SIMBOLISMO
Movimento
Simbolista
“Mergulhando no subjetivismo e
no inconsciente, a poesia simbolista tornou-se um meio de sondagem do mundo
interior do eu-lírico.
Na
pintura, o simbolismo explora o poder sugestivo das imagens indefinidas, da
imprecisão dos contornos, criando um clima de sonhos.” O misticismo, o sonho, a
fé, a religião são valores retomados com o afã de encontrar novos caminhos.
Tanto
em Portugal quanto no Brasil, o Simbolismo começou em fins do século XIX) e se
estendeu até o início do século XX, portanto conviveu com as tendências
pré-modernistas. Em fins do séc. XIX, vivia-se na Europa a sensação de fim de
mundo de depressão causada pela falta de sentido da vida. O cientificismo da 2
metade do séc. XIX, a ciência, a poderosa ciência, o racionalismo não foram
capazes de solucionar problemas “tão simples” como a angústia existencial, o
desemprego, a miséria. É desta forma que chegamos a falar em “Decadentismo”
ou “fase preparatória de um estado de sensibilidade”. Este estado convertido em
arte chamou-se SIMBOLISMO.
O
Simbolismo surge como criação artística do “eu - profundo”, ou seja, foi
uma estética que se opôs ao rigor científico dos positivistas do momento (a
preocupação unicamente com a forma dos parnasianos e o fatalismo dos esritores
naturalistas), ao objetivismo, descritivismo da literatura bem como à ideologia
da burguesia. Surge o mal – estar comum ao fim de século. Fugindo à
realidade imediata, os simbolistas dão um mergulho interior (irracionalismo)
fundem, correspondem, o mundo material com o espiritual (mundo da substância,
essência) à busca da unidade. Divergem dos românticos por irem além da camada
superficial do confessionalismo, do pieguismo e por quererem atingir a essência
do ser humano.
O
que interessa não é descrever um objeto, mas sugeri-lo, buscar-lhe o mistério
e não descrevê-lo racionalmente, cientificamente. Todos os objetos do mundo
real têm correspondência, percebida graças ao mergulho no misterioso universo
de associações de ideias – mundo irracional. “O mundo natural com tudo que
contém existe graças ao Espiritual e ambos os mundos graças à Divindade”.
Os Simbolistas visam à POESIA PURA
(fim da poesia tradicional) e para consegui-la lançam mão de imagens, símbolos
sugestivos (“Sugerir, eis o sonho”, disse Mallarmé) criando uma poesia
hermética, de difícil compreensão (reviravolta poética que vai ganhar força com
os modernistas), uma poesia fruto do inconsciente, da intuição, do gosto pelo
Mistério. Veja que os simbolistas mexeram com códigos literários novos, e
prepararam caminho para correntes artísticas do século XX tais como o
Expressionismo e o Surrealismo.
Em
um universo marcado pelo cientificismo não era de se estranhar que os
simbolistas e sua postura metafísica fossem alvos de críticas por parte da
burguesia capitalista. Vários atributos negativos surgem para os poetas tais
como “decadentes”, “malditos’, “nefelibatas” (=os que vivem nas nuvens”).
O
Simbolismo é contemporâneo do Realismo – Naturalismo e Parnasianismo,
mas não teve o destaque da poesia parnasiana por motivos claros. Enquanto os
parnasianos atenderam ao gosto da classe dominante – com o Esteticismo, A arte
pela Arte – os simbolistas refletiram sobre o mundo problemático, o Fantasma da
Guerra – e criaram uma poesia que atenuasse a angústia finissecular. A poesia
adquire um caminho próximo ao da Filosofia e da Religião (=Transcendência, o
Mistério, o Místico), pois o mundo estava complicado de se entender
racionalmente. O melhor foi buscar uma realidade mais subjetiva via “tendências
espiritualistas”. “Subconsciente” e “inconsciente” que passam a ser
valorizados. Busca-se o abstrato, o vago, o diáfano, o sonho, a loucura
mediante a combinação do racional com o irracional.
A
fim de exprimir a essência da vida, materializar sensações (sem descrever, sem
usar conceitos), os poetas vão investir na carga sonora dos versos (POESIA E
MÚSICA), no uso de iniciais maiúsculas. As palavras evocam sentimentos como
notas musicais (SINESTESIA, ALITERAÇÃO, ECO). O uso do símbolo evita a
referência direta às coisas bem como a linguagem sensorial e alógica.
A
capacidade sugestiva, a musicalidade de expressão e o idealismo de origem
platônica são características marcantes da estética Simbolista que
alguns românticos e parnasianos anteciparam. O romântico desejou o paraíso; o
simbolista fez do mundo o seu lugar e no âmago de tudo era preciso descobrir a
alma: “A plenitude dos sentidos e do espírito, comunga com a Natureza”quando se
decifra a floresta de símbolos”. A
poesia tem enigma ou mistério e o leitor é um decifrador da expansão das coisas
infinitas.
*
Agora vamos destacar algumas situações típicas da poesia simbolista (POESIA
PURA).
·
A poesia se aproxima da
música, uso de vocabulário musical e sugestivo. Valorização do conhecimento
intuitivo e não lógico.
·
Emprego de maiúsculas
Alegorizantes (substantivos comuns escritos com inicial maiúscula no interior
do verso).
·
Musicalidade.
·
O cromatismo (que se revela,
principalmente, pela obsessão da cor branca).
·
SINESTESIA (combinação de
percepções distintas na mesma frase).
·
Ênfase nas sugestões das cores
(brancas principalmente – alvura).
·
Uso de aliterações,
assonâncias, ecos.
·
Emprego frequente de
reticências e vocábulos abstratos escolhidos pela sonoridade, ritmo, brilho
(colorido) a fim de criar impressões sensíveis.
·
SUGESTÃO, MISTÉRIO (Uso de
símbolos, metáforas).
·
MISTICISMO – Gosto pelos
valores da Idade Média e pelo uso de vocabulário litúrgico.
·
Gosto pelo tom vago, nebuloso,
pela poesia indireta (hermética).
·
Uso de substantivos abstratos
no plural.
·
Conflito eu X mundo.
·
Volta a uma “Realidade
subjetiva”.
NOTA:
“Quanto
ao Brasil
“No que tange ao contexto, tem-se uma poesia
distante do espaço social brasileiro.
Você sabia?
*
A estética simbolista tem pontos de contato com a estética parnasiana quanto à
preocupação formal (uso dos sonetos) e quanto ao estar longe das questões do
mundo. (os nefelibatas).
Os
simbolistas ao romperem com a estrutura sintático-semântica, com a linearidade
e usarem a linguagem do interior anteciparam pontos-chave da estética moderna.
*
Antes de qualquer coisa, música
(...)
É
preciso também que não vás nunca
escolher
tuas palavras sem ambiguidade:
nada
mais caro que a canção cinzenta
onde
o indeciso se junta ao preciso.
(Paul Verlaine)
Ao
pintor não interessa fotografar a realidade, mas captar a essência da paisagem,
a sua alma.
Os
principais teorizadores do simbolismo foram chamados de malditos ou decadentes
devido às inovações e oposição aos positivistas. São eles:
–
Baudelaire: com a teoria das “correspondências”.
–
Verlaine: a “música” antes de qualquer coisa
–
Rimbaud: a magia da palavra, “a alquimia verbal”.
–
Mallarmé: sugerir é a palavra de ordem. Defendeu a rebeldia
sintático-semântica o hermetismo.
“Nomear
um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que consiste em ir
adivinhando pouco a pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse
mistério que constitui o símbolo: evocar pouco a pouco um objeto para mostrar
um estado de alma, ou inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado
de alma, através de uma série de adivinha”.
(Stéphane Mallarmé, poeta simbolista francês).
Gaugin: Impressionismo/ Simbolismo
O SIMBOLISMO NO BRASIL
É
um movimento paralelo ao Pré-Modernismo. Teve início em 1893 com a publicação
de Missal (poemas em prosa) e Broquéis (poesias), de Cruz e
Sousa. Projeta-se no século XX e se estende até a Semana de Arte Moderna em
1922.
Para
efeito de estudo, podemos pensar em limites cronológicos e não em confluências
de estilos.
SIMBOLISMO
INÍCIO – 1893
Missal (Cruz e Souza) Broqueis
De 1902 até 1922 podemos pensar no
Pré-Modernismo.
Agora,
saiba que a convivência, a confluência de estilos foram comuns na 2ª metade do
séc. XIX e início do séc. XX, ou seja, produções parnasianas, simbolistas,
pré-modernistas aconteceram paralelamente.
No
Brasil, o Simbolismo foi desprezado, considerado arte inferior quando
comparado ao poder do parnasianismo. Cruz e Souza só teve seu trabalho
consagrado no século XX, quando foi reconhecido como terceiro maior poeta
simbolista do mundo.
AUTORES
SIMBOLISTAS
Cruz e Sousa –
(1861 – 1898)
Admirável
evocador de sons e imagens. Nasceu em Desterro (hoje Florianópolis) e morreu na
cidade mineira de sítio em 1898. Ficou conhecido como O Dante Negro, O Cisne
Negro ou O Cavador do Infinito. Sofreu a dor de ser negro em função
do preconceito da época, chegou inclusive, a perder cargo importante – Promotor
em Laguma – por sua negritude. Acabou seus dias como miserável. Morre
tuberculoso aos 36 anos.
A
poesia de Cruz e Sousa segue uma linha humanístico-social, ou
seja, voltou-se para os problemas transcendentais do homem. Em sua poética, as
cores e os sons exibem o sofrimento humano. Ao aderir à volta da supremacia do
sujeito sobre o objeto, às tendências espiritualistas ou místicas, à relação do
homem com o sagrado, à integração da poesia com a vida cósmica sua arte, na
época, não teve força, pois além do preconceito por ser negro, havia ainda a
produção parnasiana que caiu no gosto da burguesia.
A
obra do Cisne Negro segue duas perspectivas: exibe os aspectos sombrios,
o gosto pelo noturno – herança romântica; e a preocupação formal, a
metrificação, o uso dos sonetos – herança parnasiana. Quanto à forma
preocupou-se também por dar valor absoluto a certos termos.
Dos
Realistas e Naturalistas, Sousa herda a formação filosófica, o uso de termos
científicos e uma visão de mundo marcada pelo pessimismo. Tudo isto ele funde
aos ideais simbolistas. o individualismo, os impulsos pessoais entram como
herança romântica. Não esqueça que o Simbolismo aprofundou a visão de mundo dos
românticos.
São
ainda situações comuns em sua obra:
A
concepção trágica da existência; o satanismo e as correspondências (herança de
Baudelaire); o gosto pelo noturno; a poesia filosófica e meditativa; o requinte
verbal, o tom oratório (a consciência do estético); gosto pelo transcendental
que provém do conflito eu X mundo; da ânsia de totalidade; um lirismo trágico,
fúnebre, mórbido (na poética de Evocações); o sensualismo reprimido (a angústia
sexual que o poeta vai sublimar, chegando, inclusive, ao platonismo); o prazer
da Dor (“Vê como a dor te transcendentaliza.”) e a angústia metafísica
(cosmogonia) fruto do mal-estar provocado pela análise do mundo materialista,
capitalista.
Este
último aspecto revela, no poeta, a dor de ser homem, saber-se impotente
(Faróis, Últimos Sonetos), a revolta contra a condição dos humilhados e
miseráveis como ele.
Obras:
Poesia:
Broquéis(1893), Faróis, Últimos Sonetos (1905).
Prosa:
Tropos e Fantasias (1885), Missal (1893); Evocações (1898).
OBS.:
Missal e Evocações são poemas em prosa.
Cruz
e Sousa revelou-se extremamente preocupado com a missão do poeta, com a
expressividade e construção do texto (aspectos estilísticos), por isso sua
habilidade levou-o a criar imagens que dizem da sua percepção trágica da vida,
da ânsia do Infinito, do culto à noite.
Mostrou-se
fortemente influenciado pela poesia
reflexiva, filosófica do poeta português Antero de Quental e pelas inovações do
poeta francês Baudelaire. Deste herdou a habilidade para trabalhar o poema
em prosa (prosa-poética), a consciência dos contrastes e a lei das
correspondências.
Dos
real-naturalistas nasceu o pessimismo, os “vocábulos científicos”, as
expressões fortes do seu lirismo mórbido, o cenário de horror que surge em Faróis e Evocações (poemas: Tristeza do Infinito, Música da Morte,
Caveira, O Emparedado, A Ironia dos Vermes): “E alucinado e em trevas
delirando, / como um ápio letal, vertiginando, / os meus nervos, letárgica,
fascina...” (música da morte).
Observe
que este cenário vai influenciar (mais tarde) a poética do escritor paraibano,
Augusto dos Anjos.
A
sublimação do prazer – inclusive físico – atinge o auge em sua obra Últimos Sonetos onde o poeta
revela-se ansioso pelo Infinito,
pelo Mistério.
Agora
faça suas leituras:
TEXTOS
CÁRCERE
DAS ALMAS
Ah!
Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando
nas trevas, entre as grades
Do
calabouço olhando imensidades,
Mares,
estrelas, tardes, natureza.
Tudo
se veste de uma igual grandeza
Quando
a alma entre grilhões as liberdades
Sonha
e sonhando, as imortalidades
Rasga
no etéreo Espaço da Purza.
Ó
almas presas, mudas e fechadas
Nas
prisões colossais e abandonadas,
Da
Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses
silêncios solitários, graves,
Que
chaveiro do Céu possui as chaves
Para
abrir-vos as portas do Mistério?!
VIDA
OBSCURA
Ninguém
sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser
humilde entre os humildes seres,
Embriagado,
tonto dos prazeres,
O
mundo para ti foi negro e duro.
Atravessante
no silêncio escuro
A vida
presa a trágicos deveres
E
chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te
mais simples e mais puro.
Ninguém
te viu o sentimento inquieto,
Magoado,
oculto e aterrador, secreto,
Que o
coração te apunhalou no mundo.
Mas eu
que sempre te segui os passos
Sei
que cruz infernal prendeu-te os braços
E o
teu suspiro como foi profundo!
O
ASSINALADO
Tu és
o louco da imortal loucura,
O
louco da loucura mais suprema,
A
terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te
nela a extrema Desventura.
Mas
essa mesma algema de amargura,
Mas
essa mesma Desventura extrema
Faz
com que tu’alma suplicando gema
E
rebente em estrelas de ternura.
Tu és
o Poeta, o grande Assinalado
Que
povoas o mundo despovoado,
De
belezas eternas, pouco a pouco,
Na
Natureza prodigiosa e rica
Toda a
audácia dos nervos justifica
Os
teus espasmos imortais de louco!
VIOLÕES
QUE CHORAM...
Ah!
plangentes violões dormentes, mornos,
Soluções
ao luar, choros ao vento...
Tristes
perfis, os mais vagos contornos,
Bocas
murmurejantes de lamento.
Noites
de além, remotas, que eu recordo,
Noites
da solidão, noites remotas
Que
nos azuis da fantasia bordo,
Vou
constelando de visões ignotas.
Sutis
palpitações à luz da lua,
Anseio
dos momentos mais saudosos,
Quando
lá choram na deserta rua
As
cordas vivas dos violões chorosos.
Quando
os sons dos violões vão soluçando,
Quando
os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão
dilacerando e deliciando,
Rasgando
as almas que nas sombras tremem.
(...)
Vozes
velada, veludas vozes,
Volúpias
dos violões, vozes veladas,
Vagam
nos velhos vórtices velozes
Dos
ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Que
esses violões nevoentos e tristonhos
São
ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para
onde vão, fatigadas no senhor,
Almas
que se abismaram no mistério.
ANTÍFONA
Ó
Formas alvas, brancas, Formas claras
De
luares, de neves, de neblinas!...
Ó
Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos
dos turíbulos das aras...
Formas
do Amor, constelarmente puras,
De
Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos
errantes, mádidas frescuras
E
dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis
músicas supremas,
Harmonias
da Cor e do Perfume..
Horas
do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem
do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões,
salmos e cânticos serenos,
Surdinas
de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências
de volúpicos venenos
Sutis
e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos
espíritos dispersos,
Inefáveis,
edênicos, aéreos,
Fecundai
o Mistério destes versos
Com a
chama ideal de todos os mistérios.
Do
Sonho as mais azuis diafaneidades
Que
fuljam, que na Estrofe se levantem
E as
emoções, todas as castidades
Da
alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o
pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde
e inflame a rima clara e ardente...
Que
brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente,
luminosamente.3
Forças
originais, essência, graça
De
carnes de mulher, delicadezas...
Todo
esse eflúbio que por ondas passa
Do
Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais
diluídos de clarões álacres,
Desejos,
vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas
vitórias, triunfamentos acres,
Os
mais estranhos estremecimentos...
Flores
negras do tédio e flores vagas
De
amor vãos, tantálicos, doentos...
Fundas
vermelhidões de velhas chagas
Em
sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo!
vivo e nervoso e quente e forte,
Nos
turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe,
cantando, ante o perfil medonho
E o
tropel cabalístico da Morte...
CAVADOR DO
INFINITO
Com a
lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe
aos mundos mais imponderáveis,
Vai
abafando as queixas implacáveis,
Da
alma o profundo e soluçado grito.
Ânsias,
Desejos, tudo a fogo escrito
Sente,
em redor, nos astros inefáveis.
Cava
nas fundas eras insondáveis
O
cavador do trágico Infinito.
E
quanto mais pelo Infinito cava
Mais o
Infinito se transforma em lava
E o
cavador se perde nas distâncias...
Alto
levanta a lâmpada do Sonho
E com
seu vulto pálido e tristonho
Cava
os abismos das eternas ânsias!
ACROBATA
DA DOR
Gargalha,
ri, num riso de tormenta,
como
um palhaço, que desengonçado.
nervoso,
ri, num riso absurdo, inflado
de
uma ironia e de uma dor violenta.
Da
gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita
os guizos, e convulsionado
Salta,
gavroche, salta clown, varado
pelo
estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te
bis e um bis não se despreza!
Vamos!
Reteza os músculos, reteza
nessas
macabras piruetas d’aço...
E
embora caias sobre o chão, fremente,
afogado
em teu sangue estuoso e quente,
ri!
Coração, tristíssimo palhaço.
Visão
da Morte
“Olhos
voltados para mim e abertos
Os
braços brancos, os nervosos braços,
Vens
d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos,
intérminos, desertos...”
Mulheres
“Amar
e gozar as nebulosas mulheres, mergulhar, engolfar a alma infinitamente,
inefavelmente, em repouso, como num harmonioso luar, sem sobressaltos e
ansiedades, na alma enevoada que elas ocultam sempre, só é dado às naturezas
vulgares, que amam com a carne, que amam com o sangue apenas, no ímpeto brutal
de todos os instintos...”
(Fragmento de Missal)
·
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
(1870-1921 – MG)
O poeta mais católico
da Literatura Brasileira
(O Solitário de
Mariana: O Amor, A morte, O Misticismo).
A Prima Constança – seu
grande amor. Vista como Santa ou Anjo.
Católico Mariano
devoto.
Sofre influência do
ambiente barroco e decadente das cidades de Minas Gerais.
Características
da poética de Alphonsus de Guimaraens:
·
Boa parte de sua produção tem
por temática o amor e a morte (a morte da mulher amada vista como algo
insuperável). A prima Constança (morta) é identificada com a Virgem Maria (=
“platonismo místico” e Lirismo amoroso idealista).
·
O tom de sua poesia é triste
(verso plangente) - TOM ELEGÍACO.
·
Misticismo (maior poeta
místico da Literatura Brasileira) Religiosidade bastante formal).
·
Vocabulário remete à cor
branca.
·
Musicalidade.
·
O tema da morte como
experiência estética. (herança da literatura gótica, macabra dos
ultra-românticos).
*
Medievalismo (uso de redondilhas de riqueza melódica); usou também versos
decassílabos.
·
Obsessão pela Morte (=
possibilidade de encontrar a amada e/ou de atingir o Absoluto).
·
ATMOSFERA de sonho e Mistério.
·
Sofre influências árcades e
renascentista quanto à forma, porém não cai no rigor parnasiano.
·
Atmosfera mística e litúrgica
devido às referências à morte: esquife, cores roxa e negra, mãos de finada etc
TEXTOS
ISMÁLIA
“Quando
Ismália enlouqueceu,
Pôs-se
na torre a sonhar...
Viu
uma lua no céu,
Viu
outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E,
no desvario seu,
Na
torre pôs-se a cantar...
Estava
perto do céu,
Estava
longe do mar...
E como anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar....
As
asas que Deus lhe deu
Ruflaram
de par em par
Sua
alma subiu ao céu.
Seu
corpo desceu ao mar...”
A
CATEDRAL
“Entre
brumas ao longe surge a aurora,
O
hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza
o arrebol.
A
catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece
na paz do céu risonho
Toda
branca de sol.
E o
sino canta em lúgubres responsoso:.
“Pobre
Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
O
astro glorioso segue a eterna estrada.
Um
áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente
raio de luz.
A
catedral ebúmea do meu sonho,
Onde
os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe
a benção de Jesus.
(...)
Por
entre lírios e lilases desce
A
tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se
a lua a rezar.
A
catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece
na paz do céu tristonho
Toda
branca de luar.
E o
sino chora em lúgubres responsos
“Pobre
Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
(...)
Hão de chorar por
Elas os Cinamomos
Hão
de chorar por elas os cinamomos,
Murchando
as flores ao tombar do dia
Dos
laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se
daquela que os colhia.
As
estrelas dirão: - “Aí, nada somos,
Pois
ela se morreu silente e fria...”
E
pondo os olhos nela como pomos,
Hão
de chorar a irmã que lhes sorria.
A
lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que
a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre
lírios e pétalas de rosa.
Os
meus sonhos de amor serão defuntos...
E
os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando
em mim – “Por que não vieram juntos?”
Obras
POESIAS
·
Kiriale (publicado somente em
1902).
·
Setenário das Dores de Nossa
Senhora 91899).
·
Câmara Ardente (1899).
·
Dona mística (1899).
·
Pauvre Lire (1921).
·
Pastoral aos Crentes do Amor e
da Morte (1923).
·
A Escada de Jacó (1938).
·
Pulvis (1938).
PROSA:
Os Mendigos (1920).
TRADUÇÃO:
Nova Primavera.
PRÉ-MODERNISMO
A
LITERATURA PROBLEMATIZADORA
DA
REALIDADE (1902 – 1922)
Não
podemos falar em um estilo literário propriamente dito, mas em uma fase de
transição, preparação para um estilo revolucionário (= MODERNISMO).
O
Pré-Modernismo vai de 1902 com a publicação de Canaã, de Graça Aranha e de Os Sertões, de Euclides da Cunha até 1922, ano da realização da
Semana de Arte Moderna.
Podemos
falar, neste momento, em confluências de estilos (e nunca em sucessão) pois
conviveram o Real-Naturalismo (e a prosa regionalista), o Parnasianismo, o
Simbolismo e o Pré-Modernismo. Vivia-se, nos primeiros anos do século XX, a
“belle époque brasileira”, um mundo cor-de-rosa: importava-se a última moda de
Paris. Ao mesmo tempo em que isso acontecia, apareciam escritores preocupados
em denunciar a miséria. Outros insistiam ainda nos padrões estéticos do
Parnasianismo, nunca arte conservadora, na linguagem acadêmica. Aponta-se para
a existência de duas tendências literárias neste período: a tendência
conservadora (em que predomina a mentalidade positivista da época) e a tendência
renovadora (uma literatura progressista, que destacou as nossas carências
sociais, políticas e culturais – inovadora do ponto de vista do conteúdo
apenas.)
Da
tendência renovadora fizeram parte escritores como Euclides da Cunha, Lima
Barreto, Monteiro Lobato, os mais ardentes representantes das perspectivas
nacionalistas.
O
período histórico que percebeu a Semana de Arte Moderna (1922) teve significado
artístico e não apenas um registro histórico, pelo surgimento de uma literatura
social mais problematizadora, sem o
mecanicismo das correntes artísticas do Realismo-Naturalismo. Foi uma tendência
mais autenticamente nacional, voltada para os problemas concretos do país, sem
a idealização das fórmulas europeias importadas. Os Sertões, de Euclides da
Cunha, constituiu-se em uma das realizações iniciais desse projeto artístico
(...).
O
nacionalismo pré-modernista teve Graça Aranha como seu ponto de partida. Seu
romance Canaã focalizou a imigração europeia (alemã) e procurou defender a
viabilidade do Brasil como país independente. Esse nacionalismo ganhou
consistência através da reflexão crítica sobre a situação social. Em Os
Sertões, de Euclides da Cunha, o sertanejo já era visto com suas carências.
(...) O caráter nacional e social também apareceu em Monteiro Lobato, que
aproximou, em sua obra, a perspectiva racional dos escritores realistas do
século XIX da literatura social da década de 1930. Com Lima Barreto, o
nacionalismo foi visto em função das camadas proletárias do Rio de Janeiro.
ABDALA
JR., Benjamin & CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da literatura
brasileira. São Paulo, ÁTICA, 1988.
CONTEXTO
HISTÓRICO – POLÍTICO – SOCIAL
Vários fatores do ponto de vista
histórico alteraram a visão de mundo dos escritores e os levaram a refletir sobre a rigidez positivista
do SEGUNDO OITOCENTOS:
As contradições do momento se prolongam
com a Revolução de Canudos na BA (1896 – 1897); o fenômeno do Cangaço,
proveniente da decadência da economia dos engenhos; cresce o fanatismo
religioso cujo início se deu com o padre Cícero, no Ceará; no Rio de Janeiro
surgem algumas revoltas: a revolta contra a vacina obrigatória, a Revolta da
Chibata (1910), a Revolta da Armada, oposição ao governo de Floriano Peixoto, o
Marechal de Ferro; acontecem as greves de operários em função de péssimas
condições de trabalho; intensifica-se a imigração no Brasil (mão de obra
imigrante), os camponeses enfrentam tropas do governo em Santa Catarina na
guerra do Contestado; instala-se a república café com leite (no poder
oligarquias rurais de São Paulo e de Minas Gerais). É por tudo isso que cresce
o interesse pela realidade brasileira.
Características do
Pré-Modernismo
·
Tendências opostas em coexistência
As
novidades injetadas na literatura nacional convive com o academicismo e o neoparnasianismo.
A linguagem sem finalidade de denúncia divide espaço com a linguagem da
crítica, da exibição das mazelas sociais.
·
Perspectivas nacionalistas e renovação
De
um lado, persistia o nacionalismo ufanista, conservador; do outro, um nacionalismo
crítico, consciente. Este nacionalismo aparece nas páginas de Os
Sertões, de Euclides da Cunha quando este denuncia o massacre em
Canudos; na busca de uma linguagem mais simples e coloquial de prosa de Lima
Barreto ao exibir os subúrbios cariocas e os políticos tiranos; na denúncia
da miséria do caboclo do Vale do Paraíba feita por Monteiro Lobato.
·
A construção de uma poesia de estranhamento,
uma poesia “antilírica”.
Augusto
dos Anjos rompe com a poesia acadêmica, dessacraliza-a, mistura os estilos, faz
uso de vocabulários “antilíricos”.
·
A Paisagem Brasileira e o homem regional
O
sentimento da terra e do homem sertanejo vêm à tona, surge a pesquisa da
região.
AUTORES
·
JOSÉ PEREIRA DA GRAÇA ARANHA (1868
– MA, 1931 – RJ)
Proferiu
conferência de abertura da Semana de Arte Moderna – A FUNDAÇÃO ESTÉTICA
DA ARTE MODERNA – Tinha um espírito renovador no sentido de superar a herança
positivista ainda reinante em sua
época. Tentou compreender a metafísica Brasileira, o que
realmente definiria a formação do nosso povo. Para ele a formação do povo
brasileiro está na miscigenação das raças, fonte da harmonia universal. Este
tema aparece em Canaã, sua obra mais conhecida, cujo objetivo é falar da
integração cósmica do indivíduo com a realidade brasileira. Idealismo e
Realidade se fundem quando fala dos imigrantes, da miscigenação. Graça Aranha
foi um dos primeiros escritores a falar da migração alemã no Brasil e a
defender uma posição estética mais moderna (embora sua retórica o remetesse aos
modelos do séc. XIX).
Obras: Canaã
(ROMANCE); O Espírito Moderno (Ensaio e Conferência); A Estética da vida
(Filosofia); A Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco
(Comentários); Malazarte (Teatro).
Na obra Canaã, inverte na linha
experimental de tese e situa o enredo em Porto do Cachoeiro, Espírito Santo.
“A ação gira em torno de Milkau e
Lentz, dois imigrantes alemães, que escolheram o Brasil como segunda pátria.
Milkau se volta para a defesa do país que encara de modo idealista. Lentz, ao
contrário, é racista e preconceituoso, acredita na supremacia dos povos arianos
sobre os mestiços, tem ideias colonianistas. Milkau defende a integração do
imigrante na realidade brasileira.”
|
Euclides da Cunha
(1866 – 1909)
“Repensou o interior do país, afastando-se completamente do
ufanismo oficial.”
Obras: Os Sertões (1902);
Contrastes e Confrontos (10907); À margem da História (1909).
Os
Sertões (Obra-prima)
Euclides
como jornalista de O Estado de São Paulo foi enviado ao sertão da Bahia
para fazer a cobertura sobre a guerra de Canudos. Como jornalista, engenheiro,
ex-militar, positivista e republicano convicto pensava que os miscigenados
caboclos do sul da Bahia eram apenas fanáticos religiosos (focos monarquistas
no sertão) seguidores do líder religioso Antônio Conselheiro. Os fatos se
encarregaram de mudar seu ponto de vista “ao perceber que os verdadeiros
selvagens trajavam farda.” A forma, a miséria, a falta de educação, o descaso
das autoridades, o isolamento da população, o atraso cultural, o problema do
latifúndio foram alguns dos aspectos percebidos, aos poucos, por Euclides da
Cunha. Cinco anos após a guerra, publica Os Sertões, “obra que narra e
analisa os acontecimentos de Canudos à luz das teorias científicas da época. O
país, a região, a geografia, a cultura vêm à tona num verdadeiro misto de SOCIOLOGIA
e FICÇÃO. Os Sertões funcionam como denúncia da violência.
A
obra está dividida em três partes: A
Terra, O Homem, A Luta, reflexo da teoria determinista: O homem é produto do
meio, da raça e do momento histórico. Trata-se de um relato sobre a guerra de
Canudos. Quatro expedições são mandadas ao interior da Bahia, três fracassaram,
só a última destruiu o arraial de Canudos.
Na
primeira parte – A TERRA -, Euclides descreve o espaço
geográfico com rigor científico; na segunda parte – O Homem -, descreve
os costumes e as pessoas da região. Enfatiza a figura de Antônio Conselheiro e
descreve o sertanejo (“O Sertanejo é antes de tudo um forte...”). Exibe o
mestiço como caso típico de hibridismo racial e a miscigenação como responsável
pelo enfraquecimento da espécie; na terceira parte – A LUTA – destaca os
ataques do Exército.
Não
podemos analisar a Guerra de Canudos pelo prisma do messianismo, mas
principalmente do ponto de vista do problema agrário (Camponeses x
Latifúndios), de uma cultura, do ponto de vista histórico, atrasada (isolamento
cultural).
Para
a maioria dos críticos Os Sertões é um misto de romance, relato
histórico, reportagem jornalística. Enfim, um aviso à consciência dos
brasileiros.
Quanto
ao estilo de Euclides da Cunha, tem-se adjetivação farta para denunciar a
miséria e o subdesenvolvimento; linguagem que se caracteriza pelo hermetismo e
cientificismo – barroco científico. Joga com antíteses e paradoxos e o
sertanejo surge como Hércules – Quasímolo. A linguagem do autor é precisa e
erudita. Verdadeiro ensaio sociológico sobre um fato – A Guerra dos Canudos.
Seu
estilo é pomposo e oratório. Este livro é “de extraordinária riqueza de
pensamento e expressão.”
O
Sertanejo
Cap.
III (O Homem)
O
sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral.
A
sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário.
Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das
organizações atléticas.
É
desgracioso desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e
sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura
normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de
humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao
primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para
tocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos,
descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não
traça trajetória retilínea e firme.
Antônio
Conselheiro
(Cap. IV)
É
natural que estas camadas profundas da nossa estratificação étnica se
sublevassem numa anticlinal extraordinária – Antônio Conselheiro...
A
imagem é corretíssima.
Da
mesma forma que o geólogo interpretando a inclinação e a orientação dos
estratos truncados de antigas formações esboça o perfil de uma montanha
extinta, o historiador só pode avaliar a altitude daquele homem, que por si
nada vale, considerando a psicologia da sociedade que o criou. Isolado, ele se
perde na turba dos nevróticos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade
qualquer de psicose progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É uma
diátese, e é uma síntese. (...)
É
difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências pessoais e as
tendências coletivas; a vida resumida do homem é um capítulo instantânea da
vida de sua sociedade.
Acompanhar
a primeira é seguir paralelamente e com mais rapidez a segunda; acompanhá-las
juntas é observar a mais completa mutualidade de influxos.
Embaixada
ao Céu
A Luta
– cap. III
Falecera
a 22 de setembro Antônio Conselheiro.
Ao
ver tombarem as igrejas, arrombado o santuário, santos feitos em estilhas,
altares caídos, relíquias sacudidas no encaliçamento das paredes e –
alucinadora visão! – o Bom Jesus repentinamente a apear-se do altar-mor,
baqueando sinistramente em terra, despedaçado por uma granada, o seu organismo
combalido dobrou-se ferido de emoções violentas. Começou a morrer. Requintou na
abstinência costumeira, levando-a a absoluto jejum. E imobilizou-se certo dia
de bruços, a fronte colada à terra, dentro do templo em ruínas.
· AFONSO HENRIQUE DE LIMA BARRETO (1881
–1922 – RJ)
Fez um registro da vida urbana, dos subúrbios
cariocas do começo do século. Teve aguda percepção dos contrastes sociais.
Filho de mestiços. Perdeu a mãe cedo. O pai foi demitido do emprego de
tipógrafo e Lima viu-se obrigado a ajudá-lo.
Conseguiu apenas completar o curso secundário, teve que trabalhar para
sustentar o pai. Seu pai enlouqueceu e é recolhido à Colônia. Lima Barreto
trabalhou na Secretaria de Guerra e colaborou na imprensa. Sentiu de perto as
injustiças e o preconceito, fato que o levou a constantes crises de depressão,
tendo inclusive de internar-se por duas vezes.
Leu,
como alguém apaixonado, a literatura de ficção europeia do séc. XIX, dos
escritores realistas como Dostoiévski, Tolstoi e preocupou-se em
construir uma literatura social, comprometida com o seu tempo, com os
humilhados e ofendidos deste país, uma literatura de sátira contra a burguesia,
as falsas aparências, o protecionismo
Lima
Barreto foi desprezado pela crítica literária de seu tempo por não usar de uma
linguagem cuidada, de um estilo bem traçado. Foi tido como escritor desleixado
fato que nunca o preocupou. Queria mesmo era demolir a hipocrisia, pôr em
relevo as mazelas do nosso país.
No
que diz respeito ao estilo, Lima Barreto repudiou a retórica bacharelesca e
Parnasiana. Sua linguagem é simples (chega ao descuido intencional) e se
aproxima do coloquial, porém é sóbrio. Esta linguagem serviu para retratar o
povo (funcionários públicos, aposentados, operários, tocadores de violão, etc.).
Pôs em relevo momentos históricos e costumes sociais, usou expressões
populares, embora com narrador e narração no campo tradicional. Agora “sem
saber, esse pobre mulato dos subúrbios antecipava em seus textos a moderna
atitude do narrador que se recusa a ver o mundo de cima, a salvo das
ameaças...”
Sempre
se manteve fiel ao cotidiano, mostrou os bairros pobres e os oprimidos; os
problemas sociais. Denunciou políticos incompetentes, militares e poderosos (=
nacionalismo crítico). Pôs em destaque a existência de protecionismos e do
preconceito de cor. Usou, para expor tudo isso, da sátira, da ironia e da
caricatura. Problematizou a realidade nacional usando de linguagem jornalística
e até panfletária – preocupou-se demais com o conteúdo. Recebeu críticas quanto
ao mau gosto, incorreção gramatical, vícios de linguagem justificados pelo uso
que soube fazer das várias linguagens para a comunicação militante.
Lima
Barreto falou do jogo de bicho, do cinema, do futebol, dos arranha-céus. Chegou
a preferir o regime monárquico ao republicano (em função da análise que fez da
República – que não era a dos sonhos. Sentiu repugnância às oligarquias). Teve
aguda percepção dos contrastes sociais.
SUA
OBRA:
Romance:
·
Recordações
do Escrivão Isaías Caminha (1909)
·
Triste
Fim de Policarpo Quaresma (1915)
·
Numa e
Ninfa (1915)
·
Vida e
Morte de M. J. Gonzaga e Sá (1919)
·
Clara
dos Anjos (1948)
·
Crítica Literária: Impressões de Leitura.
Conto:
·
Histórias
e Sonhos (1956)
·
Sátira Política e Literária: Os Bruzundangas e Coisas do Reino de Jambon (1956)
·
Crônicas e Memórias:
Diário Íntimo e Cemitério dos Vivos (1956).
Algumas
Obras
·
Em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá foge
dos padrões narrativos tradicionais. É espécie de crônica da paisagem física e
humana do Rio de Janeiro. Protagonista: O burocrata Gonzaga de Sã, narrador
Augusto Machado. O narrador é mordaz ao falar dos falsos intelectuais, da
Abolição, da República, da burocracia, do péssimo trabalho da imprensa.
·
AS RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA
A
narração se dá em 1ª pessoa. O
protagonista é o mulato Isaías Caminha, jovem cheio de sonhos que deixa o
interior e vai tentar a vida de bacharel no Rio de Janeiro. Sofre
discriminações devido à sua origem humilde e a sua cor. As ilusões vão morrendo
aos poucos.
·
TRISTE
FIM DE POLICARPO QUARESMA
(Narrativa
em 3ª pessoa). Protagonista: O Major Quaresma, o Dom Quixote brasileiro.
Quaresma
destaca-se por seu amor à pátria, por seu esforço ingênuo pela salvação do
país. Nacionalismo ufanista tão exagerado que chega a propor o tupi-guarani
como língua oficial. Faz tudo para conseguir o progresso da nação. Quando
acontece a Revolta da Armada, alista-se entre os voluntários que estavam a
serviço de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Decepciona-se com o líder da
nação.
Sai
do estado de alienação ufanista para a consciência sobre o Brasil e os
dirigentes desta nação. É neste ponto que surge o que há de mais importante
nesta obra: a construção da identidade nacional sem o idealismo dos românticos.
O projeto de brasilidade não pode ser construído longe da realidade.
O
1º projeto de Quaresma foi buscar a identidade nacional tentando reviver a
cultura indígena, nossa herança étnica – fracassa. (Quaresma na repartição).
O
2º projeto, para construção da identidade, é agrícola – também fracassa por
fatores naturais (as pragas, as saúvas) e por questões políticas. (Quaresma na
fazenda sossego).
Sua
3ª investida ocorre no campo político. Pensando na República (de forma
idealizada), entra em choque ao descobrir as intenções de Floriano Peixoto (representante
do poder político). (Quaresma alista-se ao exército de Floriano).
Atropelado
por tudo que sonhou, decepciona-se, lamenta, chega, finalmente, a consciência:
“E
quando o patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava
a doçura de nossa gente? (...) Pois não a via matar prisioneiros inúmeros?”
Quaresma
de visionário, sonhador chega à decepção “A pátria que quisera ter era um
mito!”
Ao
defender os presos, a fim de que não fossem fuzilados, provocada a ira de
Floriano Peixoto que ordena que Quaresma seja morto. Quaresma é assim fuzilado
injustamente pela ordem arbitrária que ajudou a defender.
Este
romance também destaca militares medíocres e sem vocação tais como: O
general Albernaz que só se preocupava com o casamento da filha Ismênia como
o doutor Cavalcante; o contra-almirante Caldas que sempre inventava
doenças para não participar da guerra, mas recebia as medalhas, o major
Bustamente, só queria saber de sua aposentadoria.
Outros
personagens: o violeiro Ricardo Coração dos Outros, a afilhada de Quaresma,
Olga Coleoni, Ismênia.
·
MONTEIRO LOBATO (1882,
Taubaté –1948, São Paulo)
Nacionalista convicto,
defensor dos interesses brasileiros. Escreveu histórias para crianças – maior
escritor brasileiro do gênero.
Defendeu a economia e os
interesses brasileiros, falou sobre o monopólio internacional que tivera o
direito de explorar nossas próprias riquezas. Estimulou
a
campanha “O Petróleo é Nosso”.
Fundou a Companhia Petróleos do Brasil.
Participou da Campanha do Ferro.
Condenou
o nativismo e o ufanismo românticos, a idealização a ingenuidade.
Almeida Júnior: “Caipira picando fumo”. Tipo
retratado por Lobato.
Algumas
Obras
Urupês,
Cidades Mortas e Negrinha (Contos)
Evidenciam
o Regionalismo de Lobato.
Ironizou
o caipira na figura dos “jecas-tatus” = símbolo dos caboclos (preguiçosos,
subnutridos, doentios – brasileiro não idealizado). Simboliza o atraso, a
ignorância do homem rural paulista.
Em
Cidades Mortas exibe as
cidades decadentes do Vale do Paraíba.
Da
Narrativa
·
Coloquialismo – Apóia-se na
narrativa oral.
·
Intenção didática,
moralizante: faz denúncias, ironiza.
·
Não aprofunda os dramas
morais.
·
Narrador segue o modelo
tradicional / convencional.
·
Estilo moderno e antimoderno.
Jeca-Tatu é na
verdade, símbolos das desigualdades sociais. Os Jecas... Os Josés... Os
Severinos. O que Lobato condena, a partir da figura do Jeca-Tatu é o
“caboclismo”, ou seja, a reedição do indianismo romântico.
Estilo
·
Convencional, apesar do
coloquialismo.
·
Não investe na psicologia dos
personagens.
Fica
na superfície dos personagens e dos fatos (aproxima-se do Naturalismo).
Nota:
Lobato
ficou muito conhecido por seu artigo
PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO? Em que criticou as técnicas inovadoras
(expressionismo) de Anita Malfatti, publicado no jornal O Estado de São
Paulo, em 20 de dezembro de 1917.
·
AUGUSTO DOS ANJOS - (1884–1914) – A Cosmogonia –
Paraibano.
Obra: Eu (1912). Eu e
outras poesias (1919)
Formou-se em Direito, contudo não exerceu a
profissão. Foi professor de Literatura. Faleceu de pneumonia aos 30 anos de
idade.
Augusto dos Anjos é um caso atípico na
poesia brasileira foi desprezado pela crítica e acusado de mórbido e vulgar,
entretanto sua poesia, hoje, é bastante popular. Seu trabalho apresenta
características naturalistas – pelo cientificismo, parnasianas
pelo rigor formal; simbolistas – pela angústia existencial, virulência
pessimista, e modernista pela irreverência do vocabulário, pela
proximidade da linguagem da poesia à linguagem da prosa. Revolucionou o conceito
de linguagem literária, de lirismo, enfim da própria poesia. O “apoético” se
converte em poesia. Dessacraliza a poesia.
Aderiu ao Evolucionismo de Darwin e creu
na fatalidade que arrasta o corpo à decomposição. Funde tudo à visão cósmica.
Recursos
expressivos: hipérboles, paradoxos, efeitos sonoros aliterações, deformação de
imagens (expressionismo) – próximas ao grotesco e à caricatura.
Para
destacar o horror perante a existência usou
de termos técnicos e do pesado vocabulário científico o que aproximou a
poesia da prosa.
TEXTOS
Versos Íntimos
Vês!
Ninguém assistiu ao formidável
Enterro
da tua última quimera.
Somente
a ingratidão – essa pantera –
Foi
tua companheira inseparável!
Acostuma-te
à lama que te espera!
O
homem, que, nesta terra miserável,
Mora,
entre feras, sente inevitável
Necessidade
de também ser fera.
Toma
um fósforo, acende teu cigarro!
O
beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão
que afaga é a mesma que apedreja.
Se a
alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja
essa mão vil que te afaga,
Escarra
nesta boca que te beija!
Vandalismo
Meu
coração tem catedrais imensas,
Templos
de priscas e longínquas datas,
Onde
um nume de amor, em serenatas,
Canta
a aleluia virginal das crenças
Na
ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem
lustrais irradiações intensas
Cintilações
de lâmpadas suspensas
E as
ametistas e os florões e as pratas.
Com os
velhos templários medievais
Entrei
um dia nessas catedrais
E
nesses templos claros e risonhos...
E
erguendo os gládios e brandindo as hastes
No
desespero dos iconoclastas
Quebrei
a imagem dos meus próprios sonhos.
Psicologia
da Composição
Eu,
filho do carbono e do amoníaco,
Monstro
de escuridão e rutilância,
Sofro,
desde a epigênesis da infância,
A
influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente
hipocondríaco,
Este
ambiente me causa repugnância...
Sobe-me
à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se
escapa da boca de um cardíaco.
Já o
verme-este operário das ruínas –
Que o
sangue podre das carnificnas
Com, e
à vida em geral declara guerra,
Anda a
espreitar meus olhos para roê-los,
E há
de deixar-me apenas os cabelos
Na
frialdade inorgânica da terra!
O Morcego
Meia-noite.
Ao meu quarto me recolho.
Meu
Deus! E este morcego! E agora, vede:
Na
bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me
a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou
mandar levantar outra parede...”
-
Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E
olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente
sobre a minha rede!
Pego
de um pau. Esforços faço.
Chego
a tocá-lo.
Minh’alma
se concentra
Que
ventre produziu tão feio parto?!
A
Consciência Humana é este morcego!
Por
mais que a gente faça, à noite, ela entra
Imperceptivelmente
em nosso quarto!
Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura... corte
Minha
singularíssima pessoa.
Que
importa a mim que a bicharia roa
Todo o
meu coração, depois da morte?!
Ah! Um
urubu pousou na minha sorte!
Também,
das diatomáceas da lagoa
A
criptógama cápsula se esbroa
Ao
contato de bronca destra forte!
Dissolva-se,
portanto, minha vida
Igualmente
a uma célula caída
Na
aberração de um óvulo infecundo;
Mas o
agregado abstrato das saudades
Fique
batendo nas perpétuas grades
Do
último verso que eu fizer no mundo!
Introdução
ao Movimento Modernista
As Vanguardas europeias e o Movimento Modernista
O
início do século XX, na Europa, se caracterizou pela agitação, por momentos de
guerra, pela ambição imperialista da burguesia, pela violência, pela perda dos
valores mais humanos. Esse quadro tem como saldo a insatisfação, a
instabilidade já existentes desde os fins do século XX quando do rompimento com
os valores do cientificismo oitocentistas ineficaz para solucionar os
problemas do homem.
1
A
vida estava impregnada pela falta de sentido. Tudo parecia ultrapassado,
inclusive a linguagem. Buscam-se novas formas de expressão. A ousadia se da
tanto na forma quanto no conteúdo bem como na valorização do inconsciente:
Noturno
O
mar soprava sinos
os
sinos secavam as flores
as
flores eram cabeças de santos.
Minha
memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
meus
pesadelos atrasados de muitas noites.
De
madrugada, meus pensamentos soltos
voaram
como telegrama
e
nas janelas acesas toda a noite
o
retrato da morta
fez
esforços desesperados para fugir.
(João Cabral de Melo Neto)
Antipassadismo
cultural e liberdade para criar são os princípios da arte
moderna. Era o fim dos modelos e da ideologia real-naturalista reinantes na
época. Triunfam o ilogismo, a subjetividade. Tudo isso ocorre a partir das VANGUARDAS
EUROPEIAS. (Vanguarda = avant-garde).
Foi
com o movimento das Vanguardas Europeias que o modernismo teve sua
origem. As palavras de ordem passam a ser liberdade de expressão, gosto pela
pesquisa estética, renovação que se deu a pintura, na música, na escultura, na
arquitetura, na literatura.
As Vanguardas
O
FUTURISMO – Em 1909 - Marinetti
“– Nós
queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade”.
“– Os
elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta”.
“–
Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o
sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo
ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco”.
“– Nós
queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo, - o militarismo, o
patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o
menosprezo à mulher”.
“– Nós
queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e
todas as covardias oportunistas e utilitárias”.
“–
Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados... Nosso coração não tem a menor fadiga.
Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!... Isso o
espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido”.
Os
futuristas (1909 – 1916- Itália) exibiram o mundo moderno: o automóvel e a era
da velocidade; o cinema; as máquinas, o progresso material. Tudo isto gerou
também a luta pelo poder. As grandes potências se digladiam e o resultado: as
guerras, o nazismo, o fascismo, o comunismo a transformar o mundo.
Na
literatura, propõe-se a destruição da sintaxe, dispondo também os substantivos
ao acaso, como nascem”. Despreza-se o adjetivo, o advérbio, a pontuação.
Usam-se símbolos matemáticos e musicais.
Os
principais modernistas repudiaram o Futurismo pela adesão de seu líder
(Marinetti) ao fascismo. Aceitaram apenas as inovações artísticas e não a
postura política. (“Não sou futurista de Marinetti. Disse e repito-o.Tenho
pontos de contato com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista,
errou.”) – Mário de Andrade em Pauliceia Desvairada.
Tem-se,
enfim, a exaltação da vida moderna, da máquina, da eletricidade, do
automóvel... (pinturas cheias de movimento, dinamismo e força).
Ode ao
burguês
Acompanhe
a leitura de trechos deste poema – manifesto futurista.
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro,
italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
(...)
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
(...)
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
(ANDRADE, Máriode. Poesias completas.
São Paulo, Martins, 1966.)
O EXPRESSIONISMO (1910 – Alemanha) –
exibiu as emoções e o mundo interior do homem fazendo uso de distorções violentas,
cores fortes, traços exagerados, caricaturas.
Na
pintura: Munch – O grito (a dor insuportável do ser, a solidão.)
Na
literatura brasileira temos manifestações expressionistas de forma marcante na
poesia de Augusto dos Anjos (Pré-modernismo, 1912).
8
o Cubismo 1907 França A pintura não tem um ângulo de
representação apenas e sim vários e
sobrepostos de forma geométrica. Picasso foi seu maior representante.
A
grande preocupação do expressionismo não foi com o belo nem com o feio, mas com
a expressão do mundo segundo a perspectiva do artista.
Na
literatura, com influência cubista, valoriza-se a aproximação das várias
manifestações artísticas (pintura – música – escultura – literatura).
Valoriza-se
o espaço em branco e em preto da folha de papel e da impressão tipográfica.
Esses processos influenciaram o escritor Oswald de Andrade na década de vinte e
serviram de base, mais tarde, para o movimento Concretista.
Tem-se
na literatura, neste momento, a defesa das “PALAVRAS DISPOSTAS AO ACASO”, “INVENÇÃO
DE PALAVRAS (neologismos), “DESTRUIÇÃO DA SINTAXE” (Appolinaire). Os
substantivos ficam soltos, jogados; os verbos são quase abolidos.
Na
poesia, observa-se também a técnica das colagens, o aproveitamento de outros
materiais, a PLASTICIDADE (os cinco sentidos). Os poemas são lidos e vistos.
Valoriza-se a fonocinematrogafia, isto é, a sonoridade, o movimento, o
aproveitamento do espaço tipográfico, o mecanismo de construção do texto.
Predominam,
no texto, o humor, a linguagem nominal, o ilogismo, a sobreposição de imagens,
a fragmentação da realidade.
Leia:
“Papai
estava doente na cama e vinha um carro e um homem e o carro ficava esperando no
jardim. Levaram-me para uma casa velha fazia doces e nos mudamos para a sala do
quintal onde tinha uma figueira na janela.
No
desabar do jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do
Anjo que carregou meu pai.” (Memórias Sentimentais de João Miramar – Oswald de
Andrade)
O
DADAÍSMO (1916) – O momento de guerra favorece o surgimento do mais radical
movimento de vanguarda. Nega-se tudo: presente, passado, futuro.
Dada
não significa nada, nada faz sentido quando o contexto é de guerra. O mais
relevante e inventar palavras pela sonoridade. O que importa é a raiva, o grito
contra o CAPITALISMO BURGUÊS e o mundo em guerra. Inventam-se palavras com base
na exploração do significante.
“Que
cada homem grite: há um grande trabalho destrutivo, negativo a
executar...”(Tristan Tzara)
Para
fazer um poema dadaísta
“Pegue um jornal
Pegue
a tesoura.
Escolha
no jornal um artigo do tamanho que você
deseja
dar a seu poema.
Recorte
o artigo
Recorte
em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num
saco.
Agite
suavemente.
Tire
em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie
conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O
poema se parecerá com você.
E
ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda
que incompreendida do público.”
(Tristan Tzara)
O
QUE SIGNIFICA DADÁ?
Segundo
Tristan Tzara, o líder dadaísta, a palavra dada não significa nada:
Encontrei
o nome casualmente ao meter uma espátula num tomo fechado do Petit Larousse e
lendo logo, ao abrir-se o livro, a primeira linha que me saltou à vista: DADÁ.
Eis,
também, um fragmento do Manifesto do Senhor Antipirina, a primeira exposição
pública do pensamento dadaísta:
Dada
permanece no quadro europeu das fraquezas, no fundo é tudo, merda, mas nós
queremos doravante cagar em cores diferentes para ornar o jardim zoológico da
arte de todas as bandeiras dos consulados.
A técnica do “ready-made” foi
desenvolvida por Marcel Duchamp com o objetivo de ironizar, satirizar o
mundo capitalista. Um objeto é retirado do cotidiano (deslocamento) e elevado à
categoria de arte.
Na
literatura, temos o uso da técnica da “escrita automática”, a invenção de
palavras explorando-se os seus significantes, o gosto pela agressividade, pela
desordem.
Da
ruptura com o Dadaísmo, André Breton cria o movimento surrealista que veremos
agora.
O
SURREALISMO (1924) – Buscou-se libertar o artista dos limites da razão.
Valorizou-se a plenitude da imaginação, do inconsciente. O mundo dos sonhos,
das alucinações. Sondagem do mundo interior em busca do homem primitivo.
Salvador
Dali – temas: o sexo – angústias, medos, frustrações, traumas -; a memória
(permanência ou eliminação); o sono; o sonho.
Os
surrealistas admitem que a razão nos dá a ciência, mas defendem que só a
“não-razão” pode dar-nos a arte. Apropriam-se da técnica de colagem dos
dadaístas, exibem objetos deslocados dos seus lugares, formados à maneira do
sonho cujo resultado são misturados interessantes (ou insólitas,
desconcertantes), trabalham com a ideia do INCONSCIENTE.
Para os surrealistas, o importante é:
–
a imaginação contra a lógica.
–
o maravilhoso e o sobrenatural.
–
a escrita automática (escrever ao fluxo do inconsciente):
“Quando
sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me
grita.”
(Mário
de Andrade)
Na
literatura podemos destacar algumas situações:
“(...)
Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E
a cova era que nem a marca dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos
gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a
água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do
tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira.
Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água
lavava o pretume dele.”
(Macunaíma, o
herói sem nenhum caráter, Mário de Andrade)
Pré-História
Mamãe
vestida de rendas
Tocava
piano no caos
Uma
noite abriu as asas
Cansada
de tanto som,
Equilibrou-se
no azul,
De
tonta não mais olhou
Para
mim, para ninguém!
Cai
no álbum de retratos!
(Murilo Mendes)
Vários
escritores foram influenciados pelo surrealismo: Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes, etc.
“Quero antes o lirismo dos loucos
O
lirismo dos bêbados
O
lirismo difícil e pungente dos bêbados
O
lirismo dos clowns de Shakespeare
–
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
Modernismo: Um sentimento de
arrebentação
Mário de Andrade, vinte anos
depois da Semana de Arte Moderna, comenta as relações entre o Modernismo e o
contexto político: O movimento da inteligência que representamos, na sua fase
verdadeiramente “modernista”, não foi o fator das mudanças político-sociais
posteriores a ele no Brasil. Foi essencialmente um preparador, o criador de um
estado-de-espírito revolucionário e de um sentimento de arrebentação. [...] Os
movimentos espirituais precedem sempre as mudanças de ordem social.
“O
passado é lição para se meditar, não para reproduzir.” Mário de Andrade (Reação de caráter demolidor ao ademicismo
reinante nas nossas letras, ou seja, contra o Parnasianismo).
No
próximo mês, completam-se 80 anos da Semana de Arte Moderna, aberta por Heitor
Villa-Lobos no teatro Municipal de São Paulo. Num movimento liderado, entre
outros, por Mário e Oswald de Andrade, escritores, pintores, escultores e
poetas compuseram naquele teatro um espetáculo de inteligência cultural jamais
visto na história brasileira.
Em
meio a vaias e berros, ao executar composições como “Impressões da Vida
Mundana”, Villa-Lobos reforçou naquele palco sua imagem de gênio da música;
carioca, acabou entrando para sempre na memória da cidade, onde, tempos depois,
veio a organizar projetos de educação musical nas escolas.
Gilberto Dimenstein – Folha de São Paulo 06/01/02
O
Modernismo brasileiro teve nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade,
Menotti Del Picchia, Anita Malfatti (considerada a protomártir do movimento
modernista, devido às reações que uma exposição de seus quadros – 1917 –
provocou na intelectualidade da época. (Leia artigo de Monteiro Lobato:
“Paranóia ou Mistificação?”), Cassiano Ricardo, etc. – Todos viviam em São
Paulo. Outros como Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho viviam no Rio de
Janeiro vão mais tarde organizar a Semana de Arte Moderna, mostra do que
se vinha fazendo em arte no país (13, 15 e 17 de fevereiro de 1922). A hora do
Parnasianismo já tinha passado. Marca-se definitivamente, com esta Semana, o
Modernismo no Brasil.
Em
1921 os jovens artistas de São Paulo e Rio de Janeiro entravam em contato e se
organizaram. Graça Aranha – da Academia Brasileira de Letras – aderiu às novas
ideias.
Di
Cavalcanti planejou a Semana “Eu sugeri a Paulo Prado a nossa semana, que seria
uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na
barriga da burguesiazinha paulistana.”
No
dia 13, Graça Aranha abre a Semana com a palestra “EMOÇÃO ESTÉTICA NA OBRA
DE ARTE.” A arte e a literatura precisam mudar.
No
dia 15, Menotti Del Picchia fala sobre “Arte Moderna”. Reivindica liberdade
total de expressão (vaias e mais vaias do público).
No
dia 17, fim da Semana com apresentação de músicas do compositor Villa-Lobos.
Sabe-se
que a Semana de Arte Moderna aconteceu devido ao apoio financeiro dos
fazendeiros de café.
Eis
outros nomes que se destacaram na Semana de Arte:
·
na música: Villa Lobos.
·
na pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro.
·
na arquitetura: Antônio Moya
Veja
o que diz a professora Samira Yousseff sobre o modernismo nas artes plásticas:
Nas
artes plásticas apresentaram-se Anita Malfatti, John Graz, Vicente do Rego
Monteiro, Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Yan de Almeida Prado, entre
outros. A música esteve magnificamente representada por Heitor Villa-Lobos,
Paulina d’Ambrósio, Guiomar Novaes, Maria Emma, além de solos de piano, coros
etc.
“Queremos escrever com sangue – que é a
humanidade;com eletricidade – que é movimento, expressão dinâmica
do século; violência – que é energia
bandeirante.” (Menotti Del Picchia)
O
Modernismo, segundo Mário de Andrade, não tinha um programa comum, uma direção
a ser seguida. “A estética do Modernismo ficou indefinível” (M.A.)
Predomina
a renovação literária e o experimentalismo, a inspiração nacionalista, o
desenvolvimento e o estímulo à pesquisa formal.
Características do
Estilo Modernista
Negação do Passado
Literário
·
Na 1ª fase do modernismo adquiriu, esta
característica, aspecto agressivo – ICONOCLASTIA – destruiu tudo que não
fosse moderno.
·
Análise da realidade nacional (NACIONALISMO
CRÍTICO) (Vivo interesse pelas coisas do Brasil)
·
VALORIZAÇÃO DO INCONSCIENTE
·
VALORIZAÇÃO DE CENAS COMUNS DO DIA-A-DIA.
(COTIDIANO)
A linguagem da poesia se
aproxima da linguagem da prosa.
·
Rupturas sintáticas e lógicas; caricatura da
retórica.
·
IRREVERÊNCIA
A ironia é uma constante. Surge a PARÓDIA (=
poema-piada)
·
Uso de expressões próprias da terra, das coisas
e da gente brasileiras: a “língua brasileira” alicerçada no falar da nossa
gente.
A linguagem coloquial (a linguagem oral das
camadas mais humildes) é incorporada à linguagem literária.
Liberdade linguística – criam-se palavras,
mudam-se as classes gramaticais (os sempres, os amanhãs), linguagem sintética;
liberdade, na poesia, quanto à metrificação (uso de versos livres ou
metrificados).
·
Incorporação da vida presente, da civilização
moderna, do processo.
Amo
São Paulo em meio à multidão
dos
seus operários:
um que
trabalha no andaime de um gigantesco edifício,
e agora mesmo
atravessou, lá em cima uma tábua
suspensa, tão
alto que a todo instante
entre
e sai na fumaça de uma nuvem que passa!
(Cassiano Ricardo)
·
Postura agressiva e combativa:
Eu insulto o burguês! O
burguês-níquel
o burguês – burguês!
A digestão bem feita de São
Paulo!
O homem – curva! O homem –
nádegas!
O homem que sendo francês,
brasileiro, italianos,
é sempre um cauteloso
pouco-a-pouco!
(Mário de Andrade)
·
Fim da solenidade com que era
vista a poesia:
No baile da corte
Foi o Conde d’Eu quem disse:
Pra dona Benvinda
Que farinha de suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É come bebê pita e caí.
(Oswald de Andrade)
·
TEXTOS FRAGMENTADOS; QUEBRA DOS NEXOS LÓGICOS,
USO DO FLUXO DE CONSCIÊNCIA, DA ENUMERAÇÃO CAÓTICA.
·
INTERTEXTUALIDADE – paródia; textos marcados
pelo humor e pela atividade irônico-crítica.
·
PROSA que se assemelha à narrativa
cinematográfica.
·
REVISTAS DO MODERNISMO
KLAXON
– No projeto gráfico as lições do Cubismo. No segundo volume, aparece encarte
com desenho do pintor Di Cavalcanti.
Estética (1924 – Rio de Janeiro)
A Revista (1925 – Minas Gerais)
Madrugada (1925 – Rio Grande do
Sul)
Terra Roxa e Outras Terras (1926 –
São Paulo)
Festa (1928 – Rio de Janeiro)
Vale destacar ainda em 1926 o Manifesto
Regionalista do Recife que provocaria mais tarde (década de trinta) o
surgimento de importantes obras regionalistas.
Costuma-se dividir o modernismo
brasileiro em duas fases mais ou menos distintas.
1ª
fase (1922 a 1930) – Os autores não sabiam o que queriam, mas sabiam o que “não”
queriam.
Período
de “destruição” – critica-se de forma bastante agressiva a literatura acadêmica
(ANTIACADEMICISMO, ANTICONVENCIONALISMO)
2ª
fase (1930 a 1945).
Período
de “construção”, de consolidação da literatura.
As correntes
modernistas no Brasil
a)
Dinamista –
Graça Aranha.
b)
Desvairista –
Mário de Andrade.
“Ironiza com a ideia de Escola literária.”
Destaca a liberdade de pesquisa estética, o experimentalismo. Prefácio
interessantíssimo em Pauliceia Desvairada. Mário destaca ainda a necessidade de
renovação da intelectualidade brasileira.
c)
Movimento Pau-Brasil (1924)
– Oswald de Andrade. / Tarsila do Amaral.
Buscou uma poesia de redescoberta do mundo e do
Brasil. Exalta o progresso e a era presente. Combate a linguagem retórica e
vazia. Convive dialeticamente o primitivo e o moderno, o nacional e o
cosmopolita.
“Contra o gabinetismo, a prática culta
da vida. (...) a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A
contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”
O
trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez
romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia,
pela invenção e pela surpresa (...)
Nenhuma
fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.
(Oswald de Andrade – Manifesto Pau-Brasil, 1924)
Como
desdobramento do movimento Pau-Brasil surge o MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO
(1928).
“Só
a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente Filosoficamente.
Única
lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupy or not tupy, that is the
question.
Contra
todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Foi
porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais.
(...)
Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a
felicidade.”
O
Movimento Antropofágico foi uma reação (oposição ao nacionalismo verde-amarelo.
– contra o Nacionalismo ufanista).
d)
VERDE-AMARELISMO – mais
tarde chamado ANTA.
Reagiram às ideias primitivistas do Movimento
Pau-Brasil.
Teve como expoentes Cassiano Ricardo, Plínio
Salgado, Menotti Del Picchia. Repudiaram tudo que fosse importado. Mostrou-se
do Brasil só grandezas.
Mais tarde seguiram uma linha de orientação
política de direita (nazifascismos europeu ou, no Brasil, o Intergralismo de
Plínio Salgado – 1930).
e)
Espiritualista –
surge em torno da revista “Festa”: orientação neo-simbolista. Poesia de
rejeição ao primitivismo e nacionalismo pitoresco de 1922. Tem-se uma poesia de
tradição religiosa.
NOTA
Manifesto Regionalista de 1926
Os
anos de 1925 a 1930 marcam a divulgação do Modernismo pelos vários estados
brasileiros. Assim é que o Centro Regionalista do Nordeste, com sede em Recife,
lança o Manifesto Regionalista de 1926, em que procura “desenvolver o
sentimento de unidade do Nordeste” dentro dos novos valores modernistas.
Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da região nos seus
aspectos diversos: sociais, econômicos e culturais”. Além de promover
confer6encias, exposições de arte, congressos, o Centro editaria uma revista.
Vale
lembrar que, a partir da década de 1930, o regionalismo nordestino resultou em
brilhantes obras literárias, com nomes que vão de Graciliano Ramos, José Lins
do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz e Jorge Amado, no romance,
a João Cabral de Melo Neto, na poesia.
MODERNISMO – A Primeira
Geração Modernista
1922 – 1930 – A fase heróica
ou da ICONOCLASTIA
“Nós
não sabíamos o que queríamos, mas sabíamos o que não queríamos (...) o nosso
sentido era especificamente destruidor”.
Retrospectiva
·
1917 – Exposição
de quadros expressionistas de Anita Malfati, duramente criticado por Monteiro
Lobato grande contista com fama de mau pintor (Menotti Del Picchia – Correio
Paulistano). Publicação de Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema, de Mário de
Andrade, sob o pseudônimo de Mário Sobral; Nós, de Guilherme de Almeida; Juca
Mulato: poemas de cunho nacionalista de Menotti Del Picchia. A Cinza das Horas
de Manuel Bandeira;
·
1918/19 –
A Dança das Horas, poema parnasiano de Cassiano Ricardo; Carnaval, inauguração
do “verso livre”, por Manuel Bandeira; Poemas e Sonetos, poemas parnasianos de
Ronald de Carvalho;
·
1920
– Exposição da maquete do Monumento às Bandeiras, obra com características
modernistas, do escultor Victor Brecheret;
·
1921
– Mostra de desenho e caricaturas modernistas, denominada Fantoches da
Meia-Noite, de Di Cavalcanti; publicação do artigo O Meu Poeta Futurista, no
qual Oswald de Andrade classifica de futurista, os poemas de Mário de Andrade;
publicação de uma sequência de artigos, intitulados Os Mestres do Passado, em
que Mário de Andrade reconhece a importância de nossos principais poetas
parnasianos, mostrando, entretanto, que sua missão já foi cumprida, que nada
mais têm a dizer.
Seis meses depois do “sepultamento” dos Mestres do Passado,
por Mário de Andrade, num ambiente de polêmicas, controvérsias e muita
efervescência intelectual, acontece a explosão modernista para a qual cada um
dos artistas e obras citados, dentre outros, deu sua contribuição: a Semana
de Arte Moderna. Evento artístico e cultural considerado um marco, uma
ruptura radical e coletiva em relação a toda nossa tradição intelectual, a
Semana de Arte Moderna foi reparada e organizada ao longo de alguns anos, cujos
momentos mais expressivos vale a pena conhecer:
Bruta sacudidela nas artes nacionais! (...) é indiscutível
que jamais reviravolta da arte movimentou e apaixonou e enlouqueceu mais a
monotonia brasileira que o chamado futurismo. Enchente de tintas, vulcões de
lama, saravaiada de calúnias. Muito riso e pouco siso. De ambas as partes.
(Mário de Andrade)
Mário
e Oswald de Andrade são considerados os líderes do
movimento, o primeiro pela coerência das posições teóricas e também pelos
exemplos de modernismo dados nos poemas; e o segundo por uma postura
anarquista, agitadora, inquieta e inteligente, através da qual foi promovendo,
nos jornais e nas famosas reuniões onde se discutia o Modernismo, os novos
“talentos” que descobria.
Houve
momentos de algazarra e de total confusão durante a Semana: no dia 13, por
exemplo, ao reger duas composições de sua autoria, o músico Heitor
Villa-Lobos foi “arremedado” pelo auditório, o que causou vaias e assobios
– um verdadeiro caos – interrompendo-se a seção.
No
dia 15, a palestra de Menotti Del Picchia, ilustrada por poesias e trechos de
prosa por Oswald de Andrade, Mário e outros, e por um número de dança, ocorreu
entre “relinchos” e “miados”. Finamente, quando Ronald de Carvalho declamou Os
Sapos, de Manuel Bandeira, poema que satiriza o Parnasianismo, o teatro quase
se desmontou entre “latidos”, “urros” e “coaxos”.
As
telas de Anita Malfati, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, as
esculturas de Victor Breccheret, os projetos arquitetônicos modernistas
expostos no saguão do Teatro também causaram reações de espanto e indignação.
Seja na leitura por Mário de Andrade de trechos de um de seus Manifestos
da Nova Arte – A Escrava Que Não é Isaura – seja no aparecimento de
Villa-Lobos de casaca mas de chinelo em um dos pés, por causa de um “calo
encravado”, a agressão “de ambas as partes” continuava, só cessando no dia 17 –
encerramento da semana – devido à falta de público.
Estava
dado, assim, em pleno ano comemorativo do Centenário da Independência,
um grito que, se por um lado congregou moços avessos à tradição, por outro só
se tornou possível graças ao subsídio de representante da alta burguesia
paulista como Paulo Prado e René Thiollier, que foi o responsável pelo aluguel
do teatro – e da “literatura oficial passadista”- como Graça Aranha,
respeitável acadêmico da Academia Brasileira de Letras.
·
Poesia modernista e vanguarda:
destruição e nacionalismo
Leitor:
Está
fundado o Desvairismo (...)
Não
sou futurista (de Marinetti). Disse e repito. Tenho pontos de contacto com o
futurismo (...)
Arte,
que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em
prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisá-lo das pedras e cercas
de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar (limpar)
mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas,
de pormenores inúteis ou inexpressivos (...)
Belo
da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão da moda.
Belo
da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza
tiver (...)
E
está acabada a escola poética “Desvairismo”.
Próximo
livro fundarei outra.
E
não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum
só.
(Mário
de Andrade – Prefácio Interessantíssimo, in Pauliceia Desvairada, 1922).
No
Prefácio interessantíssimo, Mário de Andrade parece fundar uma nova escola
literária: o Desvairismo, palavra que nos faz lembrar a radical negação
da razão da arte dadaísta. Outro ponto de contato entre ambas é a ironia
presente no título dos Manifestos: Prefácio Interessantíssimo, A Escrava
Isaura, de Bernardo Guimarães. Esta ironia demolidora se acentua quando o poeta
declara, no fim do Prefácio, o encerramento da escola literária
recém-inaugurada.
O
verso-livre (sem rima e sem métrica), “as palavras em liberdade”, associadas
por analogia ao invés de pelos recursos sintáticos tradicionais, a preferência
pelos substantivos e verbos em detrimento dos adjetivos e advérbios, e também o
bom humor, a “blague” (piada), a ironia corrosiva e ao mesmo tempo alegre,
constituem os mais expressivos elementos de rompimento do Modernismo em relação
à tradição.
Outra
característica fundamental de toda a obra de Mário é o nacionalismo, também
presente em Oswald e na maioria das obras de primeira geração modernista.
A
criação de uma língua nacional, de uma cultura nacional autônoma, independente,
aproxima, em termos teóricos, os modernistas dos românticos. No entanto, há uma
inversão de perspectiva entre ambos: enquanto o Romantismo exaltava a pátria de
modo ufanista, idealizador, o modernismo de 22 propõe-se a questioná-la a
redescobri-la crítica e criativamente, a desvendar suas contradições mais
umbilicais.
Mário
de Andrade foi um incansável pesquisador de nosso folclore, de nossas modinhas
populares, de nossa linguagem ou linguagens regionais, de nosso comportamento,
elementos presentes na sua obra-síntese, Macunaíma.
O
nacionalismo de Oswald, em oposição ao das outras correntes modernistas, como o
Verdeamarelismo e o Grupo de Anta, que idealizaram a pátria identificando-a com
o Estado, baseia-se na “devoração crítica”, “antropofágica”, quer dizer, na
assimilação de todas as influências estrangeiras – que vão da colonização à
absorção das vanguardas artísticas europeias – e na sua digestão, para que
assim saiamos da “cópia”, da “tradução” e possamos criar e recriar a nossa
história, a nossa cultura.
A
pintura de Tarsila do Amaral, primitivista e moderna, em especial o quadro
Abaporu, inspirou a criação de Oswald de Andrade da mais radical das correntes
de nosso primeiro modernismo: A antropofagia, da qual participaram, além de
ambos, Raul Bopp, autor de um poema-narrativo sobre a Amazônia (Cobra Norato) e
Antônio de Alcântara Machado, que escreveu Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja
da China – dois livros de contos sucessivamente tematizando a imigração
italiana e a imigração lusa.
Mário
de Andrade foi ainda um grande apaixonado por sua
terra, SÃO PAULO. São Paulo é ARLEQUINAL, traje de
losangos. “Arlequim é um personagem das antigas comédias italianas (foi
assimilado pelo Carnaval brasileiro). Seu traje é feito de retalhos com formato
de losangos de diferentes tecidos e cores, simbologia que se traduz na grande
“boca de mil dentes que é a sua cidade”. Cidade de diferentes pessoas, de
interesses diversos, de níveis sociais distintos, de diferentes origens, enfim
uma ‘colcha de retalhos’, arlequinal.”
Arlequinal
é a paisagem da cidade e tambémdo poeta, imagem feita de pedaços, aspectos múltiplos
da cidade.
O
Arlequim é comparado ao poeta que se opõe ao materialismo e vive a fantasia, o
lado espiritual, o inconsciente. Pedacinhos que se ligam como a fantasia do
Arlequim.
OS AUTORES
Oswald
de Andrade – Paulista. Cursou Direito e ingressou na
carreira jornalística. Espírito polêmico e destruidor. Jornalista, poeta,
romancista e autor de peças teatrais, Oswald sempre fugiu aos modelos
literários da época. Em seus textos predominam o humor, a ironia, a linguagem
coloquial (cotidiano), o uso do neologismo, o poder de síntese.
Foi
um jovem rico. Viveu ora em São Paulo ora
em Paris. Conheceu as vanguardas europeias e introduziu as renovações
artísticas em nosso país. Não tinha a desconfiança do imediato, do fácil como
Mário de Andrade, entregava-se às primeiras sensações, ao contrário de Mário
que sempre as “ruminava”.
Sempre
repudiou a linguagem acadêmica (poesia tradicional). Dessa linguagem
(acadêmica) sempre fez paródia “só não se inventou uma máquina de fazer versos
– já havia o poeta parnasiano”.
Oswald
idealizou os principais manifestos futuristas. Foi nacionalista crítico. Rompeu
com a estrutura dos romances tradicionais em seus romances Memórias Sentimentais de João Miramar e
Serafim Ponte Grande.
Usa
capítulos curtos prosa e poesia se fundem, os fatos não seguem ordem
cronológica rígida, mistura níveis de linguagem (infantil, parodístico,
poético). Aproveitou os lugares comuns da linguagem cotidiana como convites,
bilhetes cartas, anotações, discursos e deu outra roupagem.
O
gramático
Os
negros discutiam
Que
o cavalo sipantou
Mas
o que mais sabia
Disse
que era
Sipantarrou
Vício
na fala
Para
dizerem milho dizem mio
Para
melhor dizem mio
Para
pior pio
Para
telha dizem teia
Para
telhado dizem teiado
E
vão fazendo telhados.
Pronominais
Dê-me
um cigarro
Diz
a gramática
Do
professor e do aluno
E
do mulato sabido
Mas
o bom negro e o bom branco
Da
Nação Brasileira
Dizem
todos os dias
Deixa
disso camarada
Me
dá um cigarro.
Oswald
propôs, em seus textos, descrever o país pela perspectiva cultural, étnica e
histórica (eis a proposta do manifesto antropofágico). Veja a referência às
três raças no texto abaixo, observe o destaque dado pelo autor à formação
étnica brasileira:
brasil
O
Zé Pereira chegou de caravela
E
perguntou pro guarani da matavirgem
–
Sois cristão?
–
Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá
longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O
negro zonzo saído da fornalha
Tomou
a palavra e respondeu
–
Sim pela graça de Deus
Canhem
Babá Canhem Babá Cum cum!
E
fizeram o Carnaval.
NOTE:
O carnaval é o Brasil em todos os seus
aspectos: religiosos, linguísticos, raciais, culturais.
Merecem
destaque: a linguagem empregada pelo auto (variedade
linguística), a ironia, a piada, a crítica (tom irônico-crítico), humor. Veja:
o que dá origem as três raças é o carnaval.
Lembre-se
do Manifesto Pau-Brasil
“O
Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner
submerge ante os cordões do Botafogo. Bárbaro e nosso a formação étnica rica.”
Leia
o fragmento abaixo:
IDIOTISMOS
“Um
crayon de um arquiteto de Paris que tínhamos visto antes do casamento dera-nos
a inveja desesperada de uma calma existência a dois, com pijama e abat-jours,
sob a guarda dos antigos deuses do homem.
Iríamos
em tournée à Europa. E pela tarde lilás do Bois, ela guiaria a nossa Packard
120 H.P. Sairíamos nas férias pelos caminhos sem mataburros nem mamangavas nem
taturanas e faríamos caridade e ouviríamos a missa dos bons curas nas catedrais
da idade média, e prosseguíamos por hotéis e hotéis, olhos nos olhos, etc.”
(Memórias
sentimentais de João Miramar, Oswald
de Andrade).
Canto de Regresso à
Pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.”
(...)
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volta pra São Paulo
Sem que eu veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
(Lóide
brasileiro – Oswald de Andrade)
146. Verbo CRACKAR
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa.
Sê pirata
sede trouxas
Abrindo
o pala
Pessoal
sarado.
Oxalá que eu tivesse sabido que esse
verbo era irregular. (Memórias
Sentimentais de João Miramar cap. 146)
“Como
falamos. Como somos (...).
O
trabalho contra (...) a
cópia,
pela invenção e
pela
surpresa. (...) ver
com
olhos livres”.
Manifesto
da poesia pau-Brasil
Oswald
foi um dos representantes mais contundentes em suas observações sobre a cultura
brasileira, mais polêmico, mais destruidor. Analisou friamente, (satirizou), a
sociedade capitalista da qual fez parte. Em 1931, ingressou no Partido
Comunista e ficou até 1945. Neste período escreveu Serafim Ponte Grande (romance),
O Manifesto Antropófago, a peça O Rei da Vela. Confere a seus
textos com base na História (passado) atualidade e perspectiva crítica. Ao
mesmo tempo que veste as cores de seu país aponta as contradições
“moderno-primitivistas” que vivíamos. A cor local também é exibida em tom
parodístico.
Oswald,
não podemos esquecer, foi um dos escritores desse tempo que mais se preocupou
em aproximar a linguagem coloquial da linguagem literária, os chamados “erros
gramaticais”definidores da nossa nacionalidade. Imagens insólitas,
fragmentação, aproveitamento da técnica dadaísta do ready-made aparecem muitas
vezes em seus textos e nos sugerem o impulso do poeta às tendências
concretistas. Enfim, o poeta foi IRREVERENTE, CRIATIVO, POLÊMICO.
·
Mário de Andrade
(O Papa do Modernismo) “Brasileiros,
chegou a hora de realizar o Brasil.”
Foi
poeta, contista, romancista, crítico, folclorista, pesquisador de música.
Escritor fecundo da nossa literatura. espírito crítico e determinado,
influenciou bastante no desenvolvimento do modernismo. Dosou bem vanguarda e
tradição. Deu lugar de destaque às pesquisas folclóricas.
Criticou
duramente a burguesia paulista e a aristocracia. Integrou-se poeticamente à
cidade de São Paulo – terra natal. Demonstrou também interesse pela etnografia,
antropologia, psicologia.
Não
foi tão radical como Oswald de Andrade. Sua obra é de grande variedade
temática. Encarou seu conhecimento cultural, sua dedicação como armas para
estudar problemas do seu tempo e de sua terra e poder colaborar na reconstrução
do país quanto ao aspecto social, cultural etc.
Os
Cortejos
Monotonias
das minhas retinas...
Serpentinas
de entes frementes a se desenrolar...
Todos
os sempres das minhas visões! “Bom giorno, caro”
Horríveis
as cidades!
Vaidades
e mais vaidades...
Nada
de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh!
os tumultuários das ausências!
Pauliceia
– a grande boca de mil dentes;
e
os jorros dentre a língua tríssulca
de
pus e de mais pus de distinção... giram homens
fracos,
baixos, magros... Serpentinas de entes
frementes
a se desenrolar...
Estes
homens de São Paulo
todos
iguais e desiguais,
quando
vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
aparecem-me
uns macacos, uns macaacos.
São
Paulo sempre foi das suas mais importantes fontes temáticas. A poesia de Mário
segue duas direções: de um lado a poesia intimista e introspectiva (serena ou
conflitante); do outro, a poesia política de combate às injustiças sociais (O
Carro da Miséria / Lira Paulistana
– aqui aparece meditação sobre o Tietê).
Tentemos
agora investigar alguns recursos utilizados pelo poeta no texto abaixo:
O
Rebanho
Oh!
Minhas alucinações!
Vi
os deputados, chapéus altos,
sob
o pálio vesperal, feito de mangas-rosas,
saírem
de mãos dadas do Congresso... Como um
possesso
num acesso em meus aplausos
aos
salvadores do meu estado amado.
Os
recursos imagéticos sugerem solenidade.Ruptura com a estrutura convencional do
poema. A repetição de sons faz aflorar o riso.
Desciam,
inteligentes, de mãos dadas, entre o trepidar dos táxis vascolejantes,
a
rua Marechal Deodoro...
Gosto pela imagem (ícone). A observação
da realidade e o discurso da crônica. A ironia.
Oh!
Minhas alucinações!
Como
um possesso num acesso em meus
aplausos
aos heróis do meu estado amado.
O exagero do eu poético
(orador) acentua a caricatura
O discurso do sistema
tomado de forma parodística.
E
as esperanças de ver tudo salvo!
Duas
mil reformas, três projectos... Emigram os futuros nocturnos...
E
verde, verde, verde!...
Oh!
Minhas alucinações!
Mas
os deputados, chapéus altos,
mudavam-se
pouco a pouco em cabras!
Crescem-lhes
os cornos, descem-lhes as
barbinhas...
·
Os detalhes exibem o ridículo
·
a repetição que dá o tom
melódico (ironia) – a esperança no verde.
·
Linguagem cinematográfica
“cabras” – linguagem do cotidiano, regionalista.
·
A metamorfose exibe a
realidade – O discurso mítico se fragmenta.
·
Em “cornos”, o tom de gozação,
de ofensa.
E
vi que os chapéus altos do meu estado amado,
com
os triângulos de madeira no pescoço,
nos
verdes esperanças, sob as franjas
de
oiro da tarde,
se
punham a pastar
rente
do palácio do senhor presidente...
Oh!
minhas alucinações!
·
Gosto pelo insólito, pela
·
blague (brincadeira, gozação)
·
zoomorfismo
·
personificação de poder
Observe
que Mário de Andrade rompe com o “belo da arte” e cria a sua forma. As peças
estão soltas e merecem ajustes mediante a leitura. As formas estereotipadas são
destruídas dando, muitas vezes, espaço ao lúdico, às associações, insólitas,
analogias inusitadas, aos neologismos. A palavra chama a atenção pelo seu
insulamento, fica vibrando, esperando uma frase que a complete, porém cabe ao
leitor dar essa completude.
Tente
fazer uma análise do texto a seguir:
Domingo
Missas
de chegar tarde, em rendas,
e
dos olhares acrobáticos...
Tantos
telégrafos sem fio!
Santa
Cecília regorgita de corpos lavados
e
de sacrilégios picturais...
mas
Jesus Cristo nos desertos,
Mas
o sacerdote no “Confiteor”... Contrastar!
–
Futilidade, civilização...
Mornamente
em gazolinas... Trinta e cinco contos!
Tens
dez mil reis? Vamos ao corso...
E
filiar cigarros e quinzena inteira...
Ir
ao corso é lei. Viste Marília?
E
Filis? Que vestido: pele só! Automóveis
Fechados...
Figuras imóveis...
O
bocejo do luxo... Enterro.
E
também as famílias dominicais por atacado,
entre
os convenientes perenemente...
–
Futilidade, civilização...
Central.
Drama de adultério.
A
Bertini arranca os cabelos e morre. Fugas...
Tiros...
Tom mix!
Amanhã
fita alemã... de beiços...
As
meninas mordem os beiços pensando em fita alemã...
As
romãs de Petrônio...
E
o leito virginal... Tudo azul e branco! Descansar....
Os
anjos... Imaculado!
As
meninas sonham masculinidades...
–
Futilidades, civilização...
Paisagem nº 2 (fragmento)
“São
Paulo é um palco de bailados russos.
Sarabandam
a tísica, a ambição, as invejas, os crimes
e
também as apoteoses da ilusão...
Mas
o Nijinsky sou eu!
E
vem a morte, minha Karsavina!
Quá
quá quá! Vamos dansar o fox- trot da desesperança,
a
rir, a rir dos nosso desiguais!”
A
Meditação sobre o Tietê
“Água
do meu Tietê,
Ondas
me queres levar?
–
Rio que entras pela terra
E
que me afastas pela terra
É
noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da
ponte das bandeiras o rio
Murmura
num banzeiro de água pesada e oliosa...”
Em O
Poeta Come Amendoim, o poeta se identifica com o Brasil (nacionalismo)
pela linguagem.
“Brasil
amado não porque seja minha pátria,
Pátria
é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil
que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O
gosto dos meus descansos,
O
balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil
que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque
é o meu sentimento pachorrento.
Porque
é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”
PUBLICAÇÕES
DO AUTOR:
POESIA
·
Há
uma gota de sangue em cada Poema (1917)
·
Pauliceia
Desvairada (1922)* Aqui se destaca O Prefácio Interessantíssimo.
·
Losango
Cáqui (1926) (sensações, ideias, alucinações,
brincadeiras, líricas)
·
Clã
do Jabuti (1927) (aproveita temas populares extraídos
do folclore e também reflete a preocupação do poeta com o destino do homem).
·
Remate
de Males (1930) (expressão poética lírica e simples
Há preocupação com a vida e lirismo amoroso).
·
Poesias
(1941).
·
Lira
Paulistana (1947).
·
A
Costela do Grão Cão. Livro Azul. O Carro da Miséria:
Reflexões amarguradas sobre a vida e Preocupação com problemas sociais.
PROSA
·
Primeiro
Andar (Contos – 1926)
·
Amar
Verbo Intransitivo (romance, 1927)
·
Macunaíma,
o herói sem nenhum caráter (rapsódia, 1928).
·
Belazarte
(contos, 1934)
·
Contos
Novos (1947)
·
O
Turista Aprendiz.
ENSAIOS
·
“Prefácio Interessantíssimo
·
Escrava
que não é Isaura (1925)
·
Aspectos
da Literatura Brasileira (1943)
·
O Empalhador de Passarinho (1944).
Com
Clã do Jabuti Mário inicia seu
nacionalismo estético. Este livro é um “mosaico das diversas manifestações
culturais brasileiras”. O poeta mapeia poeticamente o Brasil (lendas,
históricas, costumes, falas regionais variadas).
LIRISMO PURO + CRÍTICA + PALAVRA = POESIA
Poesia
é intuição + trabalho artístico, construção artesanal.
No
que diz respeito à prosa de Mário destacamos AMAR, Verbo Intransitivo.
Enredo
simples. Sousa Costa, rico industrial e fazendeiro paulistano, contrata Elza
(no livro Fräulein = senhorita) uma professora alemã de 35 anos, com a
finalidade aparente de ensinar alemão aos filhos, mas, na verdade, Fräulein
tinha a missão de seduzir e iniciar o adolescente Carlos (filho mais velho). A
intenção do pai era livrar o filho das prostitutas e dos perigos das drogas e
doenças. Fräulein como educadora mostra-se disposta a ensinar ao rapaz que se
deve amar sem se prender de modo exagerado ao objeto do amor. (Veja o paradoxo
do título da obra). Carlos se apaixona pela moça e namoram às escondidas. Nasce
o sentimento de culpa. O episódio deixa para Souza Costa (ou para o leitor?)
entender o que se passou.
Os
personagens são mostrados por dentro (psicologia): pensamentos, desejos,
convicções, contradições. Observa-se uma análise das relações familiares e
sociais bem como a influência da psicologia freudiana.
A
obra maior do autor é MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER, uma rapsódia.
De
suas pesquisas folclóricas sobre o Brasil (entre 1924 e 1927) nasce Macunaíma,
o herói sem nenhum caráter. Registrou, na obra, manifestações culturais:
lendas, costumes, modo de falar regionais; ritmos, danças populares: samba,
coco, toada, modinha. Macunaíma foi chamado por Mário de Rapsódia, termo
que tomou emprestado à música, por designar uma “composição que envolve uma
variedade de motivos populares.” Macunaíma é herói por suas “desigualdades” é
preguiçoso, esperto, irreverente, simpático, valente, mentiroso, covarde,
aproveitador, em fim sem nenhum caráter.
“Com
a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não, (...) o
brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem
consciência tradicional”.
A
obra é um processo de colagem de lendas e histórias que a linguagem traduz com
palavras, expressões e construções sintáticas das várias regiões brasileiras.
Quanto
à linguagem: Rica, composta de regionalismos de todas as partes do Brasil,
utilizou provérbios, modismos, ditos populares, gírias, frases feitas.
Com
Macunaíma, o autor procurou criar uma língua brasileira, síntese do português
falado no Brasil. Destacou as variantes regionais, as influências estrangeiras
e a critividade popular. Faz-se notar na obra pelo emprego intencional de
vocábulos com “SI”, “MILHOR”, “SIQUER”, recurso para pôr em relevo o modo como
o brasileiro fala. Usou ainda vocabulário de origem africana (urucungo),
indígena (cunhas, aipim), popular (mexemexendo, senvergonhice), regional
nordestina (em riba).
Enfim
a cultura popular, o folclore, o contraste entre o primitivo e o moderno são os
elementos norteadores desta produção.
Veja
o que diz a professora Samira Yousseff sobre a obra:
O
romance de 1928, Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter, foi batizado por Mário
de Andrade como rapsódia, um tipo de composição tirada dos cantos
tradicionais ou populares.
Fruto
de longos estudos de Mário acerca da mitologia indígena e do folclore nacional,
é uma narrativa de estrutura inovadora, em termos de enredo. Logo de início,
são apresentados o herói, Macunaíma, sua mãe e seus irmãos, Maanape e Jiguê,
Índios Tapanhumas, que vivem às margens do rio Uraricoera. Essa situação
inicial é rompida com a morte da mãe. Os irmãos partem, então, da terra natal,
em busca de aventuras.
Leia:
Capítulo I
No
fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto
e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande
escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança
feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já
na meninice fez coisa de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não
falando. Si o incitavam a falar exclamava:
–
Ai! Que preguiça!...
e
não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba,
espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha,
Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar
cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma
dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho
no rio, todos juntos e nus: Passava o tempo do banho dando mergulho, e as
mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz que habitando a
água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer
festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos
machos cuspia na cara. Porém respeitava os velhos e frequentava com aplicação a
murua a poracê o toré o bocorocô a cucui-cogue, todas essas danças religiosas
da tribo.
Quando
era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como
a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha,
espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias,
imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Nas
conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as paraltagens do
herói. As mulheres se iriam muitos simpatizadas, falando que “espinho que
pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e
avisou que o herói era inteligente.
(...)
“Não dou pra celebridade e eternização do meu
nome a mínima importância. Não tenho nenhuma vaidade nesse sentido.
Se
escrevo é primeiro porque amo os homens. Tudo vem disso pra mim. Amo e por isso
é que sinto esta vontade de escrever, me importo com os casos dos homens, me
importo com os problemas deles e necessidades.
Depois
escrevo por necessidade pessoal. Tenho vontade de escrever e escrevo. (Isto é
por caso dos versos). Mas mesmo isso psicologicamente ainda pode ser reduzido a
um fenômeno de amor, porque ninguém escreve para si mesmo a não ser um monstro
de orgulho. A gente escreve pra ser amado, pra atrair, encantar etc.”
Eu sou escritor difícil
Que
a muita gente enquisila,
Porém
essa culpa é fácil
De
se acabar duma vez:
É
só tirar a cortina
Que
entra luz nessa escurez.
(A costela de
Grão Cão)
Sou
um tupi tangendo um alaúde!
(Pauliceia
Desvairada)
Eu
sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas
um dia afinal eu toparei comigo...
(Eu
sou Trezentos in Remate de Males)
Quando
eu morrer
Quando
eu morrer quero ficar,
Não
contem aos meus inimigos,
Sepultado
em minha cidade,
Saudade.
Meus
pés enterrem na Rua Aurora,
Na
Paissandu deixem meu sexo,
Na
Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
(Mário
de Andrade, Lira Paulistana).
·
MANUEL BANDEIRA
(1886, Recife – 1968, Rio Janeiro)
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira)
“Assim eu queria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos
internacionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem
Os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam
Sem explicação”.
“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do
horizonte?
– O que eu vejo é o beco.”
(Poema do Beco
em Estrela da Vida Inteira)
Nasceu
no Recife e em vários de seus poemas falou dos bairros, da gente, das
tradições, fez os estudos secundários no Rio de Janeiro e iniciou o curso de
Arquitetura em São Paulo – desiste devido à crise de tuberculose. Viaja à Suíça
para tratamento de saúde (1916-1917) e através da amizade com o escritor Paul
Éluard entre em contato com as inovações artísticas (vanguardas europeias).
Bandeira
– um poeta, marcado pela doença (Poeta da vida e
da infância, do tempo e da morte) e pelo isolamento. Foi considerado o mestre
do Verso Livre.
Inicia
na poesia com os livros A Cinza das
Horas e Carnaval de
herança simbolista pelo tom lírico e melancólico. Observa-se também herança
parnasiana, pelo aspecto formal.
Seu
poema “Os Sapos” é uma sátira aos poetas parnasianos. Foi lido por Ronald de
Carvalho na Semana de Arte Morderna.
*
Vale destacar que a poética de Bandeira envolve inclusive experiências
concretistas.
ESTILO
– Linguagem simples, despojada.
Coloquialismo
linguístico; emprego de palavras de uso popular (“midubim”, “macaquear”...)
Valorização
do cotidiano sem perder o lirismo poético.
Alterna
poemas – minuto e composições extensas.
Buscou
inovações artísticas e também se mostrou clássico (baladas, rondós.) humor
certo ceticismo ironia amarga idealização de uma mundo melhor.
TEMAS
-
A MORTE (doença) / SOLIDÃO / A PAIXÃO PELA VIDA vivia cada instante como se
fosse o último).
A
INFÂNCIA (recordações no Recife).
O
SAUDOSISMO (“A vida que podia ter sido e que não foi”.)
A
PRESENÇA DO MENINO ADULTO.
FUSÃO
ENTRE CONFISSÃO PESSOAL E A VIDA DO DIA-A-DIA.
AMOR
e EROTISMO
CRÍTICA
SOCIAL E REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE A CONDIÇÃO DO HOMEM.
No
seu livro, Ritmo Dissoluto vai-se libertando da herança parnasiana e
simbolista. Em Libertinagem (1930) desenvolve plenamente uma linguagem
coloquial, atinge dramaticidade.
A
própria doença, o quarto, as ações mecânicas do cotidiano serviram de temas
para os seus poemas.
Febre,
hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A
vida inteira que podia ter sido e não foi.
Tosse,
tosse, tosse.
Mandou
chamar o médico:
–
Diga trinta e três –
–
Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
–
Respire
.....................................................................
–
O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
–
Então, doutor, não é possível tentar o pneumo-tórax?
–
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
(M. Bandeira
– Libertinagem)
“Criou-me
desde eu menino,
Para
arquiteto meu pai.
Foi-me
um dia a saúde...
Fiz-me
arquiteto? Não pude!
Sou
poeta menor, perdoai.”
(Lira dos Cinquent’anos – Testamento)
Sempre
se mostrou
Apaixonado
pela vida
[...]
O
que eu adoro em tua natureza,
Não
é o profundo instinto maternal
Em
teu flanco aberto como uma ferida.
Nem
a tua pureza. Nem a tua impureza.
O
que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O
que eu adoro em ti, é a vida.”
(Ritmo
Dissoluto – Madrigal Melancólico)
apaixonado
pelo Recife da infância:
Há
que tempo que não te vejo!
Não
foi por querer, não pude,
Nesse
ponto a vida me foi madrasta,
Recife.
Mas
não houve dia em que te não sentisse dentro de mim:
Nos
ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.
Não
como és hoje,
Mas
como eras na minha infância,
Quando
as crianças brincavam no meio da rua
(Não
havia ainda automóveis)
E
os adultos conversavam de cadeiras nas calçadas
(Continuavas
províncias,
Recife).
Eras
um Recife sem arranha-céus, sem comunistas,
Sem
Arrais, e com arroz,
Muito
arroz
De
água e sal,
Recife.
Um
Recife ainda do tempo em que meu avô
materno
Alforriava
espontaneamente
A
moça preta Tomásia, sua escrava,
Que
depois foi nossa cozinheira
até
morrer,
Recife.
(Estrela
da Tarde)
[...]
–
Muitas contas, cotovia
E
que outras terras distantes
Visitastes?
Dize ao triste.
–
Líbia ardente, Cítia fria,
Europa,
França, Bahia...
–
E esqueceste Pernabuco,
Distraída?
–
Voei ao Recife, no Cais
Pousei
da Rua da Aurora.
–
Aurora da minha vida,
–
Que, os anos não trazem mais!
(Opus 10 – Cotovia)
apaixonado
pelas mulheres:
A
primeira vez que vi Teresa
Achei
que ela tinha pernas estúpidas
Achei
também que a cara parecia uma perna
Quando
vi Teresa de novo
Achei
que os olhos eram muitos mais velhos que o resto do corpo
(Os
olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da
terceira vez não vi mais nada
Os
Céus se misturaram com a terra
E
o espírito de deus voltou a se mover sobre a face das águas.
(Libertinagem – Teresa)
Apaixonado
pela linguagem do povo – A língua natural espontânea:
“[...]
“A
vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha
da boca do povo na língua errada do povo
Língua
certa do povo
porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao
passo que nós
O
que fazemos
É
macaquear
A
sintaxe lusíada.”
(Estrela
da vida Inteira – Evocação do Recife)
Preparado
para a morte:
“Quando
a indesejada das gentes chegar
(Não
sei se dura ou caroável*)
Talvez
eu tenha medo
Talvez
sorria, ou diga:
–
Alô, iniludível!!
O
meu dia foi bom pode a noite descer.
(A
noite com seus sortilégios*)
Talvez
eu tenha medo
Talvez
sorria, ou diga:
–
Alô, iniludível!
O
meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A
noite com seus sortilégios*)
Encontrará
lavrado o campo, a casa limpa,
A
mesa posta,
Com
cada coisa em seu lugar.”
(Opus
10 – Consoada*)
*
caroável = amável
*
sortilégios = mistérios
*
consoada = refeição noturna
preocupado
com a necessidade de inovar:
Beijo
pouco, falo menos ainda
Mas
invento palavras
Que
traduzem a ternura mais funda
E
mais cotidiana
Inventei,
por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro,
Teodora.
(Belo Belo –
Neologismo)
–
com o verso livre:
“João
Gostoso era carregador de feira – livre e morava no [morro da Babilônia num
barracão sem número
Uma
noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois
se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu
Afogado.
(Estrela da Vida Inteira –
Poema Retirado de uma notícia de jornal)
–
com a questão social que encontrou força
na lírica (embora entre como tema mais raro).
“Vi
ontem um bicho
na
imundice do pátio
Catando
comida entre detritos.
Quando
achava alguma coisa,
Não
examinava nem cheirava:
Engolia
com voracidade.
O
bicho não era um cão,
Não
era um gato,
Não
era um rato.
O
bicho, meu Deus, era um homem.
(Belo Belo – O bicho)
“[..]
–
Eh! carvoero!
Só
mesmo estas crianças raquíticas
Vão
bem com estes burrinhos descadeirados.
A
madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina,
ingênua miséria!
Adoráveis
carvoeirinhos que trabalhais como se bricásseis!
–
Eh! carvoero!
(Ritmo
Dissoluto – Meninos Carvoeiros)
*
O que a vida negou ao poeta – em face da doença – conseguiu viver na volta à
infância, sinônimo de felicidade plena. Seus sonhos e fantasias, no entanto, se
realizam no universo imaginário de Pasárgada:
Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá
sou amigo do rei
Lá
tenho a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou
– me embora pra Pasárgada
Vou
– me embora pra Pasárgada
Aqui
eu não sou feliz
Lá
a existência é uma aventura
De
tal modo inconsequente
Que
Joana a Louca de Espanha
Rainha
e falsa demente
Vem
a ser contraparente
De
nora que nunca tive
E
como farei ginástica
Andarei
de bicicleta
Montarei
em burro brabo
Subirei
em pau-de-sebo
Tomarei
banhos de mar!
E
quando estiver cansado
Deito
na beira do rio
Mando
chamar a mãe-d’água
Pra
me contar as histórias
Que
no tempo de eu menino
Rosa
vinha me contar
Vou-me
embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É
outra civilização
Tem
um processo seguro
De
impedir a concepção
Tem
telefone automático
Tem
alcalóide à vontade
Tem
prostitutas bonitas
Para
gente namorar
E
quando eu estiver mais triste
Mas
triste de não ter jeito
Quando
de noite me der
Vontade
de me matar
–
Lá sou amigo do rei –
Terei
a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada.
(Libertinagem)
Espécie
de arquétipo, de transposição poética de um sonho, um desejo coletivo, este
poema-utopia será comentado pelo próprio autor:
Esse
nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas”,
suscitou na minha imaginação uma imagem fabulosa, um país de delícias (...)
Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na Rua do Curvelo (Rio de
Janeiro), num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que
eu não tinha feito na minha vida por motivo de doença, saltou-me de súbito do
sub-consciente esse grito estapafúrdio: Vou-me embora pra Pasárgada. Senti na
redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo, mas fracassei
(...) Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me
ocorreu o mesmo desabafo da vida besta. Dessa vez o poema saiu sem esforço como
se já estivesse dentro de mim. Gosto deste poema porque vejo nele, em escorço,
toda minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir as tantas
pessoas a visão, a promessa da minha adolescência – essa Pasárgada onde podemos
viver pelo sonho e que a vida madrasta não quis dar. Não sou arquiteto, como
meu pai desejava, mas reconstitui e “não como forma imperfeita neste mundo de
aparências”, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de Ciro, e sim
a minha Pasárgada. (Manuel
Bandeira – Itinerário de Pasárgada)
Leia
mais um poema em que o mundo ideal e o material transparece liricamente no
poema:
Eu quero a estrela da manhã
Onde
está a estrela da manhã?
Meus
amigos meus inimigos
Procurem
a estrela da manhã
Ela
desapareceu ia nua
Desapareceu
com quem?
Procurem
por toda parte
Digam
que eu sou um homem sem orgulho
Um
homem que aceita tudo
Que
me importa?
Eu
quero a estrela da manhã.
Três
dias e três noites
Fui
assassino e suicida
Ladrão,
pulha, falsário
virgem
mal-sexuada
atribuladora
dos aflitos
girafa
de duas cabeças
pecai
por todos pecai por todos
Pecai
com os malandros
Pecai
com os sargentos
Pecai
com os fuzileiros navais
Pecai
de todas as maneiras
Com
os gregos e com os troianos
Com
o padre e com o sacristão
Com
o leproso de Pouso Alto
Depois
comigo
Te
esperarei com mafuás novenas
cavalhadas
comerei Terra e
direi
coisas de uma ternura tão simples
Que
tu desfalecerás
Procurem
por toda parte
Pura
ou degradada até a última
baixeza
Eu
quero a estrela da manhã.
(M. Bandeira – Estrela da Manhã)
A ONDA
A onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda
anda
aonde?
a
onda a onda
(em Estrela da Tarde)
Leia
agora os comentários abaixo sobre a poética de Manuel Bandeira:
Manuel
Bandeira: estrela da vida inteira
O
livro “Estrela da Vida Inteira” é, na verdade, um conjunto de livros do poeta
recifense, um dos mais ternos do Brasil, Manuel Carneiro de Souza Bandeira
(1886-1968).
São
eles:
Cinza das Horas
(1917): Nele podemos perceber que o poeta, vindo da tradição simbolista
parnasiana, mantém com ela profundos laços e caminha, paradoxialmente, para uma
ruptura dessa tradição. “O que tu chamas tua paixão / É tão somente
curiosidade./ E os teus desejos ferventes vão / Batendo as asas na
irrealidade...// Curiosidade sentimental / Do seu aroma, sua pele. / Sonhas um
ventre de alvura tal, / Que escuro o linho fique ao pé dele (...) E acima
disso, buscas saber / Os seus instintos, suas tendências... / Espiar-lhe na
alma por conhecer / O que há de sincero nas aparências”. (trecho de “poemeto
Irônico”).
Carnaval
(1919): Muito bem recebido pela nova geração da época e por parte da crítica
especializada. “É um livro sem unidade. Sob pretexto de que no carnaval todas
as fantasias se permitem. Admiti, na coletânea, uns fundos de gavetas, três ou
quatro sonetos que não passam de pastiches parnasianos, e isto ao lado das
alfinetadas do ‘sapos”, disse o poeta. O poema “Os Sapos” é uma sátira ao
parnasianismo e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte
Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. O poema seria considerado
uma espécie de hino nacional dos modernistas.
Outro
poema deste livro: “Na velha torre quadrangular / Vivia a Virgem dos
Devaneios... / Tão alvos braços... Tão lindos seios.../ Tão alvos seios por
afagar....”(em “Baladinha Arcaica”).
O Ritmo Dissoluto
(1924): Neste livro Bandeira começa a explorar mais sistematicamente a
simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro, como o próprio poeta
via, de “transição entre dois momentos de sua poesia”.
“A
doce tarde morre. E tão mansa / Ela esmorece, / Tão lentamente no céu de prece,
/ Que assim parece, toda repouso, / Como um suspiro de extinto gozo/ De uma
profunda, longa esperança / Que, enfim cumprida, morre, descansa...” (em
“Felicidade”).
Libertinagem
(1930): Com a publicação deste livro, pode-se dizer que a poesia de Bandeira
amadureceu definitivamente, no sentido de uma liberdade estética. Além disso, o
poeta consolidou sua temática existencial e explorou com mais frequência as
cenas e imagens brasileiras. Poemas que se transformaram em clássicos: “Não Sei
Dançar”, “Pneumotórax”, “Poética”, “Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma
Notícia de Jornal”, “Teresa”, e “Vou-me Embora para Pasárgada”.
“Uns
tomam éter, outros cocaína. / Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria./ Tenho
todos os motivos menos um de ser triste./ Mas o cálculo das probabilidades é uma
pilhéria...” (em “Não sei Dançar”). “Recife / Não a Veneza americana/ Não a
Mauritstadt dos armadores das índias ocidentais (...) Mas o Recife sem história
nem literatura / Recife sem mais nada / Recife da minha infância” (em “Evocação
do Recife”).
Estrela da Manhã (1936): Bandeira tinha 50 anos
quando, sem encontrar editor, publicou 50 exemplares na marra (papel doado e
impressão custeada por subscritos). Alguns músicos interessaram-se por seus
textos, como Jaime Ovall e Radamés Gnatali, entre outros. Em 1945, o poeta
compôs as letras para uma série de canções, a pedido do maestro Villa-Lobos,
que queria composições tipicamente brasileiras para serem cantadas em ocasiões
festivas. Foram reunidas com o nome de Canções de Cordialidade (“Trem de
Ferro”, Berimbau”, “Cantiga”, “Dona Janaína”, “Irene do CÉU”, “Na Ruía do
Sabão”, “Macumba do Pai Zuzé”, “Boca de Forno”, “O Menino Doente” e “Dentro da
Noite”, publicados em outras obras. “As três mulheres do sabonete Araxá me
invocam, me bouleversam, me hipnotizam. / Oh, as três mulheres do sabonete
Araxá às 4 horas da tarde! / O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
/ Que outros, não eu, a pedra cortem / para brutais vos adorarem, “Ó
brancaranas azedas, / Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata / Ou celestes
africanas (...) Meu Deus, serão as três Marias? // A mais nua é doirada
borboleta / Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, (...) e nunca mais
telefonava / Mas, se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida
outrora teria sido um festim”. (em “Balada das Três Mulheres do Sabonete
Araxá”).
Lira dos Cinquent’Anos (1940):
Publicação de emergência, o primeiro convite que o poeta recebeu de uma casa
editora. Bandeira candidatou-se à Academia Brasileira de Letras.
“Ouro
branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada / Ribeirão trepidante e de cada
recosto/ De montanha o metal rolou na cascalhada / Para o fausto d’El-Rei, para
a glória do imposto // Que resta do esplendor de outrora? Quase nada: /
Pedras... templos que são fantasmas do sol-posto”. (em “Ouro Preto”).
“Vi
uma estrela tão alta, / Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo / Na
minha vida vazia // Era uma estrela tão alta! / Era uma estrela tão frial! /
Era uma estrela sozinha / Luzindo no fim do dia” (em “A Estrela”).
“Lapa-Lapa
do Desterro -, / Lapa que tanto pecais! / Mas quando batem seis horas, / Na
primeira voz dos sinos, / Como anunciava / A Conceição de Maria, / Que graças
angelicais!” (em “Última Canção do Beco”).
Belo Belo (1948):
Esse título foi tirado de um poema da Lira dos Cinquent’Anos. Numa edição
posterior, de 1951, foram acrescentados alguns poemas.
“Vamos
viver no Nordeste, Anarina. / Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas
riquezas, minha vergonha/ Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
/ Aqui faz muito calor. / No Nordeste faz calor também. / Mas lá tem brisa”.
(em “Brisa”).
“Belo
belo minha bela / Tenho tudo que não quero / Não tenho nada que quero / Não
quero óculos nem tosse / Nem obrigação de voto (...) Belo belo / Mas basta de
lero-lero / Vida noves fora zero” (em “Belo Belo”).
Mafuá do Malungo
(1948): Publicado na Espanha por iniciativa de João Cabral de Melo Neto. Mafuá
significa feira popular, malungo é um africanismo, significando companheiro.
Nesse livro, Bandeira faz jogos com as primeiras letras das palavras, faz
também sátiras políticas, brinca “à maneira de outros poetas”.
“Olhei
para ela com toda a força. / Disse que era boa. / Que ela era gostosa, / Que
ela era bonita pra burro: / Não fez efeito (...) Virei pirata (...) Então
banquei o sentimental (...) Escrevi cartinhas (...Perdi meu tempo: não fez
feito / Meu Deus que mulher durinha! / Foi um buraco na minha vida. / Mas eu
mato ela na cabeça: / Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas, / Pastilhas
purgativas: / É impossível que não faça efeito!” (em “Dois Anúncios”. “I –
Rondó de efeito”).
Opus 10 (1952-1955)
A expressão do título vem do universo da música. A palavra latina Opus
indica genericamente obra, composição, e o número indica a posição de
determinada peça num conjunto de composição do autor. Nomeando um livro seu a
partir de uma expressão tomada no universo da música, Bandeira ressalta a
importância da música e da musicalidade em sua obra.
“Como
em turvas águas de enchente / Me sinto a meio submergido, / Entre destroços do
presente / Dividido, subdividido, / Onde rola, enorme, o boi morto (...) Morto
sem forma ou sentido / Ou significado. O que foi / Ninguém sabe. Agora é boi
morto” (em “Boi Morto”).
“Grilo
toca aí um solo de flauta. / – De flauta? Você me acha com cara de flautista? –
A flauta é um belo instrumento. Não gosta? / – Troppo dolce!” (em “O Grilo”).
Estrela da Tarde
(1960) reeditado em 1963, com novos poemas. É a maturidade do poeta completo
que Bandeira já é ao tempo deste livro, onde ele tanto retorna ao soneto
tradicional (reinventado na sua poética), como se utiliza de recursos gráficos
– talvez inspirados nas vanguardas contemporâneas – na montagem de poemas como
“O Nome em Si”.
“Vejo
mares tranquilos, que repousam, / Atrás dos olhos das meninas sérias. / Alto e
longo elas olham, mas não ousam / Olhar a quem as olha, e ficam sérias” (em
“Variações Sérias em Forma de Soneto”).
Lira do Brigadeiro
“Depois de tamanhas dores, / De tão duro cativeiro / às mãos dos interventores,
/ Que quer o Brasil inteiro? / – O Brigadeiro! (...) Brigadeiro de esperança,
/ Brigadeiro da lisura / Que há nele que
tanto afiança / A sua candidatura? / –
Alma pura! (...) Abaixo a politicalha! Abaixo o politiqueiro! / Votemos em quem
nos valha: Que nos vale, brasileiro? / – O Brigadeiro! (...) O Brigadeiro é
católico (...) Comunga, mas não comunga/ Com os impostores ateus / E os ricos
do Estado Novo: / Comunga só com o seu Deus / E com o povo! (...) – Não voto no
militar; voto no homem escandaloso. / – Ué, compadre, quem é o homem
escandaloso? / – O Brigadeiro (...) Não zunzuna / Nem não fala atoamente; /
Será nosso presidente / Estava no seu destino / Desde que ele era tenente /
Desde que ele era menino”.
OUTROS
POEMAS: O SUPLICANTE – “Padre Nosso,
que estás no céu santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu reino. Seja
feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pó nosso de cada dia nos dá
hoje. // O SENHOR (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal
tu és pó e em pó te converterás!” (em “Sonho de uma noite de coca”).
“Casa
Grande & Senzala”/ Grande livro que fala / Desta nossa leseira / Brasileira
// Mas com aquele forte / Cheiro e sabor do Norte / – Dos engenhos de cana
(Massangana!) (...) Se nos brasis abunda / Jenipapo na bunda, / Se somos todos
uns / Octoruns / Que importa? E lá é desgraça?
/ Essa história de raça, / Raças más, raças boas (...) É coisa que
passou / Pois o mal do mestiço não está nisso. // Está em causas sociais, / De higiene e outras que tais: / Assim
pensa, assim fala / Casa Grande & Senzala. // Livro que à ciência alia / A
profunda poesia / Que o passado revoca / E nos toca // A alma de brasileiro, /
Que o portuga femeeiro / Fez e o mau fado quis / Infeliz!”
*
ALCÂNTARA MACHADO
Antônio
de Alcântara machado divertia-se falando dos escritores tradicionais, que
cultivavam ainda uma linguagem rebuscada, ultrapassada. Veja um de seus
comentários a esse respeito: “O literato nunca chamava a coisa pelo nome.
Nunca. Arranjava sempre um meio de se exprimir indiretamente. Com
circunlóquios, imagens poéticas, figuras de retórica, metalepses, metáforas e
outras bobagens complicadíssimas”.
Alcântara
Machado (ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO – (1901 – 1935).
Nasceu em São Paulo. Foi crítico de
teatro, trabalhou no Jornal do Commercio. Fez viagens à Europa, conheceu Oswald
de Andrade. Colaborou na Revista Terra Roxa e Outras Terras, na Revista
Antropofagia e na Revista Nova. Esteve muito ligado à crônica jornalística.
Trabalhou a prosa. Usou de linguagem leve, telegráfica, cinematográfica, cheia
de flashes, cortes – a chamada prosa experimental. Retratou a vida dos
imigrantes pobres, os italianos de São Paulo, moradores do Brás, Bexiga, Barra
Funda e Mooca. Falou do trabalhador humilde (italianos): barbeiros, merceeiros,
operários, habitantes de bairros proletários que modernizaram a cidade de São
Paulo. Seu foco de interesse recai sobre aspectos humanos, morais, culturais e linguísticos.
É a vida urbana e operária da grande São Paulo do início do século. Alcântara
Machado procura recompor o ambiente em traços leves, demonstrando preocupação
jornalística ao mesmo tempo que expõe a situação socioeconômica dos
personagens. Seu texto aparece recheado de palavras da língua italiana, de
imigrantes italianos marginalizados e
desejosos de ascender socialmente. Como técnica de composição faz uso da
superposição de cenas, à maneira das colagens. O narrador vai fotografando cena
por cena e deixa uma imagem crítica, às vezes humorística, dos italianos.Contos:
Brás, Bexiga e Barra Funda; Laranja da China.
O Segundo momento modernista – Prosa
O Regionalismo
de trinta (1930 a 1945)
O
manifesto Regionalista de 1926
Com
a divulgação do que seria a estética modernista nos vários estados brasileiros
o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) torna-se conhecido e sente-se
atraído pelas novas tendências do
momento. Preocupado em estimular o “sentimento de unidade do Nordeste” viram no
modernismo a saída.
Os
interesses da região nos seus aspectos mais variados (sociais, econômicos,
políticos, culturais) são colocados como meta do Centro, além de conferências,
exposições de arte, congressos e publicação de revistas.
No
Nordeste, Gilberto Freyre, José Lins do Rego e José Américo de Almeida
organizaram em 1926 o Congresso Regionalista do Nordeste cujo objetivo
era criar uma literatura diretamente ligada à realidade nordestina (latifúndio,
seca, violência social, coronelismo e a corrupção, os contrastes sociais).
Estes problemas, logicamente, têm dimensões universais, não esqueça.
PROSA
O
período que vai de 1930 a 1945 reflete uma reavaliação do passado. Na poesia,
podemos falar em um “neo-romantismo”, “neo-simbolismo”. Na prosa,
falamos em “neo-realismo”, “neo-naturalismo”. Destaquemos que este é o período
da prosa regionalista no Nordeste, cujo objetivo é a denúncia; e da prosa
mais intimista – romance psicológico.
Vemos
agora autores preocupados em produzir uma literatura de caráter mais
construtivo, é a fase da consolidação do abandonado do radicalismo da primeira
fase. Claro que o contexto histórico interferiu na visão de mundo dos autores e
também algumas propostas do primeiro momento são mantidas.
Contexto
Histórico-Social
As
transformações vividas pelo país com a Revolução de 30 (época do governo
Vargas, momento da ditadura) impulsionaram os autores a focalizar problemas
sociais em uma linguagem crítica e seca.
Num
contexto situacional mais amplo, vale ressaltar a crise econômica de 1929 com o
Crack da Bolsa de Nova York e os efeitos para o resto do mundo; a radicalização
política (cuja origem está no Nazi-Facismo e no combate ao Socialismo no Brasil
com o Integralismo) em DIREITA X ESQUERDA); a crise da atividade cafeeira; o
questionamento do domínio das tradicionais oligarquias regionais em prol da
nova burguesia industrial; a tensão provocada pela Segunda Guerra Mundial. Tudo
isso provocou choques ideológicos que levaram os escritores a posições mais
definidas e “engajadas”. Desenvolveram um romance caracterizado pela denúncia
social – verdadeiro documento da realidade brasileira – em que as relações eu
/ mundo atingiram elevado grau de tensão. É o encontro do escritor com o
povo.
·
O REGIONALISMO DE 30
O
regionalismo ganha relevo na busca do homem brasileiro
“espalhado nos mais distantes recantos da nossa terra”. Destaque especial
merecem os escritores nordestinos que vivenciaram um Nordeste em transição, a
passagem de um Nordeste dos engenhos de cana-de-açúcar para a nova realidade
capitalista e imperialista.
Nas
regiões de cana, a decadência dos banguês e engenhos – devorados pelas modernas
usinas – ponto fundamental de romances de José Lins do Rego; na região do cacau
podemos destacar o poder político nas mãos de uma minoria privilegiada, de
interventores; destacam-se ainda as constantes secas aumentando as
desigualdades sociais, a migração, a miséria, a fome, a exploração do
trabalhador rural.
Os
romancistas de 30 herdaram da geração de 22 o interesse em retratar as
situações do cotidiano, o uso de uma linguagem mais próxima do português do
Brasil, da fala (oralidade, vocabulário próprio de cada região.)
O
primeiro romance representativo do regionalismo nordestino, que teve seu ponto
de partida no manifesto regionalista de 1926, foi A Bagaceira, de
José Américo de Almeida, verdadeiro marco na história literária do Brasil. Sua
importância está mais na temática – a seca, os retirantes, o engenho – e no
caráter social do que nos seus valores estéticos.
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