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quarta-feira, 16 de maio de 2018

LITERATURA BRASILEIRA Parte 2 PROFESSOR MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, Moisés Neto

SIMBOLISMO

PROFESSOR MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, Moisés Neto


Movimento Simbolista


       “Mergulhando no subjetivismo e no inconsciente, a poesia simbolista tornou-se um meio de sondagem do mundo interior do eu-lírico.
Na pintura, o simbolismo explora o poder sugestivo das imagens indefinidas, da imprecisão dos contornos, criando um clima de sonhos.” O misticismo, o sonho, a fé, a religião são valores retomados com o afã de encontrar novos caminhos.

Tanto em Portugal quanto no Brasil, o Simbolismo começou em fins do século XIX) e se estendeu até o início do século XX, portanto conviveu com as tendências pré-modernistas. Em fins do séc. XIX, vivia-se na Europa a sensação de fim de mundo de depressão causada pela falta de sentido da vida. O cientificismo da 2 metade do séc. XIX, a ciência, a poderosa ciência, o racionalismo não foram capazes de solucionar problemas “tão simples” como a angústia existencial, o desemprego, a miséria. É desta forma que chegamos a falar em “Decadentismo” ou “fase preparatória de um estado de sensibilidade”. Este estado convertido em arte chamou-se SIMBOLISMO.

O Simbolismo surge como criação artística do “eu - profundo”, ou seja, foi uma estética que se opôs ao rigor científico dos positivistas do momento (a preocupação unicamente com a forma dos parnasianos e o fatalismo dos esritores naturalistas), ao objetivismo, descritivismo da literatura bem como à ideologia da burguesia. Surge o mal – estar comum ao fim de século. Fugindo à realidade imediata, os simbolistas dão um mergulho interior (irracionalismo) fundem, correspondem, o mundo material com o espiritual (mundo da substância, essência) à busca da unidade. Divergem dos românticos por irem além da camada superficial do confessionalismo, do pieguismo e por quererem atingir a essência do ser humano.
O que interessa não é descrever um objeto, mas sugeri-lo, buscar-lhe o mistério e não descrevê-lo racionalmente, cientificamente. Todos os objetos do mundo real têm correspondência, percebida graças ao mergulho no misterioso universo de associações de ideias – mundo irracional. “O mundo natural com tudo que contém existe graças ao Espiritual e ambos os mundos graças à Divindade”.
       Os Simbolistas visam à POESIA PURA (fim da poesia tradicional) e para consegui-la lançam mão de imagens, símbolos sugestivos (“Sugerir, eis o sonho”, disse Mallarmé) criando uma poesia hermética, de difícil compreensão (reviravolta poética que vai ganhar força com os modernistas), uma poesia fruto do inconsciente, da intuição, do gosto pelo Mistério. Veja que os simbolistas mexeram com códigos literários novos, e prepararam caminho para correntes artísticas do século XX tais como o Expressionismo e o Surrealismo.
Em um universo marcado pelo cientificismo não era de se estranhar que os simbolistas e sua postura metafísica fossem alvos de críticas por parte da burguesia capitalista. Vários atributos negativos surgem para os poetas tais como “decadentes”, “malditos’, “nefelibatas” (=os que vivem nas nuvens”).
O Simbolismo é contemporâneo do Realismo – Naturalismo e Parnasianismo, mas não teve o destaque da poesia parnasiana por motivos claros. Enquanto os parnasianos atenderam ao gosto da classe dominante – com o Esteticismo, A arte pela Arte – os simbolistas refletiram sobre o mundo problemático, o Fantasma da Guerra – e criaram uma poesia que atenuasse a angústia finissecular. A poesia adquire um caminho próximo ao da Filosofia e da Religião (=Transcendência, o Mistério, o Místico), pois o mundo estava complicado de se entender racionalmente. O melhor foi buscar uma realidade mais subjetiva via “tendências espiritualistas”. “Subconsciente” e “inconsciente” que passam a ser valorizados. Busca-se o abstrato, o vago, o diáfano, o sonho, a loucura mediante a combinação do racional com o irracional.
A fim de exprimir a essência da vida, materializar sensações (sem descrever, sem usar conceitos), os poetas vão investir na carga sonora dos versos (POESIA E MÚSICA), no uso de iniciais maiúsculas. As palavras evocam sentimentos como notas musicais (SINESTESIA, ALITERAÇÃO, ECO). O uso do símbolo evita a referência direta às coisas bem como a linguagem sensorial e alógica.
A capacidade sugestiva, a musicalidade de expressão e o idealismo de origem platônica são características marcantes da estética Simbolista que alguns românticos e parnasianos anteciparam. O romântico desejou o paraíso; o simbolista fez do mundo o seu lugar e no âmago de tudo era preciso descobrir a alma: “A plenitude dos sentidos e do espírito, comunga com a Natureza”quando se decifra a floresta de símbolos”.  A poesia tem enigma ou mistério e o leitor é um decifrador da expansão das coisas infinitas.
* Agora vamos destacar algumas situações típicas da poesia simbolista (POESIA PURA).

·          A poesia se aproxima da música, uso de vocabulário musical e sugestivo. Valorização do conhecimento intuitivo e não lógico.
·          Emprego de maiúsculas Alegorizantes (substantivos comuns escritos com inicial maiúscula no interior do verso).
·          Musicalidade.
·          O cromatismo (que se revela, principalmente, pela obsessão da cor branca).
·          SINESTESIA (combinação de percepções distintas na mesma frase).
·          Ênfase nas sugestões das cores (brancas principalmente – alvura).
·          Uso de aliterações, assonâncias, ecos.
·          Emprego frequente de reticências e vocábulos abstratos escolhidos pela sonoridade, ritmo, brilho (colorido) a fim de criar impressões sensíveis.
·          SUGESTÃO, MISTÉRIO (Uso de símbolos, metáforas).
·          MISTICISMO – Gosto pelos valores da Idade Média e pelo uso de vocabulário litúrgico.
·          Gosto pelo tom vago, nebuloso, pela poesia indireta (hermética).
·          Uso de substantivos abstratos no plural.
·          Conflito eu X mundo.
·          Volta a uma “Realidade subjetiva”.


NOTA:  “Quanto ao Brasil
“No que tange ao contexto, tem-se uma poesia distante do espaço social brasileiro.

Você sabia?

* A estética simbolista tem pontos de contato com a estética parnasiana quanto à preocupação formal (uso dos sonetos) e quanto ao estar longe das questões do mundo. (os nefelibatas).
Os simbolistas ao romperem com a estrutura sintático-semântica, com a linearidade e usarem a linguagem do interior anteciparam pontos-chave da estética moderna.
* Antes de qualquer coisa, música
       (...)
É preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras sem ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o indeciso se junta ao preciso.
(Paul Verlaine)



Ao pintor não interessa fotografar a realidade, mas captar a essência da paisagem, a sua alma.
Os principais teorizadores do simbolismo foram chamados de malditos ou decadentes devido às inovações e oposição aos positivistas. São eles:
Baudelaire: com a teoria das “correspondências”.
Verlaine: a “música” antes de qualquer coisa
Rimbaud: a magia da palavra, “a alquimia verbal”.
Mallarmé: sugerir é a palavra de ordem. Defendeu a rebeldia sintático-semântica o hermetismo.


“Nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse mistério que constitui o símbolo: evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de alma, ou inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através de uma série de adivinha”.
(Stéphane Mallarmé, poeta simbolista francês).

Gauguin simbolista
Gaugin: Impressionismo/ Simbolismo

O SIMBOLISMO NO BRASIL

É um movimento paralelo ao Pré-Modernismo. Teve início em 1893 com a publicação de Missal (poemas em prosa) e Broquéis (poesias), de Cruz e Sousa. Projeta-se no século XX e se estende até a Semana de Arte Moderna em 1922.
Para efeito de estudo, podemos pensar em limites cronológicos e não em confluências de estilos.


SIMBOLISMO

INÍCIO     – 1893 Missal (Cruz e Souza) Broqueis


       De 1902 até 1922 podemos pensar no Pré-Modernismo.

Agora, saiba que a convivência, a confluência de estilos foram comuns na 2ª metade do séc. XIX e início do séc. XX, ou seja, produções parnasianas, simbolistas, pré-modernistas aconteceram paralelamente.
No Brasil, o Simbolismo foi desprezado, considerado arte inferior quando comparado ao poder do parnasianismo. Cruz e Souza só teve seu trabalho consagrado no século XX, quando foi reconhecido como terceiro maior poeta simbolista do mundo.


AUTORES SIMBOLISTAS

Cruz e Sousa – (1861 – 1898)
Admirável evocador de sons e imagens. Nasceu em Desterro (hoje Florianópolis) e morreu na cidade mineira de sítio em 1898. Ficou conhecido como O Dante Negro, O Cisne Negro ou O Cavador do Infinito. Sofreu a dor de ser negro em função do preconceito da época, chegou inclusive, a perder cargo importante – Promotor em Laguma – por sua negritude. Acabou seus dias como miserável. Morre tuberculoso aos 36 anos.

A poesia de Cruz e Sousa segue uma linha humanístico-social, ou seja, voltou-se para os problemas transcendentais do homem. Em sua poética, as cores e os sons exibem o sofrimento humano. Ao aderir à volta da supremacia do sujeito sobre o objeto, às tendências espiritualistas ou místicas, à relação do homem com o sagrado, à integração da poesia com a vida cósmica sua arte, na época, não teve força, pois além do preconceito por ser negro, havia ainda a produção parnasiana que caiu no gosto da burguesia.
A obra do Cisne Negro segue duas perspectivas: exibe os aspectos sombrios, o gosto pelo noturno – herança romântica; e a preocupação formal, a metrificação, o uso dos sonetos – herança parnasiana. Quanto à forma preocupou-se também por dar valor absoluto a certos termos.
Dos Realistas e Naturalistas, Sousa herda a formação filosófica, o uso de termos científicos e uma visão de mundo marcada pelo pessimismo. Tudo isto ele funde aos ideais simbolistas. o individualismo, os impulsos pessoais entram como herança romântica. Não esqueça que o Simbolismo aprofundou a visão de mundo dos românticos.
São ainda situações comuns em sua obra:
A concepção trágica da existência; o satanismo e as correspondências (herança de Baudelaire); o gosto pelo noturno; a poesia filosófica e meditativa; o requinte verbal, o tom oratório (a consciência do estético); gosto pelo transcendental que provém do conflito eu X mundo; da ânsia de totalidade; um lirismo trágico, fúnebre, mórbido (na poética de Evocações); o sensualismo reprimido (a angústia sexual que o poeta vai sublimar, chegando, inclusive, ao platonismo); o prazer da Dor (“Vê como a dor te transcendentaliza.”) e a angústia metafísica (cosmogonia) fruto do mal-estar provocado pela análise do mundo materialista, capitalista.
Este último aspecto revela, no poeta, a dor de ser homem, saber-se impotente (Faróis, Últimos Sonetos), a revolta contra a condição dos humilhados e miseráveis como ele.



Obras:
Poesia: Broquéis(1893), Faróis, Últimos Sonetos (1905).
Prosa: Tropos e Fantasias (1885), Missal (1893); Evocações (1898).

OBS.: Missal e Evocações são poemas em prosa.

Cruz e Sousa revelou-se extremamente preocupado com a missão do poeta, com a expressividade e construção do texto (aspectos estilísticos), por isso sua habilidade levou-o a criar imagens que dizem da sua percepção trágica da vida, da ânsia do Infinito, do culto à noite.
Mostrou-se fortemente influenciado  pela poesia reflexiva, filosófica do poeta português Antero de Quental e pelas inovações do poeta francês Baudelaire. Deste herdou a habilidade para trabalhar o poema em prosa (prosa-poética), a consciência dos contrastes e a lei das correspondências.
Dos real-naturalistas nasceu o pessimismo, os “vocábulos científicos”, as expressões fortes do seu lirismo mórbido, o cenário de horror que surge em Faróis e Evocações (poemas: Tristeza do Infinito, Música da Morte, Caveira, O Emparedado, A Ironia dos Vermes): “E alucinado e em trevas delirando, / como um ápio letal, vertiginando, / os meus nervos, letárgica, fascina...” (música da morte).
Observe que este cenário vai influenciar (mais tarde) a poética do escritor paraibano, Augusto dos Anjos.
A sublimação do prazer – inclusive físico – atinge o auge em sua obra Últimos Sonetos onde o poeta revela-se ansioso pelo Infinito, pelo Mistério.

Agora faça suas leituras:

TEXTOS

CÁRCERE DAS ALMAS

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Purza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!

VIDA OBSCURA

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres,
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessante no silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!


O ASSINALADO

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema,
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz com que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco,

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

VIOLÕES QUE CHORAM...

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluções ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.
                   (...)
Vozes velada, veludas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas no senhor,
Almas que se abismaram no mistério.

ANTÍFONA

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume..
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.3

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúbio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amor vãos, tantálicos, doentos...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...


CAVADOR  DO INFINITO

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho
E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!


ACROBATA DA DOR
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado.
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! Reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas d’aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


Visão da Morte
“Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intérminos, desertos...”



Mulheres


“Amar e gozar as nebulosas mulheres, mergulhar, engolfar a alma infinitamente, inefavelmente, em repouso, como num harmonioso luar, sem sobressaltos e ansiedades, na alma enevoada que elas ocultam sempre, só é dado às naturezas vulgares, que amam com a carne, que amam com o sangue apenas, no ímpeto brutal de todos os instintos...”
(Fragmento de Missal)




·                      ALPHONSUS DE GUIMARAENS
(1870-1921 – MG)
O poeta mais católico da Literatura Brasileira

(O Solitário de Mariana: O Amor, A morte, O Misticismo).
A Prima Constança – seu grande amor. Vista como Santa ou Anjo.
Católico Mariano devoto.
Sofre influência do ambiente barroco e decadente das cidades de Minas Gerais.

Características da poética de Alphonsus de Guimaraens:

·          Boa parte de sua produção tem por temática o amor e a morte (a morte da mulher amada vista como algo insuperável). A prima Constança (morta) é identificada com a Virgem Maria (= “platonismo místico” e Lirismo amoroso idealista).
·          O tom de sua poesia é triste (verso plangente) -  TOM ELEGÍACO.
·          Misticismo (maior poeta místico da Literatura Brasileira) Religiosidade bastante formal).
·          Vocabulário remete à cor branca.
·          Musicalidade.
·          O tema da morte como experiência estética. (herança da literatura gótica, macabra dos ultra-românticos).

* Medievalismo (uso de redondilhas de riqueza melódica); usou também versos decassílabos.

·          Obsessão pela Morte (= possibilidade de encontrar a amada e/ou de atingir o Absoluto).
·          ATMOSFERA  de sonho e Mistério.
·          Sofre influências árcades e renascentista quanto à forma, porém não cai no rigor parnasiano.
·          Atmosfera mística e litúrgica devido às referências à morte: esquife, cores roxa e negra, mãos de finada etc

TEXTOS



ISMÁLIA

“Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

       No sonho em que se perdeu,
       Banhou-se toda em luar...
       Queria subir ao céu,
       Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

       E como anjo pendeu
       As asas para voar...
       Queria a lua do céu,
       Queria a lua do mar....

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par
Sua alma subiu ao céu.
Seu corpo desceu ao mar...”




A CATEDRAL


“Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.

A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsoso:.
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Um áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.

A catedral ebúmea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
                   (...)
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.

A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
                   (...)


Hão de chorar por Elas os Cinamomos


Hão de chorar por elas os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - “Aí, nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria...”
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim – “Por que não vieram juntos?”



Obras
POESIAS
·          Kiriale (publicado somente em 1902).
·          Setenário das Dores de Nossa Senhora 91899).
·          Câmara Ardente (1899).
·          Dona mística (1899).
·          Pauvre Lire (1921).
·          Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923).
·          A Escada de Jacó (1938).
·          Pulvis (1938).

PROSA: Os Mendigos (1920).
TRADUÇÃO: Nova Primavera.







PRÉ-MODERNISMO


A LITERATURA PROBLEMATIZADORA

DA REALIDADE (1902 – 1922)



Não podemos falar em um estilo literário propriamente dito, mas em uma fase de transição, preparação para um estilo revolucionário (= MODERNISMO).
O Pré-Modernismo vai de 1902 com a publicação de Canaã, de Graça Aranha e de Os Sertões, de Euclides da Cunha até 1922, ano da realização da Semana de Arte Moderna.
Podemos falar, neste momento, em confluências de estilos (e nunca em sucessão) pois conviveram o Real-Naturalismo (e a prosa regionalista), o Parnasianismo, o Simbolismo e o Pré-Modernismo. Vivia-se, nos primeiros anos do século XX, a “belle époque brasileira”, um mundo cor-de-rosa: importava-se a última moda de Paris. Ao mesmo tempo em que isso acontecia, apareciam escritores preocupados em denunciar a miséria. Outros insistiam ainda nos padrões estéticos do Parnasianismo, nunca arte conservadora, na linguagem acadêmica. Aponta-se para a existência de duas tendências literárias neste período: a tendência conservadora (em que predomina a mentalidade positivista da época) e a tendência renovadora (uma literatura progressista, que destacou as nossas carências sociais, políticas e culturais – inovadora do ponto de vista do conteúdo apenas.)
Da tendência renovadora fizeram parte escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, os mais ardentes representantes das perspectivas nacionalistas.

O período histórico que percebeu a Semana de Arte Moderna (1922) teve significado artístico e não apenas um registro histórico, pelo surgimento de uma literatura social mais problematizadora, sem o mecanicismo das correntes artísticas do Realismo-Naturalismo. Foi uma tendência mais autenticamente nacional, voltada para os problemas concretos do país, sem a idealização das fórmulas europeias importadas. Os Sertões, de Euclides da Cunha, constituiu-se em uma das realizações iniciais desse projeto artístico (...).
O nacionalismo pré-modernista teve Graça Aranha como seu ponto de partida. Seu romance Canaã focalizou a imigração europeia (alemã) e procurou defender a viabilidade do Brasil como país independente. Esse nacionalismo ganhou consistência através da reflexão crítica sobre a situação social. Em Os Sertões, de Euclides da Cunha, o sertanejo já era visto com suas carências. (...) O caráter nacional e social também apareceu em Monteiro Lobato, que aproximou, em sua obra, a perspectiva racional dos escritores realistas do século XIX da literatura social da década de 1930. Com Lima Barreto, o nacionalismo foi visto em função das camadas proletárias do Rio de Janeiro.

ABDALA JR., Benjamin & CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da literatura brasileira. São Paulo, ÁTICA, 1988.


CONTEXTO HISTÓRICO – POLÍTICO – SOCIAL

       Vários fatores do ponto de vista histórico alteraram a visão de mundo dos escritores  e os levaram a refletir sobre a rigidez positivista do SEGUNDO OITOCENTOS:
       As contradições do momento se prolongam com a Revolução de Canudos na BA (1896 – 1897); o fenômeno do Cangaço, proveniente da decadência da economia dos engenhos; cresce o fanatismo religioso cujo início se deu com o padre Cícero, no Ceará; no Rio de Janeiro surgem algumas revoltas: a revolta contra a vacina obrigatória, a Revolta da Chibata (1910), a Revolta da Armada, oposição ao governo de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro; acontecem as greves de operários em função de péssimas condições de trabalho; intensifica-se a imigração no Brasil (mão de obra imigrante), os camponeses enfrentam tropas do governo em Santa Catarina na guerra do Contestado; instala-se a república café com leite (no poder oligarquias rurais de São Paulo e de Minas Gerais). É por tudo isso que cresce o interesse pela realidade brasileira.

Características do Pré-Modernismo

·          Tendências opostas em coexistência
As novidades injetadas na literatura nacional convive com o academicismo e o neoparnasianismo. A linguagem sem finalidade de denúncia divide espaço com a linguagem da crítica, da exibição das mazelas sociais.

·          Perspectivas nacionalistas e renovação
De um lado, persistia o nacionalismo ufanista, conservador; do outro, um nacionalismo crítico, consciente. Este nacionalismo aparece nas páginas de Os Sertões, de Euclides da Cunha quando este denuncia o massacre em Canudos; na busca de uma linguagem mais simples e coloquial de prosa de Lima Barreto ao exibir os subúrbios cariocas e os políticos tiranos; na denúncia da miséria do caboclo do Vale do Paraíba feita por Monteiro Lobato.
·           A construção de uma poesia de estranhamento, uma poesia “antilírica”.
Augusto dos Anjos rompe com a poesia acadêmica, dessacraliza-a, mistura os estilos, faz uso de vocabulários “antilíricos”.
·          A Paisagem Brasileira e o homem regional
O sentimento da terra e do homem sertanejo vêm à tona, surge a pesquisa da região.



AUTORES


·               JOSÉ PEREIRA DA GRAÇA ARANHA (1868 – MA, 1931 – RJ)

Proferiu  conferência de abertura da Semana de Arte Moderna – A FUNDAÇÃO ESTÉTICA DA ARTE MODERNA – Tinha um espírito renovador no sentido de superar a herança positivista ainda reinante em sua  época.   Tentou   compreender a metafísica Brasileira, o que realmente definiria a formação do nosso povo. Para ele a formação do povo brasileiro está na miscigenação das raças, fonte da harmonia universal. Este tema aparece em Canaã, sua obra mais conhecida, cujo objetivo é falar da integração cósmica do indivíduo com a realidade brasileira. Idealismo e Realidade se fundem quando fala dos imigrantes, da miscigenação. Graça Aranha foi um dos primeiros escritores a falar da migração alemã no Brasil e a defender uma posição estética mais moderna (embora sua retórica o remetesse aos modelos do séc. XIX).

    Obras: Canaã (ROMANCE); O Espírito Moderno (Ensaio e Conferência); A Estética da vida (Filosofia); A Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco (Comentários); Malazarte (Teatro).
       Na obra Canaã, inverte na linha experimental de tese e situa o enredo em Porto do Cachoeiro, Espírito Santo.
       “A ação gira em torno de Milkau e Lentz, dois imigrantes alemães, que escolheram o Brasil como segunda pátria. Milkau se volta para a defesa do país que encara de modo idealista. Lentz, ao contrário, é racista e preconceituoso, acredita na supremacia dos povos arianos sobre os mestiços, tem ideias colonianistas. Milkau defende a integração do imigrante na realidade brasileira.”


Os braços de Maria retesaram-se de novo e apertaram os de Milkau. Habia um rumor contínuo e aflitivo de vento mau nas folhas da grande massa. Iam inquietos, afundando os olhos na infindável negrura, donde vinha o clamor do mistério e do sofrimento das árvores castigadas. E o vento implacável ia passando, fazendo-as gemer rumorosamente... (...)
– É a felicidade que te prometo. Ela é da terra, e havemos de achá-la... Quando vier a luz, encontraremos outros homens, outro mundo, e aí... É a felicidade... Vem, vem...
 
 











Euclides da Cunha (1866 – 1909)
“Repensou o interior do país, afastando-se completamente do ufanismo oficial.”

Obras: Os Sertões (1902); Contrastes e Confrontos (10907); À margem da História (1909).

Os Sertões  (Obra-prima)
Euclides como jornalista de O Estado de São Paulo foi enviado ao sertão da Bahia para fazer a cobertura sobre a guerra de Canudos. Como jornalista, engenheiro, ex-militar, positivista e republicano convicto pensava que os miscigenados caboclos do sul da Bahia eram apenas fanáticos religiosos (focos monarquistas no sertão) seguidores do líder religioso Antônio Conselheiro. Os fatos se encarregaram de mudar seu ponto de vista “ao perceber que os verdadeiros selvagens trajavam farda.” A forma, a miséria, a falta de educação, o descaso das autoridades, o isolamento da população, o atraso cultural, o problema do latifúndio foram alguns dos aspectos percebidos, aos poucos, por Euclides da Cunha. Cinco anos após a guerra, publica Os Sertões, “obra que narra e analisa os acontecimentos de Canudos à luz das teorias científicas da época. O país, a região, a geografia, a cultura vêm à tona num verdadeiro misto de SOCIOLOGIA e FICÇÃO. Os Sertões funcionam como denúncia da violência.
A obra está dividida em três partes:  A Terra, O Homem, A Luta, reflexo da teoria determinista: O homem é produto do meio, da raça e do momento histórico. Trata-se de um relato sobre a guerra de Canudos. Quatro expedições são mandadas ao interior da Bahia, três fracassaram, só a última destruiu o arraial de Canudos.
Na primeira parte – A TERRA -, Euclides descreve o espaço geográfico com rigor científico; na segunda parte – O Homem -, descreve os costumes e as pessoas da região. Enfatiza a figura de Antônio Conselheiro e descreve o sertanejo (“O Sertanejo é antes de tudo um forte...”). Exibe o mestiço como caso típico de hibridismo racial e a miscigenação como responsável pelo enfraquecimento da espécie; na terceira parte – A LUTA – destaca os ataques do Exército.
Não podemos analisar a Guerra de Canudos pelo prisma do messianismo, mas principalmente do ponto de vista do problema agrário (Camponeses x Latifúndios), de uma cultura, do ponto de vista histórico, atrasada (isolamento cultural).
Para a maioria dos críticos Os Sertões é um misto de romance, relato histórico, reportagem jornalística. Enfim, um aviso à consciência dos brasileiros.
Quanto ao estilo de Euclides da Cunha, tem-se adjetivação farta para denunciar a miséria e o subdesenvolvimento; linguagem que se caracteriza pelo hermetismo e cientificismo – barroco científico. Joga com antíteses e paradoxos e o sertanejo surge como Hércules – Quasímolo. A linguagem do autor é precisa e erudita. Verdadeiro ensaio sociológico sobre um fato – A Guerra dos Canudos.
Seu estilo é pomposo e oratório. Este livro é “de extraordinária riqueza de pensamento e expressão.”

O Sertanejo

Cap. III (O Homem)

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para tocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme.



Antônio Conselheiro
(Cap. IV)

É natural que estas camadas profundas da nossa estratificação étnica se sublevassem numa anticlinal extraordinária – Antônio Conselheiro...
A imagem é corretíssima.
Da mesma forma que o geólogo interpretando a inclinação e a orientação dos estratos truncados de antigas formações esboça o perfil de uma montanha extinta, o historiador só pode avaliar a altitude daquele homem, que por si nada vale, considerando a psicologia da sociedade que o criou. Isolado, ele se perde na turba dos nevróticos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade qualquer de psicose progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É uma diátese, e é uma síntese. (...)
É difícil traçar no fenômeno a linha divisória entre as tendências pessoais e as tendências coletivas; a vida resumida do homem é um capítulo instantânea da vida de sua sociedade.
Acompanhar a primeira é seguir paralelamente e com mais rapidez a segunda; acompanhá-las juntas é observar a mais completa mutualidade de influxos.


Embaixada ao Céu
A Luta – cap. III

Falecera a 22 de setembro Antônio Conselheiro.
Ao ver tombarem as igrejas, arrombado o santuário, santos feitos em estilhas, altares caídos, relíquias sacudidas no encaliçamento das paredes e – alucinadora visão! – o Bom Jesus repentinamente a apear-se do altar-mor, baqueando sinistramente em terra, despedaçado por uma granada, o seu organismo combalido dobrou-se ferido de emoções violentas. Começou a morrer. Requintou na abstinência costumeira, levando-a a absoluto jejum. E imobilizou-se certo dia de bruços, a fronte colada à terra, dentro do templo em ruínas.





·    AFONSO HENRIQUE DE LIMA BARRETO (1881 –1922 – RJ)

Fez um registro da vida urbana, dos subúrbios cariocas do começo do século. Teve aguda percepção dos contrastes sociais. Filho de mestiços. Perdeu a mãe cedo. O pai foi demitido do emprego de tipógrafo e Lima viu-se obrigado a ajudá-lo.   Conseguiu apenas completar o curso secundário, teve que trabalhar para sustentar o pai. Seu pai enlouqueceu e é recolhido à Colônia. Lima Barreto trabalhou na Secretaria de Guerra e colaborou na imprensa. Sentiu de perto as injustiças e o preconceito, fato que o levou a constantes crises de depressão, tendo inclusive de internar-se por duas vezes.
Leu, como alguém apaixonado, a literatura de ficção europeia do séc. XIX, dos escritores realistas como Dostoiévski, Tolstoi e preocupou-se em construir uma literatura social, comprometida com o seu tempo, com os humilhados e ofendidos deste país, uma literatura de sátira contra a burguesia, as falsas aparências, o protecionismo
Lima Barreto foi desprezado pela crítica literária de seu tempo por não usar de uma linguagem cuidada, de um estilo bem traçado. Foi tido como escritor desleixado fato que nunca o preocupou. Queria mesmo era demolir a hipocrisia, pôr em relevo as mazelas do nosso país.
No que diz respeito ao estilo, Lima Barreto repudiou a retórica bacharelesca e Parnasiana. Sua linguagem é simples (chega ao descuido intencional) e se aproxima do coloquial, porém é sóbrio. Esta linguagem serviu para retratar o povo (funcionários públicos, aposentados, operários, tocadores de violão, etc.). Pôs em relevo momentos históricos e costumes sociais, usou expressões populares, embora com narrador e narração no campo tradicional. Agora “sem saber, esse pobre mulato dos subúrbios antecipava em seus textos a moderna atitude do narrador que se recusa a ver o mundo de cima, a salvo das ameaças...”
Sempre se manteve fiel ao cotidiano, mostrou os bairros pobres e os oprimidos; os problemas sociais. Denunciou políticos incompetentes, militares e poderosos (= nacionalismo crítico). Pôs em destaque a existência de protecionismos e do preconceito de cor. Usou, para expor tudo isso, da sátira, da ironia e da caricatura. Problematizou a realidade nacional usando de linguagem jornalística e até panfletária – preocupou-se demais com o conteúdo. Recebeu críticas quanto ao mau gosto, incorreção gramatical, vícios de linguagem justificados pelo uso que soube fazer das várias linguagens para a comunicação militante.
Lima Barreto falou do jogo de bicho, do cinema, do futebol, dos arranha-céus. Chegou a preferir o regime monárquico ao republicano (em função da análise que fez da República – que não era a dos sonhos. Sentiu repugnância às oligarquias). Teve aguda percepção dos contrastes sociais.

SUA OBRA:
Romance:
·          Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)
·          Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915)
·          Numa e Ninfa (1915)
·          Vida e Morte de M. J. Gonzaga e Sá (1919)
·          Clara dos Anjos (1948)
·          Crítica Literária: Impressões de Leitura.

Conto:
·          Histórias e Sonhos (1956)
·          Sátira Política e Literária: Os Bruzundangas e Coisas do Reino de Jambon (1956)
·          Crônicas e Memórias: Diário Íntimo e Cemitério dos Vivos (1956).


Algumas Obras

·           Em Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá foge dos padrões narrativos tradicionais. É espécie de crônica da paisagem física e humana do Rio de Janeiro. Protagonista: O burocrata Gonzaga de Sã, narrador Augusto Machado. O narrador é mordaz ao falar dos falsos intelectuais, da Abolição, da República, da burocracia, do péssimo trabalho da imprensa.

·           AS RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA
A narração  se dá em 1ª pessoa. O protagonista é o mulato Isaías Caminha, jovem cheio de sonhos que deixa o interior e vai tentar a vida de bacharel no Rio de Janeiro. Sofre discriminações devido à sua origem humilde e a sua cor. As ilusões vão morrendo aos poucos.

·           TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA
(Narrativa em 3ª pessoa). Protagonista: O Major Quaresma, o Dom Quixote brasileiro.
Quaresma destaca-se por seu amor à pátria, por seu esforço ingênuo pela salvação do país. Nacionalismo ufanista tão exagerado que chega a propor o tupi-guarani como língua oficial. Faz tudo para conseguir o progresso da nação. Quando acontece a Revolta da Armada, alista-se entre os voluntários que estavam a serviço de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Decepciona-se com o líder da nação.
Sai do estado de alienação ufanista para a consciência sobre o Brasil e os dirigentes desta nação. É neste ponto que surge o que há de mais importante nesta obra: a construção da identidade nacional sem o idealismo dos românticos. O projeto de brasilidade não pode ser construído longe da realidade.
O 1º projeto de Quaresma foi buscar a identidade nacional tentando reviver a cultura indígena, nossa herança étnica – fracassa. (Quaresma na repartição).
O 2º projeto, para construção da identidade, é agrícola – também fracassa por fatores naturais (as pragas, as saúvas) e por questões políticas. (Quaresma na fazenda sossego).
Sua 3ª investida ocorre no campo político. Pensando na República (de forma idealizada), entra em choque ao descobrir as intenções de Floriano Peixoto (representante do poder político). (Quaresma alista-se ao exército de Floriano).
Atropelado por tudo que sonhou, decepciona-se, lamenta, chega, finalmente, a consciência:
“E quando o patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? (...) Pois não a via matar prisioneiros inúmeros?”
Quaresma de visionário, sonhador chega à decepção “A pátria que quisera ter era um mito!”
Ao defender os presos, a fim de que não fossem fuzilados, provocada a ira de Floriano Peixoto que ordena que Quaresma seja morto. Quaresma é assim fuzilado injustamente pela ordem arbitrária que ajudou a defender.
Este romance também destaca militares medíocres e sem vocação tais como: O general Albernaz que só se preocupava com o casamento da filha Ismênia como o doutor Cavalcante; o contra-almirante Caldas que sempre inventava doenças para não participar da guerra, mas recebia as medalhas, o major Bustamente, só queria saber de sua aposentadoria.
Outros personagens: o violeiro Ricardo Coração dos Outros, a afilhada de Quaresma, Olga Coleoni, Ismênia.


·          MONTEIRO LOBATO (1882, Taubaté –1948, São Paulo)

Nacionalista convicto, defensor dos interesses brasileiros. Escreveu histórias para crianças – maior escritor brasileiro do gênero.
Defendeu a economia e os interesses brasileiros, falou sobre o monopólio internacional que tivera o direito de explorar nossas próprias riquezas. Estimulou
a campanha “O Petróleo é Nosso”.
       Fundou a Companhia Petróleos do Brasil. Participou da Campanha do Ferro.
Condenou o nativismo e o ufanismo românticos, a idealização a ingenuidade.
Almeida Júnior: “Caipira picando fumo”. Tipo retratado por Lobato.

Algumas Obras
Urupês, Cidades Mortas e Negrinha (Contos)
Evidenciam o Regionalismo de Lobato.
Ironizou o caipira na figura dos “jecas-tatus” = símbolo dos caboclos (preguiçosos, subnutridos, doentios – brasileiro não idealizado). Simboliza o atraso, a ignorância do homem rural paulista.
Em Cidades Mortas exibe as cidades decadentes do Vale do Paraíba.

Da Narrativa
·          Coloquialismo – Apóia-se na narrativa oral.
·          Intenção didática, moralizante: faz denúncias, ironiza.
·          Não aprofunda os dramas morais.
·          Narrador segue o modelo tradicional / convencional.
·          Estilo moderno e antimoderno.



Jeca-Tatu é na verdade, símbolos das desigualdades sociais. Os Jecas... Os Josés... Os Severinos. O que Lobato condena, a partir da figura do Jeca-Tatu é o “caboclismo”, ou seja, a reedição do indianismo romântico.


Estilo
·          Convencional, apesar do coloquialismo.
·          Não investe na psicologia dos personagens.

Fica na superfície dos personagens e dos fatos (aproxima-se do Naturalismo).
Nota:
Lobato ficou muito conhecido por seu artigo  PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO? Em que criticou as técnicas inovadoras (expressionismo) de Anita Malfatti, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917.



·                AUGUSTO DOS ANJOS -  (1884–1914) – A Cosmogonia – Paraibano.

Obra: Eu (1912). Eu e outras poesias (1919)
Formou-se em Direito, contudo não exerceu a profissão. Foi professor de Literatura. Faleceu de pneumonia aos 30 anos de idade.

       Augusto dos Anjos é um caso atípico na poesia brasileira foi desprezado pela crítica e acusado de mórbido e vulgar, entretanto sua poesia, hoje, é bastante popular. Seu trabalho apresenta características naturalistas – pelo cientificismo, parnasianas pelo rigor formal; simbolistas – pela angústia existencial, virulência pessimista, e modernista pela irreverência do vocabulário, pela proximidade da linguagem da poesia à linguagem da prosa. Revolucionou o conceito de linguagem literária, de lirismo, enfim da própria poesia. O “apoético” se converte em poesia. Dessacraliza a poesia.
       Aderiu ao Evolucionismo de Darwin e creu na fatalidade que arrasta o corpo à decomposição. Funde tudo à visão cósmica.
Recursos expressivos: hipérboles, paradoxos, efeitos sonoros aliterações, deformação de imagens (expressionismo) – próximas ao grotesco e à caricatura.
Para destacar o horror perante a existência usou  de termos técnicos e do pesado vocabulário científico o que aproximou a poesia da prosa.


TEXTOS

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro da tua última quimera.
Somente a ingratidão – essa pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nesta boca que te beija!

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Com os velhos templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastes
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos.


Psicologia da Composição

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme-este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificnas
Com, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos
Na frialdade inorgânica da terra!


O Morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.


“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço.
Chego a tocá-lo.
Minh’alma se concentra
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ela entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!


Introdução ao Movimento Modernista

As Vanguardas europeias e o Movimento Modernista

O início do século XX, na Europa, se caracterizou pela agitação, por momentos de guerra, pela ambição imperialista da burguesia, pela violência, pela perda dos valores mais humanos. Esse quadro tem como saldo a insatisfação, a instabilidade já existentes desde os fins do século XX quando do rompimento com os valores do cientificismo oitocentistas ineficaz para solucionar os problemas do homem.
1

A vida estava impregnada pela falta de sentido. Tudo parecia ultrapassado, inclusive a linguagem. Buscam-se novas formas de expressão. A ousadia se da tanto na forma quanto no conteúdo bem como na valorização do inconsciente:

Noturno


O mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos.

Minha memória cheia de palavras
meus  pensamentos procurando fantasmas
meus pesadelos atrasados de muitas noites.

De madrugada, meus pensamentos soltos
voaram como telegrama
e nas janelas acesas toda a noite
o retrato da morta
fez esforços desesperados para fugir.
(João Cabral de Melo Neto)


Antipassadismo cultural e liberdade para criar são os princípios da arte moderna. Era o fim dos modelos e da ideologia real-naturalista reinantes na época. Triunfam o ilogismo, a subjetividade. Tudo isso ocorre a partir das VANGUARDAS EUROPEIAS. (Vanguarda = avant-garde).
Foi com o movimento das Vanguardas Europeias que o modernismo teve sua origem. As palavras de ordem passam a ser liberdade de expressão, gosto pela pesquisa estética, renovação que se deu a pintura, na música, na escultura, na arquitetura, na literatura.

As Vanguardas


O FUTURISMO – Em 1909 - Marinetti
“– Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade”.
“– Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta”.
“– Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco”.
“– Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo, - o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o menosprezo à mulher”.
“– Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias”.
“– Olhem-nos! Nós não estamos esfalfados... Nosso coração não tem a menor fadiga. Porque ele está nutrido pelo fogo, pelo ódio e pela velocidade!... Isso o espanta? É que você não se lembra mesmo de ter vivido”.


Os futuristas (1909 – 1916- Itália) exibiram o mundo moderno: o automóvel e a era da velocidade; o cinema; as máquinas, o progresso material. Tudo isto gerou também a luta pelo poder. As grandes potências se digladiam e o resultado: as guerras, o nazismo, o fascismo, o comunismo a transformar o mundo.
Na literatura, propõe-se a destruição da sintaxe, dispondo também os substantivos ao acaso, como nascem”. Despreza-se o adjetivo, o advérbio, a pontuação. Usam-se símbolos matemáticos e musicais.
Os principais modernistas repudiaram o Futurismo pela adesão de seu líder (Marinetti) ao fascismo. Aceitaram apenas as inovações artísticas e não a postura política. (“Não sou futurista de Marinetti. Disse e repito-o.Tenho pontos de contato com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou.”) – Mário de Andrade em Pauliceia Desvairada.
Tem-se, enfim, a exaltação da vida moderna, da máquina, da eletricidade, do automóvel... (pinturas cheias de movimento, dinamismo e força).

Ode ao burguês


Acompanhe a leitura de trechos deste poema – manifesto futurista.

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
(...)

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
(...)

Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

(ANDRADE, Máriode. Poesias completas.
São Paulo, Martins, 1966.)




       O EXPRESSIONISMO (1910 – Alemanha) – exibiu as emoções e o mundo interior do homem fazendo uso de distorções violentas, cores fortes, traços exagerados, caricaturas.
Na pintura: Munch – O grito (a dor insuportável do ser, a solidão.)
Na literatura brasileira temos manifestações expressionistas de forma marcante na poesia de Augusto dos Anjos (Pré-modernismo, 1912).




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o Cubismo 1907 França A pintura não tem um ângulo de representação apenas e sim vários  e sobrepostos de forma geométrica. Picasso foi seu maior representante.









A grande preocupação do expressionismo não foi com o belo nem com o feio, mas com a expressão do mundo segundo a perspectiva do artista.


Na literatura, com influência cubista, valoriza-se a aproximação das várias manifestações artísticas (pintura – música – escultura – literatura).
Valoriza-se o espaço em branco e em preto da folha de papel e da impressão tipográfica. Esses processos influenciaram o escritor Oswald de Andrade na década de vinte e serviram de base, mais tarde, para o movimento Concretista.
Tem-se na literatura, neste momento, a defesa das “PALAVRAS DISPOSTAS AO ACASO”, “INVENÇÃO DE PALAVRAS (neologismos), “DESTRUIÇÃO DA SINTAXE” (Appolinaire). Os substantivos ficam soltos, jogados; os verbos são quase abolidos.
Na poesia, observa-se também a técnica das colagens, o aproveitamento de outros materiais, a PLASTICIDADE (os cinco sentidos). Os poemas são lidos e vistos. Valoriza-se a fonocinematrogafia, isto é, a sonoridade, o movimento, o aproveitamento do espaço tipográfico, o mecanismo de construção do texto.
Predominam, no texto, o humor, a linguagem nominal, o ilogismo, a sobreposição de imagens, a fragmentação da realidade.

Leia:
“Papai estava doente na cama e vinha um carro e um homem e o carro ficava esperando no jardim. Levaram-me para uma casa velha fazia doces e nos mudamos para a sala do quintal onde tinha uma figueira na janela.
No desabar do jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do Anjo que carregou meu pai.” (Memórias Sentimentais de João Miramar – Oswald de Andrade)

O DADAÍSMO (1916) – O momento de guerra favorece o surgimento do mais radical movimento de vanguarda. Nega-se tudo: presente, passado, futuro.
Dada não significa nada, nada faz sentido quando o contexto é de guerra. O mais relevante e inventar palavras pela sonoridade. O que importa é a raiva, o grito contra o CAPITALISMO BURGUÊS e o mundo em guerra. Inventam-se palavras com base na exploração do significante.
Que cada homem grite: há um grande trabalho destrutivo, negativo a executar...”(Tristan Tzara)



Para fazer um poema dadaísta

“Pegue um jornal

Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você
deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendida do público.”

(Tristan Tzara)

O QUE SIGNIFICA DADÁ?

Segundo Tristan Tzara, o líder dadaísta, a palavra dada não significa nada:
Encontrei o nome casualmente ao meter uma espátula num tomo fechado do Petit Larousse e lendo logo, ao abrir-se o livro, a primeira linha que me saltou à vista: DADÁ.
Eis, também, um fragmento do Manifesto do Senhor Antipirina, a primeira exposição pública do pensamento dadaísta:
Dada permanece no quadro europeu das fraquezas, no fundo é tudo, merda, mas nós queremos doravante cagar em cores diferentes para ornar o jardim zoológico da arte de todas as bandeiras dos consulados.
       A técnica do “ready-made” foi desenvolvida por Marcel Duchamp com o objetivo de ironizar, satirizar o mundo capitalista. Um objeto é retirado do cotidiano (deslocamento) e elevado à categoria de arte.

Na literatura, temos o uso da técnica da “escrita automática”, a invenção de palavras explorando-se os seus significantes, o gosto pela agressividade, pela desordem.

Da ruptura com o Dadaísmo, André Breton cria o movimento surrealista que veremos agora.

O SURREALISMO (1924) – Buscou-se libertar o artista dos limites da razão. Valorizou-se a plenitude da imaginação, do inconsciente. O mundo dos sonhos, das alucinações. Sondagem do mundo interior em busca do homem primitivo.
Salvador Dali – temas: o sexo – angústias, medos, frustrações, traumas -; a memória (permanência ou eliminação); o sono; o sonho.

Os surrealistas admitem que a razão nos dá a ciência, mas defendem que só a “não-razão” pode dar-nos a arte. Apropriam-se da técnica de colagem dos dadaístas, exibem objetos deslocados dos seus lugares, formados à maneira do sonho cujo resultado são misturados interessantes (ou insólitas, desconcertantes), trabalham com a ideia do INCONSCIENTE.

Para os surrealistas, o importante é:
– a imaginação contra a lógica.
– o maravilhoso e o sobrenatural.
– a escrita automática (escrever ao fluxo do inconsciente):
“Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita.”
                                                                              (Mário de Andrade)

Na literatura podemos destacar algumas situações:
“(...) Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E a cova era que nem a marca dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavava o pretume dele.”
(Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, Mário de Andrade)


Pré-História


     Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos!
            (Murilo Mendes)

Vários escritores foram influenciados pelo surrealismo: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”

Modernismo: Um sentimento de arrebentação
       Mário de Andrade, vinte anos depois da Semana de Arte Moderna, comenta as relações entre o Modernismo e o contexto político: O movimento da inteligência que representamos, na sua fase verdadeiramente “modernista”, não foi o fator das mudanças político-sociais posteriores a ele no Brasil. Foi essencialmente um preparador, o criador de um estado-de-espírito revolucionário e de um sentimento de arrebentação. [...] Os movimentos espirituais precedem sempre as mudanças de ordem social.
“O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.” Mário de Andrade  (Reação de caráter demolidor ao ademicismo reinante nas nossas letras, ou seja, contra o Parnasianismo).
No próximo mês, completam-se 80 anos da Semana de Arte Moderna, aberta por Heitor Villa-Lobos no teatro Municipal de São Paulo. Num movimento liderado, entre outros, por Mário e Oswald de Andrade, escritores, pintores, escultores e poetas compuseram naquele teatro um espetáculo de inteligência cultural jamais visto na história brasileira.
Em meio a vaias e berros, ao executar composições como “Impressões da Vida Mundana”, Villa-Lobos reforçou naquele palco sua imagem de gênio da música; carioca, acabou entrando para sempre na memória da cidade, onde, tempos depois, veio a organizar projetos de educação musical nas escolas.
Gilberto Dimenstein – Folha de São Paulo 06/01/02

O Modernismo brasileiro teve nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Anita Malfatti (considerada a protomártir do movimento modernista, devido às reações que uma exposição de seus quadros – 1917 – provocou na intelectualidade da época. (Leia artigo de Monteiro Lobato: “Paranóia ou Mistificação?”), Cassiano Ricardo, etc. – Todos viviam em São Paulo. Outros como Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho viviam no Rio de Janeiro vão mais tarde organizar a Semana de Arte Moderna, mostra do que se vinha fazendo em arte no país (13, 15 e 17 de fevereiro de 1922). A hora do Parnasianismo já tinha passado. Marca-se definitivamente, com esta Semana, o Modernismo no Brasil.
Em 1921 os jovens artistas de São Paulo e Rio de Janeiro entravam em contato e se organizaram. Graça Aranha – da Academia Brasileira de Letras – aderiu às novas ideias.
Di Cavalcanti planejou a Semana “Eu sugeri a Paulo Prado a nossa semana, que seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana.”
No dia 13, Graça Aranha abre a Semana com a palestra “EMOÇÃO ESTÉTICA NA OBRA DE ARTE.” A arte e a literatura precisam mudar.
No dia 15, Menotti Del Picchia fala sobre “Arte Moderna”. Reivindica liberdade total de expressão (vaias e mais vaias do público).
No dia 17, fim da Semana com apresentação de músicas do compositor Villa-Lobos.
Sabe-se que a Semana de Arte Moderna aconteceu devido ao apoio financeiro dos fazendeiros de café.


Eis outros nomes que se destacaram na Semana de Arte:
·                      na música: Villa Lobos.



·                     

na pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro.
·                      na arquitetura: Antônio Moya

Veja o que diz a professora Samira Yousseff sobre o modernismo nas artes plásticas:
Nas artes plásticas apresentaram-se Anita Malfatti, John Graz, Vicente do Rego Monteiro, Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Yan de Almeida Prado, entre outros. A música esteve magnificamente representada por Heitor Villa-Lobos, Paulina d’Ambrósio, Guiomar Novaes, Maria Emma, além de solos de piano, coros etc.


“Queremos escrever com sangue – que é a humanidade;com eletricidade – que é movimento, expressão dinâmica do século; violência –  que é energia bandeirante.” (Menotti Del Picchia)

O Modernismo, segundo Mário de Andrade, não tinha um programa comum, uma direção a ser seguida. “A estética do Modernismo ficou indefinível” (M.A.)
Predomina a renovação literária e o experimentalismo, a inspiração nacionalista, o desenvolvimento e o estímulo à pesquisa formal.



              Características do Estilo Modernista
              Negação do Passado Literário

·           Na 1ª fase do modernismo adquiriu, esta característica, aspecto agressivo – ICONOCLASTIA – destruiu tudo que não fosse moderno.
·           Análise da realidade nacional (NACIONALISMO CRÍTICO) (Vivo interesse pelas coisas do Brasil)
·           VALORIZAÇÃO DO INCONSCIENTE
·           VALORIZAÇÃO DE CENAS COMUNS DO DIA-A-DIA. (COTIDIANO)
A linguagem da poesia se aproxima da linguagem da prosa.
·           Rupturas sintáticas e lógicas; caricatura da retórica.
·           IRREVERÊNCIA
A ironia é uma constante. Surge a PARÓDIA (= poema-piada)
·           Uso de expressões próprias da terra, das coisas e da gente brasileiras: a “língua brasileira” alicerçada no falar da nossa gente.
A linguagem coloquial (a linguagem oral das camadas mais humildes) é incorporada à linguagem literária.
Liberdade linguística – criam-se palavras, mudam-se as classes gramaticais (os sempres, os amanhãs), linguagem sintética; liberdade, na poesia, quanto à metrificação (uso de versos livres ou metrificados).
·           Incorporação da vida presente, da civilização moderna, do processo.

Amo São Paulo em meio à multidão
dos seus operários:
um que trabalha no andaime de um gigantesco edifício,
       e agora mesmo
       atravessou, lá em cima uma tábua suspensa, tão
       alto que a todo instante
entre e sai na fumaça de uma nuvem que passa!
(Cassiano Ricardo)

·           Postura agressiva e combativa:

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês – burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem – curva! O homem – nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italianos,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
(Mário de Andrade)

·           Fim da solenidade com que era vista a poesia:

No baile da corte
Foi o Conde d’Eu quem disse:
Pra dona Benvinda
Que farinha de suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É come bebê pita e caí.
(Oswald de Andrade)

·           TEXTOS FRAGMENTADOS; QUEBRA DOS NEXOS LÓGICOS, USO DO FLUXO DE CONSCIÊNCIA, DA ENUMERAÇÃO CAÓTICA.
·           INTERTEXTUALIDADE – paródia; textos marcados pelo humor e pela atividade irônico-crítica.
·           PROSA que se assemelha à narrativa cinematográfica.
·            
              REVISTAS DO MODERNISMO
KLAXON – No projeto gráfico as lições do Cubismo. No segundo volume, aparece encarte com desenho do pintor Di Cavalcanti.







              Estética (1924 – Rio de Janeiro)

       A Revista (1925 – Minas Gerais)
       Madrugada (1925 – Rio Grande do Sul)
       Terra Roxa e Outras Terras (1926 – São Paulo)
       Festa (1928 – Rio de Janeiro)

       Vale destacar ainda em 1926 o Manifesto Regionalista do Recife que provocaria mais tarde (década de trinta) o surgimento de importantes obras regionalistas.
       Costuma-se dividir o modernismo brasileiro em duas fases mais ou menos distintas.
1ª fase (1922 a 1930) – Os autores não sabiam o que queriam, mas sabiam o que “não” queriam.
Período de “destruição” – critica-se de forma bastante agressiva a literatura acadêmica (ANTIACADEMICISMO, ANTICONVENCIONALISMO)
2ª fase (1930 a 1945).
Período de “construção”, de consolidação da literatura.

              As correntes modernistas no Brasil
a)          Dinamista – Graça Aranha.
b)         Desvairista – Mário de Andrade.
“Ironiza com a ideia de Escola literária.” Destaca a liberdade de pesquisa estética, o experimentalismo. Prefácio interessantíssimo em Pauliceia Desvairada. Mário destaca ainda a necessidade de renovação da intelectualidade brasileira.
c)         Movimento Pau-Brasil (1924) – Oswald de Andrade. / Tarsila do Amaral.
Buscou uma poesia de redescoberta do mundo e do Brasil. Exalta o progresso e a era presente. Combate a linguagem retórica e vazia. Convive dialeticamente o primitivo e o moderno, o nacional e o cosmopolita.

       “Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. (...) a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”

       O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa (...)
Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.
(Oswald de Andrade – Manifesto Pau-Brasil, 1924)



Como desdobramento do movimento Pau-Brasil surge o MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO (1928).
“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupy or not tupy, that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais.
(...) Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.”

O Movimento Antropofágico foi uma reação (oposição ao nacionalismo verde-amarelo. – contra o Nacionalismo ufanista).

d)         VERDE-AMARELISMO – mais tarde chamado ANTA.
Reagiram às ideias primitivistas do Movimento Pau-Brasil.
Teve como expoentes Cassiano Ricardo, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia. Repudiaram tudo que fosse importado. Mostrou-se do Brasil só grandezas.
Mais tarde seguiram uma linha de orientação política de direita (nazifascismos europeu ou, no Brasil, o Intergralismo de Plínio Salgado – 1930).
e)          Espiritualista – surge em torno da revista “Festa”: orientação neo-simbolista. Poesia de rejeição ao primitivismo e nacionalismo pitoresco de 1922. Tem-se uma poesia de tradição religiosa.


              NOTA


              Manifesto Regionalista de 1926

Os anos de 1925 a 1930 marcam a divulgação do Modernismo pelos vários estados brasileiros. Assim é que o Centro Regionalista do Nordeste, com sede em Recife, lança o Manifesto Regionalista de 1926, em que procura “desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste” dentro dos novos valores modernistas. Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da região nos seus aspectos diversos: sociais, econômicos e culturais”. Além de promover confer6encias, exposições de arte, congressos, o Centro editaria uma revista.
Vale lembrar que, a partir da década de 1930, o regionalismo nordestino resultou em brilhantes obras literárias, com nomes que vão de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz e Jorge Amado, no romance, a João Cabral de Melo Neto, na poesia.

MODERNISMO – A Primeira Geração Modernista

1922 – 1930 – A fase heróica ou da ICONOCLASTIA

“Nós não sabíamos o que queríamos, mas sabíamos o que não queríamos (...) o nosso sentido era especificamente destruidor”.


Retrospectiva

·           1917 – Exposição de quadros expressionistas de Anita Malfati, duramente criticado por Monteiro Lobato grande contista com fama de mau pintor (Menotti Del Picchia – Correio Paulistano). Publicação de Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema, de Mário de Andrade, sob o pseudônimo de Mário Sobral; Nós, de Guilherme de Almeida; Juca Mulato: poemas de cunho nacionalista de Menotti Del Picchia. A Cinza das Horas de Manuel Bandeira;

·           1918/19 – A Dança das Horas, poema parnasiano de Cassiano Ricardo; Carnaval, inauguração do “verso livre”, por Manuel Bandeira; Poemas e Sonetos, poemas parnasianos de Ronald de Carvalho;

·           1920 – Exposição da maquete do Monumento às Bandeiras, obra com características modernistas, do escultor Victor Brecheret;

·           1921 – Mostra de desenho e caricaturas modernistas, denominada Fantoches da Meia-Noite, de Di Cavalcanti; publicação do artigo O Meu Poeta Futurista, no qual Oswald de Andrade classifica de futurista, os poemas de Mário de Andrade; publicação de uma sequência de artigos, intitulados Os Mestres do Passado, em que Mário de Andrade reconhece a importância de nossos principais poetas parnasianos, mostrando, entretanto, que sua missão já foi cumprida, que nada mais têm a dizer.
Seis meses depois do “sepultamento” dos Mestres do Passado, por Mário de Andrade, num ambiente de polêmicas, controvérsias e muita efervescência intelectual, acontece a explosão modernista para a qual cada um dos artistas e obras citados, dentre outros, deu sua contribuição: a Semana de Arte Moderna. Evento artístico e cultural considerado um marco, uma ruptura radical e coletiva em relação a toda nossa tradição intelectual, a Semana de Arte Moderna foi reparada e organizada ao longo de alguns anos, cujos momentos mais expressivos vale a pena conhecer:

Bruta sacudidela nas artes nacionais! (...) é indiscutível que jamais reviravolta da arte movimentou e apaixonou e enlouqueceu mais a monotonia brasileira que o chamado futurismo. Enchente de tintas, vulcões de lama, saravaiada de calúnias. Muito riso e pouco siso. De ambas as partes.
(Mário de Andrade)

Mário e Oswald de Andrade são considerados os líderes do movimento, o primeiro pela coerência das posições teóricas e também pelos exemplos de modernismo dados nos poemas; e o segundo por uma postura anarquista, agitadora, inquieta e inteligente, através da qual foi promovendo, nos jornais e nas famosas reuniões onde se discutia o Modernismo, os novos “talentos” que descobria.
Houve momentos de algazarra e de total confusão durante a Semana: no dia 13, por exemplo, ao reger duas composições de sua autoria, o músico Heitor Villa-Lobos foi “arremedado” pelo auditório, o que causou vaias e assobios – um verdadeiro caos – interrompendo-se a seção.
No dia 15, a palestra de Menotti Del Picchia, ilustrada por poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Mário e outros, e por um número de dança, ocorreu entre “relinchos” e “miados”. Finamente, quando Ronald de Carvalho declamou Os Sapos, de Manuel Bandeira, poema que satiriza o Parnasianismo, o teatro quase se desmontou entre “latidos”, “urros” e “coaxos”.
As telas de Anita Malfati, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, as esculturas de Victor Breccheret, os projetos arquitetônicos modernistas expostos no saguão do Teatro também causaram reações de espanto e indignação. Seja na leitura por Mário de Andrade de trechos de um de seus Manifestos da Nova Arte – A Escrava Que Não é Isaura – seja no aparecimento de Villa-Lobos de casaca mas de chinelo em um dos pés, por causa de um “calo encravado”, a agressão “de ambas as partes” continuava, só cessando no dia 17 – encerramento da semana – devido à falta de público.
Estava dado, assim, em pleno ano comemorativo do Centenário da Independência, um grito que, se por um lado congregou moços avessos à tradição, por outro só se tornou possível graças ao subsídio de representante da alta burguesia paulista como Paulo Prado e René Thiollier, que foi o responsável pelo aluguel do teatro – e da “literatura oficial passadista”- como Graça Aranha, respeitável acadêmico da Academia Brasileira de Letras.

·           Poesia modernista e vanguarda: destruição e nacionalismo

Leitor:

Está fundado o Desvairismo (...)
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito. Tenho pontos de contacto com o futurismo (...)
Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar (limpar) mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos (...)
Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão da moda.
Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver (...)
E está acabada a escola poética “Desvairismo”.
Próximo livro fundarei outra.
E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só.
(Mário de Andrade – Prefácio Interessantíssimo, in Pauliceia Desvairada, 1922).

No Prefácio interessantíssimo, Mário de Andrade parece fundar uma nova escola literária: o Desvairismo, palavra que nos faz lembrar a radical negação da razão da arte dadaísta. Outro ponto de contato entre ambas é a ironia presente no título dos Manifestos: Prefácio Interessantíssimo, A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães. Esta ironia demolidora se acentua quando o poeta declara, no fim do Prefácio, o encerramento da escola literária recém-inaugurada.
O verso-livre (sem rima e sem métrica), “as palavras em liberdade”, associadas por analogia ao invés de pelos recursos sintáticos tradicionais, a preferência pelos substantivos e verbos em detrimento dos adjetivos e advérbios, e também o bom humor, a “blague” (piada), a ironia corrosiva e ao mesmo tempo alegre, constituem os mais expressivos elementos de rompimento do Modernismo em relação à tradição.
Outra característica fundamental de toda a obra de Mário é o nacionalismo, também presente em Oswald e na maioria das obras de primeira geração modernista.
A criação de uma língua nacional, de uma cultura nacional autônoma, independente, aproxima, em termos teóricos, os modernistas dos românticos. No entanto, há uma inversão de perspectiva entre ambos: enquanto o Romantismo exaltava a pátria de modo ufanista, idealizador, o modernismo de 22 propõe-se a questioná-la a redescobri-la crítica e criativamente, a desvendar suas contradições mais umbilicais.
Mário de Andrade foi um incansável pesquisador de nosso folclore, de nossas modinhas populares, de nossa linguagem ou linguagens regionais, de nosso comportamento, elementos presentes na sua obra-síntese, Macunaíma.
O nacionalismo de Oswald, em oposição ao das outras correntes modernistas, como o Verdeamarelismo e o Grupo de Anta, que idealizaram a pátria identificando-a com o Estado, baseia-se na “devoração crítica”, “antropofágica”, quer dizer, na assimilação de todas as influências estrangeiras – que vão da colonização à absorção das vanguardas artísticas europeias – e na sua digestão, para que assim saiamos da “cópia”, da “tradução” e possamos criar e recriar a nossa história, a nossa cultura.
A pintura de Tarsila do Amaral, primitivista e moderna, em especial o quadro Abaporu, inspirou a criação de Oswald de Andrade da mais radical das correntes de nosso primeiro modernismo: A antropofagia, da qual participaram, além de ambos, Raul Bopp, autor de um poema-narrativo sobre a Amazônia (Cobra Norato) e Antônio de Alcântara Machado, que escreveu Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China – dois livros de contos sucessivamente tematizando a imigração italiana e a imigração lusa.

Mário de Andrade foi ainda um grande apaixonado por sua terra, SÃO PAULO. São Paulo é ARLEQUINAL, traje de losangos. “Arlequim é um personagem das antigas comédias italianas (foi assimilado pelo Carnaval brasileiro). Seu traje é feito de retalhos com formato de losangos de diferentes tecidos e cores, simbologia que se traduz na grande “boca de mil dentes que é a sua cidade”. Cidade de diferentes pessoas, de interesses diversos, de níveis sociais distintos, de diferentes origens, enfim uma ‘colcha de retalhos’, arlequinal.”
Arlequinal é a paisagem da cidade e tambémdo poeta, imagem feita de pedaços, aspectos múltiplos da cidade.
O Arlequim é comparado ao poeta que se opõe ao materialismo e vive a fantasia, o lado espiritual, o inconsciente. Pedacinhos que se ligam como a fantasia do Arlequim.


OS AUTORES

Oswald de Andrade – Paulista. Cursou Direito e ingressou na carreira jornalística. Espírito polêmico e destruidor. Jornalista, poeta, romancista e autor de peças teatrais, Oswald sempre fugiu aos modelos literários da época. Em seus textos predominam o humor, a ironia, a linguagem coloquial (cotidiano), o uso do neologismo, o poder de síntese.
Foi um jovem rico. Viveu ora em São Paulo ora  em Paris. Conheceu as vanguardas europeias e introduziu as renovações artísticas em nosso país. Não tinha a desconfiança do imediato, do fácil como Mário de Andrade, entregava-se às primeiras sensações, ao contrário de Mário que sempre as “ruminava”.
Sempre repudiou a linguagem acadêmica (poesia tradicional). Dessa linguagem (acadêmica) sempre fez paródia “só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano”.
Oswald idealizou os principais manifestos futuristas. Foi nacionalista crítico. Rompeu com a estrutura dos romances tradicionais em seus romances Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande.
Usa capítulos curtos prosa e poesia se fundem, os fatos não seguem ordem cronológica rígida, mistura níveis de linguagem (infantil, parodístico, poético). Aproveitou os lugares comuns da linguagem cotidiana como convites, bilhetes cartas, anotações, discursos e deu outra roupagem.

O gramático
Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou

Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mio
Para pior pio
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.











Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.


Oswald propôs, em seus textos, descrever o país pela perspectiva cultural, étnica e histórica (eis a proposta do manifesto antropofágico). Veja a referência às três raças no texto abaixo, observe o destaque dado pelo autor à formação étnica brasileira:

brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E perguntou pro guarani da matavirgem
– Sois cristão?
– Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
– Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum cum!
E fizeram o Carnaval.

NOTE: O carnaval é o Brasil em todos os seus aspectos: religiosos, linguísticos, raciais, culturais.

Merecem destaque: a linguagem empregada pelo auto (variedade linguística), a ironia, a piada, a crítica (tom irônico-crítico), humor. Veja: o que dá origem as três raças é o carnaval.

Lembre-se do Manifesto Pau-Brasil

“O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões do Botafogo. Bárbaro e nosso a formação étnica rica.”

Leia o fragmento abaixo:

IDIOTISMOS

“Um crayon de um arquiteto de Paris que tínhamos visto antes do casamento dera-nos a inveja desesperada de uma calma existência a dois, com pijama e abat-jours, sob a guarda dos antigos deuses do homem.
Iríamos em tournée à Europa. E pela tarde lilás do Bois, ela guiaria a nossa Packard 120 H.P. Sairíamos nas férias pelos caminhos sem mataburros nem mamangavas nem taturanas e faríamos caridade e ouviríamos a missa dos bons curas nas catedrais da idade média, e prosseguíamos por hotéis e hotéis, olhos nos olhos, etc.”
                                       (Memórias sentimentais de João Miramar, Oswald de Andrade).

Canto de Regresso à Pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.”
(...)
       Não permita Deus que eu morra
       Sem que eu volta pra São Paulo
       Sem que eu veja a Rua 15
       E o progresso de São Paulo.

                                                       (Lóide brasileiro – Oswald de Andrade)


146. Verbo CRACKAR
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa.

Sê pirata
sede trouxas

Abrindo o pala
Pessoal sarado.

       Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular. (Memórias Sentimentais de João Miramar cap. 146)


“Como falamos. Como somos (...).
O trabalho contra (...) a
cópia, pela invenção e
pela surpresa. (...) ver
com olhos livres”.


Manifesto da poesia pau-Brasil


Oswald foi um dos representantes mais contundentes em suas observações sobre a cultura brasileira, mais polêmico, mais destruidor. Analisou friamente, (satirizou), a sociedade capitalista da qual fez parte. Em 1931, ingressou no Partido Comunista e ficou até 1945. Neste período escreveu Serafim Ponte Grande (romance), O Manifesto Antropófago, a peça O Rei da Vela. Confere a seus textos com base na História (passado) atualidade e perspectiva crítica. Ao mesmo tempo que veste as cores de seu país aponta as contradições “moderno-primitivistas” que vivíamos. A cor local também é exibida em tom parodístico.
Oswald, não podemos esquecer, foi um dos escritores desse tempo que mais se preocupou em aproximar a linguagem coloquial da linguagem literária, os chamados “erros gramaticais”definidores da nossa nacionalidade. Imagens insólitas, fragmentação, aproveitamento da técnica dadaísta do ready-made aparecem muitas vezes em seus textos e nos sugerem o impulso do poeta às tendências concretistas. Enfim, o poeta foi IRREVERENTE, CRIATIVO, POLÊMICO.

·           Mário de Andrade (O Papa do Modernismo)   “Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil.”

Foi poeta, contista, romancista, crítico, folclorista, pesquisador de música. Escritor fecundo da nossa literatura. espírito crítico e determinado, influenciou bastante no desenvolvimento do modernismo. Dosou bem vanguarda e tradição. Deu lugar de destaque às pesquisas folclóricas.
Criticou duramente a burguesia paulista e a aristocracia. Integrou-se poeticamente à cidade de São Paulo – terra natal. Demonstrou também interesse pela etnografia, antropologia, psicologia.
Não foi tão radical como Oswald de Andrade. Sua obra é de grande variedade temática. Encarou seu conhecimento cultural, sua dedicação como armas para estudar problemas do seu tempo e de sua terra e poder colaborar na reconstrução do país quanto ao aspecto social, cultural etc.

Os Cortejos

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! “Bom giorno, caro”

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! os tumultuários das ausências!
Pauliceia – a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua tríssulca
de pus e de mais pus de distinção... giram homens
fracos, baixos, magros... Serpentinas de entes
frementes a se desenrolar...
Estes homens de São Paulo
todos iguais e desiguais,
quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
aparecem-me uns macacos, uns macaacos.

São Paulo sempre foi das suas mais importantes fontes temáticas. A poesia de Mário segue duas direções: de um lado a poesia intimista e introspectiva (serena ou conflitante); do outro, a poesia política de combate às injustiças sociais (O Carro da Miséria / Lira Paulistana – aqui aparece meditação sobre o Tietê).
Tentemos agora investigar alguns recursos utilizados pelo poeta no texto abaixo:

O Rebanho
Oh! Minhas alucinações!
Vi os deputados, chapéus altos,
sob o pálio vesperal, feito de mangas-rosas,
saírem de mãos dadas do Congresso... Como um
possesso num acesso em meus aplausos
aos salvadores do meu estado amado.


       Os recursos imagéticos sugerem solenidade.Ruptura com a estrutura convencional do poema. A repetição de sons faz aflorar o riso.


Desciam, inteligentes, de mãos dadas, entre o trepidar dos táxis vascolejantes,
a rua Marechal Deodoro...

       Gosto pela imagem (ícone). A observação da realidade e o discurso da crônica. A ironia.


Oh! Minhas alucinações!
Como um possesso num acesso em meus
aplausos aos heróis do meu estado amado.

       O exagero do eu poético
       (orador) acentua a caricatura
       O discurso do sistema
       tomado de forma parodística.

E as esperanças de ver tudo salvo!
Duas mil reformas, três projectos... Emigram os futuros nocturnos...
E verde, verde, verde!...
Oh! Minhas alucinações!
Mas os deputados, chapéus altos,
mudavam-se pouco a pouco em cabras!
Crescem-lhes os cornos, descem-lhes as
barbinhas...

·                      Os detalhes exibem o ridículo
·                      a repetição que dá o tom melódico (ironia) – a esperança no verde.
·                      Linguagem cinematográfica “cabras” – linguagem do cotidiano, regionalista.
·                      A metamorfose exibe a realidade – O discurso mítico se fragmenta.
·                      Em “cornos”, o tom de gozação, de ofensa.

E vi que os chapéus altos do meu estado amado,
com os triângulos de madeira no pescoço,
nos verdes esperanças, sob as franjas
de oiro da tarde,
se punham a pastar
rente do palácio do senhor presidente...
Oh! minhas alucinações!

·                      Gosto pelo insólito, pela
·                      blague (brincadeira, gozação)
·                      zoomorfismo
·                      personificação de poder

Observe que Mário de Andrade rompe com o “belo da arte” e cria a sua forma. As peças estão soltas e merecem ajustes mediante a leitura. As formas estereotipadas são destruídas dando, muitas vezes, espaço ao lúdico, às associações, insólitas, analogias inusitadas, aos neologismos. A palavra chama a atenção pelo seu insulamento, fica vibrando, esperando uma frase que a complete, porém cabe ao leitor dar essa completude.

Tente fazer uma análise do texto a seguir:

Domingo

Missas de chegar tarde, em rendas,
e dos olhares acrobáticos...
Tantos telégrafos sem fio!
Santa Cecília regorgita de corpos lavados
e de sacrilégios picturais...
mas Jesus Cristo nos desertos,
Mas o sacerdote no “Confiteor”... Contrastar!
– Futilidade, civilização...
Mornamente em gazolinas... Trinta e cinco contos!
Tens dez mil reis? Vamos ao corso...
E filiar cigarros e quinzena inteira...
Ir ao corso é lei. Viste Marília?
E Filis? Que vestido: pele só! Automóveis
Fechados... Figuras imóveis...
O bocejo do luxo... Enterro.
E também as famílias dominicais por atacado,
entre os convenientes perenemente...
– Futilidade, civilização...

Central. Drama de adultério.
A Bertini arranca os cabelos e morre. Fugas...
Tiros... Tom mix!
Amanhã fita alemã... de beiços...
As meninas mordem os beiços pensando em fita alemã...
As romãs de Petrônio...
E o leito virginal... Tudo azul e branco! Descansar....
Os anjos... Imaculado!
As meninas sonham masculinidades...
– Futilidades, civilização...


Paisagem nº 2 (fragmento)
“São Paulo é um palco de bailados russos.
Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes
e também as apoteoses da ilusão...
Mas o Nijinsky sou eu!
E vem a morte, minha Karsavina!
Quá quá quá! Vamos dansar o fox- trot da desesperança,
a rir, a rir dos nosso desiguais!”

A Meditação sobre o Tietê
“Água do meu Tietê,
Ondas me queres levar?
– Rio que entras pela terra
E que me afastas pela terra
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da ponte das bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa...”

       Em O Poeta Come Amendoim, o poeta se identifica com o Brasil (nacionalismo) pela linguagem.

“Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento.
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”

PUBLICAÇÕES DO AUTOR:
POESIA
·                      Há uma gota de sangue em cada Poema (1917)
·                      Pauliceia Desvairada (1922)* Aqui se destaca O Prefácio Interessantíssimo.
·                      Losango Cáqui (1926)  (sensações, ideias, alucinações, brincadeiras, líricas)
·                      Clã do Jabuti (1927) (aproveita temas populares extraídos do folclore e também reflete a preocupação do poeta com o destino do homem).
·                      Remate de Males (1930) (expressão poética lírica e simples  Há preocupação com a vida e lirismo amoroso).
·                      Poesias (1941).
·                      Lira Paulistana (1947).
·                      A Costela do Grão Cão. Livro Azul. O Carro da Miséria: Reflexões amarguradas sobre a vida e Preocupação com problemas sociais.

PROSA
·                      Primeiro Andar (Contos – 1926)
·                      Amar Verbo Intransitivo (romance, 1927)
·                      Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (rapsódia, 1928).
·                      Belazarte (contos, 1934)
·                      Contos Novos (1947)
·                      O Turista Aprendiz.


ENSAIOS
·                      Prefácio Interessantíssimo
·                      Escrava que não é Isaura (1925)
·                      Aspectos da Literatura Brasileira (1943)
·                      O Empalhador de Passarinho (1944).


Com Clã do Jabuti Mário inicia seu nacionalismo estético. Este livro é um “mosaico das diversas manifestações culturais brasileiras”. O poeta mapeia poeticamente o Brasil (lendas, históricas, costumes, falas regionais variadas).


LIRISMO PURO + CRÍTICA + PALAVRA = POESIA

Poesia é intuição + trabalho artístico, construção artesanal.

No que diz respeito à prosa de Mário destacamos AMAR, Verbo Intransitivo.
Enredo simples. Sousa Costa, rico industrial e fazendeiro paulistano, contrata Elza (no livro Fräulein = senhorita) uma professora alemã de 35 anos, com a finalidade aparente de ensinar alemão aos filhos, mas, na verdade, Fräulein tinha a missão de seduzir e iniciar o adolescente Carlos (filho mais velho). A intenção do pai era livrar o filho das prostitutas e dos perigos das drogas e doenças. Fräulein como educadora mostra-se disposta a ensinar ao rapaz que se deve amar sem se prender de modo exagerado ao objeto do amor. (Veja o paradoxo do título da obra). Carlos se apaixona pela moça e namoram às escondidas. Nasce o sentimento de culpa. O episódio deixa para Souza Costa (ou para o leitor?) entender o que se passou.
Os personagens são mostrados por dentro (psicologia): pensamentos, desejos, convicções, contradições. Observa-se uma análise das relações familiares e sociais bem como a influência da psicologia freudiana.
A obra maior do autor é MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER, uma rapsódia.
De suas pesquisas folclóricas sobre o Brasil (entre 1924 e 1927) nasce Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Registrou, na obra, manifestações culturais: lendas, costumes, modo de falar regionais; ritmos, danças populares: samba, coco, toada, modinha. Macunaíma foi chamado por Mário de Rapsódia, termo que tomou emprestado à música, por designar uma “composição que envolve uma variedade de motivos populares.” Macunaíma é herói por suas “desigualdades” é preguiçoso, esperto, irreverente, simpático, valente, mentiroso, covarde, aproveitador, em fim sem nenhum caráter.
“Com a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não, (...) o brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional”.
A obra é um processo de colagem de lendas e histórias que a linguagem traduz com palavras, expressões e construções sintáticas das várias regiões brasileiras.
Quanto à linguagem: Rica, composta de regionalismos de todas as partes do Brasil, utilizou provérbios, modismos, ditos populares, gírias, frases feitas.
Com Macunaíma, o autor procurou criar uma língua brasileira, síntese do português falado no Brasil. Destacou as variantes regionais, as influências estrangeiras e a critividade popular. Faz-se notar na obra pelo emprego intencional de vocábulos com “SI”, “MILHOR”, “SIQUER”, recurso para pôr em relevo o modo como o brasileiro fala. Usou ainda vocabulário de origem africana (urucungo), indígena (cunhas, aipim), popular (mexemexendo, senvergonhice), regional nordestina (em riba).
Enfim a cultura popular, o folclore, o contraste entre o primitivo e o moderno são os elementos norteadores desta produção.
Veja o que diz a professora Samira Yousseff sobre a obra:
O romance de 1928, Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter, foi batizado por Mário de Andrade como rapsódia, um tipo de composição tirada dos cantos tradicionais ou populares.
Fruto de longos estudos de Mário acerca da mitologia indígena e do folclore nacional, é uma narrativa de estrutura inovadora, em termos de enredo. Logo de início, são apresentados o herói, Macunaíma, sua mãe e seus irmãos, Maanape e Jiguê, Índios Tapanhumas, que vivem às margens do rio Uraricoera. Essa situação inicial é rompida com a morte da mãe. Os irmãos partem, então, da terra natal, em busca de aventuras.



Leia:
Capítulo I

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisa de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:
– Ai! Que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus: Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos cuspia na cara. Porém respeitava os velhos e frequentava com aplicação a murua a poracê o toré o bocorocô a cucui-cogue, todas essas danças religiosas da tribo.
Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as paraltagens do herói. As mulheres se iriam muitos simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente.
(...)

 “Não dou pra celebridade e eternização do meu nome a mínima importância. Não tenho nenhuma vaidade nesse sentido.
Se escrevo é primeiro porque amo os homens. Tudo vem disso pra mim. Amo e por isso é que sinto esta vontade de escrever, me importo com os casos dos homens, me importo com os problemas deles e necessidades.
Depois escrevo por necessidade pessoal. Tenho vontade de escrever e escrevo. (Isto é por caso dos versos). Mas mesmo isso psicologicamente ainda pode ser reduzido a um fenômeno de amor, porque ninguém escreve para si mesmo a não ser um monstro de orgulho. A gente escreve pra ser amado, pra atrair, encantar etc.”

       Eu sou escritor difícil
Que a muita gente enquisila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nessa escurez.
                                (A costela de Grão Cão)

Sou um tupi tangendo um alaúde!
(Pauliceia Desvairada)

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
(Eu sou Trezentos in Remate de Males)

Quando eu morrer
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na Rua Aurora,
Na Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
(Mário de Andrade, Lira Paulistana).


·                      MANUEL BANDEIRA
(1886, Recife – 1968, Rio Janeiro)
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira)

“Assim eu queria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos internacionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem
Os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam
Sem explicação”.

“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
– O que eu vejo é o beco.”
                (Poema do Beco em Estrela da Vida Inteira)

Nasceu no Recife e em vários de seus poemas falou dos bairros, da gente, das tradições, fez os estudos secundários no Rio de Janeiro e iniciou o curso de Arquitetura em São Paulo – desiste devido à crise de tuberculose. Viaja à Suíça para tratamento de saúde (1916-1917) e através da amizade com o escritor Paul Éluard entre em contato com as inovações artísticas (vanguardas europeias).

Bandeira – um poeta, marcado pela doença (Poeta da vida e da infância, do tempo e da morte) e pelo isolamento. Foi considerado o mestre do Verso Livre.
Inicia na poesia com os livros A Cinza das Horas e Carnaval de herança simbolista pelo tom lírico e melancólico. Observa-se também herança parnasiana, pelo aspecto formal.
Seu poema “Os Sapos” é uma sátira aos poetas parnasianos. Foi lido por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Morderna.
* Vale destacar que a poética de Bandeira envolve inclusive experiências concretistas.




ESTILO – Linguagem simples, despojada.

Coloquialismo linguístico; emprego de palavras de uso popular (“midubim”, “macaquear”...)
Valorização do cotidiano sem perder o lirismo poético.
Alterna poemas – minuto e composições extensas.
Buscou inovações artísticas e também se mostrou clássico (baladas, rondós.) humor certo ceticismo ironia amarga idealização de uma mundo melhor.

TEMAS

- A MORTE (doença) / SOLIDÃO / A PAIXÃO PELA VIDA vivia cada instante como se fosse o último).
A INFÂNCIA (recordações no Recife).
O SAUDOSISMO (“A vida que podia ter sido e que não foi”.)
A PRESENÇA DO MENINO ADULTO.
FUSÃO ENTRE CONFISSÃO PESSOAL E A VIDA DO DIA-A-DIA.
AMOR e EROTISMO
CRÍTICA SOCIAL E REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE A CONDIÇÃO DO HOMEM.

No seu livro, Ritmo Dissoluto vai-se libertando da herança parnasiana e simbolista. Em Libertinagem (1930) desenvolve plenamente uma linguagem coloquial, atinge dramaticidade.

A própria doença, o quarto, as ações mecânicas do cotidiano serviram de temas para os seus poemas.
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três –
– Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
– Respire
.....................................................................
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumo-tórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
(M. Bandeira – Libertinagem)



“Criou-me desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai.”
                                   (Lira dos Cinquent’anos – Testamento)

Sempre se mostrou
Apaixonado pela vida
[...]
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.”
(Ritmo Dissoluto – Madrigal Melancólico)

apaixonado pelo Recife da infância:

Há que tempo que não te vejo!
Não foi por querer, não pude,
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
Recife.

Mas não houve dia em que te não sentisse dentro de mim:
Nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.

Não como és hoje,
Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeiras nas calçadas
(Continuavas províncias,
Recife).
Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas,
Sem Arrais, e com arroz,
Muito arroz
De água e sal,
Recife.
Um Recife ainda do tempo em que meu avô
materno
Alforriava espontaneamente
A moça preta Tomásia, sua escrava,
Que depois foi nossa cozinheira
até morrer,
Recife.
(Estrela da Tarde)
[...]
– Muitas contas, cotovia
E que outras terras distantes
Visitastes? Dize ao triste.

– Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia...
– E esqueceste Pernabuco,
Distraída?

– Voei ao Recife, no Cais
Pousei da Rua da Aurora.

– Aurora da minha vida,
– Que, os anos não trazem mais!

                   (Opus 10 – Cotovia)

apaixonado pelas mulheres: 

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muitos mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os Céus se misturaram com a terra
E o espírito de deus voltou a se mover sobre a face das águas.
(Libertinagem – Teresa)

Apaixonado pela linguagem do povo – A língua natural espontânea:
“[...]
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
porque  ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada.”
(Estrela da vida Inteira – Evocação do Recife)

Preparado para a morte:

“Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável*)
Talvez eu tenha medo
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!!
O meu dia foi bom pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios*)
Talvez eu tenha medo
Talvez sorria, ou diga:
– Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios*)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.”
(Opus 10 – Consoada*)

* caroável = amável
* sortilégios = mistérios
* consoada = refeição noturna

preocupado com a necessidade de inovar:
Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
(Belo Belo – Neologismo)


– com o verso livre:
“João Gostoso era carregador de feira – livre e morava no [morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu
       Afogado.
                (Estrela da Vida Inteira – Poema Retirado de uma notícia de jornal)

– com a questão  social que encontrou força na lírica (embora entre como tema mais raro).

“Vi ontem um bicho
na imundice do pátio
Catando comida entre detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Belo Belo – O bicho)

“[..]
– Eh! carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se bricásseis!
– Eh! carvoero!
(Ritmo Dissoluto – Meninos Carvoeiros)

* O que a vida negou ao poeta – em face da doença – conseguiu viver na volta à infância, sinônimo de felicidade plena. Seus sonhos e fantasias, no entanto, se realizam no universo imaginário de Pasárgada:

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou – me embora pra Pasárgada
Vou – me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
De nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei em pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
                               (Libertinagem)


Espécie de arquétipo, de transposição poética de um sonho, um desejo coletivo, este poema-utopia será comentado pelo próprio autor:
Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas”, suscitou na minha imaginação uma imagem fabulosa, um país de delícias (...) Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na Rua do Curvelo (Rio de Janeiro), num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo de doença, saltou-me de súbito do sub-consciente esse grito estapafúrdio: Vou-me embora pra Pasárgada. Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo, mas fracassei (...) Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo da vida besta. Dessa vez o poema saiu sem esforço como se já estivesse dentro de mim. Gosto deste poema porque vejo nele, em escorço, toda minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir as tantas pessoas a visão, a promessa da minha adolescência – essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho e que a vida madrasta não quis dar. Não sou arquiteto, como meu pai desejava, mas reconstitui e “não como forma imperfeita neste mundo de aparências”, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de Ciro, e sim a minha Pasárgada. (Manuel Bandeira – Itinerário de Pasárgada)


Leia mais um poema em que o mundo ideal e o material transparece liricamente no poema:

              Eu quero a estrela da manhã


Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte

Digam que eu sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã.

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

virgem mal-sexuada
atribuladora dos aflitos
girafa de duas cabeças
pecai por todos pecai por todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas
cavalhadas comerei Terra e
direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última
baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

(M. Bandeira – Estrela da Manhã)


              A ONDA



       A onda anda
              aonde anda
                   a onda?
       a onda ainda
ainda anda
aonde?
a onda a onda
                 (em Estrela da Tarde)
                  

Leia agora os comentários abaixo sobre a poética de Manuel Bandeira:

Manuel Bandeira: estrela da vida inteira
O livro “Estrela da Vida Inteira” é, na verdade, um conjunto de livros do poeta recifense, um dos mais ternos do Brasil, Manuel Carneiro de Souza Bandeira (1886-1968).

São eles:

Cinza das Horas (1917): Nele podemos perceber que o poeta, vindo da tradição simbolista parnasiana, mantém com ela profundos laços e caminha, paradoxialmente, para uma ruptura dessa tradição. “O que tu chamas tua paixão / É tão somente curiosidade./ E os teus desejos ferventes vão / Batendo as asas na irrealidade...// Curiosidade sentimental / Do seu aroma, sua pele. / Sonhas um ventre de alvura tal, / Que escuro o linho fique ao pé dele (...) E acima disso, buscas saber / Os seus instintos, suas tendências... / Espiar-lhe na alma por conhecer / O que há de sincero nas aparências”. (trecho de “poemeto Irônico”).

Carnaval (1919): Muito bem recebido pela nova geração da época e por parte da crítica especializada. “É um livro sem unidade. Sob pretexto de que no carnaval todas as fantasias se permitem. Admiti, na coletânea, uns fundos de gavetas, três ou quatro sonetos que não passam de pastiches parnasianos, e isto ao lado das alfinetadas do ‘sapos”, disse o poeta. O poema “Os Sapos” é uma sátira ao parnasianismo e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. O poema seria considerado uma espécie de hino nacional dos modernistas.
Outro poema deste livro: “Na velha torre quadrangular / Vivia a Virgem dos Devaneios... / Tão alvos braços... Tão lindos seios.../ Tão alvos seios por afagar....”(em “Baladinha Arcaica”).

O Ritmo Dissoluto (1924): Neste livro Bandeira começa a explorar mais sistematicamente a simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro, como o próprio poeta via, de “transição entre dois momentos de sua poesia”.
“A doce tarde morre. E tão mansa / Ela esmorece, / Tão lentamente no céu de prece, / Que assim parece, toda repouso, / Como um suspiro de extinto gozo/ De uma profunda, longa esperança / Que, enfim cumprida, morre, descansa...” (em “Felicidade”).

Libertinagem (1930): Com a publicação deste livro, pode-se dizer que a poesia de Bandeira amadureceu definitivamente, no sentido de uma liberdade estética. Além disso, o poeta consolidou sua temática existencial e explorou com mais frequência as cenas e imagens brasileiras. Poemas que se transformaram em clássicos: “Não Sei Dançar”, “Pneumotórax”, “Poética”, “Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma Notícia de Jornal”, “Teresa”, e “Vou-me Embora para Pasárgada”.
“Uns tomam éter, outros cocaína. / Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria./ Tenho todos os motivos menos um de ser triste./ Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...” (em “Não sei Dançar”). “Recife / Não a Veneza americana/ Não a Mauritstadt dos armadores das índias ocidentais (...) Mas o Recife sem história nem literatura / Recife sem mais nada / Recife da minha infância” (em “Evocação do Recife”).

Estrela da Manhã (1936): Bandeira tinha 50 anos quando, sem encontrar editor, publicou 50 exemplares na marra (papel doado e impressão custeada por subscritos). Alguns músicos interessaram-se por seus textos, como Jaime Ovall e Radamés Gnatali, entre outros. Em 1945, o poeta compôs as letras para uma série de canções, a pedido do maestro Villa-Lobos, que queria composições tipicamente brasileiras para serem cantadas em ocasiões festivas. Foram reunidas com o nome de Canções de Cordialidade (“Trem de Ferro”, Berimbau”, “Cantiga”, “Dona Janaína”, “Irene do CÉU”, “Na Ruía do Sabão”, “Macumba do Pai Zuzé”, “Boca de Forno”, “O Menino Doente” e “Dentro da Noite”, publicados em outras obras. “As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. / Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde! / O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá! / Que outros, não eu, a pedra cortem / para brutais vos adorarem, “Ó brancaranas azedas, / Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata / Ou celestes africanas (...) Meu Deus, serão as três Marias? // A mais nua é doirada borboleta / Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, (...) e nunca mais telefonava / Mas, se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim”. (em “Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá”).

Lira dos Cinquent’Anos (1940): Publicação de emergência, o primeiro convite que o poeta recebeu de uma casa editora. Bandeira candidatou-se à Academia Brasileira de Letras.
Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada / Ribeirão trepidante e de cada recosto/ De montanha o metal rolou na cascalhada / Para o fausto d’El-Rei, para a glória do imposto // Que resta do esplendor de outrora? Quase nada: / Pedras... templos que são fantasmas do sol-posto”. (em “Ouro Preto”).
“Vi uma estrela tão alta, / Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo / Na minha vida vazia // Era uma estrela tão alta! / Era uma estrela tão frial! / Era uma estrela sozinha / Luzindo no fim do dia” (em “A Estrela”).
“Lapa-Lapa do Desterro -, / Lapa que tanto pecais! / Mas quando batem seis horas, / Na primeira voz dos sinos, / Como anunciava / A Conceição de Maria, / Que graças angelicais!” (em “Última Canção do Beco”).

Belo Belo (1948): Esse título foi tirado de um poema da Lira dos Cinquent’Anos. Numa edição posterior, de 1951, foram acrescentados alguns poemas.
“Vamos viver no Nordeste, Anarina. / Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha/ Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante. / Aqui faz muito calor. / No Nordeste faz calor também. / Mas lá tem brisa”. (em “Brisa”).
“Belo belo minha bela / Tenho tudo que não quero / Não tenho nada que quero / Não quero óculos nem tosse / Nem obrigação de voto (...) Belo belo / Mas basta de lero-lero / Vida noves fora zero” (em “Belo Belo”).

Mafuá do Malungo (1948): Publicado na Espanha por iniciativa de João Cabral de Melo Neto. Mafuá significa feira popular, malungo é um africanismo, significando companheiro. Nesse livro, Bandeira faz jogos com as primeiras letras das palavras, faz também sátiras políticas, brinca “à maneira de outros poetas”.
“Olhei para ela com toda a força. / Disse que era boa. / Que ela era gostosa, / Que ela era bonita pra burro: / Não fez efeito (...) Virei pirata (...) Então banquei o sentimental (...) Escrevi cartinhas (...Perdi meu tempo: não fez feito / Meu Deus que mulher durinha! / Foi um buraco na minha vida. / Mas eu mato ela na cabeça: / Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas, / Pastilhas purgativas: / É impossível que não faça efeito!” (em “Dois Anúncios”. “I – Rondó de efeito”).

Opus 10 (1952-1955) A expressão do título vem do universo da música. A palavra latina Opus indica genericamente obra, composição, e o número indica a posição de determinada peça num conjunto de composição do autor. Nomeando um livro seu a partir de uma expressão tomada no universo da música, Bandeira ressalta a importância da música e da musicalidade em sua obra.
“Como em turvas águas de enchente / Me sinto a meio submergido, / Entre destroços do presente / Dividido, subdividido, / Onde rola, enorme, o boi morto (...) Morto sem forma ou sentido / Ou significado. O que foi / Ninguém sabe. Agora é boi morto” (em “Boi Morto”).
“Grilo toca aí um solo de flauta. / – De flauta? Você me acha com cara de flautista? – A flauta é um belo instrumento. Não gosta? / – Troppo dolce!” (em “O Grilo”).

Estrela da Tarde (1960) reeditado em 1963, com novos poemas. É a maturidade do poeta completo que Bandeira já é ao tempo deste livro, onde ele tanto retorna ao soneto tradicional (reinventado na sua poética), como se utiliza de recursos gráficos – talvez inspirados nas vanguardas contemporâneas – na montagem de poemas como “O Nome em Si”.
“Vejo mares tranquilos, que repousam, / Atrás dos olhos das meninas sérias. / Alto e longo elas olham, mas não ousam / Olhar a quem as olha, e ficam sérias” (em “Variações Sérias em Forma de Soneto”).

Lira do Brigadeiro “Depois de tamanhas dores, / De tão duro cativeiro / às mãos dos interventores, / Que quer o Brasil inteiro? / – O Brigadeiro! (...) Brigadeiro de esperança, /  Brigadeiro da lisura / Que há nele que tanto afiança  / A sua candidatura? / – Alma pura! (...) Abaixo a politicalha! Abaixo o politiqueiro! / Votemos em quem nos valha: Que nos vale, brasileiro? / – O Brigadeiro! (...) O Brigadeiro é católico (...) Comunga, mas não comunga/ Com os impostores ateus / E os ricos do Estado Novo: / Comunga só com o seu Deus / E com o povo! (...) – Não voto no militar; voto no homem escandaloso. / – Ué, compadre, quem é o homem escandaloso? / – O Brigadeiro (...) Não zunzuna / Nem não fala atoamente; / Será nosso presidente / Estava no seu destino / Desde que ele era tenente / Desde que ele era menino”.
OUTROS POEMAS: O SUPLICANTE – “Padre Nosso, que estás no céu santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pó nosso de cada dia nos dá hoje. // O SENHOR (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal tu és pó e em pó te converterás!” (em “Sonho de uma noite de coca”).
“Casa Grande & Senzala”/ Grande livro que fala / Desta nossa leseira / Brasileira // Mas com aquele forte / Cheiro e sabor do Norte / – Dos engenhos de cana (Massangana!) (...) Se nos brasis abunda / Jenipapo na bunda, / Se somos todos uns / Octoruns / Que importa? E lá é desgraça?  / Essa história de raça, / Raças más, raças boas (...) É coisa que passou / Pois o mal do mestiço não está nisso. // Está em causas sociais,  / De higiene e outras que tais: / Assim pensa, assim fala / Casa Grande & Senzala. // Livro que à ciência alia / A profunda poesia / Que o passado revoca / E nos toca // A alma de brasileiro, / Que o portuga femeeiro / Fez e o mau fado quis / Infeliz!”

* ALCÂNTARA MACHADO
Antônio de Alcântara machado divertia-se falando dos escritores tradicionais, que cultivavam ainda uma linguagem rebuscada, ultrapassada. Veja um de seus comentários a esse respeito: “O literato nunca chamava a coisa pelo nome. Nunca. Arranjava sempre um meio de se exprimir indiretamente. Com circunlóquios, imagens poéticas, figuras de retórica, metalepses, metáforas e outras bobagens complicadíssimas”.

Alcântara Machado (ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO – (1901 – 1935).

       Nasceu em São Paulo. Foi crítico de teatro, trabalhou no Jornal do Commercio. Fez viagens à Europa, conheceu Oswald de Andrade. Colaborou na Revista Terra Roxa e Outras Terras, na Revista Antropofagia e na Revista Nova. Esteve muito ligado à crônica jornalística. Trabalhou a prosa. Usou de linguagem leve, telegráfica, cinematográfica, cheia de flashes, cortes – a chamada prosa experimental. Retratou a vida dos imigrantes pobres, os italianos de São Paulo, moradores do Brás, Bexiga, Barra Funda e Mooca. Falou do trabalhador humilde (italianos): barbeiros, merceeiros, operários, habitantes de bairros proletários que modernizaram a cidade de São Paulo. Seu foco de interesse recai sobre aspectos humanos, morais, culturais e linguísticos. É a vida urbana e operária da grande São Paulo do início do século. Alcântara Machado procura recompor o ambiente em traços leves, demonstrando preocupação jornalística ao mesmo tempo que expõe a situação socioeconômica dos personagens. Seu texto aparece recheado de palavras da língua italiana, de imigrantes italianos  marginalizados e desejosos de ascender socialmente. Como técnica de composição faz uso da superposição de cenas, à maneira das colagens. O narrador vai fotografando cena por cena e deixa uma imagem crítica, às vezes humorística, dos italianos.Contos: Brás, Bexiga e Barra Funda; Laranja da China.





O Segundo momento modernista – Prosa
O Regionalismo de trinta (1930 a 1945)

O manifesto Regionalista de 1926
Com a divulgação do que seria a estética modernista nos vários estados brasileiros o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) torna-se conhecido e sente-se atraído pelas  novas tendências do momento. Preocupado em estimular o “sentimento de unidade do Nordeste” viram no modernismo a saída.
Os interesses da região nos seus aspectos mais variados (sociais, econômicos, políticos, culturais) são colocados como meta do Centro, além de conferências, exposições de arte, congressos e publicação de revistas.
No Nordeste, Gilberto Freyre, José Lins do Rego e José Américo de Almeida organizaram em 1926 o Congresso Regionalista do Nordeste cujo objetivo era criar uma literatura diretamente ligada à realidade nordestina (latifúndio, seca, violência social, coronelismo e a corrupção, os contrastes sociais). Estes problemas, logicamente, têm dimensões universais, não esqueça.

              PROSA
O período que vai de 1930 a 1945 reflete uma reavaliação do passado. Na poesia, podemos falar em um “neo-romantismo”, “neo-simbolismo”. Na prosa, falamos em “neo-realismo”, “neo-naturalismo”. Destaquemos que este é o período da prosa regionalista no Nordeste, cujo objetivo é a denúncia; e da prosa mais intimista – romance psicológico.
Vemos agora autores preocupados em produzir uma literatura de caráter mais construtivo, é a fase da consolidação do abandonado do radicalismo da primeira fase. Claro que o contexto histórico interferiu na visão de mundo dos autores e também algumas propostas do primeiro momento são mantidas.

              Contexto Histórico-Social
As transformações vividas pelo país com a Revolução de 30 (época do governo Vargas, momento da ditadura) impulsionaram os autores a focalizar problemas sociais em uma linguagem crítica e seca.
Num contexto situacional mais amplo, vale ressaltar a crise econômica de 1929 com o Crack da Bolsa de Nova York e os efeitos para o resto do mundo; a radicalização política (cuja origem está no Nazi-Facismo e no combate ao Socialismo no Brasil com o Integralismo) em DIREITA X ESQUERDA); a crise da atividade cafeeira; o questionamento do domínio das tradicionais oligarquias regionais em prol da nova burguesia industrial; a tensão provocada pela Segunda Guerra Mundial. Tudo isso provocou choques ideológicos que levaram os escritores a posições mais definidas e “engajadas”. Desenvolveram um romance caracterizado pela denúncia social – verdadeiro documento da realidade brasileira – em que as relações eu / mundo atingiram elevado grau de tensão. É o encontro do escritor com o povo.


·           O REGIONALISMO DE 30

O regionalismo ganha relevo na busca do homem brasileiro “espalhado nos mais distantes recantos da nossa terra”. Destaque especial merecem os escritores nordestinos que vivenciaram um Nordeste em transição, a passagem de um Nordeste dos engenhos de cana-de-açúcar para a nova realidade capitalista e imperialista.
Nas regiões de cana, a decadência dos banguês e engenhos – devorados pelas modernas usinas – ponto fundamental de romances de José Lins do Rego; na região do cacau podemos destacar o poder político nas mãos de uma minoria privilegiada, de interventores; destacam-se ainda as constantes secas aumentando as desigualdades sociais, a migração, a miséria, a fome, a exploração do trabalhador rural.
Os romancistas de 30 herdaram da geração de 22 o interesse em retratar as situações do cotidiano, o uso de uma linguagem mais próxima do português do Brasil, da fala (oralidade, vocabulário próprio de cada região.)
O primeiro romance representativo do regionalismo nordestino, que teve seu ponto de partida no manifesto regionalista de 1926, foi A Bagaceira, de José Américo de Almeida, verdadeiro marco na história literária do Brasil. Sua importância está mais na temática – a seca, os retirantes, o engenho – e no caráter social do que nos seus valores estéticos.



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