção literária e o ideais europeus de liberdade, igualdade e
fraternidade insuflam movimentos de rebelião contra os estatutos a tirania
portuguesa. Embora saibamos que Inconfidência Mineira seja limitada em
interesses políticos-sociais.
LITERATURA DE INFORMAÇÃO
QUINHENTISMO
A
expansão ultramarina europeia, os inúmeros viajantes, os relatórios,
com informações detalhando os recursos minerais, a fauna, a flora e seus
habitantes; as “crônicas de viagem”, História
e Literatura.
Literatura
informativa do século XVI (produções propriamente literárias só viriam a
ocorrer no Séc. XVII, em plena efervescência do estilo Barroco).
O
objetivo geral dos cronistas era: atrair os portugueses para a obra
colonizadora, por meio da exaltação da riqueza e do clima da colônia.
A
igreja católica trouxe a poesia e o teatro ibérico (autos).
Por
exemplo, na carta de Caminha, a certidão de nascimento do Brasil
colonial.
“De ponta a ponta é toda
praia... muito chã e muito formosa. (...) Nela até agora não pudemos saber que
haja ouro nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e
temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas. E em
tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem
das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que
será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza em
ela deve lançar”.
Portugal invadindo o Brasil fez dele um negócio.
Havia o propósito mercantilista da viagem (a preocupação com o ouro e a prata),
e o “espírito missionário” (a salvação
do índio!). Na verdade uma justificativa para a exploração. As virtudes da
terra e da gente que eles queriam dominar.
Em relação ao índio, a atitude de Caminha foi a
seguinte:
“Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam
nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com
tanta inocência como têm de mostrar no rosto. (...) Eles porém contudo andam
muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as
aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as
mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão formosos que
não pode mais ser.”
Cita a nudez das índias: “... Ali andavam
entre eles três ou quatro moças bem novinhas e gentis, com cabelos mui pretos e
compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas
das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”.
Pero de Magalhães Gândavo
É
autor do Tratado da Terra do Brasil e da História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente
chamamos Brasil. Ele alude à
importância do escravo na economia colonial:
“A primeira coisa que (os moradores) pretendem
adquirir são escravos para lhes fazerem suas fazendas, e se uma pessoa chega na
terra a alcançar dois pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não
tenha de seu), logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família;
(...)”
.
Gabriel Soares de Sousa: escreve o Tratado Descritivo do Brasil, obra escrita já no período de dominação espanhola (1580-1640);
procura, no mesmo sentido nativista (de Caminha e Gândavo), motivar a
corte filipina a investir na Colônia .
De
Ambrósio Fernandes Brandão autor de
Diálogos das Grandezas do Brasil,
1618, diálogo entre dois personagens, Brandônio (colono experiente) e Alviano (recém-chegado ao Brasil):
“Brandônio: (...) piranha é pescado pouco maior de palmo, mas de tão
grande ânimo que excedem em ser carniceiros aos tubarões, dos quais, com haver
muitas desta parte, não são tão arriscados como estas piranhas, que devem de ter uma inclinação leonina, e
não se acham senão em rios d´água doce: têm sete ordens de dentes, tão agudos e
cortadores, que pode mui bem cada um deles fazer ofício de navalha e lanceta, e
tanto que estes peixes sentem qualquer pessoa dentro n´água: se enviam a ela,
como fera brava, e a parte aonde a ferram levam na boca sem resistência, com
deixarem o osso descoberto de carne, e por onde mais frequentam de aferrar é
pelos testículos, que logo os cortam, e levam juntamente com a natureza, e
muitos índios se acham por este respeito faltos de semelhantes membros.
Alviano: Dou-vos minha palavra que não haverá já coisa na
vida que me faça meter nos rios desta terra; porque ainda que não tenham mais
de um palmo d´água, imaginarei que já são essas piranhas comigo, e que me
desarmam da coisa que mais estimo.”
Citam-se, ainda, entre os cronistas portugueses: Pero
Lopes de Souza (O Diário de Navegação),
Pe. Fernão Cardim (Narrativa Epistolar e Tratados da Terra e da Gente do Brasil), além de missionários jesuítas que
produziram inúmeras Cartas
informativas.
Há, também (não-portugueses) que aportaram no Brasil
quinhentista, à caça de informações sobre o “eldorado”, o “Éden” (forma com que
a imaginação europeia pintava a terra recém-descoberta). Hans
Staden está nesta categoria.
ATENÇÃO:
há projeções da literatura de informação no ROMANTISMO (fase indianista) e no MODERNISMO (1ª Geração, 1922/30,
Correntes do Verde-amarelismo e Antropofágica):
Gonçalves Dias e José de Alencar, no Romantismo; Em I–Juca Pirama e em O
Guarani ao descrever os rituais antropofágicos dos aimorés, tomam como
fonte as descrições congêneres que fizeram Hans Staden e Gabriel Soares de
Souza.
Mário de Andrade e Oswald de Andrade, no 1º tempo Modernista,
beberam amplamente dessas fontes pré-literárias. Oswald de Andrade,
especialmente no livro
Pau-Brasil, recria, poeticamente, passagens da Carta de
Caminha como em:
AS MENINAS DA GARE
“Eram três ou
quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui
pretos pelas espáduas
E suas vergonhas
tão altas e tão saradinhas
Que de nós as
muito bem olharmos
Não tínhamos
nenhuma vergonha”.
(Oswald de Andrade)
A LITERATURA JESUÍTICA
Durante
quase todo o período colonial, a educação foi atribuição exclusiva das ordens
religiosas, especialmente jesuítas, agentes da Contra-Reforma. Os textos que
produziram revestem-se de caráter mais didático que artístico. Nessa
linha, incluem-se o Pe. Manuel da Nóbrega, com o seu Diálogo sobre a Conversão dos Gentios e JOSÉ DE ANCHIETA,
fundador da cidade de São Paulo: Deixou Cartas, Informações, Teatro e Poesia.
.
O teatro de Anchieta: aspecto de
teatro medieval ibérico:
AUTOS destinados à edificação do índio e do branco, em certas cerimônias
Sua
poesia: mística (o amor divino, que
contrapõe ao desengano da vida) e catequética impregnada de devoção Mariana,
visão ainda medieval (teocêntrica) do universo. A estrutura : “medida velha”, redondilhas.
EM DEUS, MEU CRIADOR
Não há cousa
segura.
Tudo quanto se
vê
se vai passando.
A Vida não tem
dura.
O bem se vai
gastando.
Toda criatura
passa voando.
..........................................
Contente assim,
minh´alma,
do doce amor de
Deus
toda ferida,
o mundo deixa em
calma,
buscando a outra
vida,
na qual deseja
ser
absorvida.
À SANTA INÊS
Cordeirinha
linda,
Como folga o
povo,
Porque vossa
vinda
Lhe dá lume
novo!
.....................................
Santa Padeirinha
Morta com cutelo
Sem nenhum
farelo
É vossa farinha.
.....................................
O pão, que
amassastes
Dentro em vosso
peito,
É o amor
perfeito
Com que Deus
amastes.
DO SANTÍSSIMO
SACRAMENTO
Oh que pão, oh
que comida,
oh que divino
manjar
se nos dá no
santo altar
cada dia.
.....................................
Este dá vida
imortal,
este mata toda
fome,
porque nele Deus
e homem
se contêm;
.....................................
Que este manjar
tudo gasta,
porque é fogo
gastador
que com seu
divino ardor
tudo abrasa.
O
BARROCO
Note que Aleijadinho, num Barroco tardio, mistura a
tradição clássica – humanista, racionalista, universalista, quase geométrica em
termos de regularidade formal – e a tradição medieval – teocêntrica,
sentimental, individualista.
No século XVII ocorre uma espécie de conflito entre essas tradições: enquanto a burguesia
mercantilista continuava o seu projeto de laicização
(tornar laica, leiga) da cultura medieval, a Igreja católica procurava
reagir contra esse projeto, e o fez através da Contra-reforma (movimento religioso cuja finalidade era
reafirmar as posições do clero, as quais se opunham à Reforma protestante e ao
racionalismo Classicista) e da Inquisição.
A
expressão artística desse conflito a cujas causas históricas nos referimos
chama-se Barroco que expõe
contradição, dualidade, dilaceramento existencial do homem do século XVII.
Notem a androginia na reprodução
abaixo:
Caravaggio
Nesse sentido, podemos compreendê-lo como o
princípio da ruptura da ordem estática dos clássicos e podemos visualizar as principais características desta ruptura
comprando esquematicamente ambos os estilos:
Estilo Clássico
|
Estilo Barroco
|
estaticidade
regular
plano
normativo
racional
claridade absoluta
verossimilhança
exatidão
|
dinamismo
tumultuoso
curvo
libertador
imaginativo
claridade relativa
ilusão
alusão
|
A Europa pré-industrial, aristocrática e jesuítica
(Espanha e Portugal) estava em confronto com o avanço do racionalismo burguês
(Inglaterra, Holanda, França).A angústia, o desejo de fuga, o subjetivismo,
um sonho, uma fuga da realidade convencional,tentativa de negação da arte como
“cópia” . eis o espírito Barroco.
Luz e sombra, materialismo e espiritualismo,
racionalismo e irracionalismo se confundiram e se interpenetraram a ponto de
provocar uma explosão artística de proporções gigantescas, inusitada. Cheia do
inconformismo e da inquietação do homem do século XVII. Novas formas, novos
significados, ligados à tradição clássica mas buscando transformação destas
mesmas tradições.
No Barroco temos:
A) rebuscamento, (uma espécie de “jogo de palavras e
de sensações” que subverte a linguagem poética clássica) é o cultismo ou gongorismo (termo inspirado no poeta barroco espanhol Luís de Gôngora).
B)
conceptismo ou quevedismo (termo inspirado no poeta barroco espanhol
Antônio de Quevedo), isto é, a sofisticação de argumentos, o caráter paradoxal
“do jogo de ideias” permanente nos textos barrocos.
E no
Brasil?
Leia o soneto abaixo e depois, os comentários.
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um frequentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.
(Gregório de
Matos – Obras Completas)
História: A cana-de-açúcar era a base econômica do Nordeste
(especificamente Bahia e Pernambuco), a colônia que ainda não possui condições
materiais que lhe permitam uma “vida literária”.
Gregório de Matos (séc. XVII, o poeta “maldito”: — o Boca
do Inferno; Há apenas “ecos” do Barroco no Brasil, até a segunda metade do
século XVIII, quando este ciclo é incorporado, em outras artes que não a
literatura. Exemplo disso são as esculturas de Aleijadinho (MG- Na segunda metade do século XVIII. Lembremos
das pinturas de Manuel da Costa Ataíde
e das composições musicais de Lobo de Mesquita)
O baiano Gregório de Matos, escritor fundamental.
Um dos fundadores da literatura brasileira, foi o primeiro grande poeta
que tivemos: cantava os seus versos nas tavernas, nos bares, “desacatando”
os donos do poder e “desbocando” na paixão pelas mulatas, numa linguagem
mais coloquial, mais “mestiça”, das ruas; nada publicou em vida, mas
conjugou o barroco ibérico com os “barroquismos” da sociedade baiana, deixou
uma obra múltipla e extremamente rica. Notamos aí a brasilidade.
Elementos marcantes dos
diversos tipos de poesia de Gregório de Matos(características):
• Poesia satírica
Epílogos
Que falta nesta cidade?... Verdade
Que mais por sua desonra? ... Honra
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha
O demo a viver se exponha,
por mais que a fama exalta,
numa cidade, onde falta,
Verdade, Honra, Vergonha.
Quem a pôs neste sacrócio?... Negócio
Quem causa tal perdição?... Ambição
E o maior desta loucura?... Usura.
Quais são os seus doces objetos?... Pretos
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços
Quais destes lhes são mais gratos?... Mulatos
Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos
Os círios lá vem aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.
E que justiça a resguarda?... Bastarda
É grátis, distribuída?... Vendida
Que tem, que a todos assusta?... Injusta
Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, injusta.
Que vai pela clerezia?... Simonia
E pelos membros da Igreja?... Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Fé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos Frades há manqueiras?... Freiras
Em que ocupam os serões?... Sermões
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
me concluis na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões e Putas.
(Gregório de Matos – Obras Completas)
•
Poesia lírica
Soneto
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, se não em vós se uni formara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares,
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
(Gregório de Matos)
==========
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina
mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
==============
A
nossa Sé da Bahia,
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas,
se não for estrebaria:
varias bestas cada dia
vemos, que o sino congrega,
Caveira mula galega,
o Deão burrinha parda,
Pereira besta de albarda,
tudo para a Sé se agrega.
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas,
se não for estrebaria:
varias bestas cada dia
vemos, que o sino congrega,
Caveira mula galega,
o Deão burrinha parda,
Pereira besta de albarda,
tudo para a Sé se agrega.
Décima
Se pica-flor me chamais,
/Pica-flor aceito ser, /Mas resta agora saber, /se no nome, que me dais,
/meteis a flor, que guardais /no passarinho melhor! /se me dais este favor,
/sendo só de mim o pica, /e o mais vosso, claro fica, que fico então pica-flor.
Marque a alternativa falsa:
( ) o poeta usa trocadilhos criados a partir do
vocábulo pica-flor(beija-flor).
( ) Há um
conteúdo erótico neste poema do século XVII.
( ) há
emprego de redondilhas na composição deste poema.
( ) a linguagem busca a simplicidade típica dos
padrões barrocos.
Poesia religiosa
e poesia filosófica
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não por que hei pecado
Da vossa alta clemência me despido*,
Por que quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado,
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
(Gregório de Matos – Obras
Completas)
* despido = despeço
Soneto
Nasce o sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura.
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim, pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza,
A firmeza somente na inconstância.
(Gregório de Matos)
A única certeza é, então, a incerteza; a única constância,
a inconstância; a única firmeza, a não-firmeza, o que mostra o caráter movediço
de um momento histórico e cultural em que vontade e medo, sensualidade e
razão, corpo e espírito, vida e morte se roçam tão intimamente que só podem
gerar uma literatura paradoxal, torturada e ao mesmo tempo extremamente rica,
extremamente fecunda em seu poder de expressão dos mais antigos dilemas
humanos.
A diversidade de estilos está no poeta baiano Gregório de Matos, nosso Boca do Inferno, poeta-fundador da
literatura brasileira —, tanto quanto a multiplicidade “das vidas” que teve
—como trovador errante e como intelectual, como branco preconceituoso
com os mestiços e como voz inconformista
perante as desigualdades sociais. Trata-se de uma experiência do estilo
e espírito barroco em nossa
literatura.
A oratória barroca
Antônio
Vieira
Vamos ler inicialmente um
trecho do Sermão da Sexagésima, no qual o Padre Vieira se refere à
organização de seus sermões:
Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la
para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a
Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de
amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as
conveniências que se há de seguir, com os inconvenientes que se devam evitar,
há de responder às dúvidas e há de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e
refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários, e depois
disso, há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de
acabar...
(Padre
Antônio Vieira – Sermões).
A combinação entre o texto bíblico e a razão que o
ilumina constitui o eixo da compreensão dos sermões de Vieira, cuja
formação religiosa medieval alia-se à consciência da realidade social e
econômica europeia, em termos gerais, e, em particular, das relações entre a
metrópole (Portugal) e a colônia (Brasil).
O modo como escreveu transformou este padre no mais
importante orador sacro do século XVII .
Eloquência, agudeza
mental, capacidade para prender a atenção dos ouvintes/ leitores, o requinte
e ao mesmo tempo o didatismo com que pregava, a clareza das ideias que
expunha, tudo isso está ligado ao exemplo de Vieira como homem, como político,
como religioso(três faces). A Inquisição o condenou como
adepto do Sebastianismo. Conseguiu a anistia e, além disso, conseguiu
levar a Santa Fé a tomar partido contra a Inquisição.
É um homem de ação: lúcido e perspicaz quanto à
importância dos cristãos- novos (judeus convertidos para o cristianismo)
na política fundada no poder econômico da burguesia mercantil que recomendava
para Portugal. A sua expulsão do Brasil pode ilustrar outro lado
importante deste pregador: pregou contra a escravização dos índios (Sermão
de Santo Antônio dos Peixes),
mostrando-se agora favorável às diretrizes da Companhia de Jesus.
A
estrutura dos sermões de Vieira obedece às regras clássicas de
composição
Leia textos de Vieira, e tente reconhecer
neles traços da mais fecunda e brilhante oratória barroca do século XVII.
Vamos, também, descobrir por quais motivos podemos chamar de “literária” esta
prosa:
Carta (fragmento)
Senhor, os reis são vassalos de Deus
e, se os reis não castigam os seus vassalos, castiga Deus os seus. A causa
principal de se não perpetuarem as coroas nas mesmas nações e famílias é a
injustiça, ou são as injustiças, como diz a Escritura Sagrada; e entre todas as
injustiças nenhumas clamam tanto ao céu como as que tiram a liberdade aos que
nasceram livres, e as que não pagam o suor aos que trabalham; e estes são e
foram sempre os dois pecados deste Estado, que ainda tem tantos defensores. A
perda do Senhor rei D. Sebastião em África, e o cativeiro de sessenta anos
que se seguiu a todo o reino, notaram os autores daquele tempo que foi
castigado dos cativeiros, que na costa da mesma África começaram a fazer os nossos primeiros conquistadores, com
tão pouca justiça como a que se lê nas mesmas histórias.
As injustiças e tiranias, que se têm executado nos naturais
destas terras, excedem muito às que se fizeram na África. Em espaço de quarenta
anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertões mais de dois milhões
de índios, e mais de quinhentas povoações como grandes cidades, e disto
nunca se viu castigo. Proximamente, no ano de 1655, se cativaram no rio das
Amazonas dois mil índios, entre os quais muitos eram amigos e aliados dos
portugueses, e vassalos de Vossa Majestade, tudo contra a disposição
da lei que veio
naquele ano a este Estado, e tudo mandado obrar pelos mesmos que tinham maior
obrigação de fazer observar a mesma lei; e também não houve castigo: e não só
se requer diante de Vossa Majestade a impunidade destes delitos, senão licença
para os continuar!
(...) e a experiência o tem mostrado
neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos governadores adquiriram
grandes riquezas e nenhum deles as logrou nem elas se lograram; nem há cousa
adquirida nesta terra que permaneça, como os mesmos moradores dela confessam,
nem ainda que vá por diante, nem negócio que aproveite, nem navio que aqui se
faça que tenha bom fim; porque tudo vai misturado com sangue dos pobres, que
está sempre clamando ao céu.
(Padre Antônio Vieira)
ARCADISMO OU NEOCLASSICISMO
Razão,
verdade e natureza:
Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver-vos outra vez, se
isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a
suavidade,
Com que Fílis entoa a voz
candente.
Os rebanhos, o gado, o
campo, a gente,
Tudo me está causando
novidade:
Oh como é certo, que a
cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente.
(Cláudio Manuel da Costa —
Obras Poéticas, livro que deu início ao
Arcadismo no Brasil, 1768)
No poema acima identificamos
o cenário favorito do Arcadismo: um mundo campestre, pastoril,
bucólico, caracterizado pela leveza dos sentimentos, pela suavidade dos
elementos, pela presença da musa mitológica (Fílis) entoando em voz candente
um canto de paz, de serenidade, de reencontro com a natureza...
Algumas palavras deste
trecho podem mostrar os fundamentos do novo estilo literário que vamos
estudar: o Arcadismo, também chamado de Neoclassicismo.
São elas: brandas
ribeiras, suavidade, rebanhos, gado, campo, Filis (personagem mitológica
transformada em amendoeira pelos deuses), quanto estou contente...
A expressão cruel saudade quase nos faz pensar num
movimento “desafinado” perante o ritmo melodioso em que transcorre nossa
leitura, uma leitura que se confronta com a mencionada expressão, se lembra de
imediato do Barroco
Para entendermos isso precisamos de uma base histórica
do conflito barroco: de um lado, os valores humanistas, racionalistas,
representados e pela burguesia mercantil. De outro e religiosos, teocêntricos,
defendidos pelo clero e pela aristocracia, que se ressentem da perda de poder
e reagem incisivamente.
Foi
uma tensão: de um lado o “conservadorismo” — feudal e do outro a inquietação
“revolucionária” da burguesia. Uma
construção minuciosa das bases intelectuais garantiriam a vitória.
História: Iluminismo,
ilustração, enciclopedismo são as
principais características culturais do século XVIII, o século das Luzes: nele
a ciência moderna (por exemplo, a física de Newton, a psicologia de Locke)
caminhou junto com o progresso (por exemplo, a energia a vapor, a indústria
têxtil inglesa), criando um sistema filosófico que pretendia modificar o mundo
através da técnica e da ciência (iluminismo), uma ideologia baseada na razão
como alicerce do bem-estar coletivo (ilustração,
enciclopedismo), o que traduzia a postura burguesa perante os abusos cometidos
pela nobreza e pelo clero.
Se o
barroco estava crivado de incertezas, de desajustes, de descompassos, o arcadismo instaura-se através da retomada dos princípios
artísticos da tradição clássica: o racionalismo, a mimese (“imitação”
dos grandes autores classicistas), a ânsia de perfeição formal obtida pelo
respeito às convenções apolíneas, dentre as quais ressaltamos a presença da mitologia clássica, o decoro e a simplicidade.
Arcádia:originalmente,região
mitológica onde viviam as musas, os pastores, os deuses. No século XVIII,
deu-se o nome de Arcádias às Academias Literárias.
Há uma coesão, uma coerência entre a literatura
neoclássica e os valores racionalistas que se impuseram na
Europa definitivamente a partir da segunda metade do
século XVIII, o que dá ao estilo neoclássico um tom pedagógico, uma preocupação de servir aos ideais burgueses.
Em comparação com este seu aspecto, devemos ressaltar o
bucolismo presente no poema que lemos. Se de um lado a literatura
neoclássica se compromete com a “utilidade” das mensagens que expressa,
de outro ela se utiliza do “artifício” da vida rústica, campestre, pastoril,
para se tornar “agradável” ao leitor, para lhe proporcionar o prazer da
fantasia, longe da agitação da vida urbana.
Foi
“unir o útil ao agradável”, como queria o mestre latino Horácio, ou de “unir a razão à natureza”, a preocupação francesa
com o caráter Iluminista da arte (o útil, a razão), somada à preocupação
italiana com o seu caráter “prazeroso” (o agradável, a natureza).
Daí
as palavras Neoclassicismo e Arcadismo (Arcádia: moradia dos deuses),
mostrando os dois lados da literatura produzida ao longo do século XVIII.São convenções
literárias que dela resultaram: equilíbrio, harmonia,simplicidade, beleza
natural, verdade.
Eis as principais convenções ou posturas literárias do
Neoclassicismo ou Arcadismo:
• aurea mediocritas: viver harmoniosa e medianamente, sem cometer excessos
• fugere urbem: fugir da cidade, preferindo a vida simples, ingênua e
inocente, em contacto com o campo (daí o bucolismo, o cenário campestre, e o pastoralismo:
os poetas usando pseudônimos de pastores antigos e idealizando pastoras da
mitologia clássica como musas de seus poemas)
• inutilia truncat: cortar o que é inútil, ou seja, realizar as sugestões
clássicas de pureza de expressão, correção, simplicidade, contra os excessos do
Barroco.
. Carpe diem!
O belo é o verdadeiro: o
natural filtrado pela razão. Razão é
verdade e natureza (portanto uma só coisa) e no respeito da natureza
deve se basear o amor e o que não faltava ao Brasil era natureza, que aspirava
à expressão literária (moldada
pelos cânones da Europa, matriz e forma da civilização a que o
intelectual brasileiro pertencia, e a cujo patrimônio desejava incorporar a vida espiritual de seu país).
Se o ciclo do ouro proporcionou o desenvolvimento
de centros urbanos no Brasil, especialmente nas Minas Gerais, e se estes
centros urbanos propiciaram as primeiras manifestações de uma vivência
literária entre nós, tornando o Arcadismo um dos momentos
decisivos, de nossa formação literária, o país continuava cheio de
“barroquismos”. A valorização da rusticidade que caracteriza o Arcadismo
serviu como “ponte” entre os dois lados da moeda — leia-se a colônia: isto
porque o lado primitivo, ao se transfigurar literariamente, adquire
“dignidade”, isto é, aproxima-se da civilização.
Poesia lírica
Os nossos mais famosos poetas árcades são Tomás
Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Destaque para o primeiro. Ambos foram atuaram na Inconfidência
Mineira, tiveram formação europeia (Cláudio e Gonzaga cursaram Direito em
Coimbra, exercendo advocacia em Vila Rica. Gonzaga, além de advogado, foi
ouvidor e procurador na mesma cidade) e ambos obedeciam às convenções
arcádicas em seus poemas, ao mesmo tempo em que as associavam ao Brasil.
Entretanto, cada um o fez de forma específica, com peculiaridades poéticas que
poderemos observar lendo e comparando alguns textos e os Motivos clássicos da
poesia árcade:
· Carpe diem
“Que
havemos de esperar, Marília bela?
que
vão passando os florescentes dias?
As
glórias que vêm tarde, já vêm frias,
e
podem, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah!
não minha Marília,
aproveite-se
o tempo, antes que faça
o
estrago de roubar ao corpo as forças,
e ao
semblante a graça!”
(Gonzaga)
· Locus amoenus
Rondó
“Carinhosa
e doce, ó Glaura,
Vem
esta aura lisonjeira,
E a
Mangueira já florida
Nos
convida a respirar.
Sobre
a relva e o sol doirado
Bebe
as lágrimas da Aurora,
E
suave os dons de Flora
Neste
prado vê brotar.
Ri-se
a fonte: e bela e pura
Sai
dos ásperos rochedos,
Os
pendentes arvoredos
Com
brandura a namorar
Com
voz terna, harmoniosa
Canta
alegre o passarinho,
Que
defronte de seu ninho
Vem a
esposa consolar.
Em
festões de lírios trazem...
Ninfa,
vinde... eu dou os braços;
Apertai
de amor os laços,
Que me
fazem suspirar”.
(Silva
Alvarenga)
· Aurea mediocritas
“Se sou pobre pastor, se não
governo
Reinos, nações, províncias,
mundo e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas
inclementes
Passo o verão, outono, estio,
inverno;
Nem
por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas
enchentes
Dessa grande fortuna: assaz
presentes
Tenho as paixões desse
tormento eterno.”
(Cláudio Manuel da Costa)
“O ser herói, Marília, não
consiste
Em queimar os Impérios: move a
guerra,
Espalha o sangue humano
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver
justo;
E tanto pode ser herói o
pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília
bela,
Seguindo da virtude a honrosa
estrada.
Ganhei, ganhei um trono.
Ah! não manchei a espada,
Não o roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos
teus braços:
E valem muito mais que o mundo
inteiro
Uns tão ditosos laços”.
(Tomás Antônio Gonzaga)
· Fugere
urbem
“Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esse, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
(Cláudio Manuel da Costa)
Enquanto Tomás Antônio Gonzaga, nosso principal poeta árcade, cujo pseudônimo lírico é Dirceu,
produziu uma poesia lírica algumas vezes anunciadora do Romantismo, pela sua
menor regularidade formal e pelos seus momentos de intensidade emotiva.
Na poesia satírica assume o pseudônimo de Critilo.
Já Cláudio
Manuel da Costa, o nosso Glauceste Satúrnio (pseudônimo poético e nas
cartas vai ser o interlocutor Doroteu), tende a aliar a tradição barroca às
novidades árcades. Isto devido ao clima inquietante de alguns de seus poemas,
conjugação com o respeito ás normas clássicas de composição o com a presença marcada
amente árcade de elementos da natureza nas Obras Poéticas que escreveu.
POESIA ÉPICA e Sentimento Nativista
Caramuru
Embora tenha havido pouca relação entre vida e poesia no
Arcadismo, consequência da imitação e das regras, as quais geram no fundo, a
perda da capacidade de observar diretamente a vida e uma visão algo
superficial tanto da natureza exterior quanto humana. Os árcades quase
não sentiram a magia do mar, nem do ar, que o Romantismo povoaria
de duendes e mistérios. E continua Antônio Cândido: (...) ao acentuar,
porém, de modo tão marcante a identidade do racional e do natural, o pensamento
setecentista preparava a ruptura do equilíbrio clássico. O ideal de
naturalidade conduziu ao de espontaneidade, que abriu as portas ao
sentimentalismo —- negação gritante da racionalidade — à lógica
do coração... (Antônio Cândido — Formação da literatura brasileira).
No Brasil, vimos o início da abertura das portas ao sentimentalismo na poesia
lírica de Gonzaga.
Agora, vamos ver o que ocorreu na poesia épica, primeiro identificando
alguns traços típicos da nossa ilustração: favorece atitudes mentais evoluídas,
que incrementariam o desejo de saber, a adoção de novos pontos de
vista na literatura e na ciência, certa reação contra a tirania
intelectual do clero e, finalmente o nativismo. O maior exemplo de
“pombalismo literário” (Marquês de
Pombal: “déspota esclarecido”, ministro do rei D. José I,
defensor de ideias iluministas, responsável pela expulsão dos jesuítas não só
do Brasil, mas também de todo o reino português) e de espírito nativista
em nossa literatura neoclássica é o poema épico “O Uraguai”, escrito em 1769, por Basílio da Gama.
Já poema Caramuru, do Frei de Santa Rita
Durão (que ao contrário de O Uraguai, seguiu o modelo camoniano)
narra a história do herói-misto de colono português e missionário jesuíta que
se apaixona pela Índia Paraguaçu, com quem parte num navio, para se casarem na
Europa. A rival de Paraguaçu, Moema, atira-se nas águas do mar e assim se
suicida por amor. Apesar da perda de autenticidade do índio nesta obra em
relação ao Uruguai, apesar de
apresentá-lo como “objeto” da colonização, o Caramuru também exemplifica a presença do espírito nativista e
portanto de pré-romantismo em nossa poesia épica neoclássica.
Vamos ler alguns versos do poema épico O
Uraguai:
Trecho: Os
índios já haviam perdido a guerra e reunidos na tribo, preparavam-se para a
cerimônia de casamento de Lindóia com Baldeta (filho sacrílego do Jesuíta Balda),
que tem garantido o papel de chefe da tribo.
Lindóia, contudo, não está interessada no casamento. Inconformada com a
morte de seu marido Cacambo, ela se retira da tribo, desgostosa, e entra na
floresta. Seu Caitutu e outros índios vão procurá-la.
A MORTE DE LINDÓIA
(Canto IV de O Uraguai)
[...] Não faltava
Para se dar princípio à
estranha festa,
Mais que Lindóia. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
Festões de flores as gentis donzelas.
Mais que Lindóia. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
Festões de flores as gentis donzelas.
Cansados de esperar, ao seu
retiro
Vão muitos impacientes a buscá-la.
Estes de crespa Tanajura aprendem
Que entrara no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguém a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co’a vista, e teme de encontrá-la.
Vão muitos impacientes a buscá-la.
Estes de crespa Tanajura aprendem
Que entrara no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguém a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co’a vista, e teme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota e
interna
Parte de antigo bosque, escuro
e negro,
Onde ao pé de uma lapa
cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que
murmura,
Curva latada de jasmins e
rosas.
Este lugar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha
escolhido
Para
morrer a mísera Lindóia.
Lá
reclinada, como que dormia,
Na
branda relva e nas mimosas flores,
Tinha
a face na mão, e a mão no tronco
De um
fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica
sombra. Mais de perto
Descobrem
que se enrola no seu corpo
Verde
serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço
e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem
de a ver assim, sobressaltados,
E
param cheios de temor ao longe;
E nem
se atrevem a chamá-la, e temem
Que
desperte assustada, e irrite o monstro,
E
fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém
o destro Caitutu, que treme
Do
perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou
as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar
o tiro, e vacilou três vezes
Entre
a ira e o temor. Enfim sacode
O arco
e faz voar a aguda seta,
Que
toca o peito de Lindóia, e fere
A
serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou
cravados no vizinho tronco.
Açouta
o campo co’a ligeira cauda
O
irado monstro, e em tortuosos giros
Se
enrosca no cipreste, e verte envolto
Em
negro sangue o lívido veneno.
Leva
nos braços a infeliz Lindóia
O
desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece,
com que dor! no frio rosto
Os
sinais do veneno, e vê ferido
Pelo
dente sutil o brando peito.
Os
olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios
de morte; e muda aquela língua
Que ao
surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou
a larga história de seus males.
Nos
olhos Caitutu não sofre o pranto,
E
rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo
na testa da fronteira gruta
De sua
mão já trêmula gravado
O
alheio crime e a voluntária morte.
E por
todas as partes repetido
O
suspirado nome de Cacambo.
Inda
conserva o pálido semblante
Um não
sei quê de magoado e triste,
Que os
corações mais duros enternece
Tanto
era bela no seu rosto a morte!
(Basílio
da Gama – O Uruguai)
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
• autor da mais importante obra lírica do Arcadismo no
Brasil: Marília de Dirceu;
• sua poesia apresenta as típicas características árcades
e neoclássicas: o pastoril, o bucólico, a natureza amena, o equilíbrio etc;
• apresenta, também, algumas características
pré-românticas (principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita
na prisão): confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos
padrões de neoclassicismo, descrições de paisagem brasileira:
• sua obra Cartas Chilenas, sátira contra o Governador
das Minas Gerais (Luis da Cunha Meneses apelidado de “Fanfarrão Minésio”),
compõe-se de 12 cartas escritas por Critilo para um suposto amigo, Doroteu.
Biografia: Nasceu
no Porto, 1744. Filho e neto de magistrados brasileiros, passa a infância no
Brasil. Estuda com os jesuítas na Bahia. Forma-se em Direito em Coimbra, em
1768. Juiz em Beja, por alguns anos, vem para o Brasil, em 1782, como ouvidor
de Vila Rica. Namoro com Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a Marília.
Preso em 1789, acusado de participar da conjuração mineira. Nega sua
participação na Inconfidência, escreve contra Tiradentes. Degredado para
Angola onde ocupa alta posição administrativa. Casa-se com a filha de um
riquíssimo comerciante de escravos. Morre em 1810.
Obras:Liras de Marília de Dirceu & Cartas Chilenas
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
Biografia: Cláudio
nasceu em Minas Gerais, em 1729. Filho de pai português que se dedicava à
mineração. Estudou no Rio de Janeiro no colégio dos jesuítas e depois se formou
em Direito em Coimbra, em Portugal. Terminado o curso retornou ao Brasil.
Exerceu cargos na administração pública em Vila Rica. Defensor de Pombal,
participou da Inconfidência Mineira. Preso
e interrogado foi encontrado morto no cárcere, em 1789.
Obras
As Obras Poéticas compreendem sonatas,
cantatas, éclogas, epístolas e o poema épico Vila Rica no qual o poeta
tematiza a descoberta das minas e fatos marcantes da história da cidade.
Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga: são dois poetas líricos, considerados menores, de nosso Arcadismo. O primeiro
ficou famoso pela ode que dedicou ao Marquês de Pombal; o segundo – militante
ilustrado – escreveu um livro de rondós e madrigais chamado, Glaura. Ambos
participaram da Inconfidência Mineira.
ROMANTISMO:
PAIXÃO E LIBERTAÇÃO
A era Nacional
O
Romantismo é, antes de tudo, um movimento de oposição violenta ao
Classicismo e à época da Ilustração, ou seja, àquele período do século
XVIII que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte racionalismo.
Eu
sinto: eis a única palavra do Homem que exige verdades. Eu sinto, eu existo para me consumir em
desejos indomáveis, para me embeber na solidão de um mundo fantástico, para
viver aterrado com o seu voluptuoso engano...(Obermman)
Talvez eu seja o último romântico
Dos litorais desse oceano Atlântico (Lulu Santos)
Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar o meu
canto
E rir o meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angustia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinícius de Moraes)
“Metamos o martelo
nas teorias, nas poéticas e nos sistemas. Abaixo esse velho reboco que mascara
a fachada da arte! Nada de regras nem de modelos!”(Victor Hugo)
PRIMEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA
poesia, natureza e pátria
Por que tardas, Jati, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
(Gonçalves
Dias – Leito de Folhas Verdes)
CANÇÃO DO
EXÍLIO
Minha
terra tem palmeira,
Onde
canta o Sabiá;
As aves,
que aqui gorjeiam
Não
gorjeiam como lá.
Nosso céu
tem mais estrelas,
Nossas
várzeas têm mais flores,
Nosso
bosques têm mais vida,
Nossa
vida mais amores.
Em
cismar, sozinho, à noite,
Mais
prazer encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Minha
terra tem primores,
Que tais
não encontro eu cá;
Em cismar
– sozinho à noite –
Mais
prazer encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Não
permita Deus que eu morra,
Sem que
eu volte para lá;
Sem que
desfrute os primores
Que não
encontro por cá,
Sem
qu’inda aviste as palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias – Canção
do exílio)
SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA
poesia,
amor e morte
Os poetas da segunda
geração numa atitude ultra romântica: adolescente, escapista, derrotada mas
resgatada, devolvida, inteligível pelos versos que a expressam com a mesma
força com que tornam inviáveis os seus autores. Invioláveis, poderíamos
acrescentar, já que, à sua maneira, não fizeram concessões, não traíram os sonhos
que tiveram; ao contrário, converteram estes sonhos em poesias.
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã.
(Álvares
de Azevedo – Se eu morresse amanhã)
Junto do leito meus poetas dormem
— O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça
E parece pedir a formatura.
O meu amigo, á velador noturno,
Tu não me abandonaste nas vigílias,
Quer eu perdesse a noite sobre os livros
Quer, sentado no leito, pensativo
Relesse as minhas cartas de namoro!
Quero-te muito bem, és meu comparsa
Nas doidas cenas de meu drama obscuro!
(Álvares de Azevedo — Lira dos vinte anos)
Neste texto
de nosso maior poeta ultra-romântico — Álvares de Azevedo — podemos ver o
cenário de tal poesia: de um lado, os “poemas” (Dante, a Bíblia, Shakespeare
e Byron)
do outro o ambiente noturno, um ambiente de vigília
onde as cartas de namoro se confundem com os livros. Com a “não nitidez” do ultra-romantismo,
na metáfora da luz do candeeiro ironiza o
racionalismo do mundo burguês.
TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA
poesia, paixão e
revolução.
Castro Alves
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
(Castro Alves)
Enquanto a primeira geração da poesia romântica
brasileira caracterizou-se pela implantação no país recém independente de ideias nacionalistas e a segunda teve
um caráter cosmopolita, identificando-se com o ultra-romantismo europeu (no que diz respeito à inadaptação entre
poesia e realidade), a terceira geração (1860), cujo maior representante
é Castro Alves, procurou transformar
a realidade, questioná-la em profundidade, de forma épica e “condoreira”
e também hugoana, devido ao escritor romântico francês Victor Hugo, são
os adjetivos para qualificar a poesia pujante, grandiloquente, poesia social,
revolucionária, nacionalista, inconformista e messiânica do poeta-vidente
Castro Alves, o “poeta dos escravos”, cujos versos vamos ler.
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes – Boa-noite
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
— Mar de amor onde vagam meus desejos.
(Castro Alves – Boa-noite).
O vidente
Enfim a terra é livre! Enfim lá do Calvário
A águia da liberdade, no imenso itinerário,
Voa do Calpe brusco às cordilheiras grandes,
Das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes!
Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira,
A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira;
São livres os escravos... quero empunhar a lira,
Quero que est’alma ardente com canto audaz desfira,
Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,
As harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!
(...)
Mas, ai! longos gemidos de míseros cativos,
Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,
Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vedeta:
“Que pensas, moço triste? Que sonhas tu,
poeta?”
Então curvo a cabeça de raios carregada,
E, atando a brônzea corda à lira amargurada,
O canto de
agonia arrojo à terra, aos céus,
E
ao vácuo povoado de tua sombra, á Deus!
(Castro Alves)
Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que dá liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente
esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que
Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!..
Dados literários e
biográficos
1ª geração:indianismo/nativismo/natureza brasileira — Gonçalves
Dias
2ª geração:mal-do-séculofbyronismo — Álvares de Azevedo;
.Fagundes Varela (Vozes da América): ultra-romantismo — Casimiro de
Abreu (As Primaveras); Junqueira Freire (Inspiração do Claustro)
3ªgeração:condoreirismo/abolicionismo/lirismo erótico — Castro
Alves e Sousândrade.
ANTÔNIO
GONÇALVES DIAS
• considerado o mais maduro dos românticos brasileiros, o
nosso maior poeta romântico.
• consegue um equilíbrio/síntese entre a liberdade e a
invenção romântica, de um lado, e a tradição lusitana, de outro.
• escreveu sobre o
sentimento amoroso e sobre a natureza.
• escreveu célebres poemas
indianistas, com acentuado teor épico/ dramático ou mesmo epolíricos.
Biografia:Nasce no Maranhão, em 1823. Faz Direito na
Universidade de Coimbra. Volta ao Brasil em 1845. Em São Luís fracassa o
relacionamento amoroso com Ana Amélia, a quem dedica o poema “Ainda uma vez...
Adeus!” por pressão da família dela, porque o poeta era filho de pai português
e de mãe mestiça. Trabalha em missões do governo brasileiro, em nosso
território e no europeu. Tuberculoso, volta à Europa (1862 a 1864). Retornando ao
Brasil, morre na costa do Maranhão, no naufrágio do navio em que viaja, em
1864.
OBRAS:
Primeiros cantos
Segundos cantos
Sextilhas de Frei Antão
Últimos cantos
Os Timbiras (inacabado)
MANUEL
ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
• principal
poeta da 2ª geração romântica no Brasil e da obra mais característica desta
geração: Lira dos Vinte Anos;sua poesia revela a influência de Byron, o
poeta inglês sim-bolo da geração ultra-romântica;
• a sua face
lírica tem como temas permanentes o amor e a morte, sob uma perspectiva
egocêntrica;
• atração e do
medo da morte. Há presença marcante em sua obra é a mulher-anjo, a virgem
nunca beijada;
• existe uma
outra face, menos conhecida, irônica, em que parodia com sarcasmo a sua
própria geração, introduzindo muitos elementos
prosaicos;
• a sua prosa
apresenta o noturno, o aventuresco, o macabro, o satânico, o incestuoso, os
elementos do romantismo maldito.
Biografia: Nasce em São Paulo, em 1831. Estuda no Rio de Janeiro, e
depois em São Paulo, onde cursa Direito no largo São Francisco, sem conseguir
concluir o curso, por morrer aos vinte e um anos, em 1852. Leu autores antigos
e contemporâneos. Imaginação febril, sensibilidade exacerbada até o doentio, o
depressivo, Viveu ao extremo o conflito romântico entre o real e
o imaginado.
Obras
Lira dos vinte anos (poesias)
Noite na taverna (livro de
contos) — Um grupo de rapazes reúne-se numa taverna, onde todos se embriagam.
Então, cada um conta uma história de assassinatos, amores pós-túmulo, casos
de antropofagia, paixões necrófilas etc. Macário (peça teatral) —
um jovem estudante embriagado encontra-se com Satã e passa em sua companhia uma
noite na cidade de São Paulo.
ANTÔNIO FREDERICO DE CASTRO ALVES
• o maior poeta da 3ª geração romântica, denominado de condoreiro,
por comparação do poeta com o condor.
• poesia apaixonada, eloquente, arrebatada. Pública, política,
para ser declamada nas ruas, gritada em comícios, para incendiar a multidão
(apóstrofes).
• paixão revolucionária —participa das lutas de seu
tempo, especialmente da abolição, sempre com posições libertárias, utópicas.
• espécie de vidente,
com função messiânica de denunciar a opressão presente e anunciar o
futuro libertador.
• além da poesia social, é muito importante a obra lírica: um lirismo
erótico, apresenta uma mulher real, exaltando a sensualidade de modo
natural e ardente.
• é marcante a presença
da natureza brasileira, tropical e exuberante.
Biografia: Nasce na Bahia, em 1847. Estuda em Salvador, no Ginásio
Baiano. Cursa Direito na Faculdade do Recife e depois em São Paulo, no largo
São Francisco. Dedica-se a experiências amorosas e às lutas políticas e
sociais. Junto da atriz portuguesa Eugênia Câmara, musa de muitos poemas
líricos, encena em vários lugares sua peça Gonzaga, ou A Revolução de Minas. Participa
de muitos comícios e manifestações abolicionistas. Separado de Eugênia, amputa
o pé esquerdo que foi ferido acidentalmente. Volta a tuberculose, que
contrária ainda adolescente. Participa de mais campanhas contra a escravidão.
Morre em Salvador, aos 24 anos, em 1871.
Obras
Espumas Flutuantes
Gonzaga ou a Revolução de
Minas(teatro)
A Cachoeira de Paulo
Afonso
Os Escravos
Poemas: Navio Negreiro e Vozes d´África.
ROMANTISMO
PROSA.
Parte II
José de Alencar, o primeiro grande romancista da literatura brasileira,
é também o mais completo representante de nosso projeto nacionalista.
A Moreninha e lracema: histórias de amor, idealizações
românticas . Exemplos do romance como um gênero de comunicação fácil. Um gênero novo entre nós: São tipos, as cenas a vida de uma sociedade em
fase de estabilização, lançando mão
de estilo, construção, recursos
narrativos os mais próximos possíveis da maneira de ser e falar das pessoas que
o iriam
Em O Guarani, Peri se apaixona pela moça branca
Cecília, e, como Iracema, deixa o seu povo, os seus costumes, as suas
tradições.Bravo, digno, honrado, doce, apaixonado, vassalo de sua senhora,
Nasce e começa a crescer, a se desenvolver, a “cultura brasileira”: por um
lado, espécie de “cópia”, de “tradução” de modelos estrangeiros; por outro,
cedendo espaço, abrindo caminhos, à expressão artística de nossas
peculiaridades, de nossas particularidades nacionais.É Alencar com sua“cor local” cuja literatura regionalista
também tematiza de forma idealizada a vida e os costumes do ‘brasileiro”
do interior.
Principais autores regionalistas e suas obras:
• O Gaúcho, O Sertanejo (José de Alencar)
• Inocência (Visconde
deTaunay).
• O Seminarista, A Escrava Isaura (Bernardo de Guimarães).
• O Cabeleira (Franklin Távora).
De forma
geral este foi o processo de construção do romance brasileiro no romantismo.
Ele contribuiu para o desenvolvimento do romance no Brasil.
A princípio e até a maturidade de Machado de Assis, o
romance brasileiro não passará muito além destes elementos básicos. Ora o
enredo é soberano como em Alencar, ora predominam os tipos como em Manuel
Antônio de Almeida. Em todos, porém, ressalta a atenção ao espaço geográfico e
social onde a narrativa se desenvolve.
Quanto à matéria, o romance brasileiro pendeu desde cedo
para a descrição dos tipos humanos e das formas de vida social (costumes) nas cidades e nos campos. O romance indianista constitui desenvolvimento à parte. Leia outro trecho de
Alencar:
“Tudo era grande e pomposo no cenário que a natureza, sublime
artista, tinha decorado para os dramas majestosos dos elementos, em que o homem
é apenas um simples comparsa.(...) Entretanto, via-se à margem direita do rio
uma casa larga e espaçosa, construída sobre uma eminência, e protegida de todos
os lados por uma muralha de rocha cortada a pique. (...) Descendo dois ou três
degraus de pedra da escada, encontrava-se uma ponte de madeira solidamente
construída sobre uma fenda larga e profunda que se abria na rocha. Continuando
a descer, chegava-se à beira do rio, que se curvava em seio gracioso, sombreado
pelas grandes gameleiras e angelins que cresciam ao longo das margens”(do romance O Guarani)
ATENÇÃO: Faz parte da ideia romântica de cor local o Teatro de Martins Pena; autor de comédias de costumes, como
por exemplo “O juiz de paz na Roça”;
“Quem casa quer casa” .
Outros
Autores
·
Manuel Antônio de Almeida
Escreveu apenas um livro, “Memórias
de um Sargento de Milícias”. Trata-se de obra excêntrica dentro da prosa romântica
brasileira. Volta algumas décadas no tempo e faz a crônica picaresca de costumes do Rio de Janeiro, na época de D. João VI. O tom humorístico, sem idealização de personagens,
apresenta uma visão direta e objetiva das camadas sociais inferiores. Não apresenta mais a tensão entre o BEM e o MAL, típica
do Romantismo. O personagem central, Leonardo, é herói pícaro ou anti-herói,
primeiro malandro da literatura brasileira, capaz de qualquer
“trambique” para sobreviver. Mostra as mazelas de uma sociedade hipócrita,
acomodada pelo jeitinho e pelo favorecimento.
Resumo da PROSA ROMÂNTICA NO BRASIL:
Joaquim Manoel de Macedo
·
Crônica de
seu tempo;
·
Visão da
sociedade carioca.
José de Alencar
·
Romances
históricos ou indianistas
* natureza exuberante
* mito do “bom
selvagem”
·
Romances
urbanos
* “perfis femininos”(Diva, Senhora, Lucíola) e
“quadros-de-sociedade”
·
Romances
rurais, regionalistas:
* tentativa de
caracterização das principais regiões
brasileiras
Bernardo Guimarães
·
Preocupação
social
·
Regionalismo:
* tradições
* costumes
* crendices.
(A Escrava Isaura, O Seminarista)
Franklin Távora
·
Regionalismo
do Norte
·
Prenúncio
do realismo
(O Cabeleira)
Visconde de Taunay ( Inocência)
·
Regionalismo
·
Prenúncio
do realismo
Real-naturalismo-
INTRODUÇÃO
Tendências
Literárias da 2ª metade do século XIX
·
O REALISMO:
- O
homem e a sociedade em sua totalidade
- O amor
adúltero
- O
dia-a-dia massacrante
- O
egoísmo e a mentira
- A
impotência do homem diante dos poderosos
“O
Realismo é uma reação contra o Romantismo: O Romantismo era a apoteose do
SENTIMENTO; - O REALISMO é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte
que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houve de mau na
nossa sociedade.”
(Eça
de Queirós)
Em
algumas produções da Estética Romântica como a poesia de Castro Alves, o
romance de Manuel Antônio de Almeida (MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS), os
regionalistas Franklin Távora, Visconde de Taunay – podemos observar
manifestações contrárias ao sentimentalismo, a idealizações. São posturas
anti-românticas nascidas das mudanças sociais, econômicas, científicas,
ideológicas do momento.
O
homem da 2ª metade do séc. XIX será muito mais OBJETIVO e IMPESSOAL face ao
próprio contexto no qual está inserido. Terá uma concepção muito mais
materialista do mundo e a arte será um instrumento muito mais de denúncia, daí
a imaginação ceder lugar ao momento presente, à contemporaneidade.
Com
a nova Revolução Industrial, o avanço tecnológico e científico modificam-se os
processos de produção e a própria economia que ganha novos rumos. Importa mais
do que nunca a realidade física, o mundo concreto, um mundo que se explica a
partir dele mesmo. Justifica-se assim o porquê do materialismo e objetivismo
serem as bases do pensamento realista. A burguesia urbana cresce cada vez mais
e vive o luxo e o poder sobre o mundo.
As
tendências literárias deste período (Realismo / Naturalismo / Parnasianismo)
têm início em 1857 com a publicação do romance realista Madame Bovary de
Gustave Flaubert; Thérese Raquim, de Émile Zola (1867). Fundou-se o
Naturalismo, seguimento da corrente Realista, e antologias parnasianas intituladas
Parnaso Contemporâneo (1866). Este último foi um retorno da poesia ao
estilo clássico – estilo do qual os românticos se afastaram. Veja que o
Parnasianismo merece um estudo à parte.
Estes
três estilos divergem formal e ideologicamente, mas têm pontos de contato: a
visão de mundo objetiva (que trazem para o texto) e o gosto pelos
detalhes, pelas descrições.
Podemos
dizer, de modo geral, que o Realismo vai se preocupar com o
comportamento humano (indivíduo), o Naturalismo vai desenvolver um
realismo mais científico e o Parnasianismo vai retornar ao mundo
clássico e seu estilo, ficará distante, portanto, do “estéril turbilhão da
rua”.
Contexto
Histórico
A GERAÇÃO DO MATERIALISMO
- A
consolidão da burguesia no poder
- Triunfo
do capital industrial
- Ciência,
progresso e materialismo são palavras de ordem (cientificismo).
- Apogeu
da Revolução Industrial
- Avanço
científico e tecnológico (eletricidade, telégrafo, locomotiva a vapor) das
ciências como Física, Química, Biologia.
- As
massas trabalhadoras exploradas nas cidades industriais (proletariado x
burguesia).
- A
publicação do manifesta comunista de Karl Marx que define o Materialismo
Histórico
- Explosão
urbana
- Fermentação
político-social.
·
Correntes científico –
filosóficas da época
Deixaram
marcas visíveis na literatura:
a)
POSITIVISMO
(Augusto de Comte) – Todo conhecimento só tem valor se provier das ciências.
Rejeitam-se explicações religiosas, metafísicas. O homem tem capacidade de amar
e ser solidário socialmente, assim pensou Comte.
b)
DETERMINISMO (H.
Taine) – O comportamento humano é determinado por forças do meio, do momento
histórico, da raça.
c)
EVOLUCIONISMO (Darwin)
– O homem é produto da evolução natural das espécies. O homem é visto pelo
aspecto biofisiológico.
Socialismo
Utópico
Vale
destacar que as Ciências Naturais se desenvolveram (principalmente a Biologia)
bem como as Ciências Sociais. No que tange ao ponto de vista político-social
irrompe uma nova classe social (contrastando com a classe média burguesa): o PROLETARIADO.
Essa nova classe formada pelas massas de trabalhadores ao expressar seus
anseios geram lutas, crises da sociedade burguesa. Essas crises sociais terão
reflexos significativos na arte e a camada operária marginalizada (fora dos
benefícios da Revolução Industrial) começa a se organizar. “Os acontecimentos
exigem a participação do artista”.
O
novo quadro social será examinado pelo artista à luz das teorias “SOCIOLÓGICAS,
PSICOLÓGICAS ou BIOLÓGICAS”. É sob este prisma que a prosa Real – Naturalista
se desenvolve. A burguesia se consolida enquanto classe detentora do poder
graças ao fortalecimento – Racionalismo tornam-se palavras-chave e O Real –
Naturalismo é consequência das transformações ocorridas na época.
Estas
transformações provocaram, no escritor, necessidade de descrever costumes,
relações sociais, comportamentos, conflitos psicológicos. O Naturalismo
trabalhou estes aspectos revestindo-os de cientificismo, influência das teorias
da época.
Características da linguagem
da Prosa Realista
-
Objetivismo (a verdade exata, fruto da observação).
-
Impassibilidade (o escritor fotografa os personagens por dentro, obedece a uma
lógica rigorosa).
-
Narrativa lenta, rica em detalhes, descrições.
-
Precisão quanto ao tempo e espaço.
-
Personagens esféricos, ambíguos, complexos (exibem-se defeitos e qualidades).
-
Casamento por interesse, “amor” ligado a interesses sociais, forma de ascensão
social.
-
Análise psicológica do personagem (realidade interior X realidade exterior):
Jogo do SER X PARECER.
-
Crítica à sociedade burguesa e seus “valores” (Machado de Assis faz de forma
indireta
-
Imoralismo.
-
Fim da idealização da figura feminina e do modelo de herói romântico.
-
Contemporaneidade.
-
Preocupação estética e com o estilo.
A corrente naturalista
Os
estudiosos apontam o Naturalismo como “um prolongamento do Realismo”. A
estetica naturalista denuncia uma visão alicerçada nas correntes
filosófico-científicas da época e nas novas ideias sociológicas:
A comprovação científica dos fenômenos
(POSITIVISMO) regula as situações; a camada social é um organismo vivo com
todos os ciclos de sua evolução (EVOLUCIONISMO); o homem é produto do meio, da
raça e do momento histórico em que vive (DETERMINISMO), enfim predomina uma
visão científica da existência. A literatura irrompe no cenário deste período
como subordinada à atividade científica: “meu desejo é pintar a vida, e para
este fim devo pedir à ciência que me explique o que é a vida, para que eu a
fique conhecendo”. (Émile Zola).
Vale
destaca ainda que o escritor realista observa, analisa o comportamento
do homem na sociedade e narra; o escritor naturalista chega a uma etapa
posterior à observação que é a experimentação. Ele comprova através da ciência.
(Veja que o exagerado cientificismo da época levou os escritores a associar
literatura e ciência). Conclui-se assim que a Prosa Realista tem aspecto
mais documental e a prosa Naturalista, assume as características
de Romance experimental.
Características da linguagem
da Prosa Naturalista
-
Descrição objetiva apoiada em
impressões sensoriais.
-
Narrativa lenta. O narrador é
onisciente. Coloca-se de fora.
-
O ambiente descrito reporta-se
às camadas inferiores da população (lavadeiras, mascates).
-
Predomínio do instinto.
-
Zoomorfização (as mesmas leis
que regem os animais, regem os homens).
-
Predomina a linguagem
denotativa.
-
Arte de denúncia, crítica
social aberta.
-
Dá-se relevo aos aspectos mais
torpes e degradantes da vida.
-
Influência maior da Biologia.
-
Narrativa centrada nas camadas
inferiores.
-
Amoralismo.
-
Não há muita preocupação com o
estilo.
-
Ações, gestos, falas,
ambientes são relevantes para o escritor.
-
Personagens patológicos
(legião de bêbados, assassinos, incestuosos, prostitutas – “horrores
cientificamente comprovados).
O Real – Naturalismo no Brasil
Situação Histórica:
1870 Acentuam-se
as crises da sociedade agrária brasileira.
1871 Aprovada
a Lei do Ventre Livre.
1875 Em
Portugal, Eça de Queirós publica “O Crime do Padre Amaro”, que iria influenciar
em muito as ideias realistas no Brasil.
1878 Publicação,
em Portugal, de “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós, importante na divulgação
das ideias realistas no Brasil.
1881 “O Mulato”, de Aluísio Azevedo inicia o Naturalismo no
Brasil: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis marca o início
do Realismo brasileiro.
1882 Forma-se
a “Escola do Recife”, sob a direção de Tobias Barreto.
1885 Lei
do Sexagenário.
1888 Lei
Áurea.
1889 Proclamação
da Republica.
1891 Primeira constituição
republicana brasileira. Deodoro da Fonseca – presidente da república. Deodoro
renuncia, Floriano Peixoto assume.
1894 Prudente
de Morais assume a presidência, depois de muitas agitações políticas.
1897 Campanha
de Canudos, Fundação da Academia Brasileira de Letras (que veio, de certo modo,
a oficializar a literatura).
O
Realismo no Brasil
Machado de Assis (1839-1908)
Primeiro
presidente e fundador da Academia Brasileira de Letras. A figura mais
expressiva da corrente realista nasceu no Rio de Janeiro. Era filho de um
pintor de paredes e de uma imigrante açoriana. Foi considerado o maior
romancista brasileiro.
Machado
ficou conhecido por sua obra, por sua contribuição, à literatura brasileira,
aos postulados realistas, pelos caminhos que abriu à nossa história literária.
Seu realismo está longe da ortodoxia, sempre se mostrou contrário aos
modismos. Fundiu objetividade com subjetividade, primou pela opinião
constante do narrador. Afirmava que “a realidade era boa e o realismo
mau”, dizia não ser realista de escola, o que importa era refletir sobre a
realidade, ser comprometido com ela. Tímido, mulato, gago,epiléptico, frequentou
apenas a escola primária, trabalhou desde a infância. Perdeu os pais cedo foi
criado por uma madrasta. Apesar de tudo isto chegou à elevada posição como funcionário
público, obteve consideração social numa época em que nosso país era uma
monarquia escravocrata. (Vale destacar que apesar de mulato, Machado não
defendeu o abolicionismo).
Em
1869, casou com Carolina Xavier de Novaes com quem viveu até a morte.
Construiu a personagem Dona Carmo, da obra Memorial de Aires inspirado na
esposa.
Machado
foi jornalista, crítico literário, crítico teatral, teatrólogo, poeta,
contista, romancista, cronista (destacou-se com seus contos e romances).
Preocupou-se deveras com o estilo – a expressão e o modo de compor – com
a organização dos temas, com a linguagem pensante, com a análise do
comportamento humano, com o caráter enfim a PSICOLOGIA do personagem.
Escreveu
poesias inspirado nas sugestões temáticas da poesia de Gonçalves Dias,
Casimiro de Abreu e Fagundes Varela. De Gonçalves Dias herdou o indianismo, de
Casimiro o lirismo sentimental e de Varela a ênfase dada à natureza americana.
Os livros em que evidenciamos tudo isto são: Crisálidas (pupa dos
insetos lepdópteros), Falenas e Americanas.
Compôs
ainda poesias de cunho filosófico e reflexivo sobre o ser,
o tempo e a moral, são as poesias parnasianas de Ocidentais.
Os poemas mais conhecidos são: Círculo Vicioso, Soneto de Natal, A mosca
Azul.
É
na década de 60 que Machado escreve suas comédias e poesias românicas. Sua
vocação para os romances e contos vem na década de 70 e 80. A maturidade chega
com Ocidentais e Memórias Póstumas de Brás Cubas.
CÍRCULO VICIOSO
(Veja
seleção vocabular, rimas
ricas
à maneira dos parnasianos)
Bailando
no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem
me dera que fosse, aquela loura estrela,
Que
arde no eterno azul, como uma eterna vela”!
mas
a estrela, fitando a lua, com ciúme:
Pudesse
eu copiar o transparente lume,
Que,
de grega coluna à gótica janela,
Contemplou,
suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas
a lua, fitando o sol, com azedume:
Misera!
tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade
imortal, que toda a luz resume!
Mas
o sol, inclinando a rútila capela:
“Pesa-me
esta brilhante auréola de nume..
Enfara-me
esta azul e desmedida umbela...
Por
que não nasci eu um simples vaga-lume”?
O realismo de dimensão mais voltada para
o psicológico e para a moral aparece com Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881), História sem data (1884), Quincas Borba (1892), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904), Relíquias de Casa Velha (1906). Em 1908, escreveu seu
último romance e mais diferente (em forma de Diário): Memorial de Aires, já meio triste e doente pela perda da
esposa. Aos 69 anos morre vítima de úlcera cancerosa.
Outras
obras: Falenas (1870), Americanas (1875), Poesias Completas (1900).
Obras Póstumas: Outras Relíquias (1910).
Machado
estreou em 1855 com o poema “Ela”, no jornal “Marmota Fluminense”.
·
Seus temas preferidos são:
O
adultério, o parasitismo social, o casamento por interesse, a confusão
entre a razão e a loucura (O
Alienista, Quincas Borba, Memórias Póstumas) o egoísmo, a vaidade, o
interesse, a impossibilidade de ação com grandeza, a universal
insatisfação dos seres eternamente presos à sua condição, o gozo de ver o
padecimento alheio, a ânsia de descobrir a verdade sob as aparências do mundo,
a melancolia da velhice, a hipocrisia, a ambiguidade feminina, o domínio dos
corruptos sobre os menos ambiciosos, o caráter mistificador das ideologias,
negação das verdades absolutas, destruição do mundo de aparências da burguesia
brasileira do século XIX.
·
Mecanismos de construção dos
textos:
-
Ruptura da estrutura linear (Machado não está preocupado
em contar uma história. A ordem não importa, mas o como se diz e o que se revela do homem, do seu
comportamento). A essa fragmentação dos episódios (comuns às produções
realistas) chamados DIGRESSÕES.
-
ESTILO DIRETO, ELEGÂNCIA e contenção.
-
FRAGMENTAÇÃO DOS PERSONAGENS, muita discrição ao descrevê-los.
-
DIALOGISMO e SITUAÇÕES PSICOLÓGICAS.
-
INTERTEXTUALIDADE.
-
PERFEIÇÃO FORMAL, SUTILEZA DA LINGUAGEM.
-
AMBIGUIDADE E POLISSEMIA.
-
O OLHAR POR DETRÁS DAS MÁSCARAS.
-
PESSIMISMO.
-
A IRONIA, O HUMOR requintados e discretos.
-
CRIAÇÃO DE MULHERES – SÍMBOLOS (sensuais, ambíguas, astuciosas, dominadoras).
Atenção:
a)
fase romântica – Contos
Fluminenses, Ressurreição, (A
de romances Histórias da Meia-Noite, A
mão e a Luva, mais
convencionais) Helena e
Iaiá Garcia.
OBS.: Aqui
já encontramos a grande capacidade do escritor para observar o homem e a
sociedade, sua sensibilidade para construir os personagens. Seu romantismo não
é sentimentalista.
b)
fase realista –
alguns poemas de Ocidentais, MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, Histórias sem Data, Quincas Borba, Várias Histórias, Páginas Recolhidas, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Relíquias
de Casa Velha, *Memorial de Aires.
*
A primeira fase é chamada de romântica por exibir relatos ainda
presos ao “idealismo romântico”, a enredos folhetinescos: submissão ao mundo
burguês (certo conformismo com os preconceitos e falsos valores); personagens
carentes de complexidade psicológica (lineares); linguagem presa a
lugares comuns (estilo que se volta para frases-feitas, imagens
inexpressivas); técnica narrativa tradicional, desprovida das grandes inovações
que colocarão o escritor (mais tarde) na linha dos melhores contistas e
romancistas.
Não esqueça: machado organizou seus
personagens de modo diferente ao dos românticos, embora tenha aprendido com
seus mestres: José de Alencar, Victor,Hugo, Swift...
*
A segunda fase – evidencia-se visão mais apurada com relação aos
interesses do homem e aprimoramento do estilo e da linguagem (linguagem
pensante). Aqui destacamos o intelectual irônico, pessimista, crítico.
Além
de romances, contos, crônicas e poesias, Machado escreveu peças teatrais (no
teatro não se destacou muito).
Teatro:
Queda que as mulheres têm para os tolos; Desencantos; Hoje avental, amanhã
luva; O protocolo; Quase Ministro; Os deuses de casaca; Tu, só tu, puro amor;
Não consultes médico; Lição de Botânica.
Observe,
agora, comentários e resumos (feitos pela professora doutora em Letras Samira
Youssef Campedelli) das principais obras machadianas:
As
personagens de Machado são profundamente brasileiras, mas seus traços
de brasilidade não se identificam aos traços que a tradição literária
romântica nos ensinou a considerar brasileiros, como por exemplo o índio
corajoso e exótico, ou o sertanejo folclórico e pitoresco. Não. A brasilidade
de Machado de Assis evita falar de índios coloridos e tipos regionais.
A brasilidade de Machado consiste,
assim, na fidelidade com que o romancista traz para seus romances todo o
ambiente da sociedade urbana brasileira, miniaturizada nos salões e
grupos humanos do Segundo Império e dos primeiros anos da República.
Machado recria, em seus romances, o mundo carioca (e brasileiro) de uma
sociedade arcaica, cujos hábitos antigos e cerimoniosos e cujas atitudes
convencionais dissimulavam, na boa educação e nos modos polidos, toda a
violência de uma sociedade
escravocrata, onde o apadrinhamento e o “jeitinho” solucionavam, sempre que
necessário, as situações geradas por uma estrutura social assentada nos
privilégios e numa divisão desigual dos bens.
Memórias Póstumas de Brás
Cubas
“Publicado
em 1881, Memórias Póstumas de Brás
Cubas é o romance que marcou o início
do Realismo na literatura
brasileira. Surgiu, primeiramente, em forma de folhetins. O
protagonista-narrador, Brás Cubas, depois de morto, resolve escrever a sua
autobiografia. As lembranças vêm fragmentadas, cabendo ao leitor organizá-las
para acompanhar o relato.
Em
capítulos muito curtos, a história se inicia pela morte de Brás Cubas e
os personagens vão sendo apresentados à medida que participaram da vida dele.
De tudo que narra, ressaltam-se os seus amores na juventude. Primeiro, o namoro
com a prostituta de luxo, Marcela, que o explora e quase acaba com os seus
bens. Para separá-lo dela, os pais o enviam à Europa. Quanto volta, já é
doutor. Brás Cubas começa a namorar uma moça pobre, Eugênia, que tem um defeito
na perna. Terminado mais esse namoro, fica noivo de Virgília. Se realizado, o
casamento teria ajudado muito suas aspirações políticas, já que o pai de
Virgília é muito influente. Mas Lobo Neves acaba por casar-se antes com ela.
Brás Cubas fica solteirão. Anos mais tarde, tornar-se-á amante de Virgília,
vivendo uma paixão ardente. A gravidez de Virgília alegra a Brás Cubas, mas a
criança morre antes de nascer. Os amantes se separam. A irmã de Brás Cubas,
Sabina, arranja-lhe uma noiva – Eulália – que, no entanto, morre, vitimada por
uma epidemia.
Brás
Cubas, completamente sem rumo na vida, encontra o seu amigo Quincas Borba. O
filósofo lhe explica a teoria do Humanitismo. Mais tarde, o filósofo
enlouquece. Brás Cubas vai tentar a vida política, pois quer ser célebre. Em
vão. Apanhado por uma pneumonia, vem a falecer.
Leia
agora os capítulos transcritos, reparando em aspectos importantes tais como:
-
os capítulos curtos;
-
a narração em primeira pessoa;
-
o contato que o narrador
estabelece como leitor;
-
a sintaxe direta e simples;
-
a ironia que se expressa nas
coisas mais simples.”
“Ao verme que primeiro roeu as
frias carnes do meu cadáver dedico
como saudosa lembrança estas
memórias póstumas”.
Trechos
selecionados:
Capítulo XVI
Uma Relfexão Imoral
Ocorre-me
uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver
dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria,
vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os
joalheiros desse mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que
seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do
universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia
fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se estende bem o
que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não
fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem
menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me...
dixe –
ornamento de ouro ou de pedras preciosas.
Capítulo XVII
Do Trapézio e Outras Coisas
...
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu
pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o
caso excedia as raias de um capricho juvenil.
–
Desta vez, disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma Universidade,
provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno.
E como eu fizesse um gesto de espanto: – Gatuno, sim senhor; não é outra coisa
um filho que me faz isto...
Sacou da algibeira os meus
títulos de dívida, já resgatados por ele, e sacundiu-mos na cara. – Vês,
peralta? É assim que um moço deve zelar o nome dos seus? Pensas que eu e meus
avós ganhamos o dinheiro em casas de jogo ou a vadiar pelas ruas? Pelintra!
Desta vez ou tomas juízo, ou ficas sem coisas nenhuma.
Quincas Borba
Publicado em 1891, Quincas Borba,
narrado em terceira pessoa, é a história do professor Rubião, mineiro de
Barbacena, que recebe como herança todos os bens do filósofo Quincas Borba,
mais a Incumbência de tomar conta de seu cão – também denominado Quincas Borba
– e divulgar a filosofia conhecida como Humanitismo.
Muda-se de Minas para o Rio de
Janeiro, onde se apaixona por Sofia, esposa de Cristiano Palha.
Sabendo da paixão de Rubião por
sua mulher, Palha incentiva Sofia a aceitar a corte do professor, a fim de
usufruir de vantagens financeiras. Sem desconfiar de nada, Rubião acredita ser
correspondido em sua paixão. Sofia sabe jogar com a paixão do inocente
apaixonado. Sem deixar de ser fiel ao meu marido, ela faz a paixão crescer.
Palha vai enriquecendo.
Motivado por problemas que já
possuía e muito sensível pela paixão não-realizada, Rubião começa a ter
atitudes estranhas. Deixa-se explorar, esbanja a fortuna, entra na
política e fracassa. Tem Sofia como
pensamento fixo. Vai enlouquecendo aos poucos e cria fantasias: diz que é
Napoleão III e quer fazer de Sofia e sua duquesa. É abandonado pelo casal,
tendo somente o cachorro por seu companheiro. Internado numa clínica, certo dia
foge para Barbacena, levando o cão. Os dois se unem na miséria, tornando-se
objeto de chacota dos meninos de rua e desocupados. Morre louco. Ao morrer,
pronuncia a frase básica do Humanitismo: “Ao vencedor, as batatas”.
Leia os trechos abaixo:
Capítulo IV
Este
Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas de Brás
Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo,
herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em
Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição
mediana e parcos meios de vida; mas, tão acanhada, que os suspiros do namorado
ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente
Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a
levou.
Capítulo
VI
(...)
– Ouve o resto. Aqui está como se tinha
passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque
era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este
fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um
obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa
série de atos foi um movimento de conservação: Humanistas tinha fome. Se em vez
de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas
o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão,
fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso no sentido de dar
matéria a muitos necrológicos; mas o fundo subsistia. O universo ainda não
parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão
ilustre ou obscuro; Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanistas
precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos,
sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo
atribuía a morte da avó.
(...)
– Bem, irás entendendo aos poucos a minha
filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás
o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade.
Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior
homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim?
Não é ele, é Humanitas...
–
Mas que Humanitas é esse?
–
Humanitas é o princípio. Há nas
coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único,
universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, ou, para usar a
linguagem do grande Camões: Uma verdade que nas cousas anda, que mora no
visível e invisível.
Dom Casmurro
Publicado em 1900, Dom Casmurro é narrado
em primeira pessoa. Bentinho conta a sua própria história, a partir de um
flashback da velhice para a adolescência.
Órfão
de pai, cresceu num ambiente familiar muito carinhoso – tia Justina, tio Cosme,
José Dias -, recebendo todos os cuidados da mãe, D. Glória, que o destinara à
vida sacerdotal.
Entretanto,
Bentinho não quer ser padre - namora a vizinha, Capitu, e quer se casar com
ela. D. Glória, presa a uma promessa que fizera, aceita a ideia inteligente de
José Dias de enviar um escravo ao
seminário, para ser ordenado no lugar de Bentinho.
Livre
do sacerdócio, o moço se forma em Direito e acaba se casando mesmo com Capitu.
O casal vive muito bem, Bentinho vai progredindo, mantém amizade com Escobar e
Sancha. A vida segue o seu curso. Nasce-lhe um filho, Ezequiel.
Escobar
morre e, durante o seu enterro, Bentinho começa a achar Capitu estranha:
surpreende-a contemplando o cadáver de uma forma que ele interpreta como
apaixonada.
A
partir do episódio, Bentinho se consome em ciúmes e tem início uma crise no
casamento. Ezequiel se torna cada vez mais parecido com Escobar – o que
precipita em Bentinho a certeza de que ele não é seu filho. Em consequência
disso, o casal se separa. Capitu e Ezequiel vão para a Europa. Algum tempo
depois ela morre.
Já
moço, Ezequiel volta ao Brasil para visitar o pai, que constata a semelhança
entre o filho e o antigo colega de seminário. Ezequiel morre no estrangeiro.
Bentinho, cada vez mais fechado em sua dúvida, ganha o apelido de “Casmurro” e
se põe a escrever o livro de sua vida.
Trechos
selecionados (Dom Casmurro):
Capítulo
II Do livro
Vivo só, com um criado. A casa em
que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão
particular que me veza imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos,
lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de
Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que
desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz; é o
mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas
alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou
menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam
nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das
estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto e Nero, com os
nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a
casa de Mata-cavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior.
Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em
pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido.
Tenho chacarinha, flores, legume,
uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e mobília velha. Enfim,
agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata,
com a exterior, que é ruidosa.
O
meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a
adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em
tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os
outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto
eu mesmo, e esta lacuna é tudo. (...)
Capítulo CXXIII
Olhos de Ressaca
Enfim, chegou a hora da
encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero
daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres
todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. consolava a
outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou
alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a
ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que
estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o
cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu
fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras destas, mas
grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o
nadador da manhã.
O NATURALISMO NO BRASIL
ALUÍSIO
AZEVEDO – (MA, 1857 – Buenos Aires 1913).
A
denúncia da hipocrisia social, a fragilidade do indivíduo ante as forças da
hereditariedade e do meio – as lutas sociais.
Aluísio
Azevedo
– São Luiz do Maranhão.
Foi caricaturista de vários jornais no
Rio de Janeiro. Mais tarde troca a pintura pelo jornalismo anticlerical.
Seu
romance O MULATO, inicia o Naturalismo no Brasil, no ano de 1881.
Denuncia
o preconceito racial existente na burguesia do Maranhão.
Destaca-se,
na literatura Brasileira, pela trilogia naturalista: O MULATO, O CORTIÇO, CASA DE PENSÃO.
Foi
nosso primeiro escritor profissional. Escreveu folhetins romanescos para
sobreviver, mas sua obra madura são os romances de denúncia social.
Voltou-se
mais para o social que para o individual. Criticou a burguesia provinciana de
São Luís do Maranhão, o preconceito racial, o capitalismo selvagem, o clero,
entre outros alvos de sua crítica.
Principais
marcas na obra do autor:
a)
“Aproximação com o falar
português, os arcaísmos e lusitanismo presentes em O Mulato, O Cortiço”.
b)
Recorre frequentemente à caricatura.
Pela escrita “visualiza personagens e cenas” “capta os traços mais exteriores”
– personagens tipos, ou seja, sem a profundidade psicológica machadiana.
Quadro de Van Gogh
Embora
Naturalista, Aluísio fez concessões ao gosto do leitor da época para poder
sobreviver: escreveu ao lado de romances naturalistas, romances românticos como
Uma lágrima de mulher (1881), mesmo ano do polêmico romance O Mulato em cujo
enredo exibe conhecidos figuras da sociedade maranhense da época (esse romance
foi um escândalo em São Luís).
Em
1896, abandonou a carreira de escritor e ingressou na diplomacia escrevendo,
apenas, correspondências diplomáticas.
Seus
romances apresentam “resíduos românticos, documentação realista e
experimentação naturalista”, marca da sua heterogeneidade.
O
Naturalismo atinge o ponto máximo com a obra O Cortiço (1890), obra em
que evidencia, mais uma vez, o fatalismo das forças sociais e naturais sobre o
homem (Nesta obra predominam os fatores sociais e a ênfase, dada pelo escritor,
ao agrupamento humano).
Romances:
O Mulato, Casa de Pensão, O Coruja, O
Homem, O Cortiço, O Livro de uma Sogra.
Contos:
Demônios e Pegadas.
Teatro:
A Flor de Lis
·
Principais características da
obra do autor maranhense:
Os personagens estão
presos às condições sociais que os geraram (TIPOS).
Personagens
superficiais psicologicamente.
O estilo é relegado a
2º plano. Em 1º vem a crítica social.
Visão determinista.
Predominam os
agrupamentos humanos, as habitações coletivas (neste espaço percebe-se a
degradação social e moral dos personagens).
·
Aspectos importantes de suas
obras:
*
O Anticlericalismo, o racismo, a crítica social aberta, a natureza
carnal das paixões, o triunfo do mal (os crimes ficam impunes, os maus são
promovidos).
·
Resíduos românticos (até nas
obras real-naturalistas):
*
A idealização exagerada dos personagens (Raimundo – ingênuo, bondoso, tem um
amor platônico, é homem de cor, personagem inverossímil), chavões românticos (a
história de amor impossível de Ana Rosa e Raimundo).
Leia
mais sobre o autor:
Essa
visão panorâmica parece constituir a grande qualidade de Aluísio Azevedo como
romancista, esse poder de fixar as coletividades representa a sua maior
contribuição para o nosso romance. Só nos momentos em que vê o indivíduo em
função do meio a que pertence, como parte dele, e não como um caso a estudar
isoladamente, é que o escritor se sente no seu elemento. Por isso é que,
falhando nos livros de análise psicológica, revela-se criador naqueles em que,
como O Mulato, Casa de Pensão e, principalmente, O Cortiço, se lança aos grupos
sociais. O Mulato vale, principalmente, pela reconstituição da sociedade
provinciana e escravocrata que conheceu no Maranhão; vindo para o Rio, tateou,
errou muito, mas, por duas vezes, o instinto o guiou, fê-lo procurar as
moradias comuns, onde se resumia de algum modo a vida de uma cidade em
crescimento. Depois de ter visto numa pensão o refugo da pequena burguesia, vai
buscar o povo num cortiço. O Rio popular do tempo da capoeiragem está todo aí,
nessa mistura de negros, mulatos e imigrantes portugueses, nesse amálgama de
explorados e exploradores, nessa população dependente da pedreira que a faz
viver e também morrer, que representa, no sentido próprio e no figurado, todo o
sue horizonte.
MIGUEL-PEREIRA,
L. História da literatura brasileira. Prosa de Ficção (de 1870 a 1920). Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora/MEC, 1978.
Sobre O
Cortiço: comentários feitos pela professora Samira
Yousseff
Publicado
em 1890, O Cortiço é considerado o mais importante romance de Aluísio Azevedo.
Nele estão presentes as mais marcantes características do Naturalismo:
condicionamento dos personagens ao meio físico; satisfação das necessidades
instintivas dos personagens; enfoque na hereditariedade física e psicológica,
determinantes do comportamento; uma visão predominantemente biológica do ser
humano; personagens-tipo; personagens com um destino contra o qual não podem
lutar; o romance funcionando como um documento da realidade social que leva o
autor a refletir, dentre outras.
João
Romão é um ganancioso comerciante de origem portuguesa, dono de uma pedreira e
de um terreno de bom tamanho, no Rio de Janeiro, onde constrói casinhas de
baixo custo para alugar.
Uma
ex-escrava negra, chamada Bertoleza, não só vive com o português, como também o
ajuda no armazém que ele mantém no lugar.
Aos
poucos, forma-se o cortiço que incomoda o vizinho Miranda, dono de uma loja
próxima. Chefe de uma família composta pela esposa Estela e pela filha Zulmira,
Miranda sempre reclama da situação sórdida do lugar. João Romão, por sua vez,
também não aprecia o vizinho e com ele manterá rivalidade. O cortiço vai
ganhando cada vez mais habitantes.
Quando
Jerônimo, um operário português trabalhador na pedreira, muda-se com a esposa
Piedade para lá, a situação começa a sofrer alterações. Jerônimo se apaixona
pela mulata Rita Baiana, comprometida com
o capoeirista Firmo, morador em outro cortiço. Com a evolução dessa
paixão, Firmo e Jerônimo acabam se enfrentando e o português leva uma navalhada
do capoeirista. Entrementes, João Romão começa a se interessar por Zulmira,
filha do comerciante Miranda – sonha casar-se com ela e mudar de condição
social. Jerônimo, que acaba se juntando a Rita Baiana, arma uma cilada para
firmo e o assassina a pauladas.
Moradores
do cortiço vizinho, o “Cabeça-de-Gato”, ateiam fogo ao cortiço de João Romão,
para vingar a morte do capoeirista. O incêndio, indiretamente, auxilia o
português, que o reconstrói, fazendo um cortiço mais novo e mais próspero. Com
o tempo, João Romão aproxima-se cada vez mais de Miranda. Só resta tirar a
escrava Bertoleza do caminho. Ameaçada de voltar ao cativeiro, a negra se
suicida. João Romão se casa com Zulmira.
Rita
Baiana – a mulata – “Nela... estava o grande mistério, a síntese das expressões
que ele (Jerônimo) recebeu chegando aqui”.
Trechos
selecionados:
Capítulo I
João
Romão
foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu
entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do
Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhava nessa dúzia de anos,
que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados
vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e
quinhentos em dinheiro.
Proprietário
e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais
ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava
resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda,
em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha.
A comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quintandeira
sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente
em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia
fretes na cidade.
Bertoleza também trabalhava forte; a sua
quintanda era a mais bem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite
peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por
mês, e, apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. Um
dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga
superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como
uma besta. João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até
participante direto dos sofrimentos da vizinha, e com tamanho empenho lamentou,
que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras. Abriu-se com
ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. “Seu senhor comia-lhe
a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter de escarrar
pr’ali, todos os meses vinte mil-réis em dinheiro”! E segredou-lhe então o que
tinha juntado para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe
guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que lhe
entraram na quintanda pelos fundos.
Daí
em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da
crioula.
Capítulo III
Eram cinco horas da manhã e o cortiço
acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas
alinhadas.
Um
acordar alegre e farto de quem dormiu, de uma assentada, sete horas de chumbo.
Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da
última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da
aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A
roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe
um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da
lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e
triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto,
das portas surgiram cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplo bocejos,
fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte;
começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente para janela as primeiras
palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada
cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças
que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons
de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de
galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham
pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança
dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí
a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa
de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do
fio de água que escorria das alturas de uns cinco palmos. O chão inundava-se.
As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as milhar;
via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam,
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se
preocupavam em não molhar o pêlo,
ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as
ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas das mãos. As portas
das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar
e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças
ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali
mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das
hortas.
Raul Pompeia (1863-1895 – RJ)
Escreveu seu mais famoso livro: O
ATENEU, crônica de saudades. Formou-se em Direito. Em São
Paulo militou nos movimentos Abolicionista e Republicano.
Tido
ora como realista ora como naturalista,
entretanto não pode ser reduzido a essas correntes. Por não retratar a
realidade diretamente, mas, sim, a impressão que ela produz em seus
espírito, sua obra também é considerada impressionista.
O
ATENEU: sua obra definitiva, uma sucessão de
episódios, cujo fio condutor é a memória do personagem narrador Sérgio. Seu
temperamento sensível (conflito homossexual),inquieto (brigou com Prudente de
Moraes ao criticar Floriano Peixoto e com Olavo Bilac com quem não tinha
afinidade política), leva-o ao suicídio aos 32 anos na noite de Natal de 1895.
O escrito não suportou o fato de ser considerado um homem sem honra. Por
jornalistas contrárias à sua visão política.Uma mistura de biografia e ficção
dissolve-se na densidade subjetiva do narrador (Sérgio descobre o mundo das
aparências: brutalidade, vontade de poder, a exploração, o homossexualismo. Os
episódios são, assim, desvelamentos sucessivos da corrupção e da miséria moral
que habitam o colégio) :
“Onde metera a máquina dos meus ideais
naquele mundo de brutalidade que me intimidava com os obscuros detalhes e as
perspectivas informes, escapando à investigação de minha inexperiência”?
O
Ateneu é assim um mundo em decomposição,
todos estão corrompido, até o menino Sérgio naquele meio torna se um
“animalzinho ruim”.
O
Parnasianismo
O Parnasianismo foi outra vítima da
Inteligência do século XIX. Foi essa Inteligência que construiu a prisão onde
quis encarcerar o poeta. Preso, o poeta era obrigado a esmagar seus sentimentos
sublimes, a deformar suas ideias, a cortar, diminuir, fazer o que não queria,
porque à porta vigiavam carcereiros terríveis com pencas de chave de ouro à
cintura.
Coitado
de quem dizia o que queria, e como queria! Era preciso medir as ideias como se
medem fazendas nas lojas de turco.(Rubens Borba de Morais, em 1922,
comentando a literatura do fim do
século XIX)
A
UM POETA (Olavo Bilac)
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escrevo! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
“Assim
procedo minha pena
Segue esta norma
Por
te servir, Deusa serena
Serena Forma.”
“Porque
escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que
ofício tal... nem há notícia
De outro qualquer.”
O
Parnasianismo deve ser compreendido como uma reação ao sentimentalismo piegas e à frouxidão dos versos românticos.
É um estilo literário que se desenvolveu paralelamente ao Real Naturalismo.
Situam-se estes estilos no mesmo contexto histórico, mas divergem quanto às
propostas assumidas. A preocupação dos parnasianos se dá com a forma, a cultura clássica, enquanto os real-naturalistas se preocuparam
com a realidade, o momento presente, com a crítica social. O Parnasianismo
existiu essencialmente na poesia e foi fiel seguidor do Esteticismo, da Arte pela
Arte, da cultura greco-romana.
Os realistas visaram à exibição da
sociedade e à formação do homem; já os parnasianos não viram a arte com função social, daí a preocupação em burilar os
versos quanto à rima, metrificação, vocabulário. Buscaram o verso sem nenhum
defeito.
O Parnasianismo surgiu na França em 1866
a partir do trabalho de poetas preocupados em reagir aos exageros sentimentais
da poesia anterior (antologia: O Parnaso Contemporâneo).
Os
principais teóricos de O Parnaso Contemporâneo defenderam os princípios
de perfeição formal, negaram o valor de inspiração, valorizaram a
objetividade das descrições, renovação dos temas que se voltam à cultura
greco-romana, divulgaram os aspectos plásticos e sonoros dos versos, o
vocabulário raro (a pesada estética parnasiana).
O
termo “parnaso” remete-nos à antiguidade clássica, ao Monte Parnaso.
Segundo a lenda, região que serviu de morada a deuses e poetas, isolados
do mundo, voltados à arte.
Lembre-se
de que o Parnasianismo aconteceu apenas na França e no Brasil. Supervalorizaram
a forma e transformaram, muitas vezes, a poesia numa exibição de técnica em
detrimento do conteúdo.
·
Características
Buscaram a perfeição formal (Arte pela arte);
gosto pelo soneto; vocabulário raro; poesia descritiva, plástica e visual;
objetivismo; impassibilidade, contenção lírica; gosto pelo Universal; retorno à
tradição clássica; efeitos sonoros; preferência pelas rimas ricas e raras,
pelos versos decassílabos e alexandrinos; presença da mitologia; usou de chave
de ouro; gosto pela história antiga e motivos orientais; preferência por temas
universais: a natureza, o tempo, o amor, objetos de arte (fetichismo) e a
própria poesia; enfoque sensual da mulher, com ênfase na descrição de suas
características físicas.
O PARNASIANISMO NO BRASIL
Em
1878, no Diário do Rio de Janeiro, foi publicada uma polêmica entre
seguidores do romantismo e simpatizantes Realismo e Parnasianismo (A Batalha do
Parnaso). Vários poetas românticos foram criticados e a polêmica proporcionou a
divulgação das ideias parnasianas no Brasil. Estas ideias só ganharam corpo em
1882 quando Teófilo Dias publica Fanfarras, primeira obra
parnasiana. Porém o Parnasianismo ganha força no Brasil com a Tríade
Parnasiana:
Os
principais poetas do Parnasianismo foram:
Alberto
de Oliveira (1857-1937): autor de Canções românticas,
Meridionais, Sonetos e poemas, Versos e rimas, poesias (1ª série, 3ª série e
Póstumas).
Raimundo
Correia (1860-1911): autor de Primeiros sonhos,
Sinfonias, Versos, e versões, Aleluias, Poesias.
Olavo
Bilac (1865-1918):
autor da Via Láctea, Sarças de fogo, Alma inquieta, O caçador de esmeraldas,
Tarde.
* ALBERTO DE OLIVEIRA
Professor
e funcionário público, foi membro e fundador da Academia Brasileira de Letras
(1897). Em 1924, graças a um concurso, foi eleito “Príncipe dos Poetas
Brasileiros.” Foi sucessor de Bilac e ganhou, na época, popularidade em função
de sua preocupação formal – fato que o consagrou como o mais ortodoxo dos
parnasianos. As regras e os modelos que seguiu à risca levou-o a ser criticado
por modernistas como Mário de Andrade (ensaio – Mestres do Passado).
Começou
preso a resíduos românticos, mas logo se liberta e se destaca. Meridionais
o consagra como grande escritor parnasiano. O rigor e o tecnicismo ganham mais
força em SONETOS e POEMAS.
Principais
características de sua obra: Alterna lirismo amoroso ora ingênuo, ora
erótico, ora sublimado; humaniza a natureza e os objetos decorativos; sua
poesia é descritiva, exalta a forma e a antiguidade clássica; busca sentido
moral do que descreve, universaliza sua poesia; tem verdadeira adoração por
objetos raros (FETICHISMO); explora, em seus versos, refinadas impressões
visuais, sonoras e olfativas.
POEMAS:
Vaso Grego, Vaso Chinês, Fantástica, A Estátua.
*
RAIMUNDO CORREIA
Formou-se
em Direito, adotou a princípio as ideias positivistas, cientificistas, e
republicanas. Participou de manifestações liberais. Foi leitor dos poemas de
Antero de Quental (dos poemas socialistas). Seguiu, inicialmente, a retórica
abolicionista de Castro Alves, a poesia social à maneira dos românticos. Desta fase
romântica proveio a obra PRIMEIROS SONHOS em que percebemos ainda
influências de Casimiro de Abreu e Fagundes Varela.
Suas
poesias vão aos poucos assumindo outras perspectivas – a dimensão reflexiva,
filosófica e moralista bem como a face pessimista. O poeta de SINFONIAS
e VERSOS e VERSOES mostra-se melancólico. Essa fase filosófica é a chamada fase
parnasiana em função também do rigor, do esteticismo, da percepcão refinada da natureza, sua filiação à arte pela
arte.
É
a dimensão filosófica que o impulsionará também a uma reflexão sobre o
mistério da existência, fazendo-o precursor da estética simbolista,
pois para atenuar a tristeza buscou refúgio na metafísica.
POEMAS:
Mal Secreto, As Pombas, A Cavalgada.
·
Olavo Bilac – O poeta das
estrelas. O Príncipe dos Poetas Parnasianos. (RJ)
O
mais jovem, o mais bem acabado poeta parnasiano brasileiro e o mais popular.
Seus poemas exigem uma perfeita elaboração formal.
Foi
jornalista, exercer cargo público, foi inspetor escolar e extremo nacionalista,
um intelectual a serviço dos dirigentes. Afastou-se do Brasil real e criou um
Brasil de heróis, tais como os bandeirantes – O POETA UFANISTA d’ O
Caçador de Esmeraldas. (Investe no gênero épico, mas fracassa). Foi autor da
letra do Hino à Bandeira e excelente cronista, galhofeiro. Ora reacionário, ora
conservador.
Estreia
em 1888 (POESIA) e um ano após sua morte aparecem os sonetos de Tarde
(1918).
Versou
sobre temas greco-romanos, foi preciso quanto ao rigor formal, porém quebrou a
impassibilidade dos parnasianos (conotações subjetivas dos melhores textos que
põem em relevo sua HERANÇA ROMÂNTICA).
Sua
temática: HISTÓRIA GRECO-ROMANA e mitologia, a NATUREZA é descrita segundo o
rigor da impassibilidade.
Bilac
foi também o POETA DO AMOR, seu lirismo evidencia-se desde o platonismo
até o erotismo (beijos abraços, descrições físicas presentes em Sarças de
Fogo. O erotismo adquire equilíbrio em “In Extremis” (lamenta a
perda das coisas sensuais e concretas da existência) sem abrir mãos do ideal
parnasiano – A FORMA, o esteticismo, enfim a sutil emoção. Bilac
preocupou-se com a linguagem elaborada, com as inversões, com o amor pela
língua portuguesa:
“Última
flor do Lácio, inculta e bela,
És,
a um tempo, esplendor e sepultura.
Ouro
nativo, que na ganga impura
A
bruta mina entre os cascalhos vela...”
BEIJO ETERNO
“Quero um beijo sem
fim;
Que dure a vida inteira
e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue.
Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido feche ao rumor
Do mundo, e beije-me,
querida!”
Este
poema foi retirado de SARÇAS DE FOGO. Veja que o sensualismo, o erotismo
é “muito mais retórico, declamatório” do que poético, sugestivo, proveniente do
intimismo dos amantes – É o chamado “lirismo de efeito exclamativo em que falta a riqueza psicológica.”
Seus
principais temas:
A
Antiguidade Clássica (Panóplias), o lirismo (Via Láctea), sensualismo
(Sarças de Fogo), temas filosóficos (Alma Inquieta; Viagens),
nacionalismo ufanista (paisagem nacional) aparece em O Caçador de Esmeraldas,
poema que está na obra Viagens. O poeta mais descritivo e
extremamente nacionalista aparece em Tarde.
·
TEXTOS SELECIONADOS
Alberto
de Oliveira
Vaso Grego
Esta de áureos relevos,trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo Deus servia.
Era o poeta Teos que a suspendia (...)
Vaso Chinês
Estranho
mimo, aquele vaso! Vi-o
Casualmente,
uma vez, de um perfumado
Contador
sobre o mármore luzidio,
Entre
um leque e o começo de um bordado.
Fino
artista chinês, enamorado
Nele
pusera o coração doentio
Em
rubras flores de um sutil lavrado,
Na
tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas,
talvez, por contraste à desventura
Quem
o sabe? – de um velho mandarim
Também
lá estava a singular figura:
Que
arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia
um não sei quê com aquele chim
De
olhos cortados à feição de amêndoa..
Mal Secreto (Raimundo Correia)
Se
em muita fronte que parece calma,
Se
em muito olhar que límpido parece:
Se
pudesse notar, ler se pudesse,
Tudo
o que n’alma existe e vive n’alma!
Entre
essa paz fictícia que se espalma
No
rosto, a inveja, raro transparece;
Ela
que a glória alheia se enraivece,
E
que às alheias lágrimas se acalma.
Alma,
vítima dessa enfermidade!
Mal
sabes que à dos outros sendo adversa,
Tu
és adversa à própria f’licidade!
A
inveja os risos todos te dispersa:
Menos
ódio mereces que piedade,
Porque és mais insensata que
perversa.
As
Pombas (Raimundo Correia)
Vai-se
a primeira pomba despertada...
Vai-se
outra mais... mais outra... enfim dezenas
De
pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia
sanguínea e fresca a madrugada...
E à
tarde, quando a rígida nortada
Sopra,
aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando
as asas, sacudindo as penas,
voltam
todas em bando e em revoada...
Também
dos corações onde abotoam,
Os
sonhos, um por um, céleres voam,
Como
voam as pombas dos pombais;
No
azul da adolescência as asas soltam,
Fogem
... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles
aos corações não voltam mais...
ALMA INQUIETA (Olavo Bilac)
Ah! quem há de exprimir, alma
impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão
não escreve?
– Ardes, sangras, pregada à tua
cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te
deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um
turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um
sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a ideia
leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e
voava.
Quem o molde achará para a
expressão de tudo?
Ah! quem há de dizer as ânsias
infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão
que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o
desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca
foram ditas?
E as confissões de amor que
morrem na garganta?!
NEL MEZZO DEL CAMIN... (Bilac)
Cheguei. Chegaste. Vinhas
fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu
tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à
minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar
continua.
Hoje, segues de novo... Na
partida
Nem o pranto os teus olhos
umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e
tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho
extremo.
PÁTRIA (Bilac)
Pátria, latejo em ti, no teu
lenho, por onde
Circulo! e sou perfume, e sombra,
e sol, e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a
minha voz responde,
E subo do teu cume ao céu de
galho em galho!
Dos teus liquens, dos teus cipós,
da tua fronde,
Do ninho que gorjeia em teu doce
agasalho,
Do fruto a amadurar que em teu
seio se esconde,
De ti, - rebento em luz e em
cânticos me espalho!
Vivo, choro em teu pranto; e, em
teus dias felizes,
No alto, como uma flor, em ti,
pompeio e exulto!
E eu, morto, - sendo tu cheia de
cicatrizes,
Tu golpeada e insultada, - eu
tremerei sepulto:
E os meus ossos no chão, como as
tuas raízes,
Se estorcerão de dor, sofrendo o
golpe e o insulto!
(Soneto do livro VIA LÁCTEA)
“Ora
(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste
o senso!”E eu vos direi, no entanto,
Que,
para ouvi-las, muita vez desperto
E
abro as janelas, pálido de espanto...
E
conversamos toda a noite, enquanto
A
via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
linda
as procuro pelo céu deserto.
Direis
agora: “Tresloucado amigo!
Que
conversas com elas? Que sentido
Tem
o que dizem, quando estão contigo?”
E
eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois
só quem ama pode ter ouvido
Capaz
de ouvir e de entender estrelas.”
O
INCÊNDIO DE ROMA
Raia o incêndio. A ruir, soltas,
desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço
adormecido
De eco em eco sopro fatal, rolam
esfaceladas.
E os templos, os museus, o
Capitólio erguido
Em Mármor frígio, o Foro, as eretas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras
inflamadas
Do incêndio cigem, tudo esbroa-se
partido.
Longe, reverberando o clarão
purpurino,
Arde em chamas o Tibre e
acende-se o horizonte...
– Impassível, porém, no alto do
Palatino.
Nero, com o manto grego ondeando
ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio,
engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição
de Roma.
SATÂNIA
(Bilac)
Nua, de pé, solto o cabelo às
costas
Sorri. Na alcova perfumada e
quente,
Pela janela,como um rio enorme
De áureas ondas tranquilas e
impalpáveis,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha palpitante e
viva.
Entra, parte-se em feixes
rutilantes,
Aviva as cores das tapeçarias,
Doura os espelhos e os cristais
inflama.
Depois, tremendo, como a arfar,
desliza
Pelo chão, desenrola-se, e, mais
lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe ... cinge-lhe a perna
longamente;
Sobe ... – e que volta sensual
descreve
Para abranger todo o quadril! –
prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a
cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos
seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o
recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da
boca,
E antes de se perder na escura
noite,
Na densa noite dos cabelos
negros,
Pára confusa a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes
olhos.
NOTA
AO POEMA SATÂNIA
“Observe
o sexualismo requintado deste poema. O poeta segue os feixes luminosos
desvendamen das imagens da mulher.”
Sátira
a Bilac: Em 1915, Olavo Bilac, famoso poeta brasileiro da época, declamou em
São Paulo alguns de seus poemas, fato que atraiu a imprensa. Juó Bananére
(“italianização de João Basnaneiro, apelido popular na época) comenta o
acontecimento com humor e ironia na Revista O Pirralho e ainda faz uma
PARÓDIA do soneto Ouvir Estrelas. Veja que Bananére fez uso do “português
macarrônico” (mistura de português com italiano) e desmistifica o entendimento
romântico-parnasiano de Bilac sobre o falar com as estrelas (Irreverência
típica do Modernismo):
UVI STRELLA
(de Juó Bananére, italianização de João Basnaneiro, apelido
popular na época)
Che scuittá strella, né meia strella.
Vucê
stá maluco! E io ti diró intanto,
Chi
p’ra iscuitalas moltas veiz livanto,
I
vô dá uma spiada na gianella.
I
passo as notte acunversáno c’oelha,
Inguanto
che as outra lá d’um canto
Sto
mi spiano. I o sol come um briglianto
Nasce.
Oglio p’ru céu; – Cadê strella?!
Direis
intó; – Ó migno inlustre [amigo!
O
chi é chi as strellas ti dizia
Quano
ilhas viéro acunversá contigo?
E
io ti diró; Studi p’ra intendela,
Pois
só chi giá studô Astrolomia,
É
capaiz de intendê istas strella.
Curiosidade
Carlos
Drummond no início da década de 1950 publicou um soneto intitulado “Oficina
irritada”. Abaixo aparecem dois quartetos.
“Eu
quero compor um soneto duro
Como
poeta algum ousada escrever
Eu
quero pintar um soneto escuro
Seco,
abafado, difícil de ler.
Quero
que o meu soneto, no futuro,
não
desperte em ninguém nenhum
prazer.
E
que, no seu maligno ar imaturo,
ao
mesmo tempo saiba ser, não ser.”
*
Drummond tem o mesmo conceito de arte defendido por Bilac?
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