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segunda-feira, 28 de maio de 2018

O POEMA ÉPICO E AS DIFERENÇAS DE GÊNERO DA POESIA





Por Moisés Monteiro de Melo Neto


RESUMO: Este artigo busca sondar os limites do fazer poético e exaltar a importância do seu estudo no processo educativo. Posicionar-se criticamente diante de certas obras é desafio constante dos professores, críticos e também do leitor comum. Épica, dramática ou lírica a fantasia criativa é enigma de quase impossível compreensão absoluta. O projeto do autor divide-se entre as regras e ruptura, estando a liberdade criativa quase sempre sendo colocada em cotejo com a arquitextualidade e sob a observação de severas  teorias de cunho imobilista ou talvez discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam) que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de vários poemas).
PALAVRAS - CHAVE:  LITERATURA POESIA  ÉPICO  LÍRICO  DRAMÁTICO
ABSTRACT: This article aims to probe the limits of the poetic do and exalting the importance of their study in the educational process, a constant challenge for teachers, critics and also the common reader. The epic work has been the subject of numerous studies, as well as the sentimental poetry of the Romantics in their various biases. But would the structure and form of the epic poem been raided to exhaustion? Never a topic like this could run out in their interpretation and representation possibilities. Hegel, in the early nineteenth century, analyzed actions and circumstances surrounding a nation and a time there artistically portrayed: the national spirit, the organization of institutions, while Schiller tried to comment on the naive and sentimental poetry. It is not only the content but also the worldview there inscribed (stamping the sphere in which such works move) that deserve special attention.

 KEYWORDS: LITERATURE  POETRY  EPIC  LYRICAL  DRAMATIC




Posicionar-se criticamente diante de certas obras é desafio constante dos professores, críticos e também do leitor comum. Épica, dramática ou lírica a fantasia criativa é enigma de quase impossível compreensão absoluta. O projeto do autor divide-se entre as regras e ruptura, estando a liberdade criativa quase sempre sendo colocada em cotejo com a arquitextualidade e sob a observação de severas teorias de cunho imobilista ou talvez discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam) que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de vários poemas).
Alguns críticos apontam diferenças quanto aos termos: a palavra épica seria utilizada enquanto gênero narrativo, já epopeia seria o poema heroico, pertencente ao gênero épico (aqui seriam incluídos também o romance, o conto e a novela que mesmo não sendo epopeias tiveram ali sua origem).
Ao tratar da filosofia em relação à épica, Hegel nota que a epopeia transcende a simples glorificação de um povo no seu apogeu.  É mais o contato do homem com o universo o que parece ser ressaltado. Uma compreensão do Cosmos.
A poesia, presente em todas as civilizações, tem conteúdo espiritual e trata de acontecimentos, sentimentos, ações e paixões. Para Hegel o que importa, além da estrutura da poética, é a análise dialética (tanto na épica quanto na lírica) no que trata da relação entre vida social e poesia. Observando a arte enquanto fenômeno histórico, surgem as figuras (espiritualidade e idealidade) e o pathos (no destino). Entendendo arte dentro de um processo, clássica, simbólica ou romântica, e tratando-a como a exterioridade sensível captada pela intuição, como interioridade, Hegel analisa através da filosofia (na medida em que esta intersecciona a objetividade da arte e a subjetividade da religião e aponta a matéria espiritual como necessária para o filosofar, numa superioridade do espírito em relação à natureza). E coloca a liberdade do espírito em cotejo com a harmonia do belo e a tensão (do destino). Surge a contradição: a beleza artística, feita para e pelo homem é contraposta à natural. Hegel aponta a superioridade do belo artístico, na medida em que a natureza está em nível de não-liberdade. Nas contradições próprias da vida (entre liberdade e necessidade) gerar-se-ia o belo na arte (resultado do trabalho espiritual). A obra de arte se mostrando livre superaria assim a natureza, inclusive a morte, podendo conservar (ou não) o sensível ou o natural, em evolução para o espiritual. Nesta idealização do sensível através da arte simbólica (ainda pré-arte, por sua aproximação com o natural), haveria também a tentativa de representar a amplitude da vida, do mundo através do anseio por símbolos da totalidade. A passagem para uma forma clássica implicaria na harmonia entre forma e conteúdo, sendo a epopeia a manifestação estética de individualidade ética, que não se confunde com o individualismo.

II

            Mantendo-se no centro do pensamento a poesia capta a universalidade espiritual quando busca a unidade interior de tudo, mas deve fazê-lo com soltura e uma aparente autonomia diante do pensamento do outro, da aparição, da existência natural, na medida em que no seu fluxo o conteúdo espiritual conquista uma existência exterior. E qual seria a subsistência material deste “modo de exteriorização”? Tem-se, por exemplo, o conceito de sonoridade exercitado na poesia.
Buscaremos agora traçar um paralelo entre a poesia épica, a sentimental e ingênua. Usando, como base a estética de Hegel no que trata do épico e as observações de Schiller, no seu ensaio Poesia Ingênua e Sentimental.
Nos rapsodos que às vezes cantavam de cor, mecanicamente, em única medida de verso, um acontecimento “acabado em si mesmo”, já se controlava a autoexpressão do sujeito. Instalava-se para o leitor a ação em sua luta e desenlace. O homem vivo era ele mesmo o material desta exteriorização.  Nesta  música plástica, da posição  corporal e do movimento, o Epos, isto é, a palavra, o discurso, transformava até mesmo a lenda em texto (exibindo seu conteúdo substancial em  direção à consciência de quem o recebia, extraindo do acontecimento  o caráter  universal e apontando pontos particulares, a epopeia mais simples ressaltava o mundo concreto e a riqueza dos fenômenos mutáveis, como nos antigos epigramas, inscrições em objetos e monumentos. 
A epopeia foi se aprimorando e eliminando a duplicidade dos objetos, incluindo enunciados éticos, apontando deveres na existência humana na sabedoria compartilhada. Mas isso tudo, mesmo se dando sem a finalidade da comoção, ainda não é o épico no sentido mais clássico, como abordado por Hegel, um todo maior, a espécie épica que queremos discutir, contrapondo-a ao lirismo sentimental. Um estreito entrelaçamento de poesia e efetividade foi conseguido nos poemas didático-filosóficos, ao tratar do transitório e do eterno, com certa grandiosidade e potência.
Ao contrário dos gregos, a poesia indiana, no que trata da cosmogonia, perder-se-ia em divagações, que deveriam ser evitadas na poesia épica. O luxo, a glória, a inverdade fantástica, a confusão que permeiam as epopeias indianas, a mitologia exposta epicamente em grande parte, fazem do registro uma ponte entre o religioso e o poético. Mas mesmo na sua graça impressionante, o oscilar entre o humano e o divino e episódios que parecem acrescentados posteriormente, sugerem mais querer ensinar a moral e a prudência do que exibir o caráter nacional de um povo. Também nos judeus, no Antigo Testamento, predomina algo que difere do caráter épico: o interesse em si religioso. Entre os persas e os árabes, mesmo antes do período maometano, as obras não apresentam o tom épico que Hegel consideraria adequado, faltando-lhes a firmeza da configuração individual, o sopro da vitalidade imediata, necessários à grande epopeia nacional, a articulação e a unidade estão soltas, não tratando da seriedade do destino de modo contundente como Homero o fez.
 No que vimos até agora, o tom épico não implica na epopeia em toda a sua amplitude, na sua conexão com o mundo, na objetividade em relação ao espírito de um povo em sua totalidade (religião, existência, política, lar, carências e satisfação), na presença viva do seu espírito. O que é exposto na epopeia, em objetividade real, é a sequência exterior. Surge ali, acabado poeticamente, um todo em si mesmo orgânico, em calma objetiva, a consciência de um povo, e não um livro religioso, que falta aos gregos, por exemplo.  Um povo que já construiu sua própria cultura seria representado na epopeia através da literatura que não se deteria na ocupação com o interior do indivíduo e sim desvendaria circunstâncias exteriores, extrapolando a simples nacionalidade poética e atingindo a consciência representadora cheia de vitalidade própria, fruto de grandes transformações.
Os gregos superaram influências, como as egípcias e da Ásia Menor, os romanos tiveram que lidar com a herança grega, mas a poesia épica só se realizou em plenitude na consciência da força de um povo e através de um só indivíduo: o poeta que produz o texto “coletivo” e expressa sua necessidade mais elevada, a honra, os feitos, o modo de ser da sua gente, desaparecendo dentro do seu “objeto”, e isso não significa dispensar seu estilo pessoal. Não é o mundo interior do sujeito que é poetizado, mas as questões fundamentais que envolvem sua produção espiritual, consciência e autoconsciência efetivas e singulares, dentro do estado nacional.
O mundo universal apresenta-se, na epopeia, através de um acontecimento, em determinada época, mesmo que se invoquem outros períodos e outros planos. Através da epopeia surge assim uma nação inteira, sem a subjetividade excessiva dos indivíduos, nem indo de encontro à paixão e ao modo de pensar individuais. Afastando-se do idílico, mas ainda sustentando uma conexão viva com a natureza, mesmo sem se deter muito nestas cenas. Em tais poemas os herois não se esquivam de tarefas como preparar comida, servir vinho, e as executam com prazer. São apresentadas também as vidas dos subordinados e representações de outros povos.
Quanto a outros autores, Hegel aponta os anjos e demônios em a Divina Comédia como fora da objetividade alcançada por Homero. Neste, o lado natural se funde ao espiritual para executar fins práticos, faltando também no texto de Dante a fundamental guerra entre nações estrangeiras, como há em Camões. Hegel faz o elogio a Tasso em seu Jerusalém libertada: a unidade, o desdobramento, o acabamento, mas ressalta que lhe falta a “originalidade” que o colocaria como livro fundamental de toda uma nação. Em relação a Os Lusíadas, apesar do patriotismo, da unidade epicamente acabada, vitalidade das descrições, faz-se sentir uma cisão entre o objeto nacional e uma formação artística emprestada dos antigos. Já no Cid (1140), o amor, o casamento, o orgulho familiar, o domínio dos reis, o conteúdo elevado, as cenas humanas em desdobramentos de dias gloriosos, fazem do poema um exemplo do que há de mais belo, num único todo, em relação à poesia épica.
A objetividade épica não significa mero descritivismo. O acontecimento se dá no entrecruzamento do lado interior com a realidade exterior, do mundo natural e espiritual, neste conjunto o mundo da vontade é apreendido.  A ação, mesmo reconduzida ao caráter interior, não impede o lado exterior de adquirir o seu direito indiviso. O acontecer da ação na natureza concreta chegaria assim à vitalidade poética expressa pelo autor épico que também de forma única, elege o seu heroi. O próprio acontecimento também exige unidade e não o despedaçamento em situações isoladas ou exibição de fantasia como vivência (introduzindo na obra objetiva mais do que é permitido).
Em Homero a recordação e a fala, memória e discurso, traduziriam também verdade e realidade poética interiores. O sofrimento dos indivíduos, o acontecer da ação, tudo se move diante do leitor. A epopeia apresenta “homens totais” em suas qualidades humanas e nacionais. Indivíduos que reúnem o que poderia ficar disperso em relação ao caráter da nação.  A beleza, a grandiosidade, a liberdade que estes indivíduos apresentam, unem-se à sua coragem diante do destino dos acontecimentos. “A epopeia não tem de descrever uma ação como ação, e sim como um acontecimento”, ensina Hegel (2004, p. 115), e o destino é feito no agir conjunto de potências, nos eventos. Deuses e homens em Homero, por exemplo, têm, na relação poética, uma autonomia recíproca nem os deuses são rebaixados à abstração nem os mortais a meros servos obedientes. Sobre os primeiros paira, no dizer de Hegel (p. 119), uma “luz mágica entre a poesia e a efetividade”.
Ainda segundo Hegel (p. 123) na poesia lírica a forma do interior “exclui de si a ampla intuitibilidade da realidade exterior”, já na epopeia a “efetividade nacional abrangente, sobre a qual a nação se baseia, igualmente conquistam um lugar o interior bem como o exterior” (p. 123). Em amplitude de conteúdo e forma, diferente da poesia sentimental que concentra tudo o que “apreende na intimidade de sentimento ou dilui na universalidade concentrada da reflexão” (p. 121), no épico a existência independe dos lados  particulares e volta-se para  o exterior  (lado a lado: o caráter e a necessidade exterior,  com a mesma força). Hegel  cita como exemplo de sobriedade épica  os discursos de Aquiles (por Pátroclo)  e o de Hécuba (por Heitor) dentro da Ilíada, comoventes não só pelo lírico embutido, mas principalmente pelo seu  modo épico.
            A épica estaria ligada a épocas originárias de uma nação enquanto a lírica pode ser produzida em todos os períodos do desenvolvimento. Um mero acontecimento, uma ação, quando narrada epicamente assume a forma de um evento, diferente do idílio onde o homem é exposto em sua inocência, ou ainda no romance burguês do início do século XIX, no seu conflito entre a poesia do coração, a “prosa oposta das relações” e a contingência de circunstâncias externas.

III
Na subjetividade do criar e do configurar espirituais, a exteriorização de si na poesia lírica, nota-se um afastamento da coisalidade da arte épica. “O domínio cego da paixão reside na sua unidade turva destituída de consciência com o ânimo inteiro”, sugere Hegel (p. 156). Este objetivar-se primeiro do coração se abre para a expressão de si mesmo, eis a tarefa da poesia lírica e sua diferença em relação à épica, que tem a necessidade de ouvir a coisa (sache): destacar o objeto.  Na lírica o conteúdo não é o desenvolvimento de uma ação objetiva em sua conexão com o reino mundano. O sujeito singular singulariza a situação, em seu juízo subjetivo e mesmo no que tange à expressão da vida nacional, o poema lírico se limita a uma certa visão particular. A essencialidade nesta poesia lírica se faz mais profunda e o sujeito que se expressa torna-se ele mesmo, também, conteúdo e o todo começa pelo coração do poeta. Deve-se destacar aqui que se a epopeia se utiliza de passagens líricas, o contrário também não é improvável. O que não significa que na lírica o foco seja a descrição e a ilustração do acontecimento real. O poeta lírico ao expressar sua melancolia, serenidade ou até o fervor patriótico, não faz do evento o ponto central, e sim como isto se reflete no seu ser: conteúdo épico, tratamento lírico.  Ele utiliza-se da situação para expressar a si mesmo, sua interioridade. Não é a coletividade, mas o sujeito que se mostra em sua paixão particular, em pleno arbítrio do desejo e do prazer, originalidade, o conteúdo do seu peito humano onde lateja a arte em busca de expressão plena, peculiar. A lírica autêntica não se obriga a ter os acontecimentos exteriores como ponto de partida, ao contrário: busca em si o estímulo e o conteúdo, ao passo que ao poeta épico serve de conteúdo o heroi estranho, seus feitos e acontecimentos.
No que trata da poesia popular, Hegel ressalta que “não é um indivíduo singular que se torna conhecível (...) e sim um sentimento popular” (p. 169) que ele traz em si. Tal “frescor destituído de reflexão” pode até apresentar a “selvageria” das “nações semi-rudes”, o trivial, o horrível. Daí a expressão total do espírito não poder ficar preso ao conteúdo, ou modo de expressão destas canções originalmente populares.  Deve ao contrário expressar o máximo que o feito humano é capaz de abordar em si enquanto expressão do seu espírito (numa posição mais elevada) e ser capaz de levar à autoconsciência livre, ao pensamento filosófico, à abstração, com clareza,  sistematicamente, como às vezes o faz Schiller, ocultando explicações  didáticas também.
Em relação à lírica, Schiller aponta a poesia ingênua, a exemplo da grega antiga, e a do poeta moderno sentimental, representado por ele. Tal integração com a natureza (ingênuo) representaria o que há de mais caro, a perfeição, enquanto a sentimental procuraria essa natureza. Mas há de se levar em conta que os gregos estavam cercados de um ambiente privilegiado, uma arte idealizadora, uma “idealidade perfeita” que vigorava nesta poesia. Diante do peso desta antiguidade clássica da Grécia, Schiller, em parte, elaborou o seu ideal, não como cópia, mas traçando uma peculiar analogia. Demarcando espaço para o que chamou de modernidade literária, em cotejo com o ideal grego, onde latejava a unicidade com a natureza. Em Schiller, havendo a reflexão, o sentimento da natureza, há também o espelho revitalizado do homem uno consigo mesmo almejando a felicidade no sentimento de ser humano. O sentir naturalmente dos gregos em contraponto com o sentir o natural em Schiller. O desaparecimento de tal natureza como experiência é recompensada pelo seu ressurgimento no mundo poético e os poetas seriam  seus guardiões, vingadores, testemunhas. Os sentimentais voltam assim à natureza pelo caminho da liberdade e da razão. Schiller, em relação à poesia grega antiga, salienta as condições do período e tenta produzir no seu próprio tempo a harmonia em si mesmo enquanto poeta. Numa Alemanha, ainda não unificada, ele os gregos e reflete. No seu íntimo o poeta traça, enquanto sentimental, um panorama distanciado daquele das conquistas pela guerra ultramarina, como na Ilíada. O mundo universaliza-se no ser diante da própria felicidade de uma alma livre que se integra à natureza para fortalecer-se na dignidade, no princípio ético e moral.
Diante do homem, para Schiller, estariam as opções: enfurecer-se contra a malícia ou rir dos acasos e confusões mundanas. À inocência perdida na infância, ele não propõe um retorno ao que é infantil e sim uma sobriedade adulta de retomada da integração (com a natureza) cheia de força e vigor (como se dá com as belezas naturais) como os gregos fizeram.
A poesia schilleriana propõe-se como sentimental, mas não como uma degeneração do classicismo. Registra a perda da harmonia com a natureza, que o homem (moral) ainda teria (ou deveria ter) como modelo de felicidade diante de alguns males da cultura (que traz no bojo o afastamento do que seria “natural”). Propõe que o poeta encontre, ao contrário do épico, dentro de si a saída.
A remissão ao modelo de representação dos artigos gregos se dá na ânsia por felicidade e liberdade perdida. Schiller apresenta nostalgia da antiga perfeição (natureza como superior à arte, à mímesis) e propõe uma poesia que parecesse brotar da própria natureza. O autor, cheio deste ideal sublime do resgate da unidade perdida se reencontraria na poesia sem artifícios e proporia à cultura uma retomada da integração com as forças naturais. O poeta moderno, então, se recuperaria do afastamento, e, tentaria “ser” plenamente, guiando os outros, proporcionando um ambiente diferente do épico, através da expressão do que há de mais sublime e atemporal.
No poema épico grego os homens são representados como rígidos até diante até das divindades tornadas conhecidas. Aparam-se as arestas entre o espírito e o corpo, e a ação é sugerida enquanto traje bem talhado da alma.  Coagula-se em “aço purpúreo o sangue que lhes brota”, forja-se em “couraça, para que suas feridas permaneçam eternamente ocultas e seus gestos de heroísmo tornem-se o paradigma do verdadeiro e futuro heroísmo”, como afirma LUKÁCS (2000, p. 27).
Este patamar da cultura grega vem atravessando milênios e superando em intensidade tantas outras obras de vários povos (segundo Hegel), em inversão de topografia transcendental, a tratar do amor, família, Estado. E dentro desta poesia épica bem elaborada está também o afastamento dos abismos, um mundo acabado e perfeito. Enquanto outros autores, através do tempo, segundo o mesmo Lukács, tiveram de “cavar abismos intransponíveis entre o conhecer e o fazer, entre a alma e a estrutura, entre o eu e o mundo, e permitir que na outra margem do abismo, toda a substancialidade se dissipasse em reflexão” (p. 30-31). No mundo de hoje, de  maior complexidade do que o dos gregos antigos, que suprime o sentido de totalidade, fragmenta-se cada vez mais o elo com a natureza, enquanto modelo ansiado por Schiller.  Platão desmascarou o heroi épico (em sua imanência à vida) e iluminou o perigo sombrio por ele vencido. Buscou-se depois, através de várias épocas, um mundo “abarcável” com a vista, onde o abismo perderia (aparentemente) o perigo das profundezas, o incompreensível é trazido à visão como em São Tomás. Mas a desilusão romântica do século XVIII, seguida pelo apelo à vitalidade encontrada na natureza, fez o poeta perceber o fim da epopeia. Surgiu em seu lugar o romance.
 “O romance é a epopeia de uma era para a qual a totalidade (...) é dada de modo evidente (...) [porém] a imanência do sentido à vida tornou-se problemática” (LUKÁCS, p. 55). A totalidade extensiva da vida, sugerida pelos gregos que tinham o empirismo em seu fundamento, vai dar lugar, na poesia, à transcendência lírica, margeando o utópico. Em Homero o transcendente mesclava-se à existência terrena, era imanente, o heroi estava ligado à realidade histórica e não ao seu arquétipo,  sujeito e objeto não coincidiam. O sujeito, em contemplação muda, era o  homem  comum da existência cotidiana. Já no idílio o que se vê são os contornos de brandura, isolamento diante de tempestade.
Por sua vez a poesia dramática reuniu em si a objetividade (da epopeia) e o princípio subjetivo (da lírica) colocando em presença imediata a ação em si mesma acabada, decisiva, efetiva, demonstrando colisões entre o interior dos indivíduos e o exterior, em exposição cênica. Em cena estariam a intuição imediata, as paixões e personagens colidentes (ações e reações) em apreensão poética enquanto expressão mediadora (dos princípios épicos e líricos) onde o acontecimento, o atuar, o agir não se desfazem em puro lirismo (em oposição ao exterior), mas em realização  (exterior) diante de determinadas circunstâncias cênicas (enredamento, colisões) até um desenlace (que não pode ser meramente lírico), onde é gerada uma proposta de reflexão sobre caráter,  fins particulares. O si-mesmo volitivo dos personagens torna-se (nesta poesia dramática) exterior (“aparição exterior”) e é mostrada a ação como ação, o caráter enquanto (o seu) agir. Deixa-se fluir o “pathos impulsionador” em cada um dos que agem (surgindo de modo oposto, fins distintos), entrando em conflito (existência oferecida à ação e posta em movimento), exibindo lutas e destinos humanos, suas intrigas, oposições. E, no reconhecimento das potências imperantes, o poeta dramático não deveria ficar simplesmente preso à tessitura lírica, na medida em que há que se exercitar a dissolução da unilateralidade das potências (que se autonomizam nos indivíduos). Parece óbvio que tal autor deve ter conhecimento das técnicas e necessidades do teatro (unidade da ação, por exemplo). “A ação dramática reside essencialmente num agir colidente”, enfatiza Hegel, “os indivíduos introduziram todo o seu querer e ser em seu empreendimento” (p. 208).
Ao buscar auxílio, complemento, em várias outras artes, a representação  teatral é a execução de uma partitura e tudo  deve ser bem orquestrado.  A voz, o atuar e a encenação exigem cálculo e preparação, não é o leitor solitário (da lírica e da épica) o que o autor teatral aguarda (simplesmente, textos dramáticos são para encenação):  é um espectador. Tal autor precisa de “mãos e gargantas estranhas” (Hegel, p. 229) dos atores, eles são como instrumentos (utilizados pelo escritor). Às vezes estarão nos gestos o que poderia, noutro contexto, ser descrito por palavras (em outros gêneros), o exterior sensível, e agora são efeitos teatrais.
O modo de desdobramento da poesia dramática se distingue da lírica e da épica.  Sua progressão, abrangência, divisão em cenas (e atos, às vezes), a pouca utilização da descrição (fundamental na épica), a busca da naturalidade, a dicção enfrentam o juízo imediato do público, a presença viva deste (que deve ser pensada na elaboração do texto). O modo de pensar é levado diante dos olhos do consumidor (em público). Não é a exposição dos personagens e sim a ação, que advém a partir daí, que interessa mais. Na épica o poeta é narrador, mas no teatro, o público exige a consumação, as atitudes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- HEGEL, G. W. F. 2004. Cursos de Estética. trad. Marco Aurélio Werle. São Paulo: EDUSP, v. IV.
- SCHILLER, Friedrich. 1991. Poesia ingênua e sentimental. Trad. Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras.
- LUKÁCS, Georg. 2000. A teoria do romance. Rio de Janeiro: Editora 34.



Sobre o autor deste artigo: Moisés Monteiro de Melo Neto é Mestre e Doutor em Letras pela UFPE, professor da Universidade Estadual de Alagoas, escritor, pesquisador e teatrólogo há mais de três décadas.





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