Por Moisés Monteiro de Melo Neto
RESUMO: Este artigo busca sondar os limites do fazer poético e exaltar a
importância do seu estudo no processo educativo. Posicionar-se criticamente
diante de certas obras é desafio constante dos professores, críticos e também
do leitor comum. Épica, dramática ou lírica a fantasia criativa é enigma de
quase impossível compreensão absoluta. O projeto do autor divide-se entre as
regras e ruptura, estando a liberdade criativa quase sempre sendo colocada em
cotejo com a arquitextualidade e sob a observação de severas teorias de cunho imobilista ou talvez
discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de
inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus
variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido
vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas
possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do
século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época
ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das
instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e
sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam)
que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de
vários poemas).
PALAVRAS - CHAVE:
LITERATURA POESIA ÉPICO LÍRICO
DRAMÁTICO
ABSTRACT: This article aims to probe the limits of
the poetic do and exalting the importance of their study in the educational
process, a constant challenge for teachers, critics and also the common reader.
The epic work has been the subject of numerous studies, as well as the
sentimental poetry of the Romantics in their various biases. But would the
structure and form of the epic poem been raided to exhaustion? Never a topic
like this could run out in their interpretation and representation
possibilities. Hegel, in the early nineteenth century, analyzed actions and
circumstances surrounding a nation and a time there artistically portrayed: the
national spirit, the organization of institutions, while Schiller tried to
comment on the naive and sentimental poetry. It is not only the content but
also the worldview there inscribed (stamping the sphere in which such works
move) that deserve special attention.
KEYWORDS: LITERATURE POETRY EPIC LYRICAL DRAMATIC
Posicionar-se criticamente diante de certas obras é desafio
constante dos professores, críticos e também do leitor comum. Épica, dramática
ou lírica a fantasia criativa é enigma de quase impossível compreensão
absoluta. O projeto do autor divide-se entre as regras e ruptura, estando a
liberdade criativa quase sempre sendo colocada em cotejo com a
arquitextualidade e sob a observação de severas teorias de cunho imobilista ou
talvez discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de
inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus
variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido
vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas
possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do
século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época
ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das
instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e
sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam)
que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de vários
poemas).
Alguns
críticos apontam diferenças quanto aos termos: a palavra épica seria utilizada enquanto gênero narrativo, já epopeia seria o poema heroico, pertencente ao gênero
épico (aqui seriam incluídos também o romance, o conto e a novela que mesmo não
sendo epopeias tiveram ali sua origem).
Ao tratar da filosofia em relação à épica, Hegel nota que a
epopeia transcende a simples glorificação de um povo no seu apogeu. É mais o contato do homem com o universo o
que parece ser ressaltado. Uma compreensão do Cosmos.
A poesia, presente em todas as civilizações, tem conteúdo
espiritual e trata de acontecimentos, sentimentos, ações e paixões. Para Hegel
o que importa, além da estrutura da poética, é a análise dialética (tanto na
épica quanto na lírica) no que trata da relação entre vida social e poesia. Observando a arte enquanto
fenômeno histórico, surgem as figuras (espiritualidade e idealidade) e o pathos
(no destino). Entendendo arte dentro de um processo, clássica, simbólica ou
romântica, e tratando-a como a exterioridade
sensível captada pela intuição, como interioridade, Hegel analisa através
da filosofia (na medida em que esta intersecciona a objetividade da arte e a
subjetividade da religião e aponta a matéria espiritual como necessária
para o filosofar, numa superioridade
do espírito em relação à natureza). E coloca a liberdade do espírito em cotejo
com a harmonia do belo e a tensão (do
destino). Surge a contradição: a beleza artística, feita para e pelo homem é
contraposta à natural. Hegel aponta a superioridade do belo artístico, na
medida em que a natureza está em nível de
não-liberdade. Nas contradições próprias da vida (entre liberdade e
necessidade) gerar-se-ia o belo na arte
(resultado do trabalho espiritual). A obra de arte se mostrando livre superaria
assim a natureza, inclusive a morte, podendo conservar (ou não) o sensível ou o
natural, em evolução para o espiritual. Nesta idealização do sensível através da
arte simbólica (ainda pré-arte, por
sua aproximação com o natural),
haveria também a tentativa de representar a amplitude da vida, do mundo através
do anseio por símbolos da totalidade. A passagem para uma forma clássica
implicaria na harmonia entre forma e conteúdo, sendo a epopeia a manifestação
estética de individualidade ética, que não se confunde com o individualismo.
II
Mantendo-se no
centro do pensamento a poesia capta a universalidade espiritual quando busca a
unidade interior de tudo, mas deve fazê-lo com soltura e uma aparente autonomia
diante do pensamento do outro, da aparição, da existência natural, na medida em
que no seu fluxo o conteúdo espiritual conquista uma existência exterior. E qual
seria a subsistência material deste “modo de exteriorização”? Tem-se, por
exemplo, o conceito de sonoridade exercitado na poesia.
Buscaremos agora traçar um paralelo entre a poesia épica, a
sentimental e ingênua. Usando, como base a estética de Hegel no que trata do
épico e as observações de Schiller, no seu ensaio Poesia Ingênua e Sentimental.
Nos rapsodos que às vezes cantavam de cor, mecanicamente, em única medida de verso, um acontecimento
“acabado em si mesmo”, já se controlava a autoexpressão do sujeito. Instalava-se
para o leitor a ação em sua luta e desenlace. O homem vivo era ele mesmo o
material desta exteriorização. Nesta música plástica, da posição corporal e do movimento, o Epos, isto é, a palavra, o discurso,
transformava até mesmo a lenda em texto (exibindo seu conteúdo substancial
em direção à consciência de quem o
recebia, extraindo do acontecimento o
caráter universal e apontando pontos
particulares, a epopeia mais simples ressaltava o mundo concreto e a riqueza
dos fenômenos mutáveis, como nos antigos epigramas, inscrições em objetos e
monumentos.
A epopeia foi se aprimorando e eliminando a duplicidade dos
objetos, incluindo enunciados éticos, apontando deveres na existência humana na
sabedoria compartilhada. Mas isso tudo, mesmo se dando sem a finalidade da
comoção, ainda não é o épico no sentido mais clássico, como abordado por Hegel,
um todo maior, a espécie épica que queremos discutir, contrapondo-a ao lirismo
sentimental. Um estreito entrelaçamento de poesia e efetividade foi conseguido
nos poemas didático-filosóficos, ao tratar do transitório e do eterno, com
certa grandiosidade e potência.
Ao contrário dos gregos, a poesia indiana, no que trata da
cosmogonia, perder-se-ia em divagações, que deveriam ser evitadas na poesia
épica. O luxo, a glória, a inverdade fantástica, a confusão que permeiam as
epopeias indianas, a mitologia exposta epicamente em grande parte, fazem do
registro uma ponte entre o religioso e o poético. Mas mesmo na sua graça
impressionante, o oscilar entre o humano e o divino e episódios que parecem
acrescentados posteriormente, sugerem mais querer ensinar a moral e a prudência
do que exibir o caráter nacional de um povo. Também nos judeus, no Antigo Testamento, predomina algo que
difere do caráter épico: o interesse em
si religioso. Entre os persas e os árabes, mesmo antes do período
maometano, as obras não apresentam o tom épico que Hegel consideraria adequado,
faltando-lhes a firmeza da configuração individual, o sopro da vitalidade
imediata, necessários à grande epopeia nacional, a articulação e a
unidade estão soltas, não tratando da
seriedade do destino de modo contundente como Homero o fez.
No que vimos até agora, o
tom épico não implica na epopeia em toda a sua amplitude, na sua conexão com o
mundo, na objetividade em relação ao espírito de um povo em sua totalidade
(religião, existência, política, lar, carências e satisfação), na presença viva
do seu espírito. O que é exposto na epopeia, em objetividade real, é a
sequência exterior. Surge ali, acabado poeticamente, um todo em si mesmo
orgânico, em calma objetiva, a consciência de um povo, e não um livro
religioso, que falta aos gregos, por exemplo.
Um povo que já construiu sua própria cultura seria representado na
epopeia através da literatura que não se deteria na ocupação com o interior do
indivíduo e sim desvendaria circunstâncias
exteriores, extrapolando a simples nacionalidade poética e atingindo a
consciência representadora cheia de vitalidade própria, fruto de grandes transformações.
Os gregos superaram influências, como as egípcias e da Ásia Menor,
os romanos tiveram que lidar com a herança grega, mas a poesia épica só se
realizou em plenitude na consciência da força de um povo e através de um só
indivíduo: o poeta que produz o texto “coletivo” e expressa sua necessidade mais
elevada, a honra, os feitos, o modo de ser da sua gente, desaparecendo dentro do
seu “objeto”, e isso não significa dispensar seu estilo pessoal. Não é o mundo
interior do sujeito que é poetizado, mas as questões fundamentais que envolvem
sua produção espiritual, consciência e autoconsciência efetivas e singulares,
dentro do estado nacional.
O mundo universal apresenta-se, na epopeia, através de um
acontecimento, em determinada época, mesmo que se invoquem outros períodos e
outros planos. Através da epopeia surge assim uma nação inteira, sem a
subjetividade excessiva dos indivíduos, nem indo de encontro à paixão e ao modo
de pensar individuais. Afastando-se do idílico, mas ainda sustentando uma
conexão viva com a natureza, mesmo sem se deter muito nestas cenas. Em tais
poemas os herois não se esquivam de tarefas como preparar comida, servir vinho,
e as executam com prazer. São apresentadas também as vidas dos subordinados e
representações de outros povos.
Quanto a outros autores, Hegel aponta os anjos e demônios em a Divina Comédia como fora da objetividade
alcançada por Homero. Neste, o lado natural se funde ao espiritual para
executar fins práticos, faltando também no texto de Dante a fundamental guerra
entre nações estrangeiras, como há em Camões. Hegel faz o elogio a Tasso em seu
Jerusalém libertada: a unidade, o
desdobramento, o acabamento, mas ressalta que lhe falta a “originalidade” que o
colocaria como livro fundamental de toda uma nação. Em relação a Os Lusíadas, apesar do patriotismo, da
unidade epicamente acabada, vitalidade das descrições, faz-se sentir uma cisão entre
o objeto nacional e uma formação artística emprestada dos antigos. Já no Cid (1140), o amor, o casamento, o
orgulho familiar, o domínio dos reis, o conteúdo elevado, as cenas humanas em
desdobramentos de dias gloriosos, fazem do poema um exemplo do que há de mais
belo, num único todo, em relação à poesia épica.
A objetividade épica não significa mero descritivismo. O
acontecimento se dá no entrecruzamento do lado interior com a realidade
exterior, do mundo natural e espiritual, neste conjunto o mundo da vontade é
apreendido. A ação, mesmo reconduzida ao
caráter interior, não impede o lado exterior de adquirir o seu direito
indiviso. O acontecer da ação na natureza concreta chegaria assim à vitalidade
poética expressa pelo autor épico que também de forma única, elege o seu heroi.
O próprio acontecimento também exige unidade e não o despedaçamento em
situações isoladas ou exibição de fantasia como vivência (introduzindo na obra
objetiva mais do que é permitido).
Em Homero a recordação e a fala, memória e discurso, traduziriam também
verdade e realidade poética interiores. O sofrimento dos indivíduos, o acontecer da ação, tudo se move diante
do leitor. A epopeia apresenta “homens totais” em suas qualidades humanas e nacionais.
Indivíduos que reúnem o que poderia ficar disperso em relação ao caráter da
nação. A beleza, a grandiosidade, a
liberdade que estes indivíduos apresentam, unem-se à sua coragem diante do
destino dos acontecimentos. “A epopeia não tem de descrever uma ação como ação,
e sim como um acontecimento”, ensina Hegel (2004, p. 115), e o destino é feito no agir conjunto de potências, nos
eventos. Deuses e homens em Homero, por exemplo, têm, na relação poética, uma
autonomia recíproca nem os deuses são rebaixados à abstração nem os mortais a
meros servos obedientes. Sobre os primeiros paira, no dizer de Hegel (p. 119), uma
“luz mágica entre a poesia e a efetividade”.
Ainda segundo Hegel (p. 123) na poesia lírica a forma do interior
“exclui de si a ampla intuitibilidade
da realidade exterior”, já na epopeia a “efetividade nacional abrangente, sobre
a qual a nação se baseia, igualmente conquistam um lugar o interior bem como o
exterior” (p. 123). Em amplitude de conteúdo e forma, diferente da poesia
sentimental que concentra tudo o que “apreende na intimidade de sentimento ou
dilui na universalidade concentrada da reflexão” (p. 121), no épico a
existência independe dos lados
particulares e volta-se para o
exterior (lado a lado: o caráter e a
necessidade exterior, com a mesma
força). Hegel cita como exemplo de sobriedade
épica os discursos de Aquiles (por Pátroclo) e o de Hécuba (por Heitor) dentro da Ilíada, comoventes não só pelo lírico
embutido, mas principalmente pelo seu
modo épico.
A épica estaria
ligada a épocas originárias de uma nação enquanto a lírica pode ser produzida
em todos os períodos do desenvolvimento. Um mero acontecimento, uma ação,
quando narrada epicamente assume a forma de um evento, diferente do idílio onde
o homem é exposto em sua inocência, ou ainda no romance burguês do início do
século XIX, no seu conflito entre a poesia do coração, a “prosa oposta das
relações” e a contingência de circunstâncias externas.
III
Na subjetividade do criar e do configurar espirituais, a
exteriorização de si na poesia lírica, nota-se um afastamento da coisalidade da arte épica. “O domínio
cego da paixão reside na sua unidade turva destituída de consciência com o
ânimo inteiro”, sugere Hegel (p. 156). Este objetivar-se primeiro do coração se
abre para a expressão de si mesmo, eis a tarefa da poesia lírica e sua diferença
em relação à épica, que tem a necessidade de ouvir a coisa (sache): destacar o objeto. Na lírica o conteúdo não é o desenvolvimento
de uma ação objetiva em sua conexão com o reino mundano. O sujeito singular
singulariza a situação, em seu juízo subjetivo e mesmo no que tange à expressão
da vida nacional, o poema lírico se limita a uma certa visão particular. A essencialidade nesta poesia lírica se
faz mais profunda e o sujeito que se expressa torna-se ele mesmo, também,
conteúdo e o todo começa pelo coração do poeta. Deve-se destacar aqui que se a
epopeia se utiliza de passagens líricas, o contrário também não é improvável. O que não significa que na
lírica o foco seja a descrição e a ilustração do acontecimento real. O poeta
lírico ao expressar sua melancolia, serenidade ou até o fervor patriótico, não
faz do evento o ponto central, e sim como isto se reflete no seu ser: conteúdo épico, tratamento lírico. Ele utiliza-se da situação para expressar a
si mesmo, sua interioridade. Não é a coletividade, mas o sujeito que se mostra em
sua paixão particular, em pleno arbítrio do desejo e do prazer, originalidade,
o conteúdo do seu peito humano onde lateja a arte em busca de expressão plena,
peculiar. A lírica autêntica não se obriga a ter os acontecimentos exteriores
como ponto de partida, ao contrário: busca em si o estímulo e o conteúdo, ao
passo que ao poeta épico serve de conteúdo o heroi estranho, seus feitos e
acontecimentos.
No que trata da poesia
popular, Hegel ressalta que “não é um indivíduo singular que se torna
conhecível (...) e sim um sentimento popular” (p. 169) que ele traz em si. Tal
“frescor destituído de reflexão” pode até apresentar a “selvageria” das “nações
semi-rudes”, o trivial, o horrível. Daí a expressão total do espírito não poder
ficar preso ao conteúdo, ou modo de expressão destas canções originalmente populares. Deve ao contrário expressar o máximo que o feito
humano é capaz de abordar em si enquanto expressão do seu espírito (numa
posição mais elevada) e ser capaz de levar à autoconsciência livre, ao
pensamento filosófico, à abstração, com clareza, sistematicamente, como às vezes o faz
Schiller, ocultando explicações
didáticas também.
Em relação à lírica, Schiller aponta a poesia ingênua, a exemplo da
grega antiga, e a do poeta moderno sentimental, representado por ele. Tal integração com a natureza (ingênuo) representaria
o que há de mais caro, a perfeição, enquanto a sentimental procuraria essa natureza. Mas há de se levar em conta que os gregos
estavam cercados de um ambiente privilegiado, uma arte idealizadora, uma
“idealidade perfeita” que vigorava nesta poesia. Diante do peso desta
antiguidade clássica da Grécia, Schiller, em parte, elaborou o seu ideal, não como
cópia, mas traçando uma peculiar analogia. Demarcando espaço para o que chamou
de modernidade literária, em cotejo com o ideal grego, onde latejava a unicidade
com a natureza. Em Schiller, havendo a reflexão, o sentimento da natureza, há também
o espelho revitalizado do homem uno consigo mesmo almejando a felicidade no
sentimento de ser humano. O sentir naturalmente
dos gregos em contraponto com o sentir o natural em Schiller. O desaparecimento
de tal natureza como experiência é
recompensada pelo seu ressurgimento no mundo poético e os poetas seriam seus guardiões, vingadores, testemunhas. Os
sentimentais voltam assim à natureza
pelo caminho da liberdade e da razão. Schiller, em relação à poesia grega antiga,
salienta as condições do período e tenta produzir no seu próprio tempo a
harmonia em si mesmo enquanto poeta. Numa Alemanha, ainda não unificada, ele lê os gregos e reflete. No seu íntimo o
poeta traça, enquanto sentimental, um panorama distanciado daquele das
conquistas pela guerra ultramarina, como na Ilíada.
O mundo universaliza-se no ser diante da própria felicidade de uma alma livre
que se integra à natureza para fortalecer-se na dignidade, no princípio ético e
moral.
Diante do homem, para Schiller, estariam as opções: enfurecer-se contra
a malícia ou rir dos acasos e confusões
mundanas. À inocência perdida na infância, ele não propõe um retorno ao que é
infantil e sim uma sobriedade adulta de retomada da integração (com a natureza)
cheia de força e vigor (como se dá com as belezas naturais) como os gregos
fizeram.
A poesia schilleriana propõe-se como sentimental, mas não como uma
degeneração do classicismo. Registra a perda da harmonia com a natureza, que o
homem (moral) ainda teria (ou deveria ter) como modelo de felicidade diante de
alguns males da cultura (que traz no bojo o afastamento do que seria “natural”).
Propõe que o poeta encontre, ao contrário do épico, dentro de si a saída.
A remissão ao modelo de representação dos artigos gregos se dá na
ânsia por felicidade e liberdade perdida. Schiller apresenta nostalgia da
antiga perfeição (natureza como superior à arte, à mímesis) e propõe uma poesia
que parecesse brotar da própria natureza. O autor, cheio deste ideal sublime do
resgate da unidade perdida se reencontraria na poesia sem artifícios e proporia
à cultura uma retomada da integração com as forças naturais. O poeta moderno, então,
se recuperaria do afastamento, e, tentaria “ser” plenamente, guiando os outros,
proporcionando um ambiente diferente do épico, através da expressão do que há
de mais sublime e atemporal.
No poema épico grego os homens são representados como rígidos até diante
até das divindades tornadas conhecidas. Aparam-se as arestas entre o espírito e
o corpo, e a ação é sugerida enquanto traje bem talhado da alma. Coagula-se em “aço purpúreo o sangue que lhes
brota”, forja-se em “couraça, para que suas feridas permaneçam eternamente
ocultas e seus gestos de heroísmo tornem-se o paradigma do verdadeiro e futuro
heroísmo”, como afirma LUKÁCS (2000, p. 27).
Este patamar da cultura
grega vem atravessando milênios e superando em intensidade tantas outras obras
de vários povos (segundo Hegel), em inversão de topografia transcendental, a tratar
do amor, família, Estado. E dentro desta poesia épica bem elaborada está também
o afastamento dos abismos, um mundo acabado e perfeito. Enquanto outros
autores, através do tempo, segundo o mesmo Lukács, tiveram de “cavar abismos
intransponíveis entre o conhecer e o fazer, entre a alma e a estrutura, entre o
eu e o mundo, e permitir que na outra margem do abismo, toda a substancialidade
se dissipasse em reflexão” (p. 30-31). No mundo de hoje, de maior complexidade do que o dos gregos
antigos, que suprime o sentido de totalidade, fragmenta-se cada vez mais o elo
com a natureza, enquanto modelo ansiado por Schiller. Platão desmascarou o heroi épico (em sua
imanência à vida) e iluminou o perigo
sombrio por ele vencido.
Buscou-se depois, através de várias épocas, um mundo “abarcável” com a vista, onde
o abismo perderia (aparentemente) o perigo das profundezas, o incompreensível é
trazido à visão como em São Tomás. Mas a desilusão romântica do século XVIII,
seguida pelo apelo à vitalidade encontrada na natureza, fez o poeta perceber o
fim da epopeia. Surgiu em seu lugar o romance.
“O romance é a epopeia de
uma era para a qual a totalidade (...) é dada de modo evidente (...) [porém] a
imanência do sentido à vida tornou-se problemática” (LUKÁCS, p. 55). A
totalidade extensiva da vida, sugerida pelos gregos que tinham o empirismo em
seu fundamento, vai dar lugar, na poesia, à transcendência lírica, margeando o
utópico. Em Homero o transcendente mesclava-se à existência terrena, era
imanente, o heroi estava ligado à realidade histórica e não ao seu
arquétipo, sujeito e objeto não
coincidiam. O sujeito, em contemplação muda, era o homem
comum da existência cotidiana. Já no idílio o que se vê são os contornos
de brandura, isolamento diante de tempestade.
Por sua vez a poesia dramática reuniu em si a objetividade (da
epopeia) e o princípio subjetivo (da lírica) colocando em presença imediata a
ação em si mesma acabada, decisiva, efetiva, demonstrando colisões entre o
interior dos indivíduos e o exterior, em exposição cênica. Em cena estariam a
intuição imediata, as paixões e personagens colidentes (ações e reações) em
apreensão poética enquanto expressão mediadora (dos princípios épicos e
líricos) onde o acontecimento, o atuar, o agir não se desfazem em puro lirismo
(em oposição ao exterior), mas em realização
(exterior) diante de determinadas circunstâncias cênicas (enredamento,
colisões) até um desenlace (que não pode ser meramente lírico), onde é gerada
uma proposta de reflexão sobre caráter,
fins particulares. O si-mesmo
volitivo dos personagens torna-se (nesta poesia dramática) exterior
(“aparição exterior”) e é mostrada a ação como ação, o caráter enquanto (o seu)
agir. Deixa-se fluir o “pathos impulsionador” em cada um dos que agem (surgindo
de modo oposto, fins distintos), entrando em conflito (existência oferecida à
ação e posta em movimento), exibindo lutas e destinos humanos, suas intrigas,
oposições. E, no reconhecimento das potências imperantes, o poeta dramático não
deveria ficar simplesmente preso à tessitura lírica, na medida em que há que se
exercitar a dissolução da unilateralidade das potências (que se autonomizam nos
indivíduos). Parece óbvio que tal autor deve ter conhecimento das técnicas e
necessidades do teatro (unidade da ação, por exemplo). “A ação dramática reside
essencialmente num agir colidente”, enfatiza Hegel, “os indivíduos introduziram
todo o seu querer e ser em seu empreendimento” (p. 208).
Ao buscar auxílio, complemento, em várias outras artes, a
representação teatral é a execução de
uma partitura e tudo deve ser bem orquestrado. A voz, o atuar e a encenação exigem cálculo e preparação, não é o leitor solitário (da
lírica e da épica) o que o autor teatral aguarda (simplesmente, textos dramáticos
são para encenação): é um espectador. Tal autor precisa de “mãos e
gargantas estranhas” (Hegel, p. 229) dos atores, eles são como instrumentos
(utilizados pelo escritor). Às vezes estarão nos gestos o que poderia, noutro
contexto, ser descrito por palavras (em outros gêneros), o exterior sensível, e
agora são efeitos teatrais.
O modo de desdobramento da poesia dramática se distingue da lírica
e da épica. Sua progressão, abrangência,
divisão em cenas (e atos, às vezes), a pouca utilização da descrição
(fundamental na épica), a busca da naturalidade, a dicção enfrentam o juízo
imediato do público, a presença viva deste (que deve ser pensada na elaboração
do texto). O modo de pensar é levado diante dos olhos do consumidor (em público). Não é a exposição dos personagens e sim a
ação, que advém a partir daí, que interessa mais. Na épica o poeta é narrador,
mas no teatro, o público exige a consumação, as atitudes.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
- HEGEL, G. W. F. 2004. Cursos de Estética. trad. Marco Aurélio Werle. São Paulo: EDUSP,
v. IV.
- SCHILLER, Friedrich. 1991. Poesia ingênua e sentimental. Trad.
Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras.
- LUKÁCS, Georg. 2000. A teoria do romance. Rio de Janeiro: Editora 34.
Sobre o autor deste artigo: Moisés Monteiro de Melo
Neto é Mestre e Doutor em Letras pela UFPE, professor da Universidade Estadual de Alagoas, escritor, pesquisador e
teatrólogo há mais de três décadas.
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