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quarta-feira, 16 de maio de 2018

Literatura brasileira por Moisés Neto PARTE 1


HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA




Moisés Monteiro de Melo Neto






Edições ILUSIONISTAS
2011



SUMÁRIO

Quinhentismo.................................................8
Barroco ..................................................... 15
Arcadismo ou Neoclassicismo.......................31
Romantismo...........................................46
Real-Naturalismo...................................65
Parnasianismo.........................................97
Simbolismo.......................................115
Pré-Modernismo.......................137
Introdução ao Movimento Modernista..........157
MODERNISMO:Primeira Geração...............181
Segundo Momento Modernista. Prosa........227
Segundo Momento Modernista. Poesia...255
O Terceiro Tempo do Modernismo.......259
O Concretismo e as Novas Possibilidades Estéticas na Poesia... 290
Tropicalismo..........................300
Ariano Suassuna e Autores Contemporâneos.............302


























O QUE É LITERATURA?


Que pergunta interessante. Não é mesmo?
A Literatura é uma das artes mais complexas. Seu instrumento, a palavra, gera possibilidades infinitas de expressão, já que cada uma delas admite várias flexões e sentidos.
 A linguagem é o ponto mais sofisticado de um processo que custou muito tempo a se consumar na evolução da humanidade. A aquisição da linguagem oral, sua organização e seus códigos exigiram expedientes requintados de associações.
A palavra, um sopro de ar articulado, ainda que impalpável, era tão reveladora e transformadora que o homem teve necessidade de representá-la materialmente.
Então, apareceram os alfabetos, e vários idiomas, pouco a pouco, começaram a ter uma representação gráfica. Por meio da palavra escrita, o homem fez registros de ordem documental e prática, firmou acordos e contratos, enviou mensagens, colecionou informações e dados.
Porém, um dia usou graficamente a palavra, como expressão de suas ideias e sentimentos mais profundos, como a formalização de seu olhar subjetivo sobre o mundo... e a Literatura se fez. Ao que se sabe, os fenícios foram os primeiros a inventar um alfabeto, mas não nos deixaram obras literárias. Outros povos antigos, porém, legaram-nos textos artísticos que venceram os milênios, quer pela mensagem que soube capturar o que há de essencial na condição humana, quer pela criatividade e imaginação reveladas. Muitos desses textos versavam sobre religiões, exprimindo a necessidade humana de expressar o divino, o metafísico. Chineses, persas, hindus, hebreus e egípcios, entre outros, produziram obras de interesse universal que ecoam até nossos dias. De fato, a Literatura é parte fundamental da cultura dos povos. Sofre o crivo do tempo, pois, pela relação interativa entre o ser humano e seu tempo, periodicamente, as tendências artísticas se transformam: é o que  chamamos de Estilos de época, ou Movimentos, ou Escolas. E sofre o crivo das individualidades, pois cada indivíduo recebe distintamente a ação dessas interferências.
O mundo e a realidade podem ser fenômenos objetivos, mas os olhares que recaem sobre eles são sempre subjetivos. É natural que, ao expressar sua percepção de mundo, o indivíduo o faça de modo particular, manifestando, portanto, um estilo individual.

Clenir Bellezi de Oliveira









A ERA COLONIAL
da   Literatura Brasileira.

Nos três primeiros séculos de existência do país, (colônia de Portugal) notamos a subordinação política e econômica à Metrópole (dependência cultural e a imitação dos modelos artísticos portugueses). Então não se pode falar numa literatura propriamente brasileira antes da Independência política (1822) e do Romantismo (1836). Mas é uma literatura cheia de brasilidade.
À medida que a Colônia ganha fisionomia própria, as suas especificidades vão-se refletindo na produção literária.
Eis os três períodos :

I – QUINHENTISMO – Séc. XVI – (1500-1601) – Literatura sobre o Brasil, de caráter meramente informativo.

II – SEISCENTISMO – BARROCO – Séc. XVII – (1601-1768) – Literatura NO Brasil – Há produção propriamente literária, ainda que constituída da simples transposição dos modelos ibéricos.


III –SETECENTISMO- ARCADISMO – Séc. XVIII – (1768-1836) – Literatura do Brasil – Começa a haver ressonância da sociedade colonial na produção literária e o ideais europeus de liberdade, igualdade e fraternidade insuflam movimentos de rebelião contra os estatutos a tirania portuguesa. Embora saibamos que Inconfidência Mineira seja limitada em interesses políticos-sociais.

















LITERATURA DE INFORMAÇÃO


            
QUINHENTISMO

A expansão ultramarina europeia, os inúmeros viajantes, os relatórios, com informações detalhando os recursos minerais, a fauna, a flora e seus habitantes; as “crônicas de viagem”, História  e  Literatura.
Literatura informativa do século XVI (produções propriamente literárias só viriam a ocorrer no Séc. XVII, em plena efervescência do estilo Barroco).
O objetivo geral dos cronistas era: atrair os portugueses para a obra colonizadora, por meio da exaltação da riqueza e do clima da colônia.
A igreja católica trouxe a poesia e o teatro ibérico (autos).

Por exemplo, na carta de Caminha, a certidão de nascimento do Brasil colonial.

“De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. (...) Nela até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza em ela deve lançar”.

Portugal invadindo o Brasil fez dele um negócio. Havia o propósito mercantilista da viagem (a preocupação com o ouro e a prata), e o “espírito missionário” (a salvação do índio!). Na verdade uma justificativa para a exploração. As virtudes da terra e da gente que eles queriam dominar.
Em relação ao índio, a atitude de Caminha foi a seguinte:

“Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto. (...) Eles porém contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode mais ser.”

Cita a nudez das índias: “... Ali andavam entre eles três ou quatro moças bem novinhas e gentis, com cabelos mui pretos e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha”.


Pero de Magalhães Gândavo

       É autor do Tratado da Terra do Brasil e da História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Ele alude à importância do escravo na economia colonial:
“A primeira coisa que (os moradores) pretendem adquirir são escravos para lhes fazerem suas fazendas, e se uma pessoa chega na terra a alcançar dois pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu), logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família; (...)”

. Gabriel Soares de Sousa: escreve o Tratado Descritivo do Brasil, obra escrita já no período de dominação espanhola (1580-1640); procura, no mesmo sentido nativista (de Caminha e Gândavo), motivar a corte filipina a investir na Colônia .

De Ambrósio Fernandes Brandão autor de Diálogos das Grandezas do Brasil, 1618, diálogo entre dois personagens, Brandônio (colono experiente) e Alviano (recém-chegado ao Brasil):
Brandônio: (...) piranha é pescado pouco maior de palmo, mas de tão grande ânimo que excedem em ser carniceiros aos tubarões, dos quais, com haver muitas desta parte, não são tão arriscados como estas piranhas, que devem de ter uma inclinação leonina, e não se acham senão em rios d´água doce: têm sete ordens de dentes, tão agudos e cortadores, que pode mui bem cada um deles fazer ofício de navalha e lanceta, e tanto que estes peixes sentem qualquer pessoa dentro n´água: se enviam a ela, como fera brava, e a parte aonde a ferram levam na boca sem resistência, com deixarem o osso descoberto de carne, e por onde mais frequentam de aferrar é pelos testículos, que logo os cortam, e levam juntamente com a natureza, e muitos índios se acham por este respeito faltos de semelhantes membros.
Alviano: Dou-vos minha palavra que não haverá já coisa na vida que me faça meter nos rios desta terra; porque ainda que não tenham mais de um palmo d´água, imaginarei que já são essas piranhas comigo, e que me desarmam da coisa que mais estimo.”

Citam-se, ainda, entre os cronistas portugueses: Pero Lopes de Souza (O Diário de Navegação), Pe. Fernão Cardim (Narrativa Epistolar e Tratados da Terra e da Gente do Brasil), além de missionários jesuítas que produziram inúmeras Cartas informativas.
Há, também (não-portugueses) que aportaram no Brasil quinhentista, à caça de informações sobre o “eldorado”, o “Éden” (forma com que a imaginação europeia pintava a terra recém-descoberta). Hans Staden está nesta categoria.

ATENÇÃO: há projeções da literatura de informação no ROMANTISMO (fase indianista) e no MODERNISMO (1ª Geração, 1922/30, Correntes do Verde-amarelismo e Antropofágica):
Gonçalves Dias e José de Alencar, no Romantismo; Em I–Juca Pirama e em O Guarani ao descrever os rituais antropofágicos dos aimorés, tomam como fonte as descrições congêneres que fizeram Hans Staden e Gabriel Soares de Souza.

Mário de Andrade e Oswald de Andrade, no 1º tempo Modernista, beberam amplamente dessas fontes pré-literárias. Oswald de Andrade, especialmente no livro Pau-Brasil, recria, poeticamente, passagens da Carta de Caminha como em:

AS MENINAS DA GARE
“Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha”.
                                                                    (Oswald de Andrade)

A LITERATURA JESUÍTICA

       Durante quase todo o período colonial, a educação foi atribuição exclusiva das ordens religiosas, especialmente jesuítas, agentes da Contra-Reforma. Os textos que produziram revestem-se de caráter mais didático que artístico. Nessa linha, incluem-se o Pe. Manuel da Nóbrega, com o seu Diálogo sobre a Conversão dos Gentios e JOSÉ DE ANCHIETA, fundador da cidade de São Paulo: Deixou Cartas, Informações, Teatro e Poesia.

. O teatro de Anchieta: aspecto de teatro medieval ibérico: AUTOS destinados à edificação do índio e do branco, em certas cerimônias
Sua poesia: mística (o amor divino, que contrapõe ao desengano da vida) e catequética impregnada de devoção Mariana, visão ainda medieval (teocêntrica) do universo. A estrutura : “medida velha”, redondilhas.

EM DEUS, MEU CRIADOR

Não há cousa segura.
Tudo quanto se vê
se vai passando.
A Vida não tem dura.
O bem se vai gastando.
Toda criatura
passa voando.
..........................................
Contente assim, minh´alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
o mundo deixa em calma,

buscando a outra vida,
na qual deseja ser
absorvida.

À SANTA INÊS

Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo!
.....................................
Santa Padeirinha
Morta com cutelo
Sem nenhum farelo
É vossa farinha.
.....................................
O pão, que amassastes
Dentro em vosso peito,
É o amor perfeito
Com que Deus amastes.

DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Oh que pão, oh que comida,
oh que divino manjar
se nos dá no santo altar
cada dia.
.....................................
Este dá vida imortal,
este mata toda fome,
porque nele Deus e homem
se contêm;
.....................................
Que este manjar tudo gasta,
porque é fogo gastador
que com seu divino ardor
tudo abrasa.

O BARROCO


Note que Aleijadinho, num Barroco tardio, mistura a tradição clássica – humanista, racionalista, universalista, quase geométrica em termos de regularidade formal – e a tradição medieval – teocêntrica, sentimental, individualista.
No século XVII ocorre uma espécie de conflito entre essas tradições: enquanto a burguesia mercantilista continuava o seu projeto de laicização (tornar laica, leiga) da cultura medieval, a Igreja católica procurava reagir contra esse projeto, e o fez através da Contra-reforma (movimento religioso cuja finalidade era reafirmar as posições do clero, as quais se opunham à Reforma protestante e ao racionalismo Classicista) e da Inquisição.
 A expressão artística desse conflito a cujas causas históricas nos referimos chama-se Barroco que expõe contradição, dualidade, dilaceramento existencial do homem do século XVII. Notem a androginia na reprodução abaixo:

Caravaggio

Nesse sentido, podemos compreendê-lo como o princípio da ruptura da ordem estática dos clássicos e podemos visualizar as principais características desta ruptura comprando esquematicamente ambos os estilos:

Estilo Clássico
Estilo Barroco
estaticidade
regular
plano
normativo
racional
claridade absoluta
verossimilhança
exatidão
dinamismo
tumultuoso
curvo
libertador
imaginativo
claridade relativa
ilusão
alusão

A Europa pré-industrial, aristocrática e jesuítica (Espanha e Portugal) estava em confronto com o avanço do racionalismo burguês (Inglaterra, Holanda, França).A angústia, o desejo de fuga, o subjetivismo, um sonho, uma fuga da realidade convencional,tentativa de negação da arte como “cópia” . eis o espírito Barroco.

Luz e sombra, materialismo e espiritualismo, racionalismo e irracionalismo se confundiram e se interpenetraram a ponto de provocar uma explosão artística de proporções gigantescas, inusitada. Cheia do inconformismo e da inquietação do homem do século XVII. Novas formas, novos significados, ligados à tradição clássica mas buscando transformação destas mesmas tradições.

No Barroco temos:

A) rebuscamento, (uma espécie de “jogo de palavras e de sensações” que subverte a linguagem poética clássica) é o  cultismo ou gongorismo (termo inspirado no poeta barroco espanhol Luís de Gôngora).
B) conceptismo ou quevedismo (termo inspirado no poeta barroco espanhol Antônio de Quevedo), isto é, a sofisticação de argumentos, o caráter paradoxal “do jogo de ideias” permanente nos textos barrocos.

E no  Brasil?

Leia o soneto abaixo e depois, os comentários.

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequentado olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.

(Gregório de Matos – Obras Completas)
      

 

História: A cana-de-açúcar era a base econômica do Nordeste (especificamente Bahia e Pernambuco), a colônia que ainda não possui condições materiais que lhe permitam uma “vida literária”.


 Gregório de Matos (séc. XVII, o poeta “maldito”: — o Boca do Inferno; Há apenas “ecos” do Barroco no Brasil, até a segunda metade do século XVIII, quando este ciclo é incorporado, em outras artes que não a literatura. Exemplo disso são as esculturas de Aleijadinho (MG- Na segunda metade do século XVIII. Lembremos das pinturas de Manuel da Costa Ataíde e das composições musicais de Lobo de Mesquita)

O baiano Gregório de Matos, escritor fundamen­tal. Um dos fundadores da literatura brasileira, foi o primeiro grande poeta que tivemos: cantava os seus versos nas tavernas, nos bares, “desacatando” os donos do poder e “desbocando” na paixão pelas mulatas, numa linguagem mais coloquial, mais “mestiça”, das ruas; nada publicou em vida, mas conjugou o barroco ibérico com os “barroquismos” da sociedade baiana, deixou uma obra múltipla e extremamente rica. Notamos aí a brasilidade.
Elementos marcantes dos diversos tipos de poesia de Gregório de Matos(características):


• Poesia satírica
Epílogos
Que falta nesta cidade?... Verdade
Que mais por sua desonra? ... Honra
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha

O demo a viver se exponha,
por mais que a fama exalta,
numa cidade, onde falta,
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste sacrócio?... Negócio
Quem causa tal perdição?... Ambição
E o maior desta loucura?... Usura.

Quais são os seus doces objetos?... Pretos
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços
Quais destes lhes são mais gratos?... Mulatos

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos

Os círios lá vem aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?... Bastarda
É grátis, distribuída?... Vendida
Que tem, que a todos assusta?... Injusta

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?... Simonia
E pelos membros da Igreja?... Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Fé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.

E nos Frades há manqueiras?... Freiras
Em que ocupam os serões?... Sermões
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
me concluis na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões e Putas.

(Gregório de Matos – Obras Completas)


Poesia lírica

Soneto

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,

Em quem, se não em vós se uni formara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares,

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
(Gregório de Matos)
==========
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.


A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
==============

A nossa Sé da Bahia,
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas,
se não for estrebaria:
varias bestas cada dia
vemos, que o sino congrega,
Caveira mula galega,
o Deão burrinha parda,
Pereira besta de albarda,
tudo para a Sé se agrega.


Décima
Se pica-flor me chamais, /Pica-flor aceito ser, /Mas resta agora saber, /se no nome, que me dais, /meteis a flor, que guardais /no passarinho melhor! /se me dais este favor, /sendo só de mim o pica, /e o mais vosso, claro fica, que fico então pica-flor.
Marque a alternativa falsa:

( ) o poeta usa trocadilhos criados a partir do vocábulo pica-flor(beija-flor).
(   ) Há um conteúdo erótico neste poema do século XVII.
(    ) há emprego de redondilhas na composição deste poema.
(  )  a linguagem busca a simplicidade típica dos padrões barrocos.

Poesia religiosa e poesia filosófica

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não por que hei pecado
Da vossa alta clemência me despido*,
Por que quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado,

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
(Gregório de Matos – Obras Completas)

* despido = despeço



Soneto

Nasce o sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura.
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim, pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza,
A firmeza somente na inconstância.
(Gregório de Matos)

A única certeza é, então, a incerteza; a única constân­cia, a inconstância; a única firmeza, a não-firmeza, o que mostra o caráter move­diço de um momento históri­co e cultural em que vonta­de e medo, sensualidade e razão, corpo e espírito, vida e morte se roçam tão intimamente que só podem gerar uma literatura paradoxal, torturada e ao mesmo tempo extremamente rica, extrema­mente fecunda em seu po­der de expressão dos mais antigos dilemas humanos.
A diversidade de estilos está no poeta baiano Gregório de Matos, nosso Boca do Inferno, poeta-fundador da literatura brasileira —, tanto quanto a multiplicidade “das vidas” que teve —como trovador errante e como intelectual, como branco preconceituoso com os mestiços e como voz inconformista perante as desigualdades sociais. Trata-se de uma experiência do estilo e espírito barroco em nossa literatura.



A oratória barroca

Antônio Vieira

Vamos ler inicialmente um trecho do Sermão da Sexagésima, no qual o Padre Vieira se refere à organização de seus sermões:

Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se há de seguir, com os inconvenientes que se devam evitar, há de responder às dúvidas e há de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários, e depois disso, há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar...

(Padre Antônio Vieira – Sermões).

A combinação entre o texto bíblico e a razão que o ilumina constitui o eixo da compreensão dos sermões de Vieira, cuja formação religiosa medieval alia-se à consciência da realidade social e econômica europeia, em ter­mos gerais, e, em particular, das relações entre a metrópole (Portugal) e a colônia (Brasil).
O modo como escreveu transformou este padre no mais importante orador sacro do século XVII .
Eloquência, agudeza mental, capacidade para prender a atenção dos ouvintes/ leitores, o requinte e ao mesmo tempo o didatismo com que pregava, a clareza das ideias que expunha, tudo isso está ligado ao exemplo de Vieira como homem, como político, como religioso(três faces). A Inquisição o condenou como adepto do Sebastianismo. Conseguiu a anistia e, além disso, conseguiu levar a Santa Fé a tomar partido contra a In­quisição.
É um homem de ação: lúcido e perspicaz quanto à importância dos cristãos- novos (judeus convertidos para o cristianismo) na política fundada no poder econômico da burguesia mercantil que recomendava para Portugal. A sua expulsão do Brasil pode ilustrar outro lado importante deste pregador: pregou contra a escravização dos índios (Sermão de Santo Antônio dos Peixes), mostrando-se agora favorável às diretrizes da Companhia de Jesus.

A estrutura dos sermões de Vieira obedece às regras clássicas de composição

 Leia textos de Vieira, e tente reconhecer neles traços da mais fecunda e brilhante oratória barroca do século XVII. Vamos, também, descobrir por quais motivos podemos chamar de “literária” esta prosa:

Carta (fragmento)
Senhor, os reis são vassalos de Deus e, se os reis não casti­gam os seus vassalos, castiga Deus os seus. A causa principal de se não perpetuarem as coroas nas mesmas nações e famílias é a injustiça, ou são as injustiças, como diz a Escritura Sagrada; e entre todas as injustiças nenhumas clamam tanto ao céu como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres, e as que não pagam o suor aos que trabalham; e estes são e foram sempre os dois pecados deste Estado, que ainda tem tantos defensores. A perda do Senhor rei D. Sebastião em África, e o cativeiro de sessenta anos que se seguiu a todo o reino, nota­ram os autores daquele tempo que foi castigado dos cativeiros, que na costa da mesma África começaram a fazer os nossos primeiros conquistadores, com tão pouca justiça como a que se lê nas mesmas histórias.
As injustiças e tiranias, que se têm executado nos naturais destas terras, excedem muito às que se fizeram na África. Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertões mais de dois milhões de índios, e mais de quinhentas povoações como grandes cidades, e disto nunca se viu castigo. Proximamente, no ano de 1655, se cativaram no rio das Amazonas dois mil índios, entre os quais muitos eram ami­gos e aliados dos portugueses, e vassalos de Vossa Majestade, tudo contra a disposição

da lei que veio naquele ano a este Estado, e tudo mandado obrar pelos mesmos que tinham maior obrigação de fazer observar a mesma lei; e também não houve castigo: e não só se requer diante de Vossa Majestade a impunidade destes delitos, senão licença para os continuar!
(...) e a experiência o tem mostrado neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos governadores adquiriram grandes riquezas e nenhum deles as logrou nem elas se lograram; nem há cousa adquirida nesta terra que perma­neça, como os mesmos moradores dela confessam, nem ainda que vá por diante, nem negócio que aproveite, nem navio que aqui se faça que tenha bom fim; porque tudo vai misturado com sangue dos pobres, que está sempre clamando ao céu.
(Padre Antônio Vieira)











ARCADISMO  OU  NEOCLASSICISMO

Razão, verdade e natureza:

Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver-vos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz candente.
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente.
(Cláudio Manuel da Costa — Obras Poéticas, livro que deu início ao  Arcadismo no Brasil, 1768)

No poema acima identifica­mos o cenário favorito do Arcadismo: um mundo cam­pestre, pastoril, bucólico, caracterizado pela leveza dos sentimentos, pela suavi­dade dos elementos, pela presença da musa mitológi­ca (Fílis) entoando em voz candente um canto de paz, de serenidade, de reencon­tro com a natureza...

Algumas palavras deste trecho podem mostrar os fundamentos do novo estilo literário que vamos estudar: o Arcadismo, também chamado de Neoclassicismo.
São elas: brandas ribeiras, suavidade, rebanhos, gado, campo, Filis (personagem mitológica transformada em amendoeira pelos deuses), quanto estou contente...
A expressão cruel saudade quase nos faz pensar num movimento “desafinado” perante o ritmo melodioso em que transcorre nossa leitura, uma leitura que se confronta com a mencionada expressão, se lembra de imediato do Barroco

Para entendermos isso precisamos de uma base histórica do conflito barroco: de um lado, os valores humanistas, racionalistas, representados e pela burguesia mercantil. De outro e religiosos, teocêntricos, defendidos pelo clero e pela aristocracia, que se ressen­tem da perda de poder e reagem incisivamente.
Foi uma tensão: de um lado o “conservadorismo” — feudal e do outro a inquietação “revolucionária” da burguesia. Uma construção minuciosa das bases intelectuais garantiriam a vitória.

História: Iluminismo, ilustração, enciclopedismo são as principais características culturais do século XVIII, o século das Luzes: nele a ciência moderna (por exemplo, a física de Newton, a psi­cologia de Locke) caminhou junto com o progres­so (por exemplo, a energia a vapor, a indústria têxtil inglesa), criando um sistema filosófico que pretendia modificar o mundo através da técnica e da ciência (iluminismo), uma ideologia basea­da na razão como alicerce do bem-estar coletivo (ilustração, enciclopedismo), o que traduzia a pos­tura burguesa perante os abusos cometidos pe­la nobreza e pelo clero.
Se o barroco estava crivado de incertezas, de desajustes, de descompassos, o arcadismo instaura-se através da retomada dos princípios artísticos da tradição clássica: o raciona­lismo, a mimese (“imitação” dos grandes autores classicistas), a ânsia de perfeição formal obtida pelo respeito às convenções apolíneas, dentre as quais ressaltamos a presença da mitologia clás­sica, o decoro e a simplicidade.

Arcádia:originalmente,re­gião mitológica onde viviam as musas, os pastores, os deuses. No século XVIII, deu-se o nome de Arcádias às Academias Literárias.
Há uma coesão, uma coerência entre a literatura neoclássica e os valores racionalistas que se impuseram na

Europa definitivamente a partir da segunda meta­de do século XVIII, o que dá ao estilo neoclássico um tom pedagógico, uma preocupação de servir aos ideais burgueses.
Em comparação com este seu aspecto, devemos ressaltar o bucolismo presente no poema que lemos. Se de um lado a literatura neoclássica se compromete com a “utilidade” das mensa­gens que expressa, de outro ela se utiliza do “artifício” da vida rústica, campestre, pastoril, para se tornar “agradável” ao leitor, para lhe proporcionar o prazer da fantasia, longe da agitação da vida urbana.

Foi “unir o útil ao agradável”, como queria o mestre latino Horácio, ou de “unir a razão à natureza”, a preocupação francesa com o caráter Iluminista da arte (o útil, a razão), somada à preocupação italiana com o seu caráter “prazeroso” (o agradável, a natureza).
Daí as palavras Neoclassicismo e Arcadismo (Arcádia: moradia dos deuses), mostrando os dois lados da literatura produzida ao longo do século XVIII.São convenções literárias que dela resultaram: equilíbrio, harmonia,simplicidade, beleza natural, verdade.



Eis as principais convenções ou posturas literárias do Neoclassicismo ou Arcadismo:
aurea mediocritas: viver harmoniosa e medianamente, sem cometer excessos
fugere urbem: fugir da cidade, preferindo a vida simples, ingênua e inocente, em contacto com o campo (daí o bucolismo, o cenário campestre, e o pastoralismo: os poetas usando pseudôni­mos de pastores antigos e idealizando pastoras da mitologia clássica como musas de seus poemas)
inutilia truncat: cortar o que é inútil, ou seja, realizar as sugestões clássicas de pureza de expressão, correção, simplicidade, contra os excessos do Barroco.
. Carpe diem!

O belo é o verdadeiro: o natural filtrado pela razão. Razão é verdade e natureza (portanto uma só coisa) e no res­peito da natureza deve se basear o amor e o que não faltava ao Brasil era natureza, que aspirava à ex­pressão literária (moldada pelos cânones da Europa, matriz e forma da civilização a que o intelectual brasileiro pertencia, e a cujo patrimônio desejava incorporar a vida espiritual de seu país).

Se o ciclo do ouro proporcionou o desenvolvimento de centros urbanos no Brasil, especialmente nas Minas Gerais, e se estes centros urbanos propiciaram as primeiras manifestações de uma vivência literária entre nós, tornando o Arcadismo um dos momentos decisivos, de nossa formação literária, o país continuava cheio de “barroquismos”. A valorização da rusticidade que caracteriza o Arcadismo serviu como “ponte” entre os dois lados da moeda — leia-se a colônia: isto porque o lado primitivo, ao se transfigurar literariamente, adquire “dignidade”, isto é, aproxima-se da civilização.

Poesia lírica

Os nossos mais famosos poetas árcades são Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Destaque para o primeiro. Ambos foram atuaram na Inconfidência Mineira, tiveram formação europeia (Cláudio e Gonzaga cursaram Direito em Coimbra, exercendo advocacia em Vila Rica. Gonzaga, além de advogado, foi ouvidor e procurador na mesma cidade) e ambos obedeciam às convenções arcádicas em seus poemas, ao mesmo tem­po em que as associavam ao Brasil. Entretanto, cada um o fez de forma específica, com peculiaridades poéticas que poderemos observar lendo e comparando alguns textos e os Motivos clássicos da poesia árcade:

· Carpe diem

“Que havemos de esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vêm frias,
e podem, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! não minha Marília,
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças,
e ao semblante a graça!”
(Gonzaga)


· Locus amoenus

Rondó

“Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a Mangueira já florida
Nos convida a respirar.

Sobre a relva e o sol doirado
Bebe as lágrimas da Aurora,
E suave os dons de Flora
Neste prado vê brotar.

Ri-se a fonte: e bela e pura
Sai dos ásperos rochedos,
Os pendentes arvoredos
Com brandura a namorar


Com voz terna, harmoniosa
Canta alegre o passarinho,
Que defronte de seu ninho
Vem a esposa consolar.

Em festões de lírios trazem...
Ninfa, vinde... eu dou os braços;
Apertai de amor os laços,
Que me fazem suspirar”.
(Silva Alvarenga)

· Aurea mediocritas

“Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;
Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.”
(Cláudio Manuel da Costa)

“O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo;
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
Seguindo da virtude a honrosa estrada.
Ganhei, ganhei um trono.
Ah! não manchei a espada,
Não o roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços”.
(Tomás Antônio Gonzaga)



· Fugere urbem

“Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esse, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
                                                        (Cláudio Manuel da Costa)

Enquanto Tomás Antô­nio Gonzaga, nosso principal poeta árcade, cujo pseudônimo lírico é Dirceu, pro­duziu uma poesia lírica algumas vezes anunciadora do Romantismo, pela sua menor regularidade formal e pelos seus momentos de intensidade emotiva. Na poesia satírica assume o pseudônimo de Critilo.
Cláudio Manuel da Costa, o nosso Glauceste Satúrnio (pseudônimo poéti­co e nas cartas vai ser o interlocutor Doroteu), tende a aliar a tradição barroca às novidades árca­des. Isto devido ao clima inquietante de alguns de seus poemas, conjugação com o respeito ás normas clássicas de composição o com a presença marcada amente árcade de elementos da natureza nas Obras Poé­ticas que escreveu.



POESIA ÉPICA  e Sentimento Nativista

                        
Caramuru

Embora tenha havido pouca relação entre vida e poesia no Arcadismo, consequência da imitação e das regras, as quais geram no fundo, a perda da capacidade de observar diretamente a vida e uma visão algo superficial tanto da natureza exterior quanto humana. Os árcades quase não sentiram a magia do mar, nem do ar, que o Romantismo povoaria de duen­des e mistérios. E continua Antônio Cândido: (...) ao acentuar, porém, de modo tão marcante a identidade do racional e do natural, o pensamento setecentista pre­parava a ruptura do equilíbrio clássico. O ideal de naturalidade conduziu ao de espontaneidade, que abriu as portas ao sentimentalismo —- negação gri­tante da racionalidade à lógica do coração... (Antônio Cândido — Formação da literatura brasileira). No Brasil, vimos o início da abertura das portas ao senti­mentalismo na poesia lírica de Gonzaga.
Agora, vamos ver o que ocorreu na poesia épica, primeiro identificando alguns traços típicos da nossa ilustração: favorece atitudes mentais evoluídas, que incrementariam o desejo de saber, a adoção de novos pontos de vista na literatura e na ciência, certa reação contra a tirania intelectual do clero e, finalmente o nativismo. O maior exemplo de “pombalismo literário” (Marquês de Pombal: “dés­pota esclarecido”, ministro do rei D. José I, defensor de ideias iluministas, responsável pela expul­são dos jesuítas não só do Brasil, mas também de todo o reino português) e de espírito nativista em nossa literatura neo­clássica é o poema épico “O Uraguai”, escrito em 1769, por Basílio da Gama.
Já poema Caramuru, do Frei de Santa Rita Durão (que ao contrário de O Uraguai, seguiu o modelo camoniano) narra a história do herói-misto de colono português e missionário jesuíta que se apaixona pela Índia Paraguaçu, com quem parte num navio, para se casarem na Europa. A rival de Paraguaçu, Moema, atira-se nas águas do mar e assim se suicida por amor. Apesar da perda de autenticidade do índio nesta obra em relação ao Uruguai, apesar de apresentá-lo como “objeto” da colonização, o Caramuru também exemplifica a presença do espírito nativista e portanto de pré-romantismo em nossa poesia épica neoclássica.

Vamos ler alguns versos do poema épico O Uraguai:

Trecho: Os índios já haviam perdido a guerra e reunidos na tribo, preparavam-se para a cerimônia de casamento de Lindóia com Baldeta (filho sacrílego do Jesuíta Balda), que tem garantido o papel de chefe da tribo.   Lindóia, contudo, não está interessada no casamento. Inconformada com a morte de seu marido Cacambo, ela se retira da tribo, desgostosa, e entra na floresta. Seu Caitutu e outros índios vão procurá-la.

A MORTE DE LINDÓIA  (Canto IV de O Uraguai)

[...] Não faltava
Para se dar princípio à estranha festa,
Mais que Lindóia. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
Festões de flores as gentis donzelas.
Cansados de esperar, ao seu retiro
Vão muitos impacientes a buscá-la.
Estes de crespa Tanajura aprendem
Que entrara no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguém a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co’a vista, e teme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,

Curva latada de jasmins e rosas.
Este lugar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava

Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes

Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo co’a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado

O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece
Tanto era bela no seu rosto a morte!
 (Basílio da GamaO Uruguai)



TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA


• autor da mais importante obra lírica do Arcadismo no Brasil: Marília de Dirceu;
• sua poesia apresenta as típicas características árcades e neoclássicas: o pastoril, o bucólico, a natureza amena, o equilíbrio etc;
• apresenta, também, algumas características pré-românticas (principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita na prisão): confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos padrões de neoclassicismo, descrições de paisagem brasileira:
• sua obra Cartas Chilenas, sátira contra o Governador das Minas Gerais (Luis da Cunha Meneses apelidado de “Fanfarrão Minésio”), compõe-se de 12 cartas escritas por Cri­tilo para um suposto amigo, Doroteu.

Biografia: Nasceu no Porto, 1744. Filho e neto de magistrados brasileiros, passa a infância no Brasil. Estuda com os jesuítas na Bahia. Forma-se em Direito em Coimbra, em 1768. Juiz em Beja, por alguns anos, vem para o Brasil, em 1782, como ouvidor de Vila Rica. Namoro com Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a Marília. Preso em 1789, acusado de participar da conjuração mineira. Nega sua participação na Inconfidência, escreve contra Tiradentes. Degredado para Angola onde ocupa alta posição administrativa. Casa-se com a filha de um riquíssimo comerciante de escravos. Morre em 1810.

Obras:Liras de Marília de Dirceu & Cartas Chilenas

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA


Biografia: Cláudio nasceu em Minas Gerais, em 1729. Filho de pai português que se dedicava à mineração. Estudou no Rio de Janeiro no colégio dos jesuítas e depois se formou em Direito em Coimbra, em Portugal. Terminado o curso retornou ao Brasil. Exerceu cargos na administração pública em Vila Rica. Defensor de Pombal, participou da Inconfidência Mineira. Preso e interrogado foi encontrado morto no cárcere, em 1789.

Obras
As Obras Poéticas compreendem sonatas, cantatas, éclogas, epístolas e o poema épico Vila Rica no qual o poeta tematiza a descoberta das minas e fatos marcantes da história da cidade.

Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga: são dois poetas líricos, considerados menores, de nosso Arcadismo. O primeiro ficou famoso pela ode que dedicou ao Marquês de Pombal; o segundo – militante ilustrado – escreveu um livro de rondós e madrigais chamado, Glaura. Ambos participaram da Inconfidência Mineira.







ROMANTISMO:

PAIXÃO E LIBERTAÇÃO
A era Nacional

     
O Romantismo é, antes de tudo, um movimento de oposição violenta ao Classicismo e à época da Ilustração, ou seja, àquele período do século XVIII que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte racionalismo.

Eu sinto: eis a única palavra do Homem que exige verdades. Eu sinto, eu existo para me consumir em desejos indomáveis, para me embeber na solidão de um mundo fantástico, para viver aterrado com o seu voluptuoso engano...(Obermman)

Talvez eu seja o último romântico
Dos litorais desse oceano Atlântico (Lulu Santos)

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar o meu canto
E rir o meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angustia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinícius de Moraes)


“Metamos o martelo nas teorias, nas poéticas e nos sistemas. Abaixo esse velho reboco que mascara a fachada da arte! Nada de regras nem de modelos!”(Victor Hugo)



PRIMEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA
poesia, natureza e pátria

Por que tardas, Jati, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
(Gonçalves Dias – Leito de Folhas Verdes)


CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem palmeira,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nosso bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá,
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias – Canção do exílio)


SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA

poesia, amor e morte

Os poetas da segunda geração numa atitude ultra romântica: adolescente, escapista, derrotada mas resgatada, devolvida, inteligível pelos versos que a expressam com a mesma força com que tornam inviáveis os seus autores. Invioláveis, poderíamos acrescentar, já que, à sua maneira, não fizeram concessões, não traíram os so­nhos que tiveram; ao contrário, converteram estes sonhos em poesias.

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã.
                                        (Álvares de Azevedo – Se eu morresse amanhã)


Junto do leito meus poetas dormem
— O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça
E parece pedir a formatura.
O meu amigo, á velador noturno,
Tu não me abandonaste nas vigílias,
Quer eu perdesse a noite sobre os livros
Quer, sentado no leito, pensativo
Relesse as minhas cartas de namoro!
Quero-te muito bem, és meu comparsa
Nas doidas cenas de meu drama obscuro!
                                                         (Álvares de Azevedo — Lira dos vinte anos)

    Neste texto de nosso maior poeta ultra-romântico — Álvares de Azevedo — pode­mos ver o cenário de tal poesia: de um lado, os “poemas” (Dante, a Bíblia, Shakes­peare e Byron)

do outro o ambiente noturno, um ambiente de vigília onde as cartas de namoro se confundem com os livros. Com a “não nitidez” do ultra­-romantismo, na metáfora da luz do candeeiro ironiza o racionalismo do mundo burguês.


TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA

poesia, paixão e revolução.
Castro Alves

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
(Castro Alves)
Enquanto a primeira geração da poesia romântica brasileira caracterizou-se pela implantação no país recém independente de ideias nacionalistas e a segunda teve um caráter cosmopolita, identificando-se com o ultra-romantismo europeu (no que diz respeito à inadaptação entre poesia e realidade), a terceira geração (1860), cujo maior representante é Castro Alves, procurou transformar a realidade, questioná-la em profundidade, de forma épica e “condoreira” e também hugoana, devido ao escritor romântico francês Victor Hugo, são os adjetivos para qualificar a poesia pujante, grandiloquente, poesia social, revolu­cionária, nacionalista, inconformista e messiânica do poeta-vidente Castro Alves, o “poeta dos escravos”, cujos versos vamos ler.


Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes – Boa-noite
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
— Mar de amor onde vagam meus desejos.

(Castro Alves – Boa-noite).

O vidente

Enfim a terra é livre! Enfim lá do Calvário
A águia da liberdade, no imenso itinerário,
Voa do Calpe brusco às cordilheiras grandes,
Das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes!

Quebraram-se as cadeias, é livre a terra inteira,
A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira;
São livres os escravos... quero empunhar a lira,
Quero que est’alma ardente com canto audaz desfira,
Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,
As harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!
(...)
Mas, ai! longos gemidos de míseros cativos,
Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,
Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vedeta:
“Que pensas, moço triste? Que sonhas tu, poeta?”
Então curvo a cabeça de raios carregada,
E, atando a brônzea corda à lira amargurada,
O     canto de agonia arrojo à terra, aos céus,
E ao vácuo povoado de tua sombra, á Deus!
                                                  (Castro Alves)

Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que dá liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
                Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O     trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!..

Dados literários e biográficos

1ª geração:indianismo/nativismo/natureza brasileira — Gonçalves Dias
2ª geração:mal-do-séculofbyronismo — Álvares de Azevedo; .Fagundes Varela (Vozes da América): ultra-romantismo — Casimiro de Abreu (As Primaveras); Jun­queira Freire (Inspiração do Claustro)
3ªgeração:condoreirismo/abolicionismo/lirismo erótico — Castro Alves e Sousândrade.



ANTÔNIO GONÇALVES DIAS

• considerado o mais maduro dos românticos brasileiros, o nosso maior poeta romântico.   
• consegue um equilíbrio/síntese entre a liberdade e a invenção romântica, de um lado, e a tradição lusitana, de outro.
• escreveu sobre o sentimento amoroso e sobre a natureza.
• escreveu célebres poemas indianistas, com acentuado teor épico/ dramático ou mesmo epolíricos.

 

Biografia:Nasce no Maranhão, em 1823. Faz Direito na Universidade de Coimbra. Volta ao Brasil em 1845. Em São Luís fracassa o relacionamento amoroso com Ana Amélia, a quem dedica o poema “Ainda uma vez... Adeus!” por pressão da família dela, porque o poeta era filho de pai português e de mãe mestiça. Trabalha em missões do governo brasileiro, em nosso território e no europeu. Tuberculoso, volta à Europa (1862 a 1864). Retornando ao Brasil, morre na costa do Maranhão, no naufrágio do navio em que viaja, em 1864.

 

OBRAS:

Primeiros cantos

Segundos cantos
Sextilhas de Frei Antão
Últimos cantos
Os Timbiras (inacabado)

MANUEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO


                                  principal poeta da 2ª geração romântica no Brasil e da obra mais característica desta geração: Lira dos Vinte Anos;sua poesia revela a influência de Byron, o poeta inglês sim-bolo da geração ultra-romântica;
                                  a sua face lírica tem como temas permanentes o amor e a morte, sob uma perspectiva egocêntrica;
                                  atração e do medo da morte. Há presença mar­cante em sua obra é a mulher-anjo, a virgem nunca beijada;
                                  existe uma outra face, menos conhecida, irônica, em que pa­rodia com sarcasmo a sua própria geração, introduzindo mui­tos elementos prosaicos;
                                  a sua prosa apresenta o noturno, o aventuresco, o macabro, o satânico, o incestuoso, os elementos do romantismo maldito.

Biografia: Nasce em São Paulo, em 1831. Estuda no Rio de Janeiro, e depois em São Paulo, onde cursa Direito no largo São Francisco, sem conseguir con­cluir o curso, por morrer aos vinte e um anos, em 1852. Leu autores antigos e contemporâneos. Imagi­nação febril, sensibilidade exacerbada até o doentio, o depres­sivo, Viveu ao extremo o conflito romântico entre o real e o imaginado.

Obras
Lira dos vinte anos (poesias)

Noite na taverna (livro de contos) — Um grupo de rapazes reúne-se numa taverna, onde todos se embriagam. Então, ca­da um conta uma história de assassinatos, amores pós-túmu­lo, casos de antropofagia, paixões necrófilas etc. Macário (peça teatral) — um jovem estudante embriagado encontra-se com Satã e passa em sua companhia uma noite na cidade de São Paulo.

ANTÔNIO FREDERICO DE CASTRO ALVES


      o maior poeta da 3ª geração romântica, denominado de con­doreiro, por comparação do poeta com o condor.
      poesia apaixonada, eloquente, arrebatada. Pú­blica, política, para ser declamada nas ruas, gritada em comícios, para incendiar a multidão (apóstrofes).
      paixão revolucionária —par­ticipa das lutas de seu tempo, especialmente da abolição, sem­pre com posições libertárias, utópicas.
      espécie de vidente, com função messiânica de denunciar a opressão presente e anunciar o futuro libertador.
      além da poesia social, é muito importante a obra lírica: um lirismo erótico, apresenta uma mulher real, exaltando a sensualidade de modo natural e ardente.
      é marcante a presença da natureza brasileira, tropi­cal e exuberante.

Biografia: Nasce na Bahia, em 1847. Estuda em Salvador, no Giná­sio Baiano. Cursa Direito na Faculdade do Recife e depois em São Paulo, no largo São Francisco. Dedica-se a experiên­cias amorosas e às lutas políticas e sociais. Junto da atriz por­tuguesa Eugênia Câmara, musa de muitos poemas líricos, encena em vários lugares sua peça Gonzaga, ou A Re­volução de Minas. Participa de muitos comícios e manifesta­ções abolicionistas. Separado de Eugênia, amputa o pé esquer­do que foi ferido acidentalmente. Volta a tuberculose, que contrária ainda adolescente. Participa de mais campanhas contra a escravidão. Morre em Salvador, aos 24 anos, em 1871.




Obras

Espumas Flutuantes
Gonzaga ou a Revolução de Minas(teatro)
A Cachoeira de Paulo Afonso
Os Escravos
Poemas: Navio Negreiro e Vozes d´África.

ROMANTISMO PROSA.

Parte II
José de Alencar, o primeiro grande romancista da literatura brasileira, é também o mais com­pleto representante de nosso projeto nacionalista.

A Moreninha e lracema: histórias de amor, idealizações românticas . Exemplos do romance como um gênero de comunicação fácil. Um gênero novo entre nós: São tipos, as cenas a vida de uma sociedade em fase de estabilização, lançando mão de estilo, construção, re­cursos narrativos os mais próximos possíveis da maneira de ser e falar das pessoas que o iriam
       Em O Guarani, Peri se apaixona pela moça branca Cecília, e, como Iracema, deixa o seu povo, os seus costumes, as suas tradições.Bravo, digno, honrado, doce, apaixonado, vassalo de sua senhora, Nasce e começa a crescer, a se desenvol­ver, a “cultura brasileira”: por um lado, espécie de “cópia”, de “tradução” de modelos estrangeiros; por outro, cedendo espaço, abrindo caminhos, à expressão artística de nossas peculiaridades, de nossas particularidades nacionais.É Alencar com sua“cor local” cuja literatura regionalista também tematiza de forma idealizada a vida e os costumes do ‘brasileiro” do interior.

Princi­pais autores regionalistas e suas obras:

  O Gaúcho, O Sertanejo (José de Alencar)
    Inocência (Visconde deTaunay).
    O Seminarista, A Escrava Isaura (Bernardo de Guimarães).
      O Cabeleira (Franklin Távora).

De forma geral este foi o processo de construção do romance brasileiro no romantismo. Ele contribuiu para o desenvolvimento do romance no Brasil.
A princípio e até a maturidade de Machado de Assis, o romance brasileiro não passará muito além destes elementos básicos. Ora o enredo é soberano como em Alencar, ora predominam os tipos como em Manuel Antônio de Almeida. Em todos, porém, ressalta a atenção ao espaço geográfico e social onde a narrativa se desenvolve.
Quanto à matéria, o romance brasileiro pendeu desde cedo para a descrição dos tipos humanos e das formas de vida social (costumes) nas cidades e nos campos. O romance indianista constitui desenvolvimento à parte. Leia outro trecho de Alencar:

Tudo era grande e pomposo no cenário que a natureza, sublime artista, tinha decorado para os dramas majestosos dos elementos, em que o homem é apenas um simples comparsa.(...) Entretanto, via-se à margem direita do rio uma casa larga e espaçosa, construída sobre uma eminência, e protegida de todos os lados por uma muralha de rocha cortada a pique. (...) Descendo dois ou três degraus de pedra da escada, encontrava-se uma ponte de madeira solidamente construída sobre uma fenda larga e profunda que se abria na rocha. Continuando a descer, chegava-se à beira do rio, que se curvava em seio gracioso, sombreado pelas grandes gameleiras e angelins que cresciam ao longo das margens”(do romance O Guarani)
ATENÇÃO: Faz      parte da ideia romântica de cor local o Teatro de Martins Pena; autor de co­médias de costumes, como por exemplo “O juiz de paz na Roça”; “Quem casa quer casa” .

Outros Autores

·          Manuel Antônio de Almeida
Escreveu apenas um livro, “Memórias de um Sargento de Milícias”. Trata-se de obra excêntrica dentro da prosa romântica brasileira. Volta algumas décadas no tempo e faz a crônica picaresca de costumes do Rio de Janeiro, na época de D. João VI. O tom humorístico, sem idealização de personagens, apresenta uma visão direta e objetiva das camadas sociais inferiores. Não apresenta mais a tensão entre o BEM e o MAL, típica do Romantismo. O personagem central, Leonardo, é herói pícaro ou anti-herói, primeiro malandro da literatura brasileira, capaz de qualquer “trambique” para sobreviver. Mostra as mazelas de uma sociedade hipócrita, acomodada pelo jeitinho e pelo favorecimento.




Resumo da PROSA ROMÂNTICA NO BRASIL:

Joaquim Manoel de Macedo
·                      Crônica de seu tempo;
·                      Visão da sociedade carioca.

José de Alencar
·                      Romances históricos ou indianistas
* natureza exuberante
* mito do “bom selvagem”
·                      Romances urbanos
* “perfis femininos”(Diva, Senhora, Lucíola) e “quadros-de-sociedade”
·                      Romances rurais, regionalistas:
* tentativa de caracterização das principais  regiões brasileiras

Bernardo Guimarães
·                      Preocupação social
·                      Regionalismo:
* tradições
* costumes
* crendices.
(A Escrava Isaura, O Seminarista)

Franklin Távora
·                      Regionalismo do Norte
·                      Prenúncio do realismo
(O Cabeleira)

Visconde de Taunay ( Inocência)

·                      Regionalismo
·                      Prenúncio do realismo







Real-naturalismo- INTRODUÇÃO

 





Tendências Literárias da 2ª metade do século XIX

·                      O REALISMO:
-     O homem e a sociedade em sua totalidade
-     O amor adúltero
-     O dia-a-dia massacrante
-     O egoísmo e a mentira
-     A impotência do homem diante dos poderosos

“O Realismo é uma reação contra o Romantismo: O Romantismo era a apoteose do SENTIMENTO; - O REALISMO é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houve de mau na nossa sociedade.”
(Eça de Queirós)

Em algumas produções da Estética Romântica como a poesia de Castro Alves, o romance de Manuel Antônio de Almeida (MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS), os regionalistas Franklin Távora, Visconde de Taunay – podemos observar manifestações contrárias ao sentimentalismo, a idealizações. São posturas anti-românticas nascidas das mudanças sociais, econômicas, científicas, ideológicas do momento.

O homem da 2ª metade do séc. XIX será muito mais OBJETIVO e IMPESSOAL face ao próprio contexto no qual está inserido. Terá uma concepção muito mais materialista do mundo e a arte será um instrumento muito mais de denúncia, daí a imaginação ceder lugar ao momento presente, à contemporaneidade.
Com a nova Revolução Industrial, o avanço tecnológico e científico modificam-se os processos de produção e a própria economia que ganha novos rumos. Importa mais do que nunca a realidade física, o mundo concreto, um mundo que se explica a partir dele mesmo. Justifica-se assim o porquê do materialismo e objetivismo serem as bases do pensamento realista. A burguesia urbana cresce cada vez mais e vive o luxo  e o poder sobre o mundo.
As tendências literárias deste período (Realismo / Naturalismo / Parnasianismo) têm início em 1857 com a publicação do romance realista Madame Bovary de Gustave Flaubert; Thérese Raquim, de Émile Zola (1867). Fundou-se o Naturalismo, seguimento da corrente Realista, e antologias parnasianas intituladas Parnaso Contemporâneo (1866). Este último foi um retorno da poesia ao estilo clássico – estilo do qual os românticos se afastaram. Veja que o Parnasianismo merece um estudo à parte.
Estes três estilos divergem formal e ideologicamente, mas têm pontos de contato: a visão de mundo objetiva (que trazem para o texto) e o gosto pelos detalhes, pelas descrições.
Podemos dizer, de modo geral, que o Realismo vai se preocupar com o comportamento humano (indivíduo), o Naturalismo vai desenvolver um realismo mais científico e o Parnasianismo vai retornar ao mundo clássico e seu estilo, ficará distante, portanto, do “estéril turbilhão da rua”.

Contexto Histórico

A GERAÇÃO DO MATERIALISMO


-      A consolidão da burguesia no poder
-      Triunfo do capital industrial
-      Ciência, progresso e materialismo são palavras de ordem (cientificismo).
-      Apogeu da Revolução Industrial
-      Avanço científico e tecnológico (eletricidade, telégrafo, locomotiva a vapor) das ciências como Física, Química, Biologia.
-      As massas trabalhadoras exploradas nas cidades industriais (proletariado x burguesia).
-      A publicação do manifesta comunista de Karl Marx que define o Materialismo Histórico
-      Explosão urbana
-      Fermentação político-social.

·          Correntes científico – filosóficas da época

Deixaram marcas visíveis na literatura:

a)                     POSITIVISMO (Augusto de Comte) – Todo conhecimento só tem valor se provier das ciências. Rejeitam-se explicações religiosas, metafísicas. O homem tem capacidade de amar e ser solidário socialmente, assim pensou Comte.
b)                    DETERMINISMO (H. Taine) – O comportamento humano é determinado por forças do meio, do momento histórico, da raça.
c)                     EVOLUCIONISMO (Darwin) – O homem é produto da evolução natural das espécies. O homem é visto pelo aspecto biofisiológico.


 


Socialismo Utópico

Vale destacar que as Ciências Naturais se desenvolveram (principalmente a Biologia) bem como as Ciências Sociais. No que tange ao ponto de vista político-social irrompe uma nova classe social (contrastando com a classe média burguesa): o PROLETARIADO. Essa nova classe formada pelas massas de trabalhadores ao expressar seus anseios geram lutas, crises da sociedade burguesa. Essas crises sociais terão reflexos significativos na arte e a camada operária marginalizada (fora dos benefícios da Revolução Industrial) começa a se organizar. “Os acontecimentos exigem  a participação do artista”.
O novo quadro social será examinado pelo artista à luz das teorias “SOCIOLÓGICAS, PSICOLÓGICAS ou BIOLÓGICAS”. É sob este prisma que a prosa Real – Naturalista se desenvolve. A burguesia se consolida enquanto classe detentora do poder graças ao fortalecimento – Racionalismo tornam-se palavras-chave e O Real – Naturalismo é consequência das transformações ocorridas na época.

Estas transformações provocaram, no escritor, necessidade de descrever costumes, relações sociais, comportamentos, conflitos psicológicos. O Naturalismo trabalhou estes aspectos revestindo-os de cientificismo, influência das teorias da época.

Características da linguagem da Prosa Realista

- Objetivismo (a verdade exata, fruto da observação).
- Impassibilidade (o escritor fotografa os personagens por dentro, obedece a uma lógica rigorosa).
- Narrativa lenta, rica em detalhes, descrições.
- Precisão quanto ao tempo e espaço.
- Personagens esféricos, ambíguos, complexos (exibem-se defeitos e qualidades).
- Casamento por interesse, “amor” ligado a interesses sociais, forma de ascensão social.
- Análise psicológica do personagem (realidade interior X realidade exterior): Jogo do SER X PARECER.
- Crítica à sociedade burguesa e seus “valores” (Machado de Assis faz de forma indireta
- Imoralismo.
- Fim da idealização da figura feminina e do modelo de herói romântico.
- Contemporaneidade.
- Preocupação estética e com o estilo.



A corrente naturalista

Os estudiosos apontam o Naturalismo como “um prolongamento do Realismo”. A estetica naturalista denuncia uma visão alicerçada nas correntes filosófico-científicas da época e nas novas ideias sociológicas:
A comprovação científica dos fenômenos (POSITIVISMO) regula as situações; a camada social é um organismo vivo com todos os ciclos de sua evolução (EVOLUCIONISMO); o homem é produto do meio, da raça e do momento histórico em que vive (DETERMINISMO), enfim predomina uma visão científica da existência. A literatura irrompe no cenário deste período como subordinada à atividade científica: “meu desejo é pintar a vida, e para este fim devo pedir à ciência que me explique o que é a vida, para que eu a fique conhecendo”. (Émile Zola).

Vale destaca ainda que o escritor realista observa, analisa o comportamento do homem na sociedade e narra; o escritor naturalista chega a uma etapa posterior à observação que é a experimentação. Ele comprova através da ciência. (Veja que o exagerado cientificismo da época levou os escritores a associar literatura e ciência). Conclui-se assim que a Prosa Realista tem aspecto mais documental e a prosa Naturalista, assume as características de Romance experimental.

Características da linguagem da Prosa Naturalista

-                       Descrição objetiva apoiada em impressões sensoriais.
-                       Narrativa lenta. O narrador é onisciente. Coloca-se de fora.
-                       O ambiente descrito reporta-se às camadas inferiores da população (lavadeiras, mascates).
-                       Predomínio do instinto.
-                       Zoomorfização (as mesmas leis que regem os animais, regem os homens).
-                       Predomina a linguagem denotativa.
-                       Arte de denúncia, crítica social aberta.
-                       Dá-se relevo aos aspectos mais torpes e degradantes da vida.
-                       Influência maior da Biologia.
-                       Narrativa centrada nas camadas inferiores.
-                       Amoralismo.
-                       Não há muita preocupação com o estilo.
-                       Ações, gestos, falas, ambientes são relevantes para o escritor.
-                       Personagens patológicos (legião de bêbados, assassinos, incestuosos, prostitutas – “horrores cientificamente comprovados).



O Real – Naturalismo no Brasil

Situação Histórica:

1870            Acentuam-se as crises da sociedade agrária brasileira.
1871            Aprovada a Lei do Ventre Livre.
1875            Em Portugal, Eça de Queirós publica “O Crime do Padre Amaro”, que iria influenciar em muito as ideias realistas no Brasil.
1878            Publicação, em Portugal, de “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós, importante na divulgação das ideias realistas no Brasil.
1881 “O Mulato”,  de Aluísio Azevedo inicia o Naturalismo no Brasil: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis marca o início do Realismo brasileiro.
1882            Forma-se a “Escola do Recife”, sob a direção de Tobias Barreto.
1885            Lei do Sexagenário.
1888            Lei Áurea.
1889            Proclamação da Republica.
1891 Primeira constituição republicana brasileira. Deodoro da Fonseca – presidente da república. Deodoro renuncia, Floriano Peixoto assume.
1894            Prudente de Morais assume a presidência, depois de muitas agitações políticas.
1897            Campanha de Canudos, Fundação da Academia Brasileira de Letras (que veio, de certo modo, a oficializar a literatura).


O Realismo no Brasil

Machado de Assis (1839-1908)


Primeiro presidente e fundador da Academia Brasileira de Letras. A figura mais expressiva da corrente realista nasceu no Rio de Janeiro. Era filho de um pintor de paredes e de uma imigrante açoriana. Foi considerado o maior romancista brasileiro.
Machado ficou conhecido por sua obra, por sua contribuição, à literatura brasileira, aos postulados realistas, pelos caminhos que abriu à nossa história literária. Seu realismo está longe da ortodoxia, sempre se mostrou contrário aos modismos. Fundiu objetividade com subjetividade, primou pela opinião constante do narrador. Afirmava que “a realidade era boa e o realismo mau”, dizia não ser realista de escola, o que importa era refletir sobre a realidade, ser comprometido com ela. Tímido, mulato, gago,epiléptico, frequentou apenas a escola primária, trabalhou desde a infância. Perdeu os pais cedo foi criado por uma madrasta. Apesar de tudo isto chegou à elevada posição como funcionário público, obteve consideração social numa época em que nosso país era uma monarquia escravocrata. (Vale destacar que apesar de mulato, Machado não defendeu o abolicionismo).
Em 1869, casou com Carolina Xavier de Novaes com quem viveu até a morte. Construiu a personagem Dona Carmo, da obra Memorial de Aires inspirado na esposa.
Machado foi jornalista, crítico literário, crítico teatral, teatrólogo, poeta, contista, romancista, cronista (destacou-se com seus contos e romances). Preocupou-se deveras com o estilo – a expressão e o modo de compor – com a organização dos temas, com a linguagem pensante, com a análise do comportamento humano, com o caráter enfim a PSICOLOGIA do personagem.
Escreveu poesias inspirado nas sugestões temáticas da poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela. De Gonçalves Dias herdou o indianismo, de Casimiro o lirismo sentimental e de Varela a ênfase dada à natureza americana. Os livros em que evidenciamos tudo isto são: Crisálidas (pupa dos insetos lepdópteros), Falenas e Americanas.
Compôs ainda poesias de cunho filosófico e reflexivo sobre o ser, o tempo e a moral, são as poesias parnasianas de Ocidentais. Os poemas mais conhecidos são: Círculo Vicioso, Soneto de Natal, A mosca Azul.
É na década de 60 que Machado escreve suas comédias e poesias românicas. Sua vocação para os romances e contos vem na década de 70 e 80. A maturidade chega com Ocidentais e Memórias Póstumas de Brás Cubas.


CÍRCULO VICIOSO

(Veja seleção vocabular, rimas
ricas à maneira dos parnasianos)

Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem me dera que fosse, aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela”!
mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, de grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

Misera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

“Pesa-me esta brilhante auréola de nume..
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume”?

       O realismo de dimensão mais voltada para o psicológico e para a moral aparece com Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), História sem data (1884), Quincas Borba (1892), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904), Relíquias de Casa Velha (1906). Em 1908, escreveu seu último romance e mais diferente (em forma de Diário): Memorial de Aires, já meio triste e doente pela perda da esposa. Aos 69 anos morre vítima de úlcera cancerosa.
Outras obras: Falenas (1870), Americanas (1875), Poesias Completas (1900). Obras Póstumas: Outras Relíquias (1910).
Machado estreou em 1855 com o poema “Ela”, no jornal Marmota Fluminense”.

·          Seus temas preferidos são:
O adultério, o parasitismo social, o casamento por interesse, a confusão entre a razão e a loucura (O Alienista, Quincas Borba, Memórias Póstumas) o egoísmo, a vaidade, o interesse, a impossibilidade de ação com grandeza, a universal insatisfação dos seres eternamente presos à sua condição, o gozo de ver o padecimento alheio, a ânsia de descobrir a verdade sob as aparências do mundo, a melancolia da velhice, a hipocrisia, a ambiguidade feminina, o domínio dos corruptos sobre os menos ambiciosos, o caráter mistificador das ideologias, negação das verdades absolutas, destruição do mundo de aparências da burguesia brasileira do século XIX.

·          Mecanismos de construção dos textos:
- Ruptura da estrutura linear (Machado não está preocupado em contar uma história. A ordem não importa, mas o como se diz e o que se revela do homem, do seu comportamento). A essa fragmentação dos episódios (comuns às produções realistas) chamados DIGRESSÕES.

- ESTILO DIRETO, ELEGÂNCIA e contenção.
- FRAGMENTAÇÃO DOS PERSONAGENS, muita discrição ao descrevê-los.
- DIALOGISMO e SITUAÇÕES PSICOLÓGICAS.
- INTERTEXTUALIDADE.
- PERFEIÇÃO FORMAL, SUTILEZA DA LINGUAGEM.
- AMBIGUIDADE E POLISSEMIA.
- O OLHAR POR DETRÁS DAS MÁSCARAS.
- PESSIMISMO.
- A IRONIA, O HUMOR requintados e discretos.
- CRIAÇÃO DE MULHERES – SÍMBOLOS (sensuais, ambíguas, astuciosas, dominadoras).

Atenção:

a)         fase romântica – Contos Fluminenses, Ressurreição, (A de romances Histórias da Meia-Noite, A mão  e a Luva, mais convencionais) Helena e Iaiá Garcia.

OBS.: Aqui já encontramos a grande capacidade do escritor para observar o homem e a sociedade, sua sensibilidade para construir os personagens. Seu romantismo não é sentimentalista.

b)        fase realista – alguns poemas de Ocidentais, MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, Histórias sem Data, Quincas Borba, Várias Histórias, Páginas Recolhidas, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Relíquias de Casa Velha, *Memorial de Aires.


* A primeira fase é chamada de romântica por exibir relatos ainda presos ao “idealismo romântico”, a enredos folhetinescos: submissão ao mundo burguês (certo conformismo com os preconceitos e falsos valores); personagens carentes de complexidade psicológica (lineares); linguagem presa a lugares comuns (estilo que se volta para frases-feitas, imagens inexpressivas); técnica narrativa tradicional, desprovida das grandes inovações que colocarão o escritor (mais tarde) na linha dos melhores contistas e romancistas.
       Não esqueça: machado organizou seus personagens de modo diferente ao dos românticos, embora tenha aprendido com seus mestres: José de Alencar, Victor,Hugo, Swift...

* A segunda fase – evidencia-se visão mais apurada com relação aos interesses do homem e aprimoramento do estilo e da linguagem (linguagem pensante). Aqui destacamos o intelectual irônico, pessimista, crítico.

Além de romances, contos, crônicas e poesias, Machado escreveu peças teatrais (no teatro não se destacou muito).
Teatro: Queda que as mulheres têm para os tolos; Desencantos; Hoje avental, amanhã luva; O protocolo; Quase Ministro; Os deuses de casaca; Tu, só tu, puro amor; Não consultes médico; Lição de Botânica.

Observe, agora, comentários e resumos (feitos pela professora doutora em Letras Samira Youssef Campedelli) das principais obras machadianas:

As personagens de Machado são profundamente brasileiras, mas seus traços de brasilidade não se identificam aos traços que a tradição literária romântica nos ensinou a considerar brasileiros, como por exemplo o índio corajoso e exótico, ou o sertanejo folclórico e pitoresco. Não. A brasilidade de Machado de Assis evita falar de índios coloridos e tipos regionais.
       A brasilidade de Machado consiste, assim, na fidelidade com que o romancista traz para seus romances todo o ambiente da sociedade urbana brasileira, miniaturizada nos salões e grupos humanos do Segundo Império e dos primeiros anos da República. Machado recria, em seus romances, o mundo carioca (e brasileiro) de uma sociedade arcaica, cujos hábitos antigos e cerimoniosos e cujas atitudes convencionais dissimulavam, na boa educação e nos modos polidos, toda a violência de uma sociedade escravocrata, onde o apadrinhamento e o “jeitinho” solucionavam, sempre que necessário, as situações geradas por uma estrutura social assentada nos privilégios e numa divisão desigual dos bens.


Memórias Póstumas de Brás Cubas

“Publicado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas é o romance que marcou o início do Realismo  na literatura brasileira. Surgiu, primeiramente, em forma de folhetins. O protagonista-narrador, Brás Cubas, depois de morto, resolve escrever a sua autobiografia. As lembranças vêm fragmentadas, cabendo ao leitor organizá-las para acompanhar o relato.
Em capítulos muito curtos, a história se inicia pela morte de Brás Cubas e os personagens vão sendo apresentados à medida que participaram da vida dele. De tudo que narra, ressaltam-se os seus amores na juventude. Primeiro, o namoro com a prostituta de luxo, Marcela, que o explora e quase acaba com os seus bens. Para separá-lo dela, os pais o enviam à Europa. Quanto volta, já é doutor. Brás Cubas começa a namorar uma moça pobre, Eugênia, que tem um defeito na perna. Terminado mais esse namoro, fica noivo de Virgília. Se realizado, o casamento teria ajudado muito suas aspirações políticas, já que o pai de Virgília é muito influente. Mas Lobo Neves acaba por casar-se antes com ela. Brás Cubas fica solteirão. Anos mais tarde, tornar-se-á amante de Virgília, vivendo uma paixão ardente. A gravidez de Virgília alegra a Brás Cubas, mas a criança morre antes de nascer. Os amantes se separam. A irmã de Brás Cubas, Sabina, arranja-lhe uma noiva – Eulália – que, no entanto, morre, vitimada por uma epidemia.
Brás Cubas, completamente sem rumo na vida, encontra o seu amigo Quincas Borba. O filósofo lhe explica a teoria do Humanitismo. Mais tarde, o filósofo enlouquece. Brás Cubas vai tentar a vida política, pois quer ser célebre. Em vão. Apanhado por uma pneumonia, vem a falecer.

Leia agora os capítulos transcritos, reparando em aspectos importantes tais como:

-           os capítulos curtos;
-           a narração em primeira pessoa;
-           o contato que o narrador estabelece como leitor;
-           a sintaxe direta e simples;
-           a ironia que se expressa nas coisas mais simples.”

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico
como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.

Trechos selecionados:

Capítulo XVI

Uma Relfexão Imoral
       Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros desse mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se estende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me...


dixe – ornamento de ouro ou de pedras preciosas.

Capítulo XVII

Do Trapézio e Outras Coisas

       ... Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.
       – Desta vez, disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma Universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: – Gatuno, sim senhor; não é outra coisa um filho que me faz isto...
Sacou da algibeira os meus títulos de dívida, já resgatados por ele, e sacundiu-mos na cara. – Vês, peralta? É assim que um moço deve zelar o nome dos seus? Pensas que eu e meus avós ganhamos o dinheiro em casas de jogo ou a vadiar pelas ruas? Pelintra! Desta vez ou tomas juízo, ou ficas sem coisas nenhuma.



Quincas Borba


Publicado em 1891, Quincas Borba, narrado em terceira pessoa, é a história do professor Rubião, mineiro de Barbacena, que recebe como herança todos os bens do filósofo Quincas Borba, mais a Incumbência de tomar conta de seu cão – também denominado Quincas Borba – e divulgar a filosofia conhecida como Humanitismo.
Muda-se de Minas para o Rio de Janeiro, onde se apaixona por Sofia, esposa de Cristiano Palha.
Sabendo da paixão de Rubião por sua mulher, Palha incentiva Sofia a aceitar a corte do professor, a fim de usufruir de vantagens financeiras. Sem desconfiar de nada, Rubião acredita ser correspondido em sua paixão. Sofia sabe jogar com a paixão do inocente apaixonado. Sem deixar de ser fiel ao meu marido, ela faz a paixão crescer. Palha vai enriquecendo.
Motivado por problemas que já possuía e muito sensível pela paixão não-realizada, Rubião começa a ter atitudes estranhas. Deixa-se explorar, esbanja a fortuna, entra na política  e fracassa. Tem Sofia como pensamento fixo. Vai enlouquecendo aos poucos e cria fantasias: diz que é Napoleão III e quer fazer de Sofia e sua duquesa. É abandonado pelo casal, tendo somente o cachorro por seu companheiro. Internado numa clínica, certo dia foge para Barbacena, levando o cão. Os dois se unem na miséria, tornando-se objeto de chacota dos meninos de rua e desocupados. Morre louco. Ao morrer, pronuncia a frase básica do Humanitismo: “Ao vencedor, as batatas”.




Leia os trechos abaixo:


Capítulo IV


       Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida; mas, tão acanhada, que os suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou.

Capítulo VI

(...)

       – Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanistas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológicos; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanistas precisa comer.
       Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó.

(...)
       – Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
– Mas que Humanitas é esse?
Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, ou, para usar a linguagem do grande Camões: Uma verdade que nas cousas anda, que mora no visível e invisível.


Dom Casmurro


       Publicado em 1900, Dom Casmurro é narrado em primeira pessoa. Bentinho conta a sua própria história, a partir de um flashback da velhice para a adolescência.
Órfão de pai, cresceu num ambiente familiar muito carinhoso – tia Justina, tio Cosme, José Dias -, recebendo todos os cuidados da mãe, D. Glória, que o destinara à vida sacerdotal.
Entretanto, Bentinho não quer ser padre - namora a vizinha, Capitu, e quer se casar com ela. D. Glória, presa a uma promessa que fizera, aceita a ideia inteligente de José Dias de enviar um  escravo ao seminário, para ser ordenado no lugar de Bentinho.
Livre do sacerdócio, o moço se forma em Direito e acaba se casando mesmo com Capitu. O casal vive muito bem, Bentinho vai progredindo, mantém amizade com Escobar e Sancha. A vida segue o seu curso. Nasce-lhe um filho, Ezequiel.
Escobar morre e, durante o seu enterro, Bentinho começa a achar Capitu estranha: surpreende-a contemplando o cadáver de uma forma que ele interpreta como apaixonada.
A partir do episódio, Bentinho se consome em ciúmes e tem início uma crise no casamento. Ezequiel se torna cada vez mais parecido com Escobar – o que precipita em Bentinho a certeza de que ele não é seu filho. Em consequência disso, o casal se separa. Capitu e Ezequiel vão para a Europa. Algum tempo depois ela morre.
Já moço, Ezequiel volta ao Brasil para visitar o pai, que constata a semelhança entre o filho e o antigo colega de seminário. Ezequiel morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado em sua dúvida, ganha o apelido de “Casmurro” e se põe a escrever o livro de sua vida.


Trechos selecionados (Dom Casmurro):

Capítulo II Do livro


       Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me veza imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz; é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto e Nero, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos para a casa de Mata-cavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido.
Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça velha e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa.
       O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. (...)



Capítulo CXXIII

Olhos de Ressaca

Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras destas, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.


O NATURALISMO NO BRASIL

ALUÍSIO AZEVEDO – (MA, 1857 – Buenos Aires 1913).

A denúncia da hipocrisia social, a fragilidade do indivíduo ante as forças da hereditariedade e do meio – as lutas sociais.

Aluísio Azevedo
       – São Luiz do Maranhão.
       Foi caricaturista de vários jornais no Rio de Janeiro. Mais tarde troca a pintura pelo jornalismo anticlerical.
Seu romance O MULATO, inicia o Naturalismo no Brasil, no ano de 1881.
Denuncia o preconceito racial existente na burguesia do Maranhão.
Destaca-se, na literatura Brasileira, pela trilogia naturalista: O MULATO, O CORTIÇO, CASA DE PENSÃO.
Foi nosso primeiro escritor profissional. Escreveu folhetins romanescos para sobreviver, mas sua obra madura são os romances de denúncia social.
Voltou-se mais para o social que para o individual. Criticou a burguesia provinciana de São Luís do Maranhão, o preconceito racial, o capitalismo selvagem, o clero, entre outros alvos de sua crítica.
Principais marcas na obra do autor:
a)         “Aproximação com o falar português, os arcaísmos e lusitanismo presentes em O Mulato, O Cortiço”.
b)        Recorre frequentemente à caricatura. Pela escrita “visualiza personagens e cenas” “capta os traços mais exteriores” – personagens tipos, ou seja, sem a profundidade psicológica machadiana.

                                
Quadro de Van Gogh

Embora Naturalista, Aluísio fez concessões ao gosto do leitor da época para poder sobreviver: escreveu ao lado de romances naturalistas, romances românticos como Uma lágrima de mulher (1881), mesmo ano do polêmico romance O Mulato em cujo enredo exibe conhecidos figuras da sociedade maranhense da época (esse romance foi um escândalo em São Luís).
Em 1896, abandonou a carreira de escritor e ingressou na diplomacia escrevendo, apenas, correspondências diplomáticas.
Seus romances apresentam “resíduos românticos, documentação realista e experimentação naturalista”, marca da sua heterogeneidade.
O Naturalismo atinge o ponto máximo com a obra O Cortiço (1890), obra em que evidencia, mais uma vez, o fatalismo das forças sociais e naturais sobre o homem (Nesta obra predominam os fatores sociais e a ênfase, dada pelo escritor, ao agrupamento humano).
Romances: O Mulato, Casa de Pensão, O Coruja, O Homem, O Cortiço, O Livro de uma Sogra.
Contos: Demônios e Pegadas.
Teatro: A Flor de Lis
·          Principais características da obra do autor maranhense:

Os personagens estão presos às condições sociais que os geraram (TIPOS).
Personagens superficiais psicologicamente.
O estilo é relegado a 2º plano. Em 1º vem a crítica social.
Visão determinista.
Predominam os agrupamentos humanos, as habitações coletivas (neste espaço percebe-se a degradação social e moral dos personagens).

·          Aspectos importantes de suas obras:
* O Anticlericalismo, o racismo, a crítica social aberta, a natureza carnal das paixões, o triunfo do mal (os crimes ficam impunes, os maus são promovidos).

·          Resíduos românticos (até nas obras real-naturalistas):
* A idealização exagerada dos personagens (Raimundo – ingênuo, bondoso, tem um amor platônico, é homem de cor, personagem inverossímil), chavões românticos (a história de amor impossível de Ana Rosa e Raimundo).

Leia mais sobre o autor:

Essa visão panorâmica parece constituir a grande qualidade de Aluísio Azevedo como romancista, esse poder de fixar as coletividades representa a sua maior contribuição para o nosso romance. Só nos momentos em que vê o indivíduo em função do meio a que pertence, como parte dele, e não como um caso a estudar isoladamente, é que o escritor se sente no seu elemento. Por isso é que, falhando nos livros de análise psicológica, revela-se criador naqueles em que, como O Mulato, Casa de Pensão e, principalmente, O Cortiço, se lança aos grupos sociais. O Mulato vale, principalmente, pela reconstituição da sociedade provinciana e escravocrata que conheceu no Maranhão; vindo para o Rio, tateou, errou muito, mas, por duas vezes, o instinto o guiou, fê-lo procurar as moradias comuns, onde se resumia de algum modo a vida de uma cidade em crescimento. Depois de ter visto numa pensão o refugo da pequena burguesia, vai buscar o povo num cortiço. O Rio popular do tempo da capoeiragem está todo aí, nessa mistura de negros, mulatos e imigrantes portugueses, nesse amálgama de explorados e exploradores, nessa população dependente da pedreira que a faz viver e também morrer, que representa, no sentido próprio e no figurado, todo o sue horizonte.

MIGUEL-PEREIRA, L. História da literatura brasileira. Prosa de Ficção (de 1870 a 1920). Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora/MEC, 1978.


Sobre O Cortiço: comentários feitos pela professora Samira Yousseff

Publicado em 1890, O Cortiço é considerado o mais importante romance de Aluísio Azevedo. Nele estão presentes as mais marcantes características do Naturalismo: condicionamento dos personagens ao meio físico; satisfação das necessidades instintivas dos personagens; enfoque na hereditariedade física e psicológica, determinantes do comportamento; uma visão predominantemente biológica do ser humano; personagens-tipo; personagens com um destino contra o qual não podem lutar; o romance funcionando como um documento da realidade social que leva o autor a refletir, dentre outras.
João Romão é um ganancioso comerciante de origem portuguesa, dono de uma pedreira e de um terreno de bom tamanho, no Rio de Janeiro, onde constrói casinhas de baixo custo para alugar.
Uma ex-escrava negra, chamada Bertoleza, não só vive com o português, como também o ajuda no armazém que ele mantém no lugar.
Aos poucos, forma-se o cortiço que incomoda o vizinho Miranda, dono de uma loja próxima. Chefe de uma família composta pela esposa Estela e pela filha Zulmira, Miranda sempre reclama da situação sórdida do lugar. João Romão, por sua vez, também não aprecia o vizinho e com ele manterá rivalidade. O cortiço vai ganhando cada vez mais habitantes.
Quando Jerônimo, um operário português trabalhador na pedreira, muda-se com a esposa Piedade para lá, a situação começa a sofrer alterações. Jerônimo se apaixona pela mulata Rita Baiana, comprometida com  o capoeirista Firmo, morador em outro cortiço. Com a evolução dessa paixão, Firmo e Jerônimo acabam se enfrentando e o português leva uma navalhada do capoeirista. Entrementes, João Romão começa a se interessar por Zulmira, filha do comerciante Miranda – sonha casar-se com ela e mudar de condição social. Jerônimo, que acaba se juntando a Rita Baiana, arma uma cilada para firmo e o assassina a pauladas.
Moradores do cortiço vizinho, o “Cabeça-de-Gato”, ateiam fogo ao cortiço de João Romão, para vingar a morte do capoeirista. O incêndio, indiretamente, auxilia o português, que o reconstrói, fazendo um cortiço mais novo e mais próspero. Com o tempo, João Romão aproxima-se cada vez mais de Miranda. Só resta tirar a escrava Bertoleza do caminho. Ameaçada de voltar ao cativeiro, a negra se suicida. João Romão se casa com Zulmira.

Rita Baiana – a mulata – “Nela... estava o grande mistério, a síntese das expressões que ele (Jerônimo) recebeu chegando aqui”.






Trechos selecionados:

Capítulo I
João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhava nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.
Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quintandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade.
Bertoleza também trabalhava forte; a sua quintanda era a mais bem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta. João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinha, e com tamanho empenho lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras. Abriu-se com ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. “Seu senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter de escarrar pr’ali, todos os meses vinte mil-réis em dinheiro”! E segredou-lhe então o que tinha juntado para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que lhe entraram na quintanda pelos fundos.
Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula.

Capítulo III


       Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu, de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiram cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplo bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria das alturas de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as milhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não  se  preocupavam  em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas das mãos. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.


Raul Pompeia (1863-1895 – RJ)


       Escreveu seu mais famoso livro: O ATENEU, crônica de saudades. Formou-se em Direito. Em São Paulo militou nos movimentos Abolicionista e Republicano.
Tido ora como realista ora como naturalista, entretanto não pode ser reduzido a essas correntes. Por não retratar a realidade diretamente, mas, sim, a impressão que ela produz em seus espírito, sua obra também é considerada impressionista.
O ATENEU: sua obra definitiva, uma sucessão de episódios, cujo fio condutor é a memória do personagem narrador Sérgio. Seu temperamento sensível (conflito homossexual),inquieto (brigou com Prudente de Moraes ao criticar Floriano Peixoto e com Olavo Bilac com quem não tinha afinidade política), leva-o ao suicídio aos 32 anos na noite de Natal de 1895. O escrito não suportou o fato de ser considerado um homem sem honra. Por jornalistas contrárias à sua visão política.Uma mistura de biografia e ficção dissolve-se na densidade subjetiva do narrador (Sérgio descobre o mundo das aparências: brutalidade, vontade de poder, a exploração, o homossexualismo. Os episódios são, assim, desvelamentos sucessivos da corrupção e da miséria moral que habitam o colégio) :
       Onde metera a máquina dos meus ideais naquele mundo de brutalidade que me intimidava com os obscuros detalhes e as perspectivas informes, escapando à investigação de minha inexperiência”?
O Ateneu é assim um mundo em decomposição, todos estão corrompido, até o menino Sérgio naquele meio torna se um “animalzinho ruim”.



O Parnasianismo



       O Parnasianismo foi outra vítima da Inteligência do século XIX. Foi essa Inteligência que construiu a prisão onde quis encarcerar o poeta. Preso, o poeta era obrigado a esmagar seus sentimentos sublimes, a deformar suas ideias, a cortar, diminuir, fazer o que não queria, porque à porta vigiavam carcereiros terríveis com pencas de chave de ouro à cintura.
Coitado de quem dizia o que queria, e como queria! Era preciso medir as ideias como se medem fazendas nas lojas de turco.(Rubens Borba de Morais, em 1922, comentando a literatura  do fim do século XIX)

A UM POETA (Olavo Bilac)

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escrevo! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

“Assim procedo minha pena
       Segue esta norma
Por te servir, Deusa serena
       Serena Forma.”

“Porque escrever – tanta perícia,
       Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
       De outro qualquer.”


O Parnasianismo deve ser compreendido como uma reação ao sentimentalismo piegas e à frouxidão dos versos românticos. É um estilo literário que se desenvolveu paralelamente ao Real Naturalismo. Situam-se estes estilos no mesmo contexto histórico, mas divergem quanto às propostas assumidas. A preocupação dos parnasianos se dá com a forma, a cultura clássica, enquanto os real-naturalistas se preocuparam com a realidade, o momento presente, com a crítica social. O Parnasianismo existiu essencialmente na poesia e foi fiel seguidor do Esteticismo, da Arte pela Arte, da cultura greco-romana.
       Os realistas visaram à exibição da sociedade e à formação do homem; já os parnasianos não viram a arte com função social, daí a preocupação em burilar os versos quanto à rima, metrificação, vocabulário. Buscaram o verso sem nenhum defeito.
       O Parnasianismo surgiu na França em 1866 a partir do trabalho de poetas preocupados em reagir aos exageros sentimentais da poesia anterior (antologia: O Parnaso Contemporâneo).
Os principais teóricos de O Parnaso Contemporâneo defenderam os princípios de perfeição formal, negaram o valor de inspiração, valorizaram a objetividade das descrições, renovação dos temas que se voltam à cultura greco-romana, divulgaram os aspectos plásticos e sonoros dos versos, o vocabulário raro (a pesada estética parnasiana).
O termo “parnaso” remete-nos à antiguidade clássica, ao Monte Parnaso. Segundo a lenda, região que serviu de morada a deuses e poetas, isolados do mundo, voltados à arte.
Lembre-se de que o Parnasianismo aconteceu apenas na França e no Brasil. Supervalorizaram a forma e transformaram, muitas vezes, a poesia numa exibição de técnica em detrimento do conteúdo.

·          Características
Buscaram a perfeição formal (Arte pela arte); gosto pelo soneto; vocabulário raro; poesia descritiva, plástica e visual; objetivismo; impassibilidade, contenção lírica; gosto pelo Universal; retorno à tradição clássica; efeitos sonoros; preferência pelas rimas ricas e raras, pelos versos decassílabos e alexandrinos; presença da mitologia; usou de chave de ouro; gosto pela história antiga e motivos orientais; preferência por temas universais: a natureza, o tempo, o amor, objetos de arte (fetichismo) e a própria poesia; enfoque sensual da mulher, com ênfase na descrição de suas características físicas.

O PARNASIANISMO NO BRASIL

Em 1878, no Diário do Rio de Janeiro, foi publicada uma polêmica entre seguidores do romantismo e simpatizantes Realismo e Parnasianismo (A Batalha do Parnaso). Vários poetas românticos foram criticados e a polêmica proporcionou a divulgação das ideias parnasianas no Brasil. Estas ideias só ganharam corpo em 1882 quando Teófilo Dias publica Fanfarras, primeira obra parnasiana. Porém o Parnasianismo ganha força no Brasil com a Tríade Parnasiana:

Os principais poetas do Parnasianismo foram:
Alberto de Oliveira (1857-1937): autor de Canções românticas, Meridionais, Sonetos e poemas, Versos e rimas, poesias (1ª série, 3ª série e Póstumas).
Raimundo Correia (1860-1911): autor de Primeiros sonhos, Sinfonias, Versos, e versões, Aleluias, Poesias.
Olavo Bilac (1865-1918): autor da Via Láctea, Sarças de fogo, Alma inquieta, O caçador de esmeraldas, Tarde.


* ALBERTO DE OLIVEIRA
Professor e funcionário público, foi membro e fundador da Academia Brasileira de Letras (1897). Em 1924, graças a um concurso, foi eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros.” Foi sucessor de Bilac e ganhou, na época, popularidade em função de sua preocupação formal – fato que o consagrou como o mais ortodoxo dos parnasianos. As regras e os modelos que seguiu à risca levou-o a ser criticado por modernistas como Mário de Andrade (ensaio – Mestres do Passado).
Começou preso a resíduos românticos, mas logo se liberta e se destaca. Meridionais o consagra como grande escritor parnasiano. O rigor e o tecnicismo ganham mais força em SONETOS e POEMAS.

Principais características de sua obra: Alterna lirismo amoroso ora ingênuo, ora erótico, ora sublimado; humaniza a natureza e os objetos decorativos; sua poesia é descritiva, exalta a forma e a antiguidade clássica; busca sentido moral do que descreve, universaliza sua poesia; tem verdadeira adoração por objetos raros (FETICHISMO); explora, em seus versos, refinadas impressões visuais, sonoras e olfativas.
POEMAS: Vaso Grego, Vaso Chinês, Fantástica, A Estátua.



* RAIMUNDO CORREIA
Formou-se em Direito, adotou a princípio as ideias positivistas, cientificistas, e republicanas. Participou de manifestações liberais. Foi leitor dos poemas de Antero de Quental (dos poemas socialistas). Seguiu, inicialmente, a retórica abolicionista de Castro Alves, a poesia social à maneira dos românticos. Desta fase romântica proveio a obra PRIMEIROS SONHOS em que percebemos ainda influências de Casimiro de Abreu e Fagundes Varela.
Suas poesias vão aos poucos assumindo outras perspectivas – a dimensão reflexiva, filosófica e moralista bem como a face pessimista. O poeta de SINFONIAS e VERSOS e VERSOES mostra-se melancólico. Essa fase filosófica é a chamada fase parnasiana em função também do rigor, do esteticismo, da percepcão  refinada da natureza, sua filiação à arte pela arte.
É a dimensão filosófica que o impulsionará também a uma reflexão sobre o mistério da existência, fazendo-o precursor da estética simbolista, pois para atenuar a tristeza buscou refúgio na metafísica.

POEMAS: Mal Secreto, As Pombas, A Cavalgada.

·          Olavo Bilac – O poeta das estrelas. O Príncipe dos Poetas Parnasianos. (RJ)

O mais jovem, o mais bem acabado poeta parnasiano brasileiro e o mais popular. Seus poemas exigem uma perfeita elaboração formal.
Foi jornalista, exercer cargo público, foi inspetor escolar e extremo nacionalista, um intelectual a serviço dos dirigentes. Afastou-se do Brasil real e criou um Brasil de heróis, tais como os bandeirantes – O POETA UFANISTA d’ O Caçador de Esmeraldas. (Investe no gênero épico, mas fracassa). Foi autor da letra do Hino à Bandeira e excelente cronista, galhofeiro. Ora reacionário, ora conservador.
Estreia em 1888 (POESIA) e um ano após sua morte aparecem os sonetos de Tarde (1918).
Versou sobre temas greco-romanos, foi preciso quanto ao rigor formal, porém quebrou a impassibilidade dos parnasianos (conotações subjetivas dos melhores textos que põem em relevo sua HERANÇA ROMÂNTICA).
Sua temática: HISTÓRIA GRECO-ROMANA e mitologia, a NATUREZA é descrita segundo o rigor da impassibilidade.
Bilac foi também o POETA DO AMOR, seu lirismo evidencia-se desde o platonismo até o erotismo (beijos abraços, descrições físicas presentes em Sarças de Fogo. O erotismo adquire equilíbrio em “In Extremis” (lamenta a perda das coisas sensuais e concretas da existência) sem abrir mãos do ideal parnasiano – A FORMA, o esteticismo, enfim a sutil emoção. Bilac preocupou-se com a linguagem elaborada, com as inversões, com o amor pela língua portuguesa:

“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura.
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...”


BEIJO ETERNO

“Quero um beijo sem fim;
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido feche ao rumor
Do mundo, e beije-me, querida!”


Este poema foi retirado de SARÇAS DE FOGO. Veja que o sensualismo, o erotismo é “muito mais retórico, declamatório” do que poético, sugestivo, proveniente do intimismo dos amantes – É o chamado “lirismo de efeito exclamativo em que falta  a riqueza psicológica.”

Seus principais temas:
A Antiguidade Clássica (Panóplias), o lirismo (Via Láctea), sensualismo (Sarças de Fogo), temas filosóficos (Alma Inquieta; Viagens), nacionalismo ufanista (paisagem nacional) aparece em O Caçador de Esmeraldas, poema que está na obra Viagens. O poeta mais descritivo e extremamente nacionalista aparece em Tarde.

·          TEXTOS SELECIONADOS
Alberto de Oliveira

Vaso Grego

Esta de áureos relevos,trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo Deus servia.
Era o poeta Teos que a suspendia (...)


Vaso Chinês

Estranho mimo, aquele vaso! Vi-o
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez, por contraste à desventura
Quem o sabe? – de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura:

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa..



Mal Secreto (Raimundo Correia)


Se em muita fronte que parece calma,
Se em muito olhar que límpido parece:
Se pudesse notar, ler se pudesse,
Tudo o que n’alma existe e vive n’alma!

Entre essa paz fictícia que se espalma
No rosto, a inveja, raro transparece;
Ela que a glória alheia se enraivece,
E que às alheias lágrimas se acalma.

Alma, vítima dessa enfermidade!
Mal sabes que à dos outros sendo adversa,
Tu és adversa à própria f’licidade!

A inveja os risos todos te dispersa:
Menos ódio mereces que piedade,
Porque és mais insensata que perversa.



As Pombas (Raimundo Correia)

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem ... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...


ALMA INQUIETA  (Olavo Bilac)

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
– Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ah! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!
NEL MEZZO DEL CAMIN... (Bilac)

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continua.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

PÁTRIA (Bilac)

Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde
Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho!
E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,
E subo do teu cume ao céu de galho em galho!

Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde,
Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,
Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,
De ti, - rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes,
No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!
E eu, morto, - sendo tu cheia de cicatrizes,

Tu golpeada e insultada, - eu tremerei sepulto:
E os meus ossos no chão, como as tuas raízes,
Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!
(Soneto do livro VIA LÁCTEA)

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!”E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
linda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”




O INCÊNDIO DE ROMA

Raia o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco sopro fatal, rolam esfaceladas.

E os templos, os museus, o Capitólio erguido
Em Mármor  frígio, o Foro, as eretas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas

Do incêndio cigem, tudo esbroa-se partido.

Longe, reverberando o clarão purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte...
– Impassível, porém, no alto do Palatino.

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.




SATÂNIA (Bilac)

Nua, de pé, solto o cabelo às costas
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela,como um rio enorme
De áureas ondas tranquilas e impalpáveis,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha palpitante e viva.
Entra, parte-se em feixes rutilantes,
Aviva as cores das tapeçarias,
Doura os espelhos e os cristais inflama.

Depois, tremendo, como a arfar, desliza
Pelo chão, desenrola-se, e, mais lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.

Sobe ... cinge-lhe a perna longamente;
Sobe ... – e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! – prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca,
E antes de se perder na escura noite,
Na densa noite dos cabelos negros,
Pára confusa a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.




NOTA AO POEMA SATÂNIA
“Observe o sexualismo requintado deste poema. O poeta segue os feixes luminosos desvendamen das imagens da mulher.”

Sátira a Bilac: Em 1915, Olavo Bilac, famoso poeta brasileiro da época, declamou em São Paulo alguns de seus poemas, fato que atraiu a imprensa. Juó Bananére (“italianização de João Basnaneiro, apelido popular na época) comenta o acontecimento com humor e ironia na Revista O Pirralho e ainda faz uma PARÓDIA do soneto Ouvir Estrelas. Veja que Bananére fez uso do “português macarrônico” (mistura de português com italiano) e desmistifica o entendimento romântico-parnasiano de Bilac sobre o falar com as estrelas (Irreverência típica do Modernismo):


UVI STRELLA

(de Juó Bananére, italianização de João Basnaneiro, apelido popular na época)


Che scuittá strella, né meia strella.
Vucê stá maluco! E io ti diró intanto,
Chi p’ra iscuitalas moltas veiz livanto,
I vô dá uma spiada na gianella.

I passo as notte acunversáno c’oelha,
Inguanto che as outra lá d’um canto
Sto mi spiano. I o sol come um briglianto
Nasce. Oglio p’ru céu; – Cadê strella?!

Direis intó; – Ó migno inlustre [amigo!
O chi é chi as strellas ti dizia
Quano ilhas viéro acunversá contigo?

E io ti diró; Studi p’ra intendela,
Pois só chi giá studô Astrolomia,
É capaiz de intendê istas strella.


Curiosidade

Carlos Drummond no início da década de 1950 publicou um soneto intitulado “Oficina irritada”. Abaixo aparecem dois quartetos.


“Eu quero compor um soneto duro
Como poeta algum ousada escrever
Eu quero pintar um soneto escuro
Seco, abafado, difícil de ler.

Quero que o meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum
prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.”

* Drummond tem o mesmo conceito de arte defendido por Bilac?


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