Pesquisar este blog

segunda-feira, 28 de maio de 2018

ENCOMENDA





Desejo uma fotografia
como esta – o senhor vê?
 – como esta:em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,derrame luz na minha testa. 
Deixe esta ruga, que me empresta um certo ar de sabedoria. 
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia ...
 Não ...
Neste espaço que ainda resta
Ponha uma cadeira vazia.

(Cecília Meireles)


Brasil: ontem e hoje, poesia, sempre


 No Brasil do século XVIII, o poeta Tomás Antônio Gonzaga (que na obra lírica adotou o pseudônimo do pastor Dirceu), com o pseudônimo de Critilo, escreveu uma série de poemas satíricos intitulados "Cartas Chilenas", denunciando os abusos do poder Português no Brasil; as “Cartas” são endereçadas a Doroteu (Cláudio Manuel da Costa), que estaria em Madri.
Fingindo estar no Chile, o autor árcade critica os governantes portugueses em Minas Gerais, em especial o Fanfarão Minésio:

"Que muitos homens, mais que feras brutos,
na verdade conseguem grandes honras!
Mas ah! Prezado amigo, que ditosa
Não fora a nossa Chile, se antes visse
Adornado um cavalo com insígnias
De general supremo, do que ver-se
Obrigada a dobrar os seus joelhos
Na presença de um chefe,
A quem os deuses
Somente deram a figura de homem"

O que dizer sobre nosso país, hoje?

Moisés Neto fala sobre a sua escrita


Minha escrita é essencialmente dialógica, se choca com qualquer  monologismo , faz críticas aos costumes vigentes e atinge a intratabilidade na sua busca radical. Não admite concessão, nem cumplicidade. Quer partejar o real embutido, disperso em tempo e discurso. Faz-se sátira,  paródia, para tornar patente o ser. Atinge os nódulos. Não é feita para ser adulada; para ganhar dinheiro. Cava seu espaço na mídia é busca pessoal, terrorista, libertina, masturbatória, de compreensão e interferência na existência, é dialógica, fragmentar, polidimensional, hipertextual (na forma e conteúdo).  Organiza o que está disperso no confronto de ideias, no conflito das multiplicidades, nos devires da virtualidade. Faz-se flexível, mutável, interpenetra os gêneros: presença com o riso é paródia que não teme o grotesco nem as limitações espacio-temporais, da história, observa a dimensão jornalística do imediato(livre do convencional memorialismo) : não se quer verossímil ataca até a si mesma.Não se deixa atingir pelo bairrismo. Reordena, usa o palimpsesto, a técnica cinematográfica, pós-surreal-cubista-futurista, é interferência e substituição, reorganização virótica. Mistura fala, substitui elementos, desdobra o que está dobrado e dobra o desdobrado.  Condensa, exagera, desloca, permuta, monta, corta, separa, une, junta planos, reestrutura cenas, cria continuações nos vazios, esvazia os cheios, corta e recompõe em colagens visíveis e invisíveis e o novo sentido é construído em tempo reordenado nas pontes do novo texto com outros, texto sobre texto em escreviver. Viola discursos . É inoportuno desmascaramento,  profanação, desrespeito, contrastes brusquidão, gêneros intercalados, multiplicidade de estilos, perfuração de limites tornando a estabilidade relativa onde tudo é levado ao extremo . Parodia os tons opressores levando-os até seu limite, contradicções, temporalidades viciadas, câncer. É encontro com a própria consciência, com outras na luta contra crenças, desejos, naturalizações, explorações, humilhações pois quer clara consciência. Ironia aí,  não é jogo engraçado e sutil, porém demolição. Não é catarse, espiritualidade, mas expressão do turvo, equívoco, doloroso , quer a revolta em vez do pastoreio. Exibe o escravo, a escravidão, as explorações, os preconceitos Execra as monofonias recusa a aquiescência, a passividade, é incômoda. Não tem partido, sua razão é contra todos. Não tolera vencidos ou vencedores na sua ácida cólera , indignação, ataque aos racionais e irracionais, direitas e esquerdas, modernistas e antimodernos, comunistas e capitalistas, nazistas e antinazistas, negros e brancos, judeus e árabes, homens e mulheres, amigos e inimigos, teístas e ateus, pós-modernistas e nacionalistas. Nessa mistura de sério com cômico atinge representação literária de estados psíquicos intrigantes num sensualismo que zomba maliciosamente dos ridículos do mundo.  Tem função corrosiva de busca radical da verdade Não quer se acostumar com as negociações, arranjos, dribles, acertos, os ideais dos senhores, o que eles gostam, querem, desejam, sonham. Não quer comungar com o ridículo. Não teme ofender ninguém e demonstra autonomia, liberdade. Vai além do nacionalista quando reconhece a máscara dos senhores, dentes dos senhores. E não rir pra eles, não faz parte dos que ficam parados suspirando nas trevas, coniventes com a opressão.  Quer o instante instaurador como eixo.

INTERTEXTUALIDADE ENTRE CLÁSSICOS DA LITERATURA E MPB SONGS




por Raphaelis Avgvstvs


Desde que pronunciamos Mímesis de mimésis e que o Raul deixou claro em fotografia que era o próprio Che Guevara das críticas contra o poder, a arte imita a vida, a vida imita a arte e “nas calhas de roda, gira a entreter a razão” (Pessoa, 2001: 98), a intertextualidade no “Cotidiano” do Chico e “Você não entende nada” do Caetano no “todo dia” em dignos verso e tom, permanece-evolui-vive no nosso todo dia, cotidiano, e talvez você não entende nada do que digo no entanto.
De fato, a intertextualidade é uma das principais características da “Invenção” da literatura como vemos em Homero e Virgílio, Gil Vicente e Ariano Suassuna, Drummond e Pessoa, Lord Byron e Álvares de Azevedo, Victor Hugo e Castro Alves, James Joyce e Oswald de Andrade, Allan Poe e Baudelaire, Álvaro de Campos e Walt Wittman, enfim uma infinidade de exemplos. Exemplos esses que desencadearam controvérsias e plágios fraternos sem distinção de direitos autorais (até onde se sabe) no patamar da literatura mundial.
No caso de tal artigo, proponho a intertextualidade de canções da nossa querida e majestosa MPB com romances ditos clássicos da literatura. Porém, antes de exibi-los, é relevante o destaque do “rei” das intertextualidades literárias, com textos que podem ser tratados como exemplos de Escolas da Literatura, Caetano Veloso. No assunto que sugere tal ofício, temos canções como “Os Argonautas” para dar aulas sobre “Os Lusíadas”, de Camões ou “Mensagem”, de Fernando Pessoa, sem esquecer que outra canção como “Um índio”, em performance bíblico-profética, sugere os textos de José de Alencar e Gonçalves Dias que seguem a linha aborígene do Nacionalismo. Ainda tendo canções como “O Quereres” para o Barroco; “Esse Cara”, para cantiga de amigo trovadoresca; “Podres Poderes”, para a geração condoreira do Romantismo; “Qualquer Coisa”, Simbolismo; e quase um infinito número de composições para o assunto, diferindo intelectual e intertextualmente de “bregões” como, por exemplo “Amor I love you” dos hoje “Tribalistas”, que adicionaram (ou ridicularizaram) “O Primo Basílio” do Super Eça com direito a recital pé-de-orelha do Arnaldo Antunes.
Além do próprio Caetano, temos Chico Buarque com seus textos de amor e verdadeiras obras futuristas, se aquele é possivelmente o rei, este sem dúvida é um deus, Tom Jobim com o alicerce maduro e eficiente para canções como “Luísa”, e citações e poemas musicados de muitos poetas de língua portuguesa ou língua estrangeira. Só pra citar lá vai; Fagner, Adriana Calcanhoto, Renato Russo e Legião Urbana, Paulo Diniz, Belchior, Gilberto Gil, sem esquecer que o campeão de poemas musicados é Fernando Pessoa, que de Maria Bethânia a Secos & Molhados deixou todo mundo com lágrimas nos olhos. Em sua homenagem já foi feito até um CD muito bem produzido com direito a Jô Soares, Marco Nanini, Milton Nascimento, Nana Caymmi e Ritchie. Mas tudo, em grande maioria, é citação; não este tipo de intertextualidade que o artigo lança plumas a observar. 

 

ZÉ RAMALHO E JOSÉ LINS DO REGO


“Eu prefiro um galope soberano
A loucura do mundo me entregar”

Zé Ramalho


Quando Zé Ramalho despontou nas rádios em 1978, trouxe no seu matulão pesquisas místicas e a vida no sertão no neologismo da letra “H” no melhor sistema anglo-saxônico, “Avôhai” (lê-se avorrai). A música é dotada de incrível qualidade sonora em dedilhados de cordas e arranjos, que assim como o título, em apóstrofe divina, dão o tom simbolista a um senhor de idade e ao eu-lírico do poema. Em “Avôhai” (nome que o cantor disse ouvir, ou melhor, escutar uma voz soprar no seu ouvido, cujo significado seria  “avô e pai”, e é daí que se parte o estudo) pode-se observar a intertextualidade com os livros “Menino de Engenho”, “Doidinho” e Bangüê” de José Lins do Rego, a partir do relacionamento entre Carlinhos e o seu avô, o Coronel Zé Paulino. Vejamos trechos que selam essa intertextualidade:

Meu avô me levava sempre em suas visitas de corregedor às terras de seu engenho. (...) O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. ( Rego, 2002: 65-66)

O meu avô passava sem olhar.
Na mesa não tinha mais aquela alegria de outrora. Falava da seca, do algodão em baixa, de tudo que não me interessava de perto.
E ele era tudo para mim. Amava-o imensamente, sem ele saber. Via a sua caminhada para a morte, sentindo que todo o Santa Rosa desaparecia com ele. Uma vez até pensara em escrever uma biografia, a história simples e heróica de sua vida. Mas o que valeria para ele uma história, o seu nome no papel de imprensa? Oitenta e seis anos, a vida inteira acordando às madrugadas, dormindo com safras na cabeça, com preço de açúcar, com futuros de filhos, com cheias de rios, com lagartas comendo roçados. E eu o via passando pelo meu quarto sem me olhar, tossindo pelo alpendre, a bater com o cacete na calçada, como nas noites em que ia olhar o relâmpago nas cabeceiras. Seria que ele esperasse ainda por mim? Que um dia eu deixasse a rede e os livros para empunhar o seu cacete de mando? (Rego, 1979)

Um velho cruza a soleira/ De botas longas de barbas longas, de ouro o brilho do seu colar/ Na laje fria onde quarava sua camisa e seu alforje de caçador/ Oh, meu velho e invisível Avôhai/ Oh, meu velho e indivisível Avôhai

Os fragmentos acima demonstram o misticismo e o respeito de ambos, Carlinhos e o eu-lírico do poema, comprovando um sentimento maior que é refletido nas linhas de Zé Lins, E ele era tudo para mim. Amava-o imensamente sem saber, associado ao grito apaixonante do adjetivo possessivo e simbolizado nos adjetivos que seguem rimados, que acompanham o substantivo Avôhai, Oh, meu velho e invisível Avôhai/ Oh, meu velho e indivisível Avôhai.
Ainda num momento oportuno, os fragmentos revelam características dos velhos, em surgimentos majestosos, ainda que o segundo trecho sobre Zé Paulino o demonstre no fim da vida.
Seguindo mais um panorama de intertextualidade, os sentimentos dos “eus” descrevem ainda o comportamento dos velhos em imagens de ordem e ainda características físicas que se confundem com o semblante de pessoas da região, exemplificando suas astúcias e “manias”.  

O velho José Paulino tinha este gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Gostava de descansar os olhos em horizontes que fossem seus. (...) Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino, rompendo os seus limites pela compra de propriedades anexas. (Rego, 2002: 103-104)

O brejo cruza a poeira/ De fato existe um tom mais leve na palidez desse pessoal/ Pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar/ Mas que bebem sua vida, sua alma na altura que mandar/ São os olhos, são as asas, cabelos de Avôhai

De fato, as semelhanças ainda permanecem quanto à biografia de ambos autores, Zé Lins e Zé Ramalho. Foram dois meninos que perderam os pais e foram morar com os avós e que mais tarde descreveriam suas aventuras em determinadas regiões. Porém um único aspecto diferencia ambos. Enquanto que Zé Lins foi morar num engenho, Zé Ramalho, no texto Avôhai, descreve o maior temor de Carlinhos. É assim que é tratado o conflito “Engenho X Usina”. Seguem as palavras do Contador de Histórias e a do Cantador John Lennon da Caatinga:

Três dias depois da tragédia levaram-me para o engenho do meu avô materno. Eu ia ficar ali morando com ele. Um mundo novo se abria para mim. (Rego, 2002: 37)

Na pedra de turmalina e no terreiro da usina eu me criei/ Voava de madrugada e na cratera condenada eu me calei.

Ainda no seguimento Zé Ramalho – Zelins, há muitas intertextualidades entre os dois. Saindo de Avôhai e os três livros de Carlinhos, há uma forte intertextualidade no romance “Cangaceiros” e a música “Cavalos do Cão”, e ora, por que não tentarmos encontrar alguma entre Zé Limeira e o Capitão Vitorino?
Tomando rédeas da literatura e música absurdamente nomeadas de regionalistas pelas suas descrições de terra e gente e sentimentos (o que não difere em nada da música e da literatura em qualquer parte do mundo, uma vez que há músicas em qualquer estilo musical e há livros em qualquer escola literária que tratam desses mesmos temas), podemos também encontrar a intertextualidade em José Américo na sua principal obra, “A Bagaceira” e “A Triste Partida” do Ave Poeta, Patativa do Assaré, uma vez que ambos os textos refletem a vida de uma família de retirantes e a sua vida no sudeste do Brasil, e isso é que faz diferença.




DJAVAN E FLAUBERT

“Eu quero ver você mandar na razão”
Djavan

Puxando para o lado “polido” da MPB, podemos encontrar no alagoano radicado fluminense, Djavan, uma boa pedida sobre o livro do escritor francês Gustave Flaubert, Madame Bovary. Vejamos os trechos:

- Acalme-se!
- Sim! – dizia ele, debatendo-se. – Vou ficar quieto, não farei mal nenhum; mas me deixem... quero vê-la... é minha esposa!
E chorava. (Flaubert, 2003: 387)

Havia/ Mais que um desejo/ A força do beijo/ Por mais que vadia/ Não sacia mais/ Meus olhos lacrimejam teu corpo/ Exposto à mentira.

O fragmento de Djavan é do poema “Álibi”, e o que há de comum entre os dois textos é o leve desespero em torno de camadas insólitas do sentimento quanto à perda da pessoa amada. Há a afirmação de Charles Bovary entre lágrimas “...é minha esposa!” e o domínio da imagética em “Meus olhos lacrimejam teu corpo”, dando uma ênfase ainda maior que no primeiro fragmento que tem todo um desenvolvimento do romance para saber que ambas imagens se relacionam, enquanto que o verso do cantor exprime não só o choro, mas uma imagem que apareceria no romance com o Charles chorando sobre o corpo da mulher ou até mesmo muito mais que isso, já que o verso parece ser maior que o poema.
Contudo, poderia o leitor me dizer “O que há demais no exemplo? Há inúmeros textos da literatura que interpretam tal angústia. Qual o porquê de Me. Bovary?”

- Ah! É horrível, meu Deus!
Charles ajoelhou-se ao pé da cama.
- Fale! O que foi que você comeu? Responda, em nome do céu!
E a fitava com olhos de uma ternura como ela jamais vira.
- Pois bem, ali... ali... – disse Ema, com voz quase extinta (Flaubert, 2002: 375)

A tortura está por um triz/ Mas a gente atura/ E até se mostra feliz/ Quando se tem o álibi/ De ter nascido ávido/ E convivido inválido/ Mesmo sem ter havido.

O clímax dessa intertextualidade dá-se no seguinte parâmetro, “A tortura está por um triz” e “- Ah! É horrível, meu Deus!” “Charles ajoelhou-se ao pé da cama”. O contexto acrescenta a esperança do marido, como se olhasse a esposa em tal sofrimento e despejasse já o dito, “Mas a gente atura”, ainda que banhado ao descontrole sai de forma delineada a ingênua tentativa de resolução, “- Fale! O que foi que você comeu? Responda, em nome do céu!”. Mas desfazendo-me de atropelos e talvez falsas intertextualidades, vem o cume no questionamento do marido apaixonado e traído a olhar a mulher com seus “olhos infantis” a linha, “E a fitava com olhos de uma ternura como ela jamais vira.” E ela, no seu momento de culpa e morte, expressa-se nas linhas de um casamento capaz “de ter nascido ávido/ E convivido inválido/ Mesmo sem ter havido”. E isso confirma desde já o intertexto.
Mas por falar em Ema Bovary, heroína de Madame Bovary, primeiro romance do neo-Realismo, partamos à intertextualidades mais conhecidas da literatura brazuca. Falo do tão aclamado e um dos mais conhecidos romances da literatura brasileira, Dom Casmurro. Intertextualidades a parte, sabemos da seqüência de personagens: Desdêmona, Ema, Luísa e Capitu.
De fato, o episódio do adultério comove. Ninguém quer ser traído, mas todo mundo quer saber como é que é, ou melhor, todos os livros supra-citados foram sucessos de venda e leituras obrigatórias em muitas formações educacionais.

CAETANO VELOSO E MACHADO DE ASSIS

“Só pra provar que inda sou tua”
Chico Buarque

Bentinho olha para Capitu e dela resgata em seus olhos de esposa, os famosos olhos de ressaca (há muitas explicações para os tais olhos, mas nenhuma delas chega bem perto do famoso significado que damos à palavra ressaca). Mas não vamos nos prender em tal ressaca, parte-se para o capítulo CXXXVI A Xícara e posteriores até CXLI A Solução dos problemas que seguem. Vejamos os textos dessa nova intertextualidade:

“Não disse tudo; mal pude iludir aos amores de Escobar sem proferir-lhe o nome. Capitu não pôde deixar de rir, de um riso que eu sinto não poder transcrever aqui; depois, em um tom juntamente irônico e melancólico:
- Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!
(...)
- Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança... A vontade de Deus explicará tudo... Ri-se? É natural; apesar do seminário, não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto; não nos fica bem dizer is nada.”(Assis, 1998:175)

Capitu ri-se, e ri-se e cita o nome de Deus. E é casualidade da semelhança. E é irônica e melancólica quando acusada de traidora. Não quero afirmar que a dondoca tivera mesmo traído o marido como Ema e Luísa. Daí a dúvida de Bento Santiago a compará-la com Desdêmona, a santa. Mas não nos afastemos; não é aula sobre quem leu o livro. Assim, de acordo com o conhecimento de cada qual, vejamos o texto do Caetano “Dom de Iludir” e concluamos um diálogo entre Bento e Capitu:

                                                BENTO
       
Não me venha falar
Na malícia de toda mulher
Cada um sabe a dor
E a delícia de ser o que é.



CAPITU

Não me olhe como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a boca

BENTO

E não cale a boca
Notícia ruim.
Você sabe explicar

 CAPITU

Você sabe entender

 BENTO

Tudo bem

CAPITU

Você está, você é

BENTO

Você faz, você quer

CAPITU

Você tem

BENTO

Você diz a verdade
A verdade é seu dom de iludir

CAPITU

Como pode querer que a mulher
Vá viver sem mentir?
  
Você, Leitor, é digno de conhecimento e aprovação dessa intertextualidade? Não será necessário explicação para dizer que o poema de Caetano, em que há um eu-feminino, que dialoga com o cônjuge. Daí é importante notar que alguns versos se enquadrariam bem com a fala do parceiro, ou melhor, com a situação Bento X Capitu, com ela dizendo “Não me olhe como se polícia andasse atrás de mim” e ele com a antológica “Você diz a verdade. A verdade é seu dom de iludir” e ainda em tom humorístico, “Você faz, você quer”, ou melhor dizendo, “Você fez, você quis”. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 35 ed. São Paulo: Ática, 1998.
DJAVAN. Djavan ao vivo – volume 2. Álibi Rio de Janeiro: Epic, 1999 faixa 7
DJAVAN. Djavan ao vivo – volume 2. Fato Consumado Rio de Janeiro: Epic, 1999 faixa 5
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Abril, 2003
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: Martin Claret, 2001. 98p.
RAMALHO, Zé. Zé Ramalho. Avôhai.Rio de Janeiro: CBS, 1978 faixa 1
RAMALHO, Zé. A Terceira Lâmina. Canção Agalopada. Rio de Janeiro: CBS, 1981 faixa 1
REGO, José Lins do. Menino de Engenho. 84 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002
REGO, José Lins do. Bangüê. 11 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999
VELOSO, Caetano & BUARQUE, Chico. Caetano e Chico juntos e ao vivo. Atrás da Porta. São Paulo: Universal, 1972 faixa 6
VELOSO, Caetano. Totalmente demais. Dom de Iludir. São Paulo: Polygram, 1986 faixa 11


 









O POEMA ÉPICO E AS DIFERENÇAS DE GÊNERO DA POESIA





Por Moisés Monteiro de Melo Neto


RESUMO: Este artigo busca sondar os limites do fazer poético e exaltar a importância do seu estudo no processo educativo. Posicionar-se criticamente diante de certas obras é desafio constante dos professores, críticos e também do leitor comum. Épica, dramática ou lírica a fantasia criativa é enigma de quase impossível compreensão absoluta. O projeto do autor divide-se entre as regras e ruptura, estando a liberdade criativa quase sempre sendo colocada em cotejo com a arquitextualidade e sob a observação de severas  teorias de cunho imobilista ou talvez discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam) que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de vários poemas).
PALAVRAS - CHAVE:  LITERATURA POESIA  ÉPICO  LÍRICO  DRAMÁTICO
ABSTRACT: This article aims to probe the limits of the poetic do and exalting the importance of their study in the educational process, a constant challenge for teachers, critics and also the common reader. The epic work has been the subject of numerous studies, as well as the sentimental poetry of the Romantics in their various biases. But would the structure and form of the epic poem been raided to exhaustion? Never a topic like this could run out in their interpretation and representation possibilities. Hegel, in the early nineteenth century, analyzed actions and circumstances surrounding a nation and a time there artistically portrayed: the national spirit, the organization of institutions, while Schiller tried to comment on the naive and sentimental poetry. It is not only the content but also the worldview there inscribed (stamping the sphere in which such works move) that deserve special attention.

 KEYWORDS: LITERATURE  POETRY  EPIC  LYRICAL  DRAMATIC




Posicionar-se criticamente diante de certas obras é desafio constante dos professores, críticos e também do leitor comum. Épica, dramática ou lírica a fantasia criativa é enigma de quase impossível compreensão absoluta. O projeto do autor divide-se entre as regras e ruptura, estando a liberdade criativa quase sempre sendo colocada em cotejo com a arquitextualidade e sob a observação de severas teorias de cunho imobilista ou talvez discricionário. A obra épica dos antigos, por exemplo, tem sido alvo de inúmeros estudos, assim como a poesia sentimental dos românticos em seus variados vieses. Mas teriam a estrutura e a forma do poema épico sido vasculhadas à exaustão? Nunca um tópico assim poderia se esgotar em suas possibilidades de interpretação e representatividade. Hegel, no início do século XIX, analisou ações e circunstâncias que envolvem uma nação e uma época ali retratadas artisticamente: o espírito nacional, a organização das instituições, enquanto Schiller tratou de comentar a poesia ingênua e sentimental. Não é só o conteúdo, mas também a visão de mundo ali inscrita (que estampa a esfera na qual tais obras se movimentam) que merecem especial atenção destes autores (que se debruçam no estudo de vários poemas).
Alguns críticos apontam diferenças quanto aos termos: a palavra épica seria utilizada enquanto gênero narrativo, já epopeia seria o poema heroico, pertencente ao gênero épico (aqui seriam incluídos também o romance, o conto e a novela que mesmo não sendo epopeias tiveram ali sua origem).
Ao tratar da filosofia em relação à épica, Hegel nota que a epopeia transcende a simples glorificação de um povo no seu apogeu.  É mais o contato do homem com o universo o que parece ser ressaltado. Uma compreensão do Cosmos.
A poesia, presente em todas as civilizações, tem conteúdo espiritual e trata de acontecimentos, sentimentos, ações e paixões. Para Hegel o que importa, além da estrutura da poética, é a análise dialética (tanto na épica quanto na lírica) no que trata da relação entre vida social e poesia. Observando a arte enquanto fenômeno histórico, surgem as figuras (espiritualidade e idealidade) e o pathos (no destino). Entendendo arte dentro de um processo, clássica, simbólica ou romântica, e tratando-a como a exterioridade sensível captada pela intuição, como interioridade, Hegel analisa através da filosofia (na medida em que esta intersecciona a objetividade da arte e a subjetividade da religião e aponta a matéria espiritual como necessária para o filosofar, numa superioridade do espírito em relação à natureza). E coloca a liberdade do espírito em cotejo com a harmonia do belo e a tensão (do destino). Surge a contradição: a beleza artística, feita para e pelo homem é contraposta à natural. Hegel aponta a superioridade do belo artístico, na medida em que a natureza está em nível de não-liberdade. Nas contradições próprias da vida (entre liberdade e necessidade) gerar-se-ia o belo na arte (resultado do trabalho espiritual). A obra de arte se mostrando livre superaria assim a natureza, inclusive a morte, podendo conservar (ou não) o sensível ou o natural, em evolução para o espiritual. Nesta idealização do sensível através da arte simbólica (ainda pré-arte, por sua aproximação com o natural), haveria também a tentativa de representar a amplitude da vida, do mundo através do anseio por símbolos da totalidade. A passagem para uma forma clássica implicaria na harmonia entre forma e conteúdo, sendo a epopeia a manifestação estética de individualidade ética, que não se confunde com o individualismo.

II

            Mantendo-se no centro do pensamento a poesia capta a universalidade espiritual quando busca a unidade interior de tudo, mas deve fazê-lo com soltura e uma aparente autonomia diante do pensamento do outro, da aparição, da existência natural, na medida em que no seu fluxo o conteúdo espiritual conquista uma existência exterior. E qual seria a subsistência material deste “modo de exteriorização”? Tem-se, por exemplo, o conceito de sonoridade exercitado na poesia.
Buscaremos agora traçar um paralelo entre a poesia épica, a sentimental e ingênua. Usando, como base a estética de Hegel no que trata do épico e as observações de Schiller, no seu ensaio Poesia Ingênua e Sentimental.
Nos rapsodos que às vezes cantavam de cor, mecanicamente, em única medida de verso, um acontecimento “acabado em si mesmo”, já se controlava a autoexpressão do sujeito. Instalava-se para o leitor a ação em sua luta e desenlace. O homem vivo era ele mesmo o material desta exteriorização.  Nesta  música plástica, da posição  corporal e do movimento, o Epos, isto é, a palavra, o discurso, transformava até mesmo a lenda em texto (exibindo seu conteúdo substancial em  direção à consciência de quem o recebia, extraindo do acontecimento  o caráter  universal e apontando pontos particulares, a epopeia mais simples ressaltava o mundo concreto e a riqueza dos fenômenos mutáveis, como nos antigos epigramas, inscrições em objetos e monumentos. 
A epopeia foi se aprimorando e eliminando a duplicidade dos objetos, incluindo enunciados éticos, apontando deveres na existência humana na sabedoria compartilhada. Mas isso tudo, mesmo se dando sem a finalidade da comoção, ainda não é o épico no sentido mais clássico, como abordado por Hegel, um todo maior, a espécie épica que queremos discutir, contrapondo-a ao lirismo sentimental. Um estreito entrelaçamento de poesia e efetividade foi conseguido nos poemas didático-filosóficos, ao tratar do transitório e do eterno, com certa grandiosidade e potência.
Ao contrário dos gregos, a poesia indiana, no que trata da cosmogonia, perder-se-ia em divagações, que deveriam ser evitadas na poesia épica. O luxo, a glória, a inverdade fantástica, a confusão que permeiam as epopeias indianas, a mitologia exposta epicamente em grande parte, fazem do registro uma ponte entre o religioso e o poético. Mas mesmo na sua graça impressionante, o oscilar entre o humano e o divino e episódios que parecem acrescentados posteriormente, sugerem mais querer ensinar a moral e a prudência do que exibir o caráter nacional de um povo. Também nos judeus, no Antigo Testamento, predomina algo que difere do caráter épico: o interesse em si religioso. Entre os persas e os árabes, mesmo antes do período maometano, as obras não apresentam o tom épico que Hegel consideraria adequado, faltando-lhes a firmeza da configuração individual, o sopro da vitalidade imediata, necessários à grande epopeia nacional, a articulação e a unidade estão soltas, não tratando da seriedade do destino de modo contundente como Homero o fez.
 No que vimos até agora, o tom épico não implica na epopeia em toda a sua amplitude, na sua conexão com o mundo, na objetividade em relação ao espírito de um povo em sua totalidade (religião, existência, política, lar, carências e satisfação), na presença viva do seu espírito. O que é exposto na epopeia, em objetividade real, é a sequência exterior. Surge ali, acabado poeticamente, um todo em si mesmo orgânico, em calma objetiva, a consciência de um povo, e não um livro religioso, que falta aos gregos, por exemplo.  Um povo que já construiu sua própria cultura seria representado na epopeia através da literatura que não se deteria na ocupação com o interior do indivíduo e sim desvendaria circunstâncias exteriores, extrapolando a simples nacionalidade poética e atingindo a consciência representadora cheia de vitalidade própria, fruto de grandes transformações.
Os gregos superaram influências, como as egípcias e da Ásia Menor, os romanos tiveram que lidar com a herança grega, mas a poesia épica só se realizou em plenitude na consciência da força de um povo e através de um só indivíduo: o poeta que produz o texto “coletivo” e expressa sua necessidade mais elevada, a honra, os feitos, o modo de ser da sua gente, desaparecendo dentro do seu “objeto”, e isso não significa dispensar seu estilo pessoal. Não é o mundo interior do sujeito que é poetizado, mas as questões fundamentais que envolvem sua produção espiritual, consciência e autoconsciência efetivas e singulares, dentro do estado nacional.
O mundo universal apresenta-se, na epopeia, através de um acontecimento, em determinada época, mesmo que se invoquem outros períodos e outros planos. Através da epopeia surge assim uma nação inteira, sem a subjetividade excessiva dos indivíduos, nem indo de encontro à paixão e ao modo de pensar individuais. Afastando-se do idílico, mas ainda sustentando uma conexão viva com a natureza, mesmo sem se deter muito nestas cenas. Em tais poemas os herois não se esquivam de tarefas como preparar comida, servir vinho, e as executam com prazer. São apresentadas também as vidas dos subordinados e representações de outros povos.
Quanto a outros autores, Hegel aponta os anjos e demônios em a Divina Comédia como fora da objetividade alcançada por Homero. Neste, o lado natural se funde ao espiritual para executar fins práticos, faltando também no texto de Dante a fundamental guerra entre nações estrangeiras, como há em Camões. Hegel faz o elogio a Tasso em seu Jerusalém libertada: a unidade, o desdobramento, o acabamento, mas ressalta que lhe falta a “originalidade” que o colocaria como livro fundamental de toda uma nação. Em relação a Os Lusíadas, apesar do patriotismo, da unidade epicamente acabada, vitalidade das descrições, faz-se sentir uma cisão entre o objeto nacional e uma formação artística emprestada dos antigos. Já no Cid (1140), o amor, o casamento, o orgulho familiar, o domínio dos reis, o conteúdo elevado, as cenas humanas em desdobramentos de dias gloriosos, fazem do poema um exemplo do que há de mais belo, num único todo, em relação à poesia épica.
A objetividade épica não significa mero descritivismo. O acontecimento se dá no entrecruzamento do lado interior com a realidade exterior, do mundo natural e espiritual, neste conjunto o mundo da vontade é apreendido.  A ação, mesmo reconduzida ao caráter interior, não impede o lado exterior de adquirir o seu direito indiviso. O acontecer da ação na natureza concreta chegaria assim à vitalidade poética expressa pelo autor épico que também de forma única, elege o seu heroi. O próprio acontecimento também exige unidade e não o despedaçamento em situações isoladas ou exibição de fantasia como vivência (introduzindo na obra objetiva mais do que é permitido).
Em Homero a recordação e a fala, memória e discurso, traduziriam também verdade e realidade poética interiores. O sofrimento dos indivíduos, o acontecer da ação, tudo se move diante do leitor. A epopeia apresenta “homens totais” em suas qualidades humanas e nacionais. Indivíduos que reúnem o que poderia ficar disperso em relação ao caráter da nação.  A beleza, a grandiosidade, a liberdade que estes indivíduos apresentam, unem-se à sua coragem diante do destino dos acontecimentos. “A epopeia não tem de descrever uma ação como ação, e sim como um acontecimento”, ensina Hegel (2004, p. 115), e o destino é feito no agir conjunto de potências, nos eventos. Deuses e homens em Homero, por exemplo, têm, na relação poética, uma autonomia recíproca nem os deuses são rebaixados à abstração nem os mortais a meros servos obedientes. Sobre os primeiros paira, no dizer de Hegel (p. 119), uma “luz mágica entre a poesia e a efetividade”.
Ainda segundo Hegel (p. 123) na poesia lírica a forma do interior “exclui de si a ampla intuitibilidade da realidade exterior”, já na epopeia a “efetividade nacional abrangente, sobre a qual a nação se baseia, igualmente conquistam um lugar o interior bem como o exterior” (p. 123). Em amplitude de conteúdo e forma, diferente da poesia sentimental que concentra tudo o que “apreende na intimidade de sentimento ou dilui na universalidade concentrada da reflexão” (p. 121), no épico a existência independe dos lados  particulares e volta-se para  o exterior  (lado a lado: o caráter e a necessidade exterior,  com a mesma força). Hegel  cita como exemplo de sobriedade épica  os discursos de Aquiles (por Pátroclo)  e o de Hécuba (por Heitor) dentro da Ilíada, comoventes não só pelo lírico embutido, mas principalmente pelo seu  modo épico.
            A épica estaria ligada a épocas originárias de uma nação enquanto a lírica pode ser produzida em todos os períodos do desenvolvimento. Um mero acontecimento, uma ação, quando narrada epicamente assume a forma de um evento, diferente do idílio onde o homem é exposto em sua inocência, ou ainda no romance burguês do início do século XIX, no seu conflito entre a poesia do coração, a “prosa oposta das relações” e a contingência de circunstâncias externas.

III
Na subjetividade do criar e do configurar espirituais, a exteriorização de si na poesia lírica, nota-se um afastamento da coisalidade da arte épica. “O domínio cego da paixão reside na sua unidade turva destituída de consciência com o ânimo inteiro”, sugere Hegel (p. 156). Este objetivar-se primeiro do coração se abre para a expressão de si mesmo, eis a tarefa da poesia lírica e sua diferença em relação à épica, que tem a necessidade de ouvir a coisa (sache): destacar o objeto.  Na lírica o conteúdo não é o desenvolvimento de uma ação objetiva em sua conexão com o reino mundano. O sujeito singular singulariza a situação, em seu juízo subjetivo e mesmo no que tange à expressão da vida nacional, o poema lírico se limita a uma certa visão particular. A essencialidade nesta poesia lírica se faz mais profunda e o sujeito que se expressa torna-se ele mesmo, também, conteúdo e o todo começa pelo coração do poeta. Deve-se destacar aqui que se a epopeia se utiliza de passagens líricas, o contrário também não é improvável. O que não significa que na lírica o foco seja a descrição e a ilustração do acontecimento real. O poeta lírico ao expressar sua melancolia, serenidade ou até o fervor patriótico, não faz do evento o ponto central, e sim como isto se reflete no seu ser: conteúdo épico, tratamento lírico.  Ele utiliza-se da situação para expressar a si mesmo, sua interioridade. Não é a coletividade, mas o sujeito que se mostra em sua paixão particular, em pleno arbítrio do desejo e do prazer, originalidade, o conteúdo do seu peito humano onde lateja a arte em busca de expressão plena, peculiar. A lírica autêntica não se obriga a ter os acontecimentos exteriores como ponto de partida, ao contrário: busca em si o estímulo e o conteúdo, ao passo que ao poeta épico serve de conteúdo o heroi estranho, seus feitos e acontecimentos.
No que trata da poesia popular, Hegel ressalta que “não é um indivíduo singular que se torna conhecível (...) e sim um sentimento popular” (p. 169) que ele traz em si. Tal “frescor destituído de reflexão” pode até apresentar a “selvageria” das “nações semi-rudes”, o trivial, o horrível. Daí a expressão total do espírito não poder ficar preso ao conteúdo, ou modo de expressão destas canções originalmente populares.  Deve ao contrário expressar o máximo que o feito humano é capaz de abordar em si enquanto expressão do seu espírito (numa posição mais elevada) e ser capaz de levar à autoconsciência livre, ao pensamento filosófico, à abstração, com clareza,  sistematicamente, como às vezes o faz Schiller, ocultando explicações  didáticas também.
Em relação à lírica, Schiller aponta a poesia ingênua, a exemplo da grega antiga, e a do poeta moderno sentimental, representado por ele. Tal integração com a natureza (ingênuo) representaria o que há de mais caro, a perfeição, enquanto a sentimental procuraria essa natureza. Mas há de se levar em conta que os gregos estavam cercados de um ambiente privilegiado, uma arte idealizadora, uma “idealidade perfeita” que vigorava nesta poesia. Diante do peso desta antiguidade clássica da Grécia, Schiller, em parte, elaborou o seu ideal, não como cópia, mas traçando uma peculiar analogia. Demarcando espaço para o que chamou de modernidade literária, em cotejo com o ideal grego, onde latejava a unicidade com a natureza. Em Schiller, havendo a reflexão, o sentimento da natureza, há também o espelho revitalizado do homem uno consigo mesmo almejando a felicidade no sentimento de ser humano. O sentir naturalmente dos gregos em contraponto com o sentir o natural em Schiller. O desaparecimento de tal natureza como experiência é recompensada pelo seu ressurgimento no mundo poético e os poetas seriam  seus guardiões, vingadores, testemunhas. Os sentimentais voltam assim à natureza pelo caminho da liberdade e da razão. Schiller, em relação à poesia grega antiga, salienta as condições do período e tenta produzir no seu próprio tempo a harmonia em si mesmo enquanto poeta. Numa Alemanha, ainda não unificada, ele os gregos e reflete. No seu íntimo o poeta traça, enquanto sentimental, um panorama distanciado daquele das conquistas pela guerra ultramarina, como na Ilíada. O mundo universaliza-se no ser diante da própria felicidade de uma alma livre que se integra à natureza para fortalecer-se na dignidade, no princípio ético e moral.
Diante do homem, para Schiller, estariam as opções: enfurecer-se contra a malícia ou rir dos acasos e confusões mundanas. À inocência perdida na infância, ele não propõe um retorno ao que é infantil e sim uma sobriedade adulta de retomada da integração (com a natureza) cheia de força e vigor (como se dá com as belezas naturais) como os gregos fizeram.
A poesia schilleriana propõe-se como sentimental, mas não como uma degeneração do classicismo. Registra a perda da harmonia com a natureza, que o homem (moral) ainda teria (ou deveria ter) como modelo de felicidade diante de alguns males da cultura (que traz no bojo o afastamento do que seria “natural”). Propõe que o poeta encontre, ao contrário do épico, dentro de si a saída.
A remissão ao modelo de representação dos artigos gregos se dá na ânsia por felicidade e liberdade perdida. Schiller apresenta nostalgia da antiga perfeição (natureza como superior à arte, à mímesis) e propõe uma poesia que parecesse brotar da própria natureza. O autor, cheio deste ideal sublime do resgate da unidade perdida se reencontraria na poesia sem artifícios e proporia à cultura uma retomada da integração com as forças naturais. O poeta moderno, então, se recuperaria do afastamento, e, tentaria “ser” plenamente, guiando os outros, proporcionando um ambiente diferente do épico, através da expressão do que há de mais sublime e atemporal.
No poema épico grego os homens são representados como rígidos até diante até das divindades tornadas conhecidas. Aparam-se as arestas entre o espírito e o corpo, e a ação é sugerida enquanto traje bem talhado da alma.  Coagula-se em “aço purpúreo o sangue que lhes brota”, forja-se em “couraça, para que suas feridas permaneçam eternamente ocultas e seus gestos de heroísmo tornem-se o paradigma do verdadeiro e futuro heroísmo”, como afirma LUKÁCS (2000, p. 27).
Este patamar da cultura grega vem atravessando milênios e superando em intensidade tantas outras obras de vários povos (segundo Hegel), em inversão de topografia transcendental, a tratar do amor, família, Estado. E dentro desta poesia épica bem elaborada está também o afastamento dos abismos, um mundo acabado e perfeito. Enquanto outros autores, através do tempo, segundo o mesmo Lukács, tiveram de “cavar abismos intransponíveis entre o conhecer e o fazer, entre a alma e a estrutura, entre o eu e o mundo, e permitir que na outra margem do abismo, toda a substancialidade se dissipasse em reflexão” (p. 30-31). No mundo de hoje, de  maior complexidade do que o dos gregos antigos, que suprime o sentido de totalidade, fragmenta-se cada vez mais o elo com a natureza, enquanto modelo ansiado por Schiller.  Platão desmascarou o heroi épico (em sua imanência à vida) e iluminou o perigo sombrio por ele vencido. Buscou-se depois, através de várias épocas, um mundo “abarcável” com a vista, onde o abismo perderia (aparentemente) o perigo das profundezas, o incompreensível é trazido à visão como em São Tomás. Mas a desilusão romântica do século XVIII, seguida pelo apelo à vitalidade encontrada na natureza, fez o poeta perceber o fim da epopeia. Surgiu em seu lugar o romance.
 “O romance é a epopeia de uma era para a qual a totalidade (...) é dada de modo evidente (...) [porém] a imanência do sentido à vida tornou-se problemática” (LUKÁCS, p. 55). A totalidade extensiva da vida, sugerida pelos gregos que tinham o empirismo em seu fundamento, vai dar lugar, na poesia, à transcendência lírica, margeando o utópico. Em Homero o transcendente mesclava-se à existência terrena, era imanente, o heroi estava ligado à realidade histórica e não ao seu arquétipo,  sujeito e objeto não coincidiam. O sujeito, em contemplação muda, era o  homem  comum da existência cotidiana. Já no idílio o que se vê são os contornos de brandura, isolamento diante de tempestade.
Por sua vez a poesia dramática reuniu em si a objetividade (da epopeia) e o princípio subjetivo (da lírica) colocando em presença imediata a ação em si mesma acabada, decisiva, efetiva, demonstrando colisões entre o interior dos indivíduos e o exterior, em exposição cênica. Em cena estariam a intuição imediata, as paixões e personagens colidentes (ações e reações) em apreensão poética enquanto expressão mediadora (dos princípios épicos e líricos) onde o acontecimento, o atuar, o agir não se desfazem em puro lirismo (em oposição ao exterior), mas em realização  (exterior) diante de determinadas circunstâncias cênicas (enredamento, colisões) até um desenlace (que não pode ser meramente lírico), onde é gerada uma proposta de reflexão sobre caráter,  fins particulares. O si-mesmo volitivo dos personagens torna-se (nesta poesia dramática) exterior (“aparição exterior”) e é mostrada a ação como ação, o caráter enquanto (o seu) agir. Deixa-se fluir o “pathos impulsionador” em cada um dos que agem (surgindo de modo oposto, fins distintos), entrando em conflito (existência oferecida à ação e posta em movimento), exibindo lutas e destinos humanos, suas intrigas, oposições. E, no reconhecimento das potências imperantes, o poeta dramático não deveria ficar simplesmente preso à tessitura lírica, na medida em que há que se exercitar a dissolução da unilateralidade das potências (que se autonomizam nos indivíduos). Parece óbvio que tal autor deve ter conhecimento das técnicas e necessidades do teatro (unidade da ação, por exemplo). “A ação dramática reside essencialmente num agir colidente”, enfatiza Hegel, “os indivíduos introduziram todo o seu querer e ser em seu empreendimento” (p. 208).
Ao buscar auxílio, complemento, em várias outras artes, a representação  teatral é a execução de uma partitura e tudo  deve ser bem orquestrado.  A voz, o atuar e a encenação exigem cálculo e preparação, não é o leitor solitário (da lírica e da épica) o que o autor teatral aguarda (simplesmente, textos dramáticos são para encenação):  é um espectador. Tal autor precisa de “mãos e gargantas estranhas” (Hegel, p. 229) dos atores, eles são como instrumentos (utilizados pelo escritor). Às vezes estarão nos gestos o que poderia, noutro contexto, ser descrito por palavras (em outros gêneros), o exterior sensível, e agora são efeitos teatrais.
O modo de desdobramento da poesia dramática se distingue da lírica e da épica.  Sua progressão, abrangência, divisão em cenas (e atos, às vezes), a pouca utilização da descrição (fundamental na épica), a busca da naturalidade, a dicção enfrentam o juízo imediato do público, a presença viva deste (que deve ser pensada na elaboração do texto). O modo de pensar é levado diante dos olhos do consumidor (em público). Não é a exposição dos personagens e sim a ação, que advém a partir daí, que interessa mais. Na épica o poeta é narrador, mas no teatro, o público exige a consumação, as atitudes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- HEGEL, G. W. F. 2004. Cursos de Estética. trad. Marco Aurélio Werle. São Paulo: EDUSP, v. IV.
- SCHILLER, Friedrich. 1991. Poesia ingênua e sentimental. Trad. Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras.
- LUKÁCS, Georg. 2000. A teoria do romance. Rio de Janeiro: Editora 34.



Sobre o autor deste artigo: Moisés Monteiro de Melo Neto é Mestre e Doutor em Letras pela UFPE, professor da Universidade Estadual de Alagoas, escritor, pesquisador e teatrólogo há mais de três décadas.





A Visita da Velha Senhora é uma boa pedida. Vi e gostei. Volta ao Recife daqui a uma semana.


 “Divertir para comunicar”, dizia Bertolt Brecht (1898 - 1956) e A Visita da Velha Senhora, peça protagonizada pela atriz Denise Fraga, faz deste mote sua tônica numa montagem que encanta e seduz o público usando o humor e a ironia como ingredientes para levar à reflexão com humor que chama a inteligência e muita reflexão, como já sugere o texto do dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt.

Enredo: trata-se da história da personagem Claire Zachanassian, que, após ser “expulsa”, por engravidar sendo solteira e o seu amante negar a paternidade, na cidade de Güllen, volta, décadas depois, desejosa de vingança. Ela chega oferecendo a doação de um bilhão para tirar o município da falência. Há uma condição, porém: ganhará o dinheiro quem matar Alfred, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou grávida por um casamento de interesse.

Pensemos assim: O que é fazer justiça? Quem ganha a luta entre ética e dinheiro? Qual o preço de se manter íntegro? O autor não é nada maniqueísta. Não é só uma história de vingança, é mais sobre a noção contemporânea de justiça. Vi  Denise nos seus 2 últimos trabalhos no teatro:  A Alma Boa de Setsuan e Galileu Galilei, ambos de Brecht: gosto muito.
Ela afirmou:  “Hoje o teatro é um importante ritual de presença. A gente está cada vez mais conectado e, passar aquele tempo do espetáculo com os celulares desligados é uma experiência real de conexão”, defende a atriz.
Denise divide o palco com Tuca Andrada, Fábio Herford, Maristela Chelala, entre outros. “Vejo como essa peça arrebata e reverbera no público e garanto que o público de Fortaleza vai gostar. Estou muito feliz de voltar”, celebra a artista.

 “Divertir para comunicar”, dizia Bertolt Brecht (1898 - 1956) e A Visita da Velha Senhora, peça protagonizada pela atriz Denise Fraga, faz deste mote sua tônica numa montagem que encanta e seduz o público usando o humor e a ironia como ingredientes para levar à reflexão com humor que chama a inteligência e muita reflexão, como já sugere o texto do dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt.

Enredo: trata-se da história da personagem Claire Zachanassian, que, após ser “expulsa”, por engravidar sendo solteira e o seu amante negar a paternidade, na cidade de Güllen, volta, décadas depois, desejosa de vingança. Ela chega oferecendo a doação de um bilhão para tirar o município da falência. Há uma condição, porém: ganhará o dinheiro quem matar Alfred, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou grávida por um casamento de interesse.

Pensemos assim: O que é fazer justiça? Quem ganha a luta entre ética e dinheiro? Qual o preço de se manter íntegro? O autor não é nada maniqueísta. Não é só uma história de vingança, é mais sobre a noção contemporânea de justiça. Vi  Denise nos seus 2 últimos trabalhos no teatro:  A Alma Boa de Setsuan e Galileu Galilei, ambos de Brecht: gosto muito.
Ela afirmou:  “Hoje o teatro é um importante ritual de presença. A gente está cada vez mais conectado e, passar aquele tempo do espetáculo com os celulares desligados é uma experiência real de conexão”, defende a atriz.
Denise divide o palco com Tuca Andrada, Fábio Herford, Maristela Chelala, entre outros. “Vejo como essa peça arrebata e reverbera no público e garanto que o público de Fortaleza vai gostar. Estou muito feliz de voltar”, celebra a artista.
A Visita da Velha Senhora é uma boa pedida.
Volta ao recife daqui a uma semana.


No jantar de boas-vindas, Claire Zahanassian impõe a condição: doará 1 bilhão à cidade se alguém matar Alfred Krank, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou. Como ninguém está disposto a aceitar sua proposta, Claire hospeda-se com seu séquito no hotel da praça principal, pois tem certeza de que alguém mudará de ideia. A partir dessa premissa, o suíço Friedrich Dürrenmatt cria uma sequência tragicômica de cenas que expõe ao máximo a fragilidade moral do homem quando a palavra é dinheiro. Quem mata Krank? Cairá Güllen na tentação de satisfazer o desejo de vingança da milionária? Ou fará justiça? 




Até que ponto a linha ética enverga diante do poder do dinheiro? Na foto aparecem Tuca e Denise: impecávis em suas caracterizações. No enredo, durante o jantar de boas-vindas, Claire Zahanassian impõe a condição: doará 1 bilhão à cidade se alguém matar Alfred Krank, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou. Como ninguém está disposto a aceitar sua proposta, Claire hospeda-se com seu séquito no hotel da praça principal, pois tem certeza de que alguém mudará de ideia. A partir dessa premissa, o suíço Friedrich Dürrenmatt cria uma sequência tragicômica de cenas que expõe ao máximo a fragilidade moral do homem quando a palavra é dinheiro. Quem mata Krank? Cairá Güllen na tentação de satisfazer o desejo de vingança da milionária? Ou fará justiça? 

sábado, 26 de maio de 2018

BIOGRAFIA DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO por Salomão Fonseca e Henrique Amaral



Família Belli, o bisavô materno, Felici, veio de Nápoles. Moisés Neto O nome BELLI tem origem na região do Tyrol. A Itália teve dificuldade :seu território, depois do Império Romano, foi ocupado por muitos povos sob fortes poderes políticos e religiosos. Criada como nação em 1860, com a exclusão da Áustria de Nápoles ( por Garibaldi). 


À esquerda, os bisavós de Moises neto com as três filhas: Terezinha, Diomar e Henriqueta de Belli

Avô e avó de Moisés Monteiro de Melo Neto; ele, Mário, é da família Peixoto Vasconcelos, de judeus paraibanos

O ramo da família Belli ao qual pertence Moisés Neto chegou ao Brasil com Felice de Belli, que chegou a Paraíba para trabalhar como vendedor e enriqueceu a custo de muito trabalho. Tornou-se Cônsul da Itália na Paraíba casando-se com Henriqueta da Silva gerou os filhos: Nicola, Felice júnior, Dante e Beatriz(gêmeos), Carmela, Elvira, Júlia, Galileu e o caçula Deocleciano (avô de Moisés Neto). O marido de Carmela, João Petrucci, possuiu uma das primeiras lojas de automóvel do Brasil. Tia Elvira casou com um italiano da família Grizzi- ele morreu e ela casou com Braz, irmão dele. Há que se destacar que dois tios de Moisés, os escritores Osíris e João de Belli, paraibanos, eram poetas e que alguns membros desta família estavam envolvidos com o teatro na capital da Paraíba.
 Pelo lado paterno, a família de Moisés Monteiro de Melo Neto tem INTERESSANTE TRAJETÓRIA: A FAMÍLIA MONTEIRO é descendente de Rui Monteiro, aristocrata português, também do tempo de Dom Afonso Henriques, que residia na região de Penaguião, onde possuía inúmeros bens. Monteiro casou-se com Elvira Gonçalves, filha de D. Gonçalo Moniz e Maria Anes. Tiveram muitos filhos, que continuaram com o sobrenome e, com certeza, nos legaram além-mar. Em 1877, dois irmãos saíram da região de Piancó, na Paraíba, com o intuito de fixar residência em outro lugar, por conta de uma grande seca que assolara o Nordeste. Com o dinheiro adquirido da venda dos bens, comprou uma fazenda, numa região de lagoa; o local passou a se chamar “Lagoa do Monteiro”, tempos depois. O segundo irmão, de nome Honório Monteiro de Mello, galgou outros horizontes. Acostumado a fazer parada nesta região, como almocreve que fora, resolveu fixar residência por aqui. Casou com Luzia Monteiro, uma prima. Tiveram vários filhos, dentre eles, José Honório Monteiro de Mello (que, por título comprado, que era comum, passou a Capitão José Honório Monteiro de Mello), Manoel Monteiro (meu bisavô), Ernesto Monteiro, Maria Rita – matriarca dos Monteiro de Arcoverde – Amélia Monteiro, res-ponsável pelo matriarcado dos Monteiro de Lagoa dos Gatos e Caruaru; ainda, Maria Monteiro (prima legítima do avô, José Honório; um verdadeiro emaranhado familiar muito comum, naqueles tempos). O casal teve nove filhos, criando-se apenas um: Quiterinha Monteiro. Afeiçoado aos amores clandestinos, o bisavô de Moisés Neto efetuou muitas proezas. Dos vários ímpetos a que se expôs, surgiram descendentes outros. A alguns, nos achegamos e outros, disfarçaram tão secretamente a procedência que, ainda nos nossos tempos, permanecem em segredo total. Exímio nadador, o bisavô expunha-se às maiores enchentes do Ipojuca. Em 1914, numa dessas façanhas, contraiu febre amarela, tendo morte instantânea. Deixou razoável legado. Além da casa na cidade, todas as terras banhadas pelo rio que iam, do início da rua da Lingueta até o terreno dos Vital – que fora seu – formando um “S” invertido, cortando toda a cidade. Sem o menor tino administrativo, a família não soube conduzir o patrimônio, desfazendo-se da maioria dos bens.

Moisés Monteiro de Melo Neto e o avô paterno, em Sanharó (PE)






Assim o professor e escritor Salomão Fonseca descreve livro com os Poemas publicados em jornal, de Moisés Monteiro de Melo Neto: Recife acordou radiante, majestosa e imponente, como o sol que ilumina e aquece nossos corações; ou talvez, um Deus que encontra satisfação  em abençoar seus filhos. Isto porque nossa menina, que já não é  mais tão menina assim, foi glorificada por um de seus filhos. Filho este que parece saborear do néctar,   degustar dos mais diversos sabores da literatura. Moisés Monteiro de Melo Neto, dramaturgo, teatrólogo, poeta, nos presenteia com mais uma de suas obras: “risos e sisos”, uma releitura de seus poemas publicados em jornal, e porque não dizer, uma releitura de sua vida, uma vez que os poemas retratam muito de suas experiências e observações sobre o universo de cada leitor. É difícil ler seus poemas e não pensar: mas como? Como ele consegue sintetizar meu pensamento em tão poucas palavras? Talvez por ser ele um pesquisador, um artesão das palavras que nos embriaga e nos entorpece em sua descrição dos nossos sentimentos. Um poeta que tem o romântico como sua essência, mas que transita pela tradição (simbolismo, modernismo, até pelo arcadismo...), sem perder o contato com o contemporâneo, o que nos permite dizer que sua obra será sempre atual. Isto nos revela o Moisés letrado, um autor esmerado, estudioso da literatura que não se contenta apena com o dom da arte de escrever, mas que vai além. Um autor que a princípio se mostra simples em sua forma de escrever, mas quando nos aprofundamos em sua obra percebemos o quanto ele é sofisticado. Temos aqui uma coletânea de poemas que nos mostra o universo lúdico do autor suas emoções... ideias.

Alguns dos seus poemas ressaltam a beleza do Recife, dentro desta linha podemos cita o poema “Outono”, um amor que transcende o tempo e tem a cidade como pano de fundo,  já em” Epifania”, a  linguagem simbolista faz-se presente , o poeta faz uso de algumas figuras de linguagem na tentativa de envolver o leitor em um  universo mágico. Em “Ode ao Teatro de Santa Isabel”, vamos encontrar uma homenagem a um templo/ ícone das artes no Recife. No poema “Ode ao teatro santa Isabel” enfatiza a nobreza da arte de atuar e a história que é representa nas paredes do teatro, os vestígios do tempo, as marcas de suas glorias que por si só atrai um publico. Ele que já foi chamado de teatro de Pernambuco, mas passou a se chamar Santa Isabel  para homenagear a princesa. Com o estilo neoclássico, elegante e imponente; o nosso Santa Isabel é considerado por muitos o mais belo edifício teatral do império. Ele que já foi testemunha de inúmeras revoluções, que já recebeu tantas figuras ilustres. Deus o abençoe caro gigante. Vós que sois a “Fênix renascida”, pois ressurgiste das cinzas como a ave mitológica e resistisses à tantas transformações ao longo dos tempos. Que os deuses do teatro te concedam toda gloria e honra  que só um grande rei merece. Nos o saudamos.  
Aqui vale inserir o poema de Moisés para o Teatro de santa Isabel, vertido para o espanhol:
Oda al Teatro de Santa Isabel



(poema de  Moisés Monteiro de Melo Neto)

Tus paredes abrigan sueños
Dentro de ti la vida estalla com la intensidad de estrellas
En tu escenario  las ideas se renuevan siempre
Al sonido de la música
En el compás de la danza
A cada acto de tantas representaciones de la risa, del dolor, de la serenidad
Traes reflejada em cada cristal la imagen de la audacia humana
Clavado que estás a las orillas del Río Capibaribe
Eres gloria de una ciudad que viene a través de los años construyéndose y rehaciéndose
Eres rosa al viento en las tardes tibias
Eres refugio de tantos proyectos que resisten a las intemperies
Eres faro de Recife
En tu nobleza los pobres se equivalen a los ricos
Eres de todos
Y estás abierto como una flor magnética
Atrae y enseña
Divierte y educa
Quisiera tener versos magníficos que expresasen toda mí gratitud
Pero soy poeta menor delante de tu esplendor
Más que sesquicentenario señor
Ya se van ciento sesenta años
Y pareces tan joven, tan actual
Quería abrazarte
Pero envuelvote sólo con esa mirada de quién pide
A Dios por un mundo mejor
Delante del altar.


Moisés Monteiro de Melo neto, no Teatro de Santa Isabel

Em “Linha do tempo”, a vida é um grande palco onde encenamos nosso próprio espetáculo, somos espectadores  e protagonistas da nossa história, escrevemos nosso próprio enredo e muitas vezes nos perdemos em nossa própria trama; o teatro é mímese da vida, não como reprodução real do que somos, mas sim,como uma representação lúdica do sentimento humano. O poema apresenta uma cadência, um jogo rítmico através das palavras: “lida, vida, cena, sonhos, bastidores...” um artifício do poeta para comparar o teatro à trajetória de uma vida. Ele representa tanto o artista (você) quanto o homem comum (eu). Penso que o teatro é uma boa comparação, pois somos todos trabalhadores e batalhamos por uma causa.

O poema sobre o teatro de santa Isabel (Moisés neto) também foi incluído no libreto sobre os 160 anos daquele teatro (Moisés roteirizou para os quadrinhos uma pesquisa sobre este famoso edifício)

Em “Os Atores”, o poeta produz um poema sobre a arte de atuar, o título do texto é a chave do poema (meta linguagem). Usando de palavra opostas (antíteses) e ideia contrárias (paradoxos) “Sozinhos em grupos”, o autor sistematiza sobre a arte de representar; o ator e suas mil faces, o mestre das ilusões. O ator e sua capacidade de dar vida a um personagem (“manipuladores do próprio eu ou fantoches?”), misturando o conotativo ao denotativo ele brinca de ser Deus quando compõe uma personagem. Descrevendo a maravilhosa fase da juventude, “Poeminha Um” mostra que todos acontecimentos nos trazem algum aprendizado, os riscos, as dúvidas, os acertos e incertezas de um futuro duvidoso. A juventude e sua eterna relação com a transitividade do tempo onde tudo é passageiro e acontece agora, “somos tão jovens e temos todo tempo do mundo e mesmo assim não temos tempo a perder”. A adolescência e suas descobertas; amores, encantos e desencantos; a juventude seus riscos e prazeres tudo é eterno enquanto durar.
Já em “O templo das horas”,  tempo é a matéria prima do poeta e o poeta tem como tarefa registrar os fatos, ser operário a serviço  do tempo. Uma passagem de mês, uma passagem de ano... tudo é criado pelo homem, mas no ”templo das horas não há portas”, então só nos resta observar e aprender os ensinamentos que ele nos dá . O templo das horas fala da vida, “Embora mais um ano esteja para começar/ Aprenda antes que seja tarde” não devemos deixar de viver nossas realizações, pois este tempo acaba... a vida acaba, falar dos sentimentos, pois, amanhã pode não dar mais tempo, priorizar o hoje. Um jogo de sensações “Epifania” nos faz enxergar a noite com nossa eterna companheira, ou com pano de fundo para o universo dos românticos. o poema nos  conduz a um ambiente misterioso,lúdico; o poeta faz uso de elementos simbolistas na tentativa de envolver o leitor em um  universo mágico, sinestésico, mesclando  bem o romantismo com o simbolismo. “A noite/É de branco luar na estrada deserta/Ímã vermelho, teu calor me atrai/O azul escuro do céu serve de contraste para/Uma verde luz que emana dos teus olhos.”
 O poema “Você persiste” traz um sentimento de nostalgia, a idéia de um homem solitário “O mar repete um aviso/agora és ilha, homem”, que se apega às lembranças do passado; um amor que ultrapassa os  limites do tempo. O mar, as ondas renovando nosso desejo de não virar a página de uma história inacabada em nossos pensamentos e a lembrança dos abraços “hoje braços distantes”. Talvez um amor adolescente, um amor que nos lembra o tempo em que tudo parece ser para sempre; sem respeitar a efemeridade e a cronologia dos fatos.  Novamente, o autor brinca com as palavra usando metáforas, comparações para criar um ambiente romântico.
“Chove”, apresenta características urbanas: “Recife, vestida de céu/cinzento, chove tanto/Cinco horas da manhã...”, fatos corriqueiros em nosso cotidiano. Da janela do apartamento Recife é descrita como uma metrópole que não descansa. Ao mesmo tempo, percebemos que o autor utiliza o cotidiano  para mostrar o amanhecer das pessoas, o despertar e o sentimento que pode levar o leitor a uma interpretação do  que teria acontecido na noite anterior:” Silêncio entre nós dois, nada pode nos fazer um\ Entre a indiferença e o intransitivo prazer de existir”.  Mesclando simbolismo e romantismo o poema “Teus olhos” conduz a um jogo sensações (sinestesia) “Como negras azeitonas/Sobre branca porcelana” misturando  cores, sabores que aguçam nossos sentidos. O eu lírico  nos revela sua face romântica que faz comparações para exprimir a loucura de quem ama, remetendo-nos à morbidez do romantismo. “Roletas russas da sorte/A loucura de quem ama”. Possivelmente uma releitura de um poema de Gonçalves Dias chamado “Olhos Verdes”.
“A busca” sugere o aprendizado que vai além do material (metafísica) “Que aprendizado novo nos aguarda?/o da doçura?/talvez o do ar mais puro...” trazendo uma relação com o arcadismo, trabalhando a questão da natureza e do sagrado do puro e o intocável; “sobre sermos jóias preciosas/sobre deixar a bebida sagrada/tocar nossos lábios/para sermos puros”. Já em “Seu beijo” um pescador avistou uma mulher de cabelos dourados boiando em direção à praia. Uma mulher seminua, metade humana, metade peixe  que o seduziu com o seu canto e beleza (Lenda da sereia). O poeta faz uso da mitologia para expressar seus sentimentos, ele assume o papel do pescado: “eu estava deitado na areia/ você chegou” talvez uma referência à deusa Tétis (ilha dos amores). O beijo é caminho que leva às portas da percepção,”sua boca na minha” , dois lábil que se encontram e se unem formando um todo, o toque suave das mãos acariciando-me “ você minha joia mais rara”, o êxtase de uma relação.
Preparando-se para a sedução, Balada recifense enfatiza o desejo, a juventude e sua efemeridade, eu quero viver o hoje e o amanhã fica para depois... “Entro na boate te procurando/ Peço uma bebida doce./ Sinto o gosto, teu cheiro aguça meus sentidos../ Me  viro  e beijo/ Mas não é você/ a noite acaba e tudo voltou ao que era antes...”. Apesar da linda noite, vem a decepção por não ter estado com a pessoa amada.

“Sementes do amanhã” tem a cidade como pano de fundo de um grande amor que passou... fica a lembrança, a saudade e o desejo de voltar no tempo. “se ainda pudesse ter algo seu/ seria o tempo reconquistado”. A nostalgia de uma história de amor inacabada. “nossa fantasia do último baile.../ entre atos e fatos, a dúvida e a culpa” de quem é a culpa, não sabemos; só o tempo cicatrizará as feridas, só o tempo nos dará um novo amanha. Comparando os conflitos de um relacionamento com uma trama o poema Novela ressalta os acontecimentos de um relacionamento, intrigas, conflitos contradições é como se a vida fosse um romance em capítulos  com  hora marcada para começar e terminar. Tudo está escrito, nada é por acaso: “Ah, meu amor!/ Por que teve que/ ser assim?/ tudo sempre parece /começo e fim”.
Retratando a vida dos pescadores, como diz o próprio nome do poema, “Pescadores” mostra a alegria do seu trabalho e a incerteza do seu retorno” Arrastar nelas o destino incerto” , com a vida sofrida mais sempre cheia de esperança, o eterno aprendizado da lida com mar é seus mistérios, o tempo...a solidão, o cansaço”;  dias e noites de  mestres e aprendizes” e a esperança do retorno para suas famílias. Este poema   “Revolução na Rua da Glória”,  traz  uma história de amor de carnaval, “Ilusão latina/Amei-a no carnaval”, onde as lembranças da mulher pernambucana misturam-se com as lembranças da cidade, “mapa perdido: Pernambuco/Menina-revolução sem afeto/às margens secas do Capibaribe/no bairro da Boa Vista” , dos blocos, das fantasias , quem não já se encantou com os blocos líricos e a nostálgica do carnaval do Recife. A  liberdade o amor sem compromisso “Menina-revolução sem afeto” que dorme na memória e quando ressurgi vem a saudade boa ... a alegria de ter vivido aquele momento./ Ela dorme agora na memória”.

Na visão do poema Intraduzível, um amor sem tradução, lembrança  que se eternizou... que tamanha importância passa a ser intraduzível diante de tantos detalhes. “Sereia, você me atrai, irresistível melodia./Navegador, conquistador, me deixo seduzir/e me tens nos teus domínios”.  A fascinação pela mulher e o domínio que ela possui sobre ele, as diversas sensações despertadas no tocar.
“É inútil resistir, você não acredita?/Dizer que o amor pagou o preço do meu pranto/Parece inútil a pureza no meu peito/Viveremos de nós mesmos!/E eu... como quem delira/De qualquer jeito/O resto é mentira”. O resto é mentira! É um questionamento de amor... será que valeu a pena tudo? Será que a pureza do amor tão maltratado valeu ou tudo não passou de uma ilusão? Viveremos de que, já que a nossa história não passou de uma mentira. Fala da decepção.
“Aí  está você”... “Sapateando no leite derramado/Rindo do meu choro abafado/Dançando com o CD arranhado/Não vou adiar esse adeus danado” fala da insatisfação de um relacionamento que esta no fim, descreve um lar em pedaços.O poema apresenta uma cadencia , jogo de silabas fortes que dar um ritmo, usando o artifício da aliteração , o autor consegue passar a idéia da repetição do discurso.
“Sexto sentido”, neste poema o autor cria uma relação entre sentidos do corpo  para expressar o seu desejo por uma mulher. O título é a chave do poema “sexto sentido”. Trabalhando com um jogo de palavras e idéias o eu lírico mostra que sua vontade e incondicional pois, o seu querer independe do outro. “Nos meus olhos está a tua imagem... Queria ser o teu preferido, mesmo que fosso num sexto sentido”.
A música no ar e os dois que valsam nas estrelas, nada mais neste momento interessa só o amor que os entorpece, nosso ritmo, nossa harmonia emanam alegria e ao seu lado não tenho mais dor.... “Amantes no Paraíso”: o poema fala da plenitude do amor, dois corpos que unem formando um só. 
“Pantomina”, numa narrativa descritiva, o eu lírico deste poema mostra uma situação onde o homem passa a ser objeto de desejo. Em uma festa regada a vinho e boa música de repente ele se sente observado: “alguém me dirige o olhar, nos percebemos e isso aguça meu desejo”. O que fazer, como devo agir?... No outro dia me ligou,como descobriu meu telefone?... Era o início de uma ópera bombástica.” O universo masculino e seus atrativos.O poema apresenta características narrativas:espaço,ambiente, cronologia de tempo e uma boa descrição de local.
Vamos encontrar em “Milagre de carnaval”, Uma louvação ao carnaval, encontros e reencontros no meio de tanta fantasia, promessas que não são reais, mais serão lembradas como uma doce recordação “Te encontrei num clube de máscaras... bem sabia:/ Nossas promessas, tu não confessas?”.  Em meio a exaustão, festa, alegria... nos encontramos... eu, andarilho errante, tu, que eras de outro, mas já me pertencias... Pierrôs e colombinas nos festejam e o galo nos abençoa. “Seremos eternos ao menos em nossas lembranças/ Ressurgiremos transfigurados em ascensão sobre todos./Neste Éden recifense, tudo ferve.../Da madeira morta nascem flores./Tudo é folia, agora/estamos perdoados.”
 Um poema metafísico “Nirvana” nos remete ao cosmos, um turbilhão de sensações tudo ao mesmo tempo agora. “mudo, quieto em meio ao trovejar de pensamentos alheios./Ferido, petrificado pelo sal, doçura do amor impessoal...”. Um olhar introspectivo do homem em direção ao infinito em busca do ser superior. A busca pelo desapego material.
Recife como cenário do nosso amor, em “Outono”, a bela cidade que tem em suas pontes, ruas e praças a nostalgia da história de um povo. “Agora o outono recifense.../ As folhas caem na memória/ Caminhamos por ruas de sonho/Ecoam os nossos passos nesta história”. Neste cenário em pleno outono o amor se perpetua entre as folhas que caem e o colorido da cidade, as lembranças vividas aqui passando na memória serão sempre a prova viva do nosso amor. 
“Desaparece o sol na nossa janela/De um dia feliz sem mazela”, simboliza o fim de tarde, um olhar através da janela com a tranquilidade do dia, observa a cidade do Recife: pessoas vêm e vão despertando a vontade de viver. Em “Desaparece o sol na minha janela” é valido ressaltar o jogo de corres... os detalhes das várias situações de um cotidiano, ali passando sobre um olhar atento descrevi-se a cidade.
Muitas vezes o autor nos traz um sentimento de nostalgia, como no poema Você persiste: “agora és ilha, homem./ lembrança dos teus abraços”. É ou não  a idéia de um homem solitário que se apega às lembranças do passado, um amor que ultrapassa os  limites do tempo? O mar, as ondas renovando nosso desejo de não virar a página de uma história inacabada em nossos pensamentos: “lembrança dos teus abraços/ hoje braços distantes”; talvez um amor adolescente, um amor que nos lembra o tempo em que tudo parece ser para sempre; sem respeitar a efemeridade e a cronologia dos fatos.  Novamente, o autor brinca com as palavras usando metáforas, comparações para criar um ambiente romântico, buscando o invisível, as profecias, sombras da vida... são dúvidas que percorrem o ser humano. Os sentimentos estão aflorando e o desejo me fará presente. A mais doce alucinação, lembranças e mistérios relatam um amor passado, feroz guardado para a vida inteira em sensações, ecos. Imagina se fosse agora...será que sentiria menos culpa? As fantasias continuam, passam como um filme acelerado, flashes da vida. Temos aqui a tradução, um relato de um casamento antigo, que em  momentos de reflexão a vida e suas aventuras, levam a pensar ...será que poderia ter sido diferente, mais ao retornar de sua viagem alucinante quer acender o casamento o amor da vida inteira e que esta ali ao alcance das suas mãos.
Nelson Rodrigues faz cem anos e Moisés homenageia o escritor recifense que descreve tão bem a sociedade carioca, tendo a família como tema central, e as faces do ser humano, seus conflitos familiares e desejos... um realista de essência que ousou mostrar a vida como ela é, permeando-a com humor e a sátira. Suas mulheres podem ser a representação da pureza, castidade; ou a personificação do desejo, do pecado. O homem é representado como o canalha, o ser despido de pudores que faz o que for preciso para alcançar seus objetivos.
O poema tem os  ingredientes que torna a obra de Nelson Rodrigues diferenciada, mostra uma realidade problemática e polemica das famílias e dos relacionamentos.“castidade e perversão/ amor & tragédia/ gozo suburbano/ casamento problemático”, com uma visão sempre conturbada e uma opinião sempre contraditória o escritor relata a sociedade carioca.
A mitologia é a chave do poema Sem resposta, cita Orfeu e trata de um amor destrutivo , com isso levanta perguntas da importância da sua própria vontade,  “...em solo movediço/ sabendo que me segues/ e que não nos cabe/ nem o Hades nem o Eden./ Resta-nos/ Nosso amor em trânsito/ nosso amor ...passagem.../ sem resposta”; usando o amor como resposta e justificativa para seus atos, amor e pecado andam juntos tornando as perguntas sem respostas.
Em O  pedido... o desejo de estar com quem se ama, um cenário de justificativas de um amor perfeito , pronto para entrelaçar-se , a certeza da mulher amada...desejos, abraços  “Sinta minha pele ardendo por você.../Meus ouvidos amorosos por lhe ouvir\meus lábios sedentos e obedientes./Meu coração...eu já nem sei se é só meu...” não existe mais eu e sim nós. Apesar das suas inseguranças, “entregue-se, como eu fiz”.  Porque as promessas são de amor eterno , então: “ Case comigo.”
A preparação  para uma viagem, os pensamentos ficam voltados para os acontecimentos externos. Casa na montanha uma viagem para o campo: “Viajo para o campo/ A natureza só pode amar a ela mesma/ a gente tem que se ajudar./ A roseira que você plantou floriu”; transmitindo uma ideia bucólica, a valorização da natureza e a concepção que precisamos ajudar uns aos outros. Trabalhando elemento da natura Moisés descreve o desgaste do tempo na vida e nas coisas matérias, a necessidade da manutenção física e espiritual da vida. Assim também é em Tempo de separação, que  traz a exposição do oposto  de um  relacionamento onde personalidades e prazeres com tempo se revelam coisas distintas: “...lá estão as cinzas do nosso amor/ brasas adormecidas/ apaixonadas”   adormecendo o amor tão intenso no inicio, parece que quanto mais tenta amar, mais o eu-lírico na poesia de Moisés  exercita-se como se fosse possível alimentar e continuar um amor puramente literário que busca justificativas e motivos para continuar. É o que percebemos em Nossa  música como metáfora de uma  vida, as cordas de um violão que quando dedilhadas produzem uma melodia comparadas à trajetória de uma vida ...a história de duas pessoas que não conseguem se encontrar,duas metades que não se encaixam e são como cordas de um violão que não se tocam . O desejo sem lei, a não ser a mímesis interna, encontra e eterniza sua razão de ser e estar, pode ser numa praia, velha casa na colina , A casa do holandês, dá-se sempre uma espécie de  resgate, um período da história pessoal, inventada ou vivida, tudo vai se misturando em frenesi poético, torvelinho, como na casa antiga, castigada pelo tempo, onde o vento produz sons do abandono, onde o poeta escuta e transmite-nos o sofrimento da efemeridade, tema tão recorrente em sua obra, toda ela uma espécie paisagem selvagem de lembranças, ou, lembrando o mestre Edgar Allan Poe... relíquias, que Moisés define como “prisão/liberdade/ lembranças” , o que se passou realmente jamais saberemos com certeza. Às vezes isso resvala num encômio, como em homenagem a uma voz que se cala e eterniza-se como a de Mercedes Sosa, no poema La Negra acena dúbia despedida, tratando-a como uma mulher forte que conquistou o mundo com sua voz e seus ideais, mulher revolucionária, mas  que não perdeu a doçura e a sua voz carinhosa deixa saudade: “Até a próxima canção, querida Mercedes”.
Já Malu Souza, professora, escritora e musicista, expressa sua opinião sobre os poemas deste livro de Moisés assim:             “É com maestria e sensibilidade que Moisés Monteiro de Melo Neto compõe esta obra. Passando por uma epifania onde tudo ao redor ganha equilíbrio, o autor nos remete ao seu mundo de verdades, mentiras, revelações, alucinações... e por que não o das suas baladas? Uma poesia Cool & Cult é o que temos nesta obra, com uma coerência e uma permanência que nos encanta. Poética não necessariamente avassaladora, mas com uma característica simples e elegante. O que se mostra em meio a esta simplicidade é a grandeza tantas vezes particular, porém altamente universal deste poeta.   Acredito no amor como a essência de cada um dos poemas de Moisés, a começar pelo recíproco, como vemos em Seu Beijo, ou mesmo o rejeitado, retratado nos versos de Novela e, até, a dor do amor que se foi em Você persiste. Moisés Monteiro de Melo Neto atua em seu teatro da vida registrando em versos e estrofes que criam uma espécie de trama em nossa mente. Nos versos do poema Novela, onde percebemos essa característica com mais ênfase. Somos espectadores dessa teatralização que se assemelha a um musical de tão embalado, e é nessa clima rítmico que sentimos, também, um quê de samba gostoso de declamar no poema “Aí está você...”.
            O tempo é submetido e concentrado em encenações que se revertem em temporadas e, assim, o ciclo não para. O templo das horas é como um espetáculo que se inicia, mas logo tem seu fim, são experiências da passagem de uma cena para a outra, e depois à outra temporada, outras peças, outros atos, outros atores e assim “sempre haverá mais uma chance”.
            Considerando a paixão que o autor deste livro exprime, não nos surpreende as tamanhas homenagens que o mesmo faz, durante a obra, à artistas como Mercedes Sosa, Nelson Rodrigues e à monumentos como o Teatro Santo Isabel e a própria cidade do Recife.
É através de sentimentos como saudade, paixão, harmonia e do visível amor pelo teatro e pelo Recife que Moisés Monteiro de Melo Neto compreende todos os poemas deste e livro. Não só estes, como todos os seus demais textos.  

Mais sobre Moisés Monteiro de Melo Neto

O escritor, professor e pesquisador recifense Moisés Monteiro de Melo Neto tem formação em Letras, pós-graduado em Literatura Brasileira, Mestre e Doutor em Teoria da Literatura pela UFPE. Ele estreou no teatro como ator profissional dirigido por José Francisco Filho e Buarque de Aquino e com o diretor /autor João Falcão.
Entre 81 e 83 participou do Grupo Trapézio de teatro, ao lado de Geane Bezerra, Zélia Sales, Romildo Moreira, Manoel Constantino, Tereza Meira Henrique brito e Buarque de Aquino, este coletivo montou A Vila dos mil Encantos (texto de Geane e direção de Buarque).
Grupo Trapézio durante intervalo dos ensaios do musical A VILA DOS MIL ENCANTOS, teatro Valdemar de Oliveira, Recife, 1983




Fundou em 1983, a Ilusionistas corporação artística com Augusta Ferraz

Moisés Monteiro de melo Neto, Moisés Neto, e a grande atriz Augusta Ferraz. Fundadores da Ilusionistas Corporação Artística. Na foto: cena da peça O BOLO  (O vazio do céu que esvaziou o mundo); foto do Ilusionista Adeilson Amorim


Atores da Ilusionistas Corporação Artística, na primeira sede (Rua da Hora, Espinheiro, Recife - PE) 



Moisés estreou como dramaturgo (também como diretor) com as peças O diário secreto de janis Joplin (Verdades e Mentiras), vejam os arquivos abaixo:

E com Um Certo Delmiro Gouveia, vencedora do prêmio de melhor texto literário num concurso promovido pelo Governo de Pernambuco. 







A atriz Mísia Coutinho, na peça Cleópatra, de Moisés Neto, que também recebeu um prêmio do Governo do Estado de Pernambuco.
CLEÓPATRA, peça escrita por Moisés Monteiro de Melo neto

Além do teatro, Moisés publicou seu 1º poema no Jornal do Commercio nos anos 80 (Lobos) e foi colaborador regular do Suplemento literário deste jornal nos anos 90, publicando seus artigos em outros jornais e revistas como o Le Monde Diplomatique e na revista belga Parati. Lançou seu primeiro romance intitulado A Incrível Noite (edições Ilusionistas) e Chico Science: A Rapsódia Afrociberdélica (primeiro livro sobre o movimento mangue, lançado em outubro de 2000 que analisa aspectos da cultura pernambucana).
Moisés é autor de alguns diálogos para filmes como Cassino Americano (do diretor Marco Hanois) que recebeu menção honrosa no festival internacional de vídeo da JVC em Tóquio.

Nelson Caldas no filme CASSINO AMERICANO

Houve muitos trabalhos de Moisés com marco Hanois, artista plástico e cineasta, do círculo mais íntimo das amizades de Moisés. Um deles foi Andy Warhol está morto, que virou motivo de polêmica no recife, na segunda metade dos anos 80.

Parte do elenco de Andy Warhol está morto

É autor de Notícias Americanas, poema épico (livro) sobre o 11 de setembro e a devastação do Afeganistão, lançado em 2002, pela editora Edificantes, de Teatro Ilusionista



 Publicou também Chico Science, Zeroquatro & Faces do Subúrbio

Além de colaborar com vários jornais e revistas o Brasil e da Europa os ensaios de Moisés analisando diversos aspectos culturais estão publicados em várias antologias.
Como ator ele participou, dentre outras peças, de: Muito pelo Contrário (texto e direção João falcão), Suplício de Frei Caneca (de Cláudio Aguiar, com direção de José Francisco Filho), Hamlet (no papel-título- direção do argentino Alberto Gieco e de Paulo Falcão),

Romeu e Julieta, Viva o Cordão Encarnado (direção Luís Mendonça), A Noite dos Assassinos (do cubano Jose Triana, com direção de Augusta Ferraz). Na TV atuou em A Cartomante e no cinema em O Cangaceiro (direção Aníbal Massaini).

Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto), como jornalista, com Jece Valadão)chefe das volantes) e Renato Phaelante (representando a oligarquia pernambucana no sertão, em O CANGACEIRO, filme de 1998


capa do primeiro livro de Moisés Neto


Também assina a autoria do espetáculo Para um Amor no Recife, que dirigido por Carlos Bartolomeu em 1999, recebeu 4 prêmios da associação de produtores teatrais em Pernambuco.

Parte da equipe da peça PARA UM AMOR NO RECIFE

cartaz de peça de Moisés Monteiro de Melo Neto




cartaz de peça de Moisés Monteiro de Melo Neto




HAMLET, adaptada por Ricardo Valença Monteiro  e Moisés Monteiro de Melo Neto, cena com Bruno Garcia , Moisés Neto e Carlos Mesquita. Teatro Valdemar de Oliveira, Recife, Pernambuco


Foto da peça O DIÁRIO SECRETO DE JANIS JOPLIN, VERDADES E MENTIRAS,  autoria e direção  de Moisés Monteiro de Melo Neto

foto do musical de Moisés Monteiro de Melo Neto, QUINCAS BORBA (inspirado no romance de Machado de Assis)


Moisés Monteiro de Melo Neto é co-autor dos musicais A Ilha do Tesouro (2002)


Moisés Monteiro de Melo Neto é autor do musical

 DRACULIN E O CIRCO NO ESPAÇO


Peça de Moisés Neto, musical infantil DRACULIN E O CIRCO NO ESPAÇO



 Sonho de Primavera (que dirigiu ao lado de Ulisses Dornelas; que teve estreia em 2004 e ficou sete anos em cartaz), Guilherme Arantes aplaudiu o musical de Moisés Neto: SONHO DE PRIMAVERA



Várias dos seus espetáculos foram premiados pela APACEPE. Adaptou para o projeto escola parte da obra de Machado de Assis. Em 2006 foi assistente de direção do filme Incenso baseado em poemas de Ascenso Ferreira, vencedor do concurso Ary Severo/ Firmo Neto (Prefeitura Cidade do Recife/ Governo do Estado de Pernambuco).


Vencedor do Prêmio Klaus Vianna, concedido pela FUNARTE, Moisés Monteiro de Melo Neto é autor, responsável pelo roteiro e direção do espetáculo Recife- Paralelo 8, montado pela Companhia DANTE em 2007.



Moisés Monteiro de Melo Neto é autor do texto da peça Anjos de Fogo e Gelo, a vida atormentada de Arthur Rimbaud, que dirigido por José Francisco Filho teve grande repercussão em Recife no ano de 2008, recebendo prêmios da APACEPE. 

Participou em 2009 da Curadoria da exposição permanente da

Faculdade de Direito do Recife (UFPE) sobre Ruy Barbosa e Castro Alves. 

2010 foi o ano do lançamento de Anticânone, literatura em Pernambuco a partir do século XX, e em dezembro do mesmo ano mais um texto de Moisés foi levado à cena, o musical O Circo do Futuro, com direção de Carlos Bartolomeu, um sucesso que já dura uma ano num grande teatro do Recife. 

O professor Moisés Monteiro de Melo Neto é autor, em 2011, lançou o livro Pequena História da Literatura Brasileira.

Atualmente Moisés Monteiro de Melo Neto é professor da UNEAL.
 O site www.moisesneto.com.br  parou de ser alimentado em 2009, mas ainda é bem visitado e contém artigos e peças escritas por Moisés e exibe a trajetória do seu grupo,a Ilusionistas Corporação Artística- que com vinte e cinco anos de atividades tem no seu currículo, além de produções teatrais e publicação de livros, a promoção de oficinas, cursos, exposições(como o Universo de Antunes Filho, trazendo duas vezes ao Recife este diretor de teatro internacionalmente reconhecido.

Moisés Neto e Antunes Filho

Neste evento Moisés proferiu a palestra “O poética de Nelson Rodrigues em A falecida na montagem 2009 de Antunes Filho” à convite do curador paulista Sebastião Milaré). O mesmo Antunes Filho convidou-o em setembro de 2012 para fazer a apresentação da sua encenação de Toda Nudez será Castigada, pelo CPT/ Sesc SP. Também em 2012, ele lançou seu livro POEMAS DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO PUBLICADOS EM JORNAL, no salão nobre do Teatro de Santa Isabel, com participação da atriz Sônia Bierbard interpretando alguns dos poemas da edição, em 9 de dezembro de 2012.


SOBRE SEU TRABALHO COMO PROFESSOR, MOISÉS DECLARA:
A Escola é um sonho feito de amor, luta e fé. Um professor é antes de tudo um guerreiro que acredita num futuro melhor. Seus louros são as glórias dos alunos.  Aqui estamos diante do mistério maior: a criação do ser e estar no mundo. Estaríamos todos à procura de um bom professor? Um bom discípulo? Nos Colégios ou nas faculdades em que ensino quero que toda esta aprendizagem feita entre estas paredes se transforme em trabalho, festa e pão. Assim, é com enorme satisfação que vejo mais uma turma lançar-se ao mundo. Estes estudantes representam também o meu pensamento, quero sempre, apaixonadamente aprimorar seus conhecimentos enquanto seres conscientes do seu papel de pensadores e cidadãos, profissionais, que eles serão, que devem combater por liberdade e justiça social com as armas do estudo: as únicas que possuíamos e dispúnhamos. Minha moeda é um mínimo de coerência com as ideias e ideais que cultivo, pois quero um mundo menos alienado. É um prazer tê-los comigo; faço o melhor que posso para que suas vidas sejam profícuas e vantajosas para este país que cresce e fortalece-se com o esforço conjunto. O magistério é também a minha vida, minha razão de Ser. Desejo a todos o sucesso que cabe a quem batalha e defende a Sabedoria Eterna. Uma prece àqueles que fazem do estudo uma casa querida, porque os professores doam ao mundo seu suor, lágrimas e risos de felicidade. 
Sobre suas viagens pelo Brasil e ao redor do mundo:  ele sempre procura conhecer o teatro e a literatura viva de cada lugar que visita, foi assim na temporada de um mês e meio no Egito


Moisés Monteiro de Melo Neto em Saqara, Egito



Moisés Monteiro de Melo Neto fala um pouco sobre sua TESE DE DOUTORADO: “Alguns nomes são recorrentes na obra de Jomard Muniz de Britto: os irmãos Campos e Pignatari, por exemplo, admiradores de Caetano e incentivadores da Tropicália, que retomaram a linha evolutiva do baiano e deram organicidade e fortaleceram seus julgamentos de criação, nisso está uma intersecção com Jomard que, dentre vários vieses ataca nacionalismos passadistas, nacionaloides do tipo  macumba para turistas oswaldiana. Quanto ao mencionado movimento liderado por Caetano e Gil, Luís Carlos Barreto deu nome à canção Tropicália, por causa de uma instalação do carioca Hélio Oiticica e logo a seguir Nelson Motta escreveu um texto no qual batizou o movimento que surgia foi aí que Caetano resignou-se ao nome Tropicália, por falta de opções, Tropicalismo lhe soava gasto por causa de Gilberto Freyre. A Tropicália enquanto miscelânia de informações que vão de Louis Malle, pelo filme Maria, com Brigitte Bardot, passando por Garota de Ipanema (em tupi: água ruim), identificações com Terra em Transe, com toda a esperteza e fúria da estética de Glauber; Jomard une-se ao grupo em 1968 e instala-se nos limites do Tropicalismo (diferir da tropicologia freyriana). Longe da esquerda festiva, tal vanguarda livra-se de possíveis angústias da influência em intensa radicalidade, como no espírito tropicalista. A poesia de Jomarde é de cunho jamesjoyciano, fundo verbivocovisual com versos em palavras-montagens, em translíngua. De João Cabral, outra das referências na poética de Jomard, vem o olhar lúcido, o nível de argumentação, defesa crítica, determinação inabalável. Do noigandres do Concretismo às perguntas sobre a significação (em louca tenacidade) nos poemas-manifestos jomardianos contra os mantenedores do subdesenvolvimento na geleia geral (como na letra de Torquato Neto) brasileira que a mídia anuncia. Surge o texto como a quebra dos resguardos, como reflexo de ruidosas performances, escrita paródica-carnavalesca de aspecto inventivo-construtivista (de combatividade) buscando a imparcialidade, a expor as entranhas do Brasil em radicalidade antilírica, como num filme de Godard, ver a abertura de Pierrot  le fou, numa poética cheia de lugares incomuns, poesia enquanto palavra-impacto, composição (des)construtora de efeitos, linguagem organizada de maneira meticulosa em meio ao caos criativo vertiginoso numa época em que os ouvidos têm paredes, num mundo que se mostra mais intolerante do que nos libertários anos nos quais JMB iniciou sua produção poética. Augusto de Campos já disse que a poesia é uma família de náufragos nadando no espaço e no tempo. Busco nesta minha explanação a trans-historicidade contra a banalização do passado no texto de JMB, onde diluição e invenção, qualidade de percepção do mundo buscam, talvez, expressar o indizível, apontar que a captação do fenômeno qualitativo e sensível, longe do sentimentalismo, em protesto contra a vulgarização da vida na era da disparada da tecnologia e mudança rápida de valores morais. Seu deboche de cunho antropológico e pós-utópico cubo-futurista aborda também o erótico na política em expressividade não linear sendo por isso rejeitado tanto pela esquerda quanto pela direita, mas isto não o impede de continuar com seus atentados (panfletos que ele distribui atentando inclusive contra o panfletarismo, em pleno século XXI). No seu texto para o filme palhaço degolado temos algo próximo ao construtivismo indigesto e antropófago. Seus textos parecem fora de controle numa escrita mais intuitiva do que coerente, incitavam à demolição, contra o acanhamento e inclui os erros como contribuições. Algo nos textos jomardianos parece clandestino, andrógino, enfim: pluralidade de estilos, desmantelamento de cercas entre as classes sociais, os gêneros; mas Jomard Muniz de Britto não é um piadista nem um vanguardista datado. É poeta que usa o tratamento de choque em ritual canibalista na movência do Brasil, em selvagem psicanálise a riscar o nome do Pai, em audacioso gesto literário. Não em poesia límpida, mas em mistura de referências, estilo novo, inaugural, a rir das desesperanças, dos comandantes e dos alienados. Poesia que tenta desalienar corações e mentes em meio às tentativas vãs de unicidade e cinismo. Suas discussões sobre o gozo imediato, sua recusa às migalhas lançadas pelo poder, sua atração pelos marginalizados, tudo isto, como uma performance exerceu sobre mim simultaneamente atração e repulsa. Venceu a primeira”.

SALOMÃO FAZ Perguntas,  MOISÉS responde:
            Moisés Monteiro de Melo Neto, professor, escritor, teatrólogo, pesquisador, diretor, ator... enfim. São títulos que ao longo da vida foram sendo conquistados, mas todos eles devidos a somente uma característica indiscutível na personalidade deste artista: paixão. Esta que moveu e dirigiu seus mais variados feitos durante sua caminhada até hoje, e que será sempre o motor de suas obras.         Quem lhe conhece de longas datas deve saber quando seu primeiro poema foi publicado em jornal, no ano de 1980(LOBOS...), você atuou em uma peça infantil e numa adulta (Suplício de Frei Caneca, na Igreja do Carmo, em Olinda, dirigido por José Francisco Filho, professor da UFPE, no mesmo ano. Mas quem vai mais a fundo entende que sua paixão não começou de uma epifania adolescente, mas sabe que desde de criança demonstra seus dons e vontades através de simples atos. Hoje conversaremos sobre sua mais nova Teoria Literária, poesia instrumental, e sobre seu caminho ao longo dos anos, suas obras e suas realizações...

Existe uma forte presença do movimento mangue na sua obra, seu livro "A rapsódia afrociberdélica" e seu conto "MANGUEBEATINIK" mostram muito de seu trabalho nesta perspectiva. De onde surgiu esse interesse nesse movimento e qual a importância de Chico Science para o Recife na sua opinião?
R- Conhecer Chico mudou minha vida radicalmente. Nunca vi nada igual desde os beatniks e o rock. Gosto muito das ideias de Renato Lins, de Fred Zeroquatro.
Moisés Monteiro de Melo Neto e Renato Lins, um dos mentores do Movimento Mangue (Manguebeat)

Moisés Neto e Renato Lins Renato L


Moisés Neto, Bárbara Heliodora, Fernando Oliveira e Rodrigo Dourado

Moisés Monteiro de Melo Neto  e Sábato Magaldi



Entrevistado por Salomão Fonseca, Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) declara:

Salomão Fonseca e Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto)


Quando você começou a escrever seus próprios poemas e por quê?
Escrevi porque queria transcender. Busco a expressão do etéreo e uma visão da carne humana em movimento
E as publicações em jornais, como surgiram?
A primeira foi Manoel Constantino que levou para o Jornal do Commercio. Fiquei feliz e fui adiante
Existe algum tema específico que você goste de trabalhar em seus poemas?
Sim: a transgressão
O que o faz tão apaixonado pela cidade do Recife ao ponto de dedicar tantas de suas obras à ela?
Recife é meu vício e meu laboratório: amoródio por minha cidade, nasci na conde da boa vista, pode? Num palacete  da belle epoque
Você considera sua obra universal? Por quê?
Sim: trato da essência do ser em qualquer lugar do mundo, mas tenho características locais, também
Existe algum público específico que você queira atingir com seus escritos? Por quê?
Sim: os que respeitam o próximo como a si mesmo ou melhor ainda; porque acredito na revolução em gênero, número e grau
Algumas das suas peças teatrais são para o público infanto-juvenil. É de sua preferência trabalhar algo voltado para o público infantil? Você acredita que através de peças como essas podemos moldar e transformar a mente de uma criança? Esse é um de seus objetivos?
Criança para mim é adulto em miniatura, está aprendendo amor e malícia, opto pelo primeiro; criança gosta de “viajar”, eu curto isso e incentivo-as neste sentido; quero um mundo onde todos lembre-se das primeiras emoções e reações, para sermos menos lógico e mais intuitivos, respeitando as diferenças e amando muito
Na sua peça "Anjos de fogo e gelo" você trabalha o lado mais carnal e, digamos, perturbador de Arthur Rimbaud. É perturbador e genial ao mesmo tempo. A obra deste poeta e do Paul Verlaine, são influências em seus escritos? Em que aspectos?
Rimbaud é um dos meus mestres, quem me apresentou sua obra foi um cantor de rock. È uma peça sobre amor, também homossexual, é amoródio, do tipo que eu exploro, é impossível separar estes dois sentimentos em minha obra, sou beatnik, mangue, admiro o armorial, mas não tem jeito: meu mar é ímpar
Quais são suas maiores inspirações para o teatro e para poesia?
Machado, Clarice, Poe, Joplin, Amy, Lucila Nogueira, JMB, Shakespeare, Carrero e tantos que fico zonzo só de pensar, Lennon, Led Zeppelin... Renato Russo...
Sabemos que a literatura abrange vários temas e aspectos, inclusive o da música. Chico Science o inspirou para escrever um livro, conto e outras obras variadas. No cenário musical, o que mais chama sua atenção ao ponto de querer dedicar sua literatura a ela?
Transcendência e revolução
Além de seus livros de poesias, você escreveu dois livros sobre literatura, sendo um dedicado a literatura pernambucana e o outro a brasileira. O que você acha que poderia mudar no cenário de sala de aula, especificando a matéria de literatura?
Quem foi meu aluno passou por uma experiência: ver-me criar e recriar um universo ( o meu e dos queridos autores do cânone), é uma viagem sacudida; aviso logo: apertem os cintos, faço a cabeça do pessoal abrir-se, há que se catar fragmentos também, depois... pago e recebo por isso, é minha vida: escola e escrita, sem isso? NADA
O que é poesia instrumental?
É poesia com o essencial, para mudar, utilizar como ferramenta para analisar tudo mais na vida, poesia-óculos, lentes (até coloridas ou transparentes)
Explique melhor: poesia como instrumento de quê?  Mudança “social?
Sim, por um mundo mais lírico e menos convencional

Como você enxerga o Moises do primeiro poema, para este Moises de agora.
É o mesmo cara. Tem a ver com o mito forjado por autores como Bram Stoker... (risos e sisos)
Como você mescla a técnica e o sentimento na sua obra?
Não gosto da técnica. Faço por obrigação na maior parte das vezes... imagine que tenho uma cinco mil páginas com meus escritos, tantos livros, peças, tudo.... só minha tese de doutorado tinha 900 páginas, minha orientadora disse: quero só um terço disso... ficou em cerca de 400... também só sentimento não é o caso... entende? Não? Oh!
O Recife lhe inspira de que forma?
É cidade anfíbia, libidinosa, safada, protetora e ... cruel naturalmente, gosto da luz... trevas tem poucas... o inferno somos nós, sou existencialista freudiano

Como você homenageou Nelson Rodrigues e Mercedez Sousa , tem algum projeto para homenagear Luiz Gonzaga, por exemplo?
Não tenho a ver com o Luiz, curto muito, mas sou de outro viés, vi o filme e a peça (João Falcão, já foi meu diretor, sei que ele gosta de mangar, o Santa Isabel curtiu, o cinema chorou, eu também?), não tenho saudade do luar do sertão, eu sou mais Jung e a sincronicidade, conhece? Recife é como o mundo todo, no mundo um grande amor perdi...
A magia do carnaval te inspirou em alguns poemas como: Milagre de carnaval e Carnaval , o lúdico da festa, o tudo pode, revela um pouco do seu lado romântico? Fale um pouco sobre o romantismo na sua obra.
Sou romântico incurável, um apaixonado que vive em êxtase 24 h por dia, isso está em tudo que faço, nos meus estudos também. Carnaval é só a ponta do meu iceberg

Quais os caminhos que um escritor iniciante deve percorrer em Pernambuco? O que você pensa desse universo tecnológico ( Internet, por exemplo)?

A cibernética vai acabar com muita coisa no homem, mas para que preocupar-se com isso? Meu medo é que a vida vire videogame...
Essa nova linguagem literária como os blogs, as redes sociais, os livros digitais trazem algum risco para a literatura tradicional (livros impressos)? Como você vê este tipo de literatura?
Qualquer maneira de amor vale a pena. Mas sou fetichista também, curta meter meus dedos entre as... páginas... dos meus livros... é uma espécie de gozo em extinção? Ui!

Como a literatura pode contribuir para inclusão social. De que modo você enxerga isso?Explique:
Todos são autores, até os analfabetos. Inclusão é vontade de se revelar, expor-se, mostrar-se, lutar, arte tem que ser revolucionária, mas o pessoal só quer o lado prostituo da arte, o lado de professora é tratado como se olhava para as vitalinas no século XIX!



MONSTRO ILUSIONISTA OUQUEM TEM MEDO DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO?
                          Por HENRIQUE AMARAL:


Capítulo 1


Moisés  NA TV

Fotos do especial A CARTOMANTE, direção de Luiz Maranhão Filho


Moisés adora William Shakespeare. Sobre o bardo inglês ele nos declarou:
"Tenho dez anos, acabei de cruzar a ponte de ferro (feita com trilhos de trem?) que liga a rua da Imperatriz à rua Nova, Recife. É uma tarde chuvosa e eu venho do dentista, como recompensa me levaram à minha sorveteria favorita: Confiança (que também era uma fábrica de biscoitos, na rua da Imperatriz); ao dobrar à esquerda em direção à Praça Joaquim Nabuco, onde tomaríamos o ônibus para Boa Viagem, onde eu morava, paramos numa banca de revista; enquanto a pessoa que estava comigo escolhia uma revista eu fixei meu olhar sobre um livro com capa verde limão, havia seis letras douradas que me chamaram a atenção. Abri-o. 

Moisés Monteiro de Melo Neto, como Hamlet



"Li a palavra ESPECTRO, perguntei o que significava e me disseram: fantasma. Pedi o livro e a pessoa que estava comigo comprou para mim. Começou assim o meu envolvimento com Shakespeare. A peça era HAMLET, que eu interpretaria durante dois anos, algum tempo depois, dirigido por Paulo Falcão e pelo argentino Alberto Gieco. Tragédia maior, em vários sentidos. Sonho de uma noite de verão foi outra peça que acompanhei uma montagem luxuosa bem de perto; dirigida por Antônio Cadengue, tendo Susana Costa como Titânia, Buarque de Aquino como Oberon e Augusta Ferraz como Puck (na época fazíamos parte do grupo Ilusionistas). Também interpretei Mercúcio, personagem de Romeu e Julieta (numa adaptação de Rubem Rocha Filho, dirigida por José Francisco Filho). Aos quinze anos ganhei a obra completa de Shakespeare, presente de um primo mais velho, da nossa família, os Belli. Com prazer devorei peça por peça. Depois desta maratona eu nunca mais fui o mesmo. Faz 400 anos que William Shakespeare morreu, mas continua a perseguir com carinho todos os atores, diretores e muitos autores. Nascido na bucólica Strattford-upon-Avon, em 1564, antes de expressar-se através da criação literária, foi ator (um crítico o chamou de “corvo arrogante”, ao tratar de uma interpretação sua no palcolembro aqui do conselho de Hamlet aos atores: “que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma”)  e a seguir   o mais influente dramaturgo do mundo, cujas  38 peças são exemplo quase ímpar da capacidade humana na escrita. Seu pai, John Shakespeare, afirma-se que era um comerciante chegou a prefeito da sua cidade natal. Sua mãe, Mary Arden, vem de uma família de proprietários de terras. Teve sete irmãos. Criou-se católico, mas só em um soneto ou dois ele ousa defender, ou pelo menos citar, os companheiro sufocados pela rigidez da Igreja Anglicana. Casou-se com Anne Hathaway e geraram: Susanna e dois filhos gêmeos, um chamava-se Hamnet (quase Hamlet, teve má sorte, morreu aos 11, longe do pai que estava em Londres). Parece, especulações novamente, que o jovem artista, fugiu com uma trupe de teatro (muitos deles visitavam a cidade de Shakespeare); Quando em 1592, fecharam os teatros, por causa da peste, ele se dedicou  aos poemas líricos Vênus e Adônis e O Rapto de Lucrécia. Logo depois construiu o Globe Theatre (sucesso por 15 anos, mas em 1613, na peça Henrique VIII, pegou fogo e virou cinzas; foi reconstruído, mas depois foi demolido em 1644. Em 1997, o projeto do americano Sam Wanamaker (morreu em 1993), de reconstrução dessa famosa casa de espetáculos, perto do lugar onde ficava o primeiro Globe, trouxe de volta um pouco do antigo fascínio deste Teatro. Além de ator e escritor, ele foi sócio da Lord Chamberlain´s Men (ou King´s Men, o que já dá o tom da sua gratidão aos nobres que o apoiavam, não é?). 


Moisés Monteiro de Melo Neto como Ricardo III, de Shakespeare


Sobre sua vida sabemos pouco, embora haja uma enxurrada de livros sobre sua produção e até a lenda sobre a autoria de parte dos seus textos. Estudou até os 7, retornou até os 11. Conheceu , ainda adolescente o teatro e se apaixonou, foi para Londres e cavou seu caminho quase até o topo. Christopher Marlowe (teria sido ele, que forjara a própria morte e escrevia tudo de Shakespeare?) estava no seu caminho; Thomas Kyd e outros protegidos da rainha. Mas ele chegou até Elizabeth; o resto se mistura com lenda, o que é ótimo, para quem curte a produção deste bardo.  Suas comédias, dramas históricos, tragédias (Macbeth, Rei Lear, Otelo) são jóias de valor incalculável. Da sua forte herança latina brotaram as tragicomédias ou romances. Teve a glória em vida, mas acho que nem no sonho mais louco imaginou até aonde iriam as projeções da sua sombra e da sua luz. O Mercador de Veneza, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por nada, Noite de reis, Medida por medida, Conto do Inverno, Cimbelino, Megera Domada, A Tempestade, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Julio César, Antônio e Cleópatra, Coriolano, Timon de Atenas, Henrique IV, Ricardo III, Henrique V e outras peças como Henrique VIII, fascinam com sua genialidade enigmática sublime; 400 anos depois do desaparecimento físico do misterioso bardo inglês, que tratou tão apropriadamente temas tão fortes, com um colorido (forma e conteúdo) tão cheio de som, riso, siso e fúria da alma humana, ainda dá muito o que falar. Uma vez, em Londres, eu parei diante da estátua dele no Museu de cera de Madame Tussaud e me perguntei: qual seria a figura exata de Shakespeare? Há tantas representações diferentes dele. Voltei no tempo, ao dia em que ganhei aquele Hamlet, e o li numa noite cheia de chuva, relâmpagos, trovões, ventos uivantes, próximo ao mar de Boa Viagem.

Na tradução de Houaiss para o “Ulisses”, de Joyce, em certo momento, se fala do bebê, que deve ser mesmo uma graça, rindo com aqueles olhinhos alegres e aí a Cissy cutuca a barriga dele e o bebê devolve o contato sobre um babadouro novinho.
Fico imaginando como deve ter sido o bebê Moisés, mas como dizia Cortázar em “As Armas Secretas”, não sabemos nada verdadeiramente até que amemos. E eu já havia amado.
Achei legal o jeitão de ser de Moisés Monteiro de Melo Neto desde que parei um tempo na praça do Carmo, em Olinda, com Verônica Monteiro Correia e João Álvaro Lopes Braga, para conversar com ele, antes que subisse para a igreja onde se encenava “O Suplício de Frei Caneca”, em fins de 1979 e início do ano seguinte.
Verônica ou Verinha, que está nas mãos de Deus, pertencia ao elenco, eu a
adorava e em consequência disso passava a adorar todos os seus amigos. A peça era dirigida por José Francisco Filho, no auge de sua carreira.
Eu assisti à peça e gostei de tudo e de todos. Não havia muita maldade naquela época, pelo menos na minha cabeça.
Em 2000 escrevi uma peça biografando e ficcionando a vida do Senador José
Ermírio de Moraes, encenada por Rivaldo Casado e Marquinhos Varella, com mais de 500 estudantes no elenco, no dia 18 de novembro de 2000, às 19 horas, no Teatro Guararapes, para o Núcleo Educacional Senador José Ermírio de Moraes, o NESJEM.
Mas o pai de Antônio Ermírio de Moraes me foi dado a conhecer através de muito material de pesquisa cedido por várias fontes. Que eu nunca o conheci e que faleceu muitos anos antes de 2000.
É tão diferente de biografar alguém que convive com você, que atua com você.
Talvez porque Moisés Monteiro de Melo Neto já tenha, ou seja: um referencial do tipo lutou, batalhou, deu certo, chegou lá. Abandonou os estudos para fazer teatro e depois do sucesso voltou à universidade, se formou, e ensina literatura há anos. O que pode ser melhor para um escritor como Moisés Monteiro de Melo Neto do que ensinar literatura?
Com três livros publicados, os dois últimos de grande impacto, sobre Science e o movimento mangue e o longo poema em cima do 11 de setembro, Moisés encenou ou teve seus textos encenados entre 1985 e 2004 no teatro pernambucano.

E eu tive a sorte de ser colega de trabalho, de grupo, parceiro em um texto teatral, ator em peças dele, ou ele atuou em peças minhas. Dessa convivência entre 1979/80 a 2004, sempre tive curiosidade em saber mais sobre a evolução de Moisés, a sua vida, a criança que foi, como ele mesmo me disse, uma espécie de Will Robinson, o personagem de Billy (hoje Bill) Mummy, no seriado “Perdidos no Espaço” (Lost in Space, 1965/1968). E o que é isso? Curioso, quieto, observador, um pré-adolescente meio gênio, curioso, xeretando as coisas.
Claro que devíamos ter a cópia em DVD da Tia Linda da TV Jornal apresentando o garotinho Moisés cantando e mostrando seus desenhos para as câmeras. Fim dos anos 60 ou início dos 70? Por aí.
As imagens vão me chegando com a ajuda enfim do próprio biografado, imagens de um filme que parece ter sido realizado em preto e branco, mas como diz meu pai, todo o passado dele (dele, meu pai, nascido em 1928), foi a cores. Mas colorido mesmo eu não sei, imagino talvez num tom próximo às fotos que Ana Farache torna coloridas através da aquarela.
Mesmo que eu tenha visto Oscarito em preto e branco nos musicais da Cinédia ou nas comédias da Atlântida, foi a poderosa, e velha, Hollywood que me tirou a dúvida. O passado era colorido. Então somente o passado do Brasil era em preto e branco?
E o do Nordeste? E as imagens das telenovelas, teleteatros e programas das
emissoras do Recife que infelizmente não possuímos mais? Tudo preto e branco?
Um Nordeste apagado?
Nem tanto. O Sul adora o Nordeste e o nordestino também está lá, a cores, como em “A Compadecida”, de George Jonas, baseado no clássico de Ariano, de 1969. Os brasileiros mudam muito de região. É claro que o Nordeste não possui uma rede nacional, mas estamos no elenco, nos temas, nos técnicos, desde o início da TV no Brasil.
E o maravilhoso Ciclo do Recife? Apresentado no Teatro do Parque, restaurado?
Acredito, que pelo incentivo maior de Fernando Spencer. Eu corri da minha sala, no departamento de jornalismo da Rádio Jornal direto para o microfone de Jaime Sabino anunciar ao ouvinte a inacreditável mostra.
Tudo preto e branco no Nordeste? Não, tudo é preto, branco, pardo, mulato, vermelho sangue de batom, cordão encarnado, muito pelo contrário, que é o título do primeiro sucesso de João Falcão no teatro, como autor, e no qual Moisés atuou entre 1981/1982.
Lógico, todo o colorido dos maracatus, por exemplo, entre tantas manifestações culturais que o Nordeste e Pernambuco, como representante forte da região, tem.
Então o passado de Moisés Monteiro de Melo Neto foi a cores. E tudo muito bem vivido. Ele foi
feliz. Ele é feliz. Discretamente feliz. Nunca o vi em gargalhadas passando da conta ou sorrisos forçados para agradar a ninguém.

A Trupe do Barulho montou CLEÓPATRA, de Moisés Monteiro de Melo Neto


Adaptando Machado de Assis, William Shakespeare, filmes com Bette Davis,
recriando o mito de Janis Joplin, levando aos palcos o clássico de Robert Louis Stevenson, “A Ilha do Tesouro”, em forma de musical (músicas de Ricardo Valença), atuando como ator, diretor, produtor, escritor, professor, analisando obras literárias, peças, filmes, participando do cinema e vídeo local e nacional (um repórter em “O Cangaceiro” em cena com o “Boca de Ouro” de Nélson Rodrigues na visão de Nélson Pereira dos Santos, ou seja, Jece Valadão), escrevendo crônicas para o Jornal do Commercio, avaliando a Broadway, correndo o mundo, passeando por locais um dia frequentados por Elizabeth Taylor e Bette Davis (o Egito, por exemplo), com um inglês fluente, decepcionando-se com a Baker Street,  mil vezes citada por Sir Arthur Conan Doyle nas histórias de Sherlock Holmes, conhecendo Ionesco e tantas outras personalidades que acredito nunca imaginou que conheceria...e aí, leitor?
É pouco? Manter uma coerência, estar em cena sempre, ano após ano, sempre com a arte como meio de vida, tendo a literatura como base?
Não é fácil, mas não é fácil mesmo.
Existem aqueles que criam uma obra e em seguida se aposentam. Qualquer tipo de obra. Outros são bissextos. E outros fazem um trabalho contínuo, do momento em que iniciam até o momento de sua morte.
Esse é o caso de Moisés. Ele não para nunca. Cria e recria. Dono de um site na Internet, ele próprio, escancara a sua vida artística e literária, chega a apresentar poemas dos seus 15 anos de idade. E são poemas fortes, bonitos, simples.
Nada como a simplicidade, é impressionante, mas ela, a linguagem simples, sem tantos rebuscamentos, é responsável pelas grandes obras, talvez pelas maiores obras da literatura.
Um Charles Dickens, por exemplo, ou um Emile Zola? A linguagem é direta, clara, não engana o leitor. Como as falas dos personagens teatrais de Moisés, vão direto ao assunto e quando mentem, mostram ao espectador que estão mentindo. Ou não.
E mergulhando nas primeiras cenas de sua vida, Moisés Monteiro de Melo Neto me conta:
“Uma das primeiras imagens da minha infância é o mar. Eu tinha problemas com respiração e os médicos aconselharam levar-me todos os dias à praia. Legal, não? Quando eu tinha poucos meses de idade, minha mãe, que tinha 16 anos quando eu nasci, não me deu água suficiente e eu tive desidratação. Esse conjunto de coisas poderia associar-se à travessia de um mar vermelho que apenas se iniciava enquanto eu engatinhava. Nasci no mês de março, outono, chovia muito e minhas fraldas não secavam direito. Água, sempre água. Aos sete anos eu ia me afogando. Aos oito, vi a casa onde eu passava férias inundar-se com a enchente de um rio.”



Mas onde está Moisés aqui? Em que área do Recife? Nossa área metropolitana é tão grande, um dia chegaremos a Nova Iorque. Por falar em New York, Moisés passou temporada por lá, nos anos 1990... (foto abaixo)


E ele me responde:
“Eu morei em Campo Grande e a praia à qual me levavam era Olinda, que naquela época, disseram-me, era bem menos poluída. Aos cinco anos fui morar em Boa Viagem, levado por uma tia que havia se casado e tinha medo de morar num lugar deserto como eram as imediações da Escola Americana do Recife. Logo mamãe mudou-se para lá também. Era um paraíso para mim. Campinas enormes. Muitas árvores, flores, animais. Parecia cidade do interior. O ano era 1966. Eu tinha um casarão só para mim. À tardinha passava ao longe o trem que ia para o Cabo. O nascer e o pôr-do-sol eram magníficos.
Minha primeira professora casou-se com meu tio. Ela era muito rica, mas, só quando se casasse colocaria a mão na grana. Casou-se e eu também passei um tempo na casa dela.
Meu apelido era “bandoleiro”, pois desde pequeno eu tinha pelo menos três endereços.
Vivia sempre com mochilas cheias de coisas para cima e para baixo, como um pequeno cigano.”




Capítulo 2


DE REPENTE NO ÚLTIMO VERÃO
Frankenstein de Moisés Neto 



Moisés Neto e Andrea Rezende em PRAZERES DA REVOLUÇÃO

PRAZERES DA REVOLUÇÃO, nos jornais da época


Moisés Neto sofreu preconceito por parte da elite por tratar temas-tabu na sociedade recifense dos anos 1980



Moisés e eu estivemos ontem no palco do Teatro do Parque, representados por
Maninho Casado (antes, Rivaldo Casado) e Emmanuel David d’Lúcard, em “Com a Víbora no Seio”, no show-tributo a Gilberto Aureliano (24 de julho de 2004) e como não compareci pude mergulhar mais um pouco sobre sua obra e vida.
A descrição de sua infância em primeira pessoa me recorda muito o monólogo de Catherine Holly, em “Suddenly Last Summer”, de Tennessee Williams, tem um pouco de dor, de descoberta, de trauma. Não atinge o mesmo ápice dramático da peça porque Moisés superou, acho isso evidente, os medos de sua infância.
Leia, é ele mesmo contando:

“Havia minhas crises de respiração e as madrugadas infernais à base de remédios fortíssimos. Próximos à minha casa havia acampamentos, tanto de ciganos quando de hippies no final dos anos 60. Boa Viagem, a praia, era encantadora. Havia na avenida beira-mar, próximo ao Hotel Boa Viagem, o Castelinho, e depois estava uma casa que parecia um barco: a Casa Navio, lugares que a gente frequentava. Eu fui frequentador durante muitos anos do calçadão de Boa Viagem. Lá nossa turma se encontrava. E também na esquina das ruas Almirante Tamandaré e Padre Cabral, em Setúbal. Várias tardes eu passava na Escola Americana do Recife e nos fins de semana o vigia nos deixava usufruir várias coisas naquela instituição. Era tão diferente das escolas do Recife, eu ficava fascinado. Eu me lembro da época da Jovem Guarda. Mamãe usando aquelas perucas e as mini-saias. Lá em casa todas as mulheres tinham uma caixa de jóias verdadeiras. Lembro que um dia fomos buscar titia no aeroporto e no dia anterior tínhamos assistido no cinema ao `Auto da Compadecida´, com Regina Duarte (fazendo o papel da própria) e quem desce do avião com minha tia? Ela mesma: a Regina.”

É interessante observar aqui como era realmente fascinante a Casa Navio e como havia tranquilidade em Boa Viagem naquela época. Eu mesmo fugi do Colégio Militar do Recife, em 1974, para passear com um colega de classe que morava em frente à praia.
Boa Viagem ainda é uma maravilha para um belo passeio noturno, enfiar os pés na água fria do mar, deixar que eles se sujem de areia e só limpá-los em casa, depois que os pés, dentro do sapato sujo de areia, estiverem bem relaxados pelo sal marinho. Ou talvez um banho de mar num dia mais tranquilo que o fim de semana.
Se bem que o mesmo acontece com Gaibu, que se tornou irreconhecível depois de alguns anos. Uma praia lotada de barraquinhas de diversos tipos e gente, mas tanta gente, que você não relaxa como nas épocas áureas da juventude surfista dos anos 60/70 e início dos 80.


Moisés  em Porto de Galinhas (PE)


E é engraçado perceber que mesmo que o diretor George Jonas tenha reduzido o título da peça de Ariano Suassuna, a criançada estava no cinema vendo um auto que se tornou um clássico desde a sua estréia com Socorro Raposo (a 1ª Compadecida) no teatro pernambucano.
E Suassuna rejuvenesceu no tratamento de alta sensibilidade dado ao texto por Guel Arraes, quer na minissérie, quer no filme. E as mãos de João e Adriana Falcão estavam presentes no roteiro.
E Moisés fala do cabelo da mãe. Nossa! Quem vê as fotos das garotas na década de 60, arregala os olhos. Os penteados eram muito engraçados, beirando o ridículo se vistos hoje em dia, altamente kitsch ou brega (veja Liz Taylor em “Jogo de Paixões”, com Warren Beatty: os penteados desconcentram você, ela que sempre foi tão linda, com aquele cabelo, não dá mesmo; o mesmo não acontece com Leila Diniz em “Todas as Mulheres do Mundo”, talvez porque Leila tenha preferido um penteado natural e não embarcou na onda fashion em voga.

A mãe, a avó e a sobrinha de Moisés


Mas vamos avançar um pouco mais na trajetória de Moisés, passando-lhe o microfone: 
“Concluí o Fundamental 1 com a mesma professora que ensinara a minha mãe. Dona Tereza Andrade. Ela era muito severa e no mês de Junho sempre ensaiávamos várias danças como baião, cateretê, a quadrilha e outros ritmos que ela mesma tocava ao piano.
Havia a dança do pau de fitas, a dos arcos e também o chula e o vira (danças portuguesas), eram roupas caras e nós dançávamos no internacional. Aí papai começou a abusar da bebida. Saiu da aeronáutica e as coisas começaram a ficar meio estranhas. Nós nos desentendíamos e eu cada vez mais me afastava deles. Eu gostava muito da minha irmã, Fátima Amaral, começamos a estudar juntos e sofri muito com nossa separação.



Moisés e os irmãos (festa de São João, Clube Internacional, Recife)

Aos onze anos, decidi morar com titia e com minha avó Diomar de Belli. Fiquei em Boa Viagem e eles voltaram para Campo Grande. Meu irmão, Mário Filho, formou-se em Medicina e foi o laureado da turma. Mas achou que tal trabalho era mal remunerado no Brasil. Hoje tem um cargo melhor no governo e não quer que diga a ninguém que ele é médico (os mestres ficaram chocados, ele era o queridinho da UFPE), concluiu também na UFPE o curso de direito. Minha irmã Fátima fez Letras e tem dois filhos: Leonardo (Direito) e Rafaela Amaral (Publicidade).”

Os Bellis, bisavós, a avó e tia Therezinha (de MoisésNeto) , na ilha fluvial que tinham em João Pessoa

Mário, Fátima e Moisés Monteiro de Melo  em festa de São João, no Clube internacional do recife, quando crianças


O Amaral da irmã de Moisés é de seu marido, a quem não conheço, e não sei se é algum parente próximo. O meu Amaral vem de Minas, onde meu pai nasceu.
Não é fácil para os professores observarem qual daqueles alunos poderia um dia, quem sabe, fazer teatro, ou dança ou até mesmo canto, desenho, literatura.
Uma das apresentações de Moisés, no Clube Internacional do Recife, deu-se em 1970. Ele lembra bem por causa da Copa do Mundo. E em 1979, estava com a trupe de “O Suplício de Frei Caneca”, de Cláudio Aguiar. São de 1976 os seus poemas dos 15 anos, publicados em sua página na Internet. E junto à Tia Linda, além de cantar uma canção do repertório de Roberto Carlos, expôs para a câmera uma série de desenhos seus.
Ou seja, uma coisa se liga à outra. A arte na infância, adolescência, na juventude, na idade adulta, na maturidade.
É sempre bom, acredito, a folha de papel em branco, e lápis de todas as cores para o desenho e um pretinho para as primeiras letras. Isso na infância. E é o que as escolas fazem mesmo, lógico.
Como também o ensino da dança e do canto, sem que se force demais a criança, ela pode estar mais interessada em esportes num primeiro momento. E uma coisa não exclui a outra, é evidente. Que o diga Pelé, astro de “Os Estranhos” (também com a Regina Duarte), novela de TV, que dizem ter sido uma ficção científica, e em 72, de “A Marcha”, sobre a escravidão. Sem mencionar seus trabalhos mais recentes.
E reparem que Moisés cita diversas danças e considera a professora rígida. Sim, deve ter sido, mas com uma proposta interessantíssima de arte-educação.
Moisés começa a abrir um pouco de sua intimidade ao falar de sua família, seus pais, sua avó, seus irmãos e sobrinhos. São revelações pessoais raras, não é comum vê-lo falar de sua família.
Aliás, em relação às pessoas que fazem teatro no Recife, parece que existe essa retração. Ou existia.
Separar o mundo teatral pernambucano, que se misturou muito, durante longo
tempo, com as mesas dos bares, com a bebedeira, as boates ou qualquer outro tipo de casa noturna, da vida familiar, parece ter sido a saída para se manter certa privacidade.
Principalmente pela mística da comemoração do fazer teatral, geralmente um bom jantar e bebidinhas num bom restaurante – se a receita tiver sido boa.
Mas isso é passado.
Os atores e técnicos da nova geração não estão nem aí para fumar, beber, comemorar, fazem um espetáculo, pegam seu ônibus ou um táxi e vão pras suas casas.
O que não ocorria nas décadas de 70/80, pelo menos. Todos bebiam, fumavam, uns se drogavam, porque a bebida estimulava, liberava, relaxava, e mil e uma idéias vinham desses encontros.
Mas a família de cada um, ah, essa ninguém comentava, ninguém tava nem aí com isso. Claro que pelas costas se comentavam baboseiras, fuchicos ingênuos ou perversos, mas a verdade é que a família dos artistas em Pernambuco, durante muito tempo, não acompanhava a carreira de seus filhos (as).

Dona Dinah de Oliveira (Primadona do TAP, Teatro de Amadores de Pernambuco) foi assistir algumas montagens de  Moisés Monteiro de Melo Neto, Moisés Neto



Uma exceção, claro, é a do Teatro de Amadores de Pernambuco, o TAP, cuja
formação familiar em sua própria estrutura, proporcionava outro tipo de comportamento.
Posso estar enganado, mas talvez não. Comigo mesmo foi assim. Teatro, em casa, só as longas horas de leitura dos textos (eu, sozinho), um ou outro visitante eventual (uma vez na vida...).
Meu pai, que dizia que o teatro já era, por mais incrível que pareça, mostrou-me um dia peças suas da época do bumba – uma de 1944! Antes quando chegava alguém de teatro, ih, o povo sumia! Daí eu não convidava ninguém pra ir lá em casa.
Mas é claro que eu posso estar exagerando, talvez seja motivo para um outro
texto, uma outra análise, e que não vem ao caso aqui.
O que importa é desvendar um pouco do menino Moisés. Sem querer me lembrei de João (Falcão): “Oh, meu Brasil menino/ menino Brasil/ menino...”
E lembrando dele, filmei “Muito pelo Contrário”, mas Moisés tinha saído em setembro de 82, do elenco, sendo substituído pelo nosso eternamente querido Marcus Vinicius. Foi em super-8, tentei de tudo pra colocar banda sonora, colocar os letreiros, mas nada! Acabaram com o super-8 mesmo.
Consegui enfim o áudio do espetáculo (da temporada 1981) com Augusta e tivemos uma bela exibição no Moreno Vídeo Bar. Depois desapareceram com a fita cassete de La Ferraz e até hoje. O título do filme eu mudei, hoje em dia se chama “Quer Tapioca com Manteiga, Freguesa?” e devo passá-lo para DVD, não sei ainda. De qualquer forma, João Falcão tem uma cópia dele em VHS. E conversei com Magdale Alves e Suzana Costa para darmos uma final nessa questão. Talvez eu dê a elas o material filmado. Mas eu estou entrando em assuntos correlatos.
Voltando a Moisés Monteiro de Melo Neto, eu o vi em “O Bandido da Sétima Luz”, curta de Paulo
Caldas (na época, Paulo Maurício Caldas), lançado em 1987 (filmado no ano anterior), e também em “O Cangaceiro”, na versão de Aníbal Massaini, de 1997, como um repórter, em cena com Jece Valadão.

Moisés em intervalo das gravações do filme O CANGACEIRO

Eu achei glorioso. Também tinha mais era que achar mesmo! Logo eu que, quando tinha 11 anos, vi Rejane Medeiros sendo filmada na esquina da minha casa.
Ou desde pequenininho via os filmes de Oscarito e Grande Otelo, Ankito, Mazzaroppi e Ronald Golias, só pra citar alguns, exibidos na antiga TV Tupi (saudades...).

Ele ali, cara a cara com o astro de “Os Cafajestes”, “O Boca de Ouro”, “Mineirinho Vivo ou Morto”. E atuando de igual para igual. Pronto! Agora, além de colega de trabalho e amigo de Moisés Monteiro de Melo Neto, virei seu fã.
Dá um tempo!, diriam os cineastas/videastas que atuam mais com o documentário.
Eles odeiam isso de “estrela”, “astro”, “fã”, “ator principal”. O pessoal de teatro nem tanto.
Um dia, colocam o elenco em ordem alfabética, no outro por entrada em cena, e ainda com o personagem principal/ator principal em destaque.
Portanto, pensei agora, porque não uma estrela na porta do camarim dos atores e na sala dos técnicos? E outra não sei bem onde.


Capítulo 3


Tarântula: Fim da adolescência


E perguntaria Bob Dylan: “por que que você tem tanto medo de se envergonhar? Você passa muito tempo no banheiro né? por que que você não admite? por que que você tem tanta vergonha de ter medo? teu tio Matilda” (in “Tarântula”)


E continua Moisés Monteiro de Melo Neto, narrando o fim de sua adolescência:

“Paulo Barros: ele adorava vestir preto. Usava casacos, óculos escuros e sempre uma bolsa como se estivesse pronto para ir embora para um lugar bem distante. Foi com esse cara eu conheci Andy Warhol (Andy dava um suspiro em 78, lá em New York e Paulo já sabia e nós comentávamos), David Bowie (Paulo me explicou Ziggy Stardust e Major Tom e me deu uns toques sobre androginia), Blondie, Rolling Stones (na época do lançamento de Black and Blue nós ficamos chapados várias vezes escutando a bolacha de vinil), Bob Dylan (nesta época eu li o romance dele chamado “Tarântula” e comecei a fazer traduções das letras das suas músicas. Eu adorava Lay Lady Lay), Paulo também curtia sons como Marlui Miranda e Mutantes (foi ele que me apresentou isso também, eu já conhecia Rita Lee, que tinha barbarizado com o lançamento de Fruto Proibido e depois Entradas e Bandeiras). Aliás, alguns dos amigos gostam muito da Rita.


Rita Lee e Rosalia Calsavara, com quem Moisés escreveu muitos musicais





Enfim: o amigo perfeito, não fosse pelo seu jeito suicida de ser. Um dia Paulo Barros cortou-se em várias partes do corpo, só para obter sangue e pintar um quadro. Como eu, ele era poeta, e, gostava dos tais estados alterados da mente. Este rapaz também trouxe a psicodelia para dentro de mim. Seu apelido era Paulo Astral, para diferenciá-lo do outro Paulo da nossa turma, o Smith. Ele me trouxe também Carlos Castañeda e a Erva do Diabo, um dos seus livros, que ao lado de Viagem a Ixtlan mudaram a minha vida. Eu já estava acostumado com Drummond, Gregório, Shakespeare (Hamlet e Romeu e Julieta estão entre as minhas primeiras leituras), Krishnamurti, Dostoievski, Dumas, Huxley, Hesse, Gibran, Poe (fiquei muito impressionado quando li um livro sobre sua vida e obra), Baudelaire, Dante (li o Inferno três vezes) e Clarice Lispector (e aqui eu devo confessar: eu adorava romances policiais. Li praticamente tudo de Agatha Christie que uma vizinha me emprestou, li Maurice Leblanc e Edgar Wallace), mas o underground mesmo, só conheci em 1977”.

E o que Moisés conheceria a partir de 1977? Ele próprio continua:

“Um dos nossos pontos de encontro era a lanchonete Fruto Proibido atrás da
igrejinha de Boa Viagem. Rolava a maior azaração e todos exibiam suas performances e atitudes. Ali sabíamos tudo sobre todos. Falávamos mal dos surfistas de Olinda e das cocotas de lá também. Rolava um certo clima de adversidade entre as duas facções. E mesmo entre a turma de Boa Viagem. Uns da nossa turma, C... e D..., perderam os pais num brutal acidente de carro. Ficaram revoltados. Herdaram imóveis e uma boa grana, mas caíram na marginalidade. Tipo: formar uma gang, roubar carros e traficar drogas. Muitos de nós pagaram preços altíssimos por certas experiência. Em 1988 quando eu estava morando em Brasília, fiquei hospedado na casa de D… (uma mansão com piscina e quadra de tênis), ele me tratou muito bem. Ele havia se regenerado.”

E Neto continua:
“As festas eram quentes e às vezes improvisadas. O som e as luzes eram perfeitos para os nossos encontros de fim de semana. Havia, é claro, os indefectíveis luaus em Gaibu e Maracaípe. Soube que ele continua morando em São Paulo e de vez em quando dirige uns filmes. Ainda em 77 uns rapazes da turma chegaram com o disco Never Mind the Bollocks, do Sex Pistols. Eu fiquei ligado naquele som. Eu gostava também do Kiss. Lembro do dia em que fomos assistir ao documentário “Woodstock”, foi como se estivéssemos indo ao
próprio festival. Era esse o clima. Também fomos ao lançamento do filme “Janis”. Uau! Eu nunca vou me esquecer daquele dia. A turma toda reunida. Foi uma caravana. Éramos mais ou menos uns vinte. Só haviam dois carros. Fomos espremidos e alguns pegaram ônibus. Nos vestimos de acordo com a ocasião. Nossos pais não tardaram a entender o que se passava conosco. Algumas garotas como Miriam Pimentel, que mais tarde trabalharia como atriz
em duas das minhas peças, eram como “musas” para a gente e levavam um estilo de vida bem San Francisco, se é que vocês me entendem.Alguns dos caras começaram a usar drogas injetáveis. Eu nunca fiz isso. Outros tomaram chá de cogumelo de zebu e comiam a tal coisa em viagens delirantes. Um deles se deu tão mal que até hoje nem álcool bebe.
Stairway to Heaven era o nosso hino. Até hoje quando eu escuto esta música lembro daqueles dias. Houve uma tarde, quando fomos assistir The Songs Remains the Same, filme sobre o Led Zeppelin,  muitos de nós resolveram ficar zanzando numa lancha de aluguel pelos rios da cidade e curtindo o pôr-do-sol no dique do porto, ali, sobre os arrecifes que deram nome à nossa cidade, tendo como perfil a ilha do Recife antigo.”

É desta época um poema de Neto chamado “Tarântula” (dedicado a Paulo Barros e Bob Dylan):

Em qualquer canto da casa existe uma tarântula
Com suas patas curvas, peludas e débeis,
Trêmulas de emoção e veneno
Em qualquer canto, o murmúrio dos ventos
Quando se encontram num portal,
nas brechas das janelas, corredores
atrás dos velhos quadros
sacudindo os vidros
A tarântula se move como um Pégaso
na neblina do sonho de alguém que depois da festa
parece despreocupado com os estilhaços
que são arrastados pela ventania.

E Moisés Monteiro de Melo Neto conta ainda:

“Nossas conversas eram sobre estados alterados da mente, filosofia, literatura,
música e andanças pelo mundo. Eu pensava em fundar um grupo de teatro. Paulo queria morar em Nova York ou Londres, Smith queria ser um campeão de surf e um músico com talento reconhecido. Cantamos e dançamos. Uma das garotas tirou a roupa alguém tirou uma foto. A gente tinha assistido a um show de Robertinho do Recife numa cela da Casa da Cultura, antigo presídio, saímos depois com o pessoal da banda e então comentávamos o assunto. Apoiávamos os Panteras Negras e torcíamos pela libertação de Ângela Davis.
Todos riram muito quando eu contei que quando era criança eu cantei e exibi os meus desenhos num programa de televisão do Recife, chamado Cidade Encantada, sob o comando de uma tal Tia Linda, na TV Jornal do Commercio. A música era “As folhas caem”, do repertório de Roberto Carlos. Paulo Barros riu tanto que quase teve uma crise, pensando sobre o pequeno Moisés e sua aparição na TV local.”








Capítulo 4


A IMPRENSA


Recife, 29 de julho de 2004.


“1986 foi o ano de LUIZ MARINHO...deixamos para agora a vez de falarmos em alguns nomes que luziram também, embora não fossem protagonistas dos espetáculos, nem tampouco os principais nomes dos cartazes. Recordamos logo o nome de MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, o sacristão de “Viva o Cordão Encarnado”, engraçado e correto em todas as suas intervenções no espetáculo...HENRIQUE CELIBI, em “Tal e qual, nada igual no. 2” proporcionou momentos inesquecíveis no espetáculo. VLADIMIR COMBRE é outro ator que se afirma nos palcos recifenses...” (em “Valores que impressionam (I)”, Valdi Coutinho, Diário de Pernambuco, Recife sábado, 3 de janeiro de 1987).
“(...) Moisés Monteiro de Melo Neto também conseguiu sucesso em seu desempenho, sabendo
vencer com altivez o desafio de um papel feminino.”(em “Punhal”/Crítica, Enéas Alvarez, Jornal do Commercio, Recife, Terça-Feira, 7 de maio de 1985).

Fazer teatro nos anos 80 era uma maravilha no Recife. Tínhamos a maravilhosa cobertura quase diária de Valdi Coutinho e Enéas Alvarez do movimento teatral pernambucano. Era saboroso, indescritível. Não se pode falar do teatro pernambucano do período e esquecer esses dois nomes. Eles eram sensíveis na compreensão e tinham um talento nato para a crítica, se bebiam na fonte dos excelentes críticos teatrais dos jornais O Globo e Jornal do Brasil, eu não sei, mas tinham um jeito de escrever que levantava a moral de toda a classe artística. Publicavam notinhas, planos, projetos, idéias, a agenda diária, críticas muito educadas, elaboradíssimas, num português de alto nível, elegante mesmo. Taí, eu disse.
Fazer teatro nos anos 80 era o que havia de mais salutar para alguém que pretendesse desenvolver uma nova auto-estima, descobrir seu rumo na vida. Foi o que aconteceu comigo, e com Moisés Monteiro de Melo Neto também acredito.

Eu o via com Augusta em “Dona Patinha Vai Ser Miss” e a peça era ótima e todos estavam ótimos. Augusta já havia dado o show de atuação em “Irmã Natividade” e passava a ser a atriz mais aplaudida pela platéia do Recife. Era incrível sua beleza, talento, jeito independente, mordaz, às vezes ferino. Todas queriam ser como ela. Ou mais tarde, como Magdale Alves, quando deixou de atuar apenas em comédias e encarou o drama. Sim, porque Magdale fazia você quase morrer de rir na platéia. Ela era absurda. Estávamos em 1980. Em 2004, que alegria poder ouvir a sua voz e a da superstar recifense dos anos 70 e 80, a toda poderosa Suzana Costa.
Mal compreendida por uns, invejada por outros, Suzana era a produtora mais forte do Recife daquela época. E seu jeito simples de atuar fez com que a considerassem mal, mas é evidente que os que se lembram de um monólogo de João em “Muito pelo Contrário”, onde ela dizia, através de seu personagem Alice: “Quer com Manteiga, Freguesa?” entre outros momentos bárbaros desse clássico do teatro pernambucano que correu o país – temporada 1981/1982 – sabem que ela tinha um humor sutil, refinado, e sabia ser dramática como em “Toda Nudez Será Castigada” e em “Cordélia Brasil”.
As atrizes dominaram o Recife durante toda a década de 80. Cada uma que quisesse ser mais abaladora que a outra.
Eu ia fazendo meu caminho bem devagarzinho...Fiz a divulgação de uma peça chamada “A Menina que perdeu o gato enquanto dançava o frevo numa terça-feira de carnaval em Olinda. Na ficha técnica, o nome: Mirna Hélia (iluminação). Mais na frente, Moisés fala de Mirna Hélia e depois conta que aos 13 anos já escrevia contos e poemas (ele os têm guardados em sua casa).
Eu não era uma estrela naquela época. Mas Moisés foi se tornando. Em 80, esteve ainda como substituto em “O Suplício de Frei Caneca” (em 79, ele era contra-regra dessa peça). E em 81 depois de “Muito pelo Contrário”, na qual ficou até setembro de 82, ele já era uma estrela.
Porque todos da cidade vinham falar com você, lhe dar uma força, dizer que você tinha futuro, que você devia ir pra Globo, depois fazer cinema e ir direto pra Hollywood.
Tudo era tão simples.
Será mesmo?!
Mas tudo era na base da batalha. Tudo era muito trabalho.

Eu não consigo situar o passado e compreender/escrever uma biografia de Moisés Monteiro de Melo Neto sem me lembrar do que eu fazia. Porque em tudo existem as interligações.
Nos anos 80, Moisés fazia cursos de tudo, como o de ator de TV, no Canal 11 -
TV Universitária, e de teatro com os maiores nomes do teatro local.
Viajei para o Rio de Janeiro em outubro de 81 e fiquei lá até julho do ano seguinte.
Quando retornei vim direto do aeroporto para ver “Rendez-Vous”, o musical de
Ricardo Valença Monteiro ao lado de um grande elenco: Moisés Monteiro de Melo Neto, Augusta, Paulo Barros, Patrícia Barreto, Sandra Mascarenhas. Do palco, Augusta mostrou (só eu notei) á Patrícia a “minha pessoa”. Acabado o espetáculo, que alegria pra mim: reencontrar Recife e seu maravilhoso universo artístico do início dos 80. Aí fui continuar a fazer teatro.
Moisés conversava muito com Alzeni Gomes (Jujuba), grande atriz do período e musicista, sobre Nietzsche e principalmente sobre Zarathustra.
À luz de poderosas lentes, o que vejo e que interessa reproduzir aqui?
Moisés fala de sua família pela primeira vez na vida:
“A família de mamãe veio de Nápoles. Sou bisneto de italianos. Vovô chamava-se Diocleciano de Belli. O pai dele foi cônsul da Itália na Paraíba e um dos primeiros a ter uma agência de automóveis. Isso na primeira metade do século XX era raridade. Contam-me histórias de mansões onde havia tapetes enormes, pianos de cauda, quadros. Há também na família o caso de uma ilha enorme que meu bisavô comprou no litoral paraibano. Lá havia viveiro de peixes, dizem que boa parte do peixe da capital vinha de lá. Havia plantações de frutas também. Foi a única coisa que sobrou da fortuna do velho. Os filhos dele torraram tudo.”



Moisés, em temporada na Itália, terra do seu bisavô materno

“Meu avô ajudava Barreto Júnior quando ele levava comédias para a Paraíba e
minha avó e minha madrinha entraram em cena algumas vezes. Tio Osíris de
Belli era poeta e morreu tuberculoso. Iaiá de Belli, minha bisavó que veio de Caicó, olhos profundamente azuis, tocava bandolim e fazia letras de música. No terraço da casa de Cabedelo, vovô organizava rodas de coco.”

o escritor e professor Moisés Monteiro de Melo Neto esclarece: “Por parte do meu pai, Mário Monteiro, eu tenho sangue de índio Xucuru. Meu avô, Moisés Monteiro de Melo, era filho de uma índia com o fazendeiro mais próspero de Sanharó (PERNAMBUCO)”.



Capítulo 5


Por Que Viver de Literatura?

Em julho de 2004, Moisés Monteiro de Melo Neto responde porque quer viver de literatura:

“Desejo tanto uma nova mecânica de poder e tem ao mesmo tempo ter reforçado certos valores antigos que se embutiram de alguma forma às minhas estratégias de composição e divulgação dos meus textos. Queria que a mídia não adestrasse os recifenses do modo que vem acontecendo de forma tão insistente. Aqui a guerra não é o contrário da paz quando se trata, por assim dizer, de literatura: a história de uns não é mais a história de todos.”

E continua:

“É uma anti-história o que se faz no Recife e a minha literatura reflete, ou busca
refletir este não-ser.”

Mas, Moisés Monteiro de Melo Neto conta mais sobre sua própria vida:

“Um dos nossos tinha também uma casa na praia de Maracaípe, perto de Porto de Galinhas, nem energia elétrica tinha lá em 76. A geladeira ali era na base do gás e a cozinheira fazia comidas deliciosas como fatias de pão, assadas e embebidas em leite de coco e canela. Surfávamos despreocupados,e, viver, era uma aventura fantástica. Ah os olhos da juventude! Aos 16 conseguíamos passagens de avião de graça pelo avião do correio, o pai de um cara do grupo era da aeronáutica e foi assim que eu, conseguindo uma autorização especial dos meus pais, viajei para lugares como Fortaleza e Belém, aos 15: mochila nas costas e cabelos encaracolados nos ombros. Foi quando eu ganhei um concurso sobre os Beatles promovido pela revista POP. Acampávamos em Gaibu e surfávamos.

O surf entrou na vida de MOISÉS NETO na adolescência

Paulo Smith, amigo irmão de Moisés Neto, companheiro de várias ondas e estradas, aparece aqui no Pier 60 em Clearwater Beach, Estados Unidos, onde morou.


Alguns dos meus melhores amigos desta época foram, Paulo Smith, que comporia comigo algumas trilhas sonoras para teatro. Paulo Barros, a quem eu dirigiria no teatro e que fez parte do revolucionário grupo de teatro o TUBA (de O Guarani com Coca-Cola), Rogério, Glória Smith, o DJ Nelinho – grande Nelinho! – a artista plástica Elúsia, a futura jornalista e dona de boates, Rejane Leandro (dona das boates Status, em Piedade, e Leandro’s, em Boa Viagem), com quem eu curti até a exaustão minha fase dancing days), o milico José Souto, o multimídia Ricardo Valença, dentre outros. Um cara de um grupo chamado Cães Mortos estudava comigo. Havia a feirinha Hippie e os problemas com as drogas. Alguns dos meus amigos se deram mal.

Fomos um dia ao teatro assistir ao Trate-me Leão com o Asdrúbal Trouxe o Trombone. Foi quando eu decidi que faria teatro a qualquer custo. Minha família (com razão?) ficou escandalizada. Teatro? No Recife? Eu olhava algumas fotos de artistas de teatro no Recife. Lembro de Suzana Costa em Cordélia Brasil. Via as propagandas na TV: a Práxis Dramática, de José Mário Austregésilo (Galileu Galilei). Era uma época de filmes como Laranja Mecânica, Woody Allen. Sessões de Arte com filmes que me impressionavam como um, que eu comprei a trilha sonora, chamado Sunshine, ou ainda Ifigênia, com Irene Papas, Barbarella, Macbeth de Polanski, Romeu e Julieta, Ladrão de bicicleta, Verdades e Mentiras, de Welles, O encouraçado Potenkin, Terra em Transe, filmes velhos que vinham à tona com o fim da censura militar. Os concertos gratuitos de música clássica no Teatro de santa Isabel, que eu frequentava com meu amigo Rogério. Eu estava fascinado com o mundinho dos intelectuais. Duas figuras marcam o final da minha adolescência: minha namorada Mirna Hélia e atriz Augusta Ferraz. Eu tive algumas namoradas, como a terrível Vilma que me seduziu e abandonou aos treze anos (com um beijo de língua coberta com sorvete de nata com morango), mas Mirna mudou a minha vida: queríamos ter um filho e comprar camisinha em 1979 era um drama. Curtíamos Clarice Lispector e Fellini. O relacionamento acabou de forma terrível. Nesta época eu tinha entrado para UFPE e queria ser antropólogo”, conclui por enquanto Moisés.


Capítulo 6



O Fim da Adolescência de Moisés Monteiro de Melo Neto


“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias
Póstumas”, Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Moisés Monteiro de Melo Neto estava crescendo e adquirindo gosto literário e musical.

É ele quem continua: “Eu acabara de ler O Capital de Karl Marx e um dos rapazes de turma, o Júnior, o filho do general, dizia que aquilo era uma obra datada. Adriana, a quem eu pedia há muito tempo que ilustrasse o meu livro de poemas, finalmente, ali, no improviso desenhou algo que eu guardo até hoje e realmente ilustrou uma edição vagabunda dos meus versos.
Rogério começou a recitar um poema aos berros próximo à barra onde ficam dois pequenos faróis e a guarda do porto, num barco, pediu que parássemos com aquilo. Era uma época difícil. A ditadura militar exigia de todos nós jovens um posicionamento. Em 79 viria a “abertura” e nós trabalharíamos para as esquerdas. Eu vendi camisas e broches para Arraes, Francisco Julião e Gregório Bezerra. Participei de reunião com estes políticos, ajudei na organização e divulgação de comícios e tudo mais. Fernando Gabeira lançou o
livro O que é Isso Companheiro?, que eu li, ansiosamente. Depois viria O Crepúsculo do Macho, outro best seller. Um dos nossos amigos inventou de usar uma tanga de crochê igual a do Gabeira na praia de Boa Viagem, afinal de contas vivíamos um período de abertura sexual também. A turma achou meio engraçado. Só. Conheci Gabeira pessoalmente numa das palestras que ele conferia e em 1985 escrevi uma peça sobre suas aventuras e desventuras, esse texto permanece inédito.”

Moisés Monteiro de Melo Neto e Fernando Gabeira: debate acirrado




E o que dizer de Moisés Monteiro de Melo Neto enfim adulto? Ele mesmo responde:

“Em fevereiro de 1980 eu tinha 18 anos e fui morar no centro do Recife. Eu simplesmente enlouqueci ao me distanciar de Boa Viagem, que por sinal anunciava a inauguração de um dos maiores shoppings do Brasil: o shopping center Recife. Meu bairro já não era o mesmo e os anos 80 começavam azedos.Comecei a beber demais e a me meter em confusões terríveis. Uma grande amiga minha se envolveu com drogas e eu tive que acompanhá-la a uma clínica e dar satisfações à lei. Entrei para um curso de teleator na TV Universitária e participei do especial A Cartomante, que só seria lançado dois anos depois.
Fiz uns dez cursos de teatro e conheci mestres como Antônio Cadengue, Carlos Bartolomeu, José Francisco Filho, Luiz Maurício Carvalheira e muitos outros. Comecei a andar com esse pessoal de teatro e logo me vi envolvido em três “grandes” produções locais: a primeira era  “Suplício de Frei Caneca”, de Cláudio Aguiar.

Bastidores de “Suplício de Frei Caneca”


Nesta era contra-regra e fiz uma turnê pelo Nordeste. Nos apresentávamos nas igrejas (centenárias) dos Carmelitas (era o 4º centenário dos Carmelitas no Brasil). Houve brigas e um dos atores subiu um altar barroco.
Estreia de Moisés como ator: Suplício de frei Caneca, texto Cláudio Aguiar, direção José Francisco Filho


Em Salvador e fez coisas absurdas durante uma reunião. Tínhamos aqueles monumentos impressionantes e valiosos todos ao nosso dispor, já que a cúpula do Carmo estava nos produzindo. Aprendi muito sob a direção de José Francisco Filho e estreei como ator substituto na igreja do Carmo de Olinda numa noite daquelas. Eu havia subido para a torre do sino para ver a lua nascer à beira-mar. Antes tomara uns cálices de um Porto sensacional e andara num brinquedo Tira-prosa, num parque de diversão na frente da igreja. Já tinha feito o meu serviço e esperava a peça começar. Foi quando vieram procurar-me com a boa nova: eu deveria substituir um ator que faltou. Meu primeiro texto em cena foi: “Enforcai-o!”.
“Eu era um dos algozes de Frei Caneca. No mesmo ano eu estrelaria uma peça infantil que foi um sucesso e foi interrompida porque o Teatro onde estava se apresentando pegou fogo (“Dona Patinha vai ser miss”, sob a direção de Buarque de Aquino).




A terceira produção em que Moisés atua, em 1980, foi “Muito pelo Contrário”, que estrearia em 1981 e mudaria a vida dele para sempre. No elenco estavam: Ana Célia, Augusta Ferraz, Buarque de Aquino, Cláudio Ferrário, Diana Fontes  e Eduardo Almeida (Coreografia), Ivonete Melo, Jandira Airam, José Ramos, Magdale Alves, Marcus Vinícius, Miguel Ângelo (Iluminação), Moisés Neto, Paulo Falcão, Rutílio de Oliveira, Sandra Mascarenhas. Pela Skene Produções Artísticas- Susana Costa.
O musical Muito pelo Contrário é a primeira peça do dramaturgo e encenador João Falcão. Elaborado por um grupo de jovens artistas recifenses, o espetáculo mostra o olhar de uma geração sobre sua cultura e sua realidade, e busca desconstruir, com humor e ironia, ideias e imagens cristalizadas a respeito da Região Nordeste, frequentemente associada à seca, à fome e ao folclore. Com realização da Skene Produções, da atriz e produtora Suzana Costa, a peça reúne integrantes de vários grupos teatrais do Recife, procurando se diferenciar da hegemônica estética regionalista. No palco, o elenco apresenta o próprio universo afetivo-social – o cotidiano no Recife e em Olinda - e reflete sobre os modos como a cultura pernambucana, sobretudo a arte popular, é pensada e representada dentro e fora do Estado.

Matéria no jornal RIBALTA, do SATED PE, sobre os 30 anos de dramaturgia de Moisés Monteiro de Melo Neto


Moisés Neto, 1º à esquerda, e parte do elenco do musical de João Falcão: Muito pelo Contrário



Segundo seu autor, Muito pelo Contrário fala "das raízes um tanto deterioradas e do folclore de uma região, que se prende a estas coisas como meio de sobrevivência de suas artes. Porém, o espetáculo não é um lamento, é uma viagem ao avesso do cartão-postal, ou
melhor, a uma realidade que transcende o colorido das festas populares e a virtuosa e heróica imagem da miséria nordestina". Narrava a história de uma socióloga carioca que vai a Pernambuco a fim de estudar os hábitos do povo e suas manifestações folclóricas. E, ao chegar, o que encontra é uma realidade bem distinta daquela aprendida na universidade por meio dos livros. Quando vai ao rio Capibaribe, por exemplo, cuja beleza é eternizada pelos poetas, vê apenas sujeira; em Olinda, em vez de uma cidade barroca e tradicional, depara-se com um lugar de vida noturna intensa, cheio de bares - voltados não somente para o público heterossexual, mas também para o público gay; visita Caruaru, onde conhece uma família de classe média que finge ser miserável e ignorante para ganhar um concurso que elege a típica família do Nordeste; e, no Recife, em vez da decantada hospitalidade pernambucana, defronta-se com o mau humor da população e a violência urbana. São situações típicas de qualquer cidade grande, mostradas com leveza pelos números de música e dança e diversas situações cômicas. Muito pelo Contrário é um espetáculo simples, centrado no trabalho dos atores e no texto, que consegue estabelecer uma eficiente relação de cumplicidade e comunicação com a plateia. O crítico carioca Macksen Luiz explicita que isso se dá paulatinamente ao longo da apresentação, firmando-se "a partir da visita da socióloga a Olinda, quando é assediada pelos garotos-guias [...]. E, ao se iniciar o quadro da família de classe média de Caruaru, que resolve assumir toda imagem estereotipada do nordestino para ganhar um concurso da família típica, o público já está definitivamente conquistado".  A montagem faz diversas temporadas na capital pernambucana - com sucesso de público e satisfatória recepção crítica - e também apresenta-se em festivais e excursiona por diversas cidades brasileiras, como Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo. Participa do 7º Festival de Inverno de Campina Grande, Paraíba; do 9º Festival Nacional de Teatro de Ponta Grossa, Paraná, em que Suzana Costa é premiada como melhor atriz e Augusta Ferraz, como melhor atriz coadjuvante; do 1º Festival de Teatro do Recife, que, além dos prêmios de melhor atriz e atriz coadjuvante, recebe os prêmios de melhor direção e música para João Falcão; e do Mambembão 1982.

Em segunda temporada no Rio de Janeiro, em 1982, o crítico Yan Michalski louva em Muito pelo Contrário:”Muito pelo Contrário aquilo que o diferencia do panorama teatral carioca e paulista, especialmente sua instigante vitalidade: "O texto procede à demonstração proposta com inteligente e contundente espírito crítico e com atraente senso de humor. O espetáculo através do qual a ideia é cenicamente traduzida é singelo e sem maiores lances de inventividade, mas charmoso e envolvente, e interpretado com simpática mordacidade pelo elenco, cuja protagonista, Suzana Costa, destaca-se pela sua presença elegante e maliciosa. A música, cantada com apreciável competência, desempenha um papel de grande importância na realização: por um lado, ela contribui para reforçar, com suas características, a carga crítica do texto; por outro, constitui-se no principal trunfo estético de um trabalho cujas qualidades, de uma maneira geral, situam-se no plano da ideia, mais do que da estética".

Notas
1. FALCÃO, João. Muito pelo contrário - release. Recife, dez. 1981. Manuscrito. [Acervo Cedoc/Funarte].
2. LUIZ, Macksen. Muito pelo contrário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, [s.p.], 7 fev. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
3. MICHALSKI, Yan. Recife sem nordestinismo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, [s.p.], 21 jul. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
Sem registro. Fontes de pesquisa
BACCARELLI, Milton. O teatro em Pernambuco: trocando a máscara. Prefácio José Mário Austregésilo. Recife: Fundarpe, 1994. 186p.
CABRAL, Sanelvo. Muito pelo Contrário está no Santa Isabel. Diario de Pernambuco,
Recife, [s.p.], 22 out. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
FALCÃO, João. Muito pelo Contrário. Recife, fev. 1981. 29 f. Digitado. [Acervo Suzana
Costa].
____________. Muito pelo contrário - release. Recife, dez. 1981. Manuscrito. [Acervo
Cedoc/Funarte].
FALCÃO, João et al. Muito pelo Contrário. Uma peça pernambucana que mostra o outro
lado do cartão-postal. A Gazeta, Vitória, 27 jan. 1982. Caderno Dois, [s.p.]. Entrevista
concedida a Tinoco dos Anjos. [Acervo Cedoc/Funarte].
LUIZ, Macksen. Muito pelo Contrário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, [s.p.], 7 fev. 1982.
[Acervo Cedoc/Funarte].
MARINHO, Flávio. Muito pelo Contrário está de volta no Cacilda Becker. O Globo, Rio de
Janeiro, [s.p.], 11 jul. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
______________. Pondo os pingos nos is. Visão, São Paulo, n. 31, [s.p.], 2 ago. 1982.
[Acervo Cedoc/Funarte].

MATOS, Dilma Gomes de. Muito pelo Contrário: o pranto por nossas raízes. Diario de
Pernambuco, Recife, 7 maio 1981. Viver, p. B-1. [Acervo Cedoc/Funarte].
MICHALSKI, Yan. Recife sem nordestinismo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, [s.p.], 21
jul. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
OLIVEIRA, José Guilherme de. Muito pelo Contrário: nacional e popular. Estado de
Minas, Belo Horizonte, [s.p.], 7 ago. 1982. [Acervo Cedoc/Funarte].
SKENE PRODUÇÕES. Muito pelo Contrário. Direção João Falcão. Teatro do Dérbi,
Recife, programa, abr. 1981. [Acervo Cedoc


Moisés largou o curso de Ciências sociais / antropologia)  a UFPE. A peça foi um estrondoso sucesso. Ficamos em cartaz durante um ano e meio em Recife e partimos para uma turnê pelo Brasil. Teve então oportunidade de participar de temporadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória do Espírito Santo, Paraná e várias outras capitais e conviver com a nata da intelectualidade “pop” recifense. João Falcão e sua turma eram absurdos e eu fiquei fascinado com aquilo tudo.”


Parte do elenco do musical MUITO PELO CONTRÁRIO, que percorreu o Brasil nos anos 80

Cenas do musical MUITO PELO CONTRÁRIO, que percorreu o Brasil nos anos 80




Por onde morava Moisés Monteiro de Melo Neto nesse período? Ele nos conta:
O ARTISTA PLÁSTICO ISMAEL PORTELA MOISES E BUARQUE DE AQUINO,  CANDEIAS, ANOS 80

“Num dos intervalos da turnê eu decidi voltar a morar próximo aos meus pais.
Minha avó Diomar de Belli tinha ainda uma casa em Campo Grande e eu me transferi para lá. Não, não foi uma boa idéia. Papai não bebia como antes, mas logo começamos a nos desentender e teve um dia que na hora do almoço eu tirei toda minha roupa e disse poucas e boas. A família ficou chocada e mamãe chorou convulsivamente. Na mesma semana tive oportunidade de encontrar pessoalmente o dramaturgo Eugene Ionesco, que viera ao Recife à convite da Fundação Joaquim Nabuco. Nosso encontro se deu num bairro muito agradável do Recife chamado Casa Forte, bem perto da casa de Gilberto Freyre. Eu fiz algumas perguntas e Ionesco me respondeu. Eu pedi conselhos, pois estava pensando em publicar o meu primeiro romance. Em 1982 eu concluí o tal livro e resolvi participar de um grupo teatral chamado Trapézio. Fomos todos morar numa região deserta da praia de Candeias, um lugar ainda quase virgem com um visual que incluía montes azulados e uma lagoa.”
Zélia Sales e Moisés Neto em A VILA DOS MIL ENCANTOS, Teatro Valdemar de oliveira, Recife grupo teatral chamado Trapézio. 

Buarque de AQUINO, Moisés Neto, Geane Bezerra, Romildo moreira, Tereza Meira, Henrique, Albemar Araújo, Zélia Sales , Manoel Constantino: grupo teatral  Trapézio. "Fomos todos morar numa região deserta da praia de Candeias, um lugar ainda quase virgem com um visual que incluía montes azulados e uma lagoa.” , afirma Moisés





Capítulo 7


O que teria acontecido com Moisés do final de 1984 até 1985?

Lula Cortes, Rosália Calsavara e Moisés, em candeias: muito rock´n´roll!

Os jovens começaram a se vestir de modo diferente. New wave da Blondie, do
Lobão, do Kid Abelha, ska do Paralamas, Lulu Santos, Legião Urbana, Cazuza do Barão Vermelho, filmes e mais filmes que brotavam. Moisés estava interpretando A Noite dos Assassinos (do cubano José Triana). Conseguiu uma passagem para o Rio e um passaporte para todos os dias do festival Rock in Rio (Rock’n’Rio). Como ele mesmo conta:

“Eu peguei um avião com destino ao Rio. Isso foi na madrugada da última apresentação da peça (antes fui comemorar com toda a equipe e tomamos bastante vinho). Um amigo meu foi me pegar no aeroporto carioca. Ele me levou para a casa dele, na Ilha do Governador. Era uma favela!”

A narrativa segue em ritmo jovem:

“No outro dia me transferi para a casa de outro colega meu que morava em Ipanema, o Pedro Paulo. Nós fomos à praia e aquela água gelada me revigorou bastante. A galera estava falando com Mary Jane por toda a areia. Como eu curti a minha juventude! Eu não precisava das drogas nem do álcool. A minha imaginação sempre foi uma companheira bem agitada. É claro que houve cervejas e tudo o mais, mas a minha interna vida cósmica (título de um poema meu) era bem mais forte que qualquer substância a ser consumida, entendem? Tinha um cara com quem meu amigo dividia o apartamento e aí teve uma garota e uma cena de ciúmes. Pronto: no quarto dia tive que encontrar outro lugar para ficar. Naquela tarde eu fui ao apartamento de Celeste Jerônimo, onde João Falcão estava hospedado. Não foi o que se poderia chamar de uma tarde legal, mas algo a tornou mais desagradável: alguém contou que durante um enterro Celeste pisara num caixão podre e atolara o pé num cadáver. Fiquei hospedado então no Parque Guinle, num conjunto residencial nas Laranjeiras, coisa de primeira. Meu quarto tinha janela para um monte belíssimo e a família de Lúcio Azevedo Wanderley me recebeu muito bem. Chegaram outros amigos nossos e começamos a fazer uma farra que duraria cerca de dez dias e incluía caixas de vinho e tudo mais que aparecesse em termos de emoção: eram shows de Ozzy Osborne, Nina Hagen (por quem eu era fascinado), Queen (Fred barbarizou num Grand Finale), Iron Maiden, Scorpions, Kid, Barão, Paralamas, Rita Lee e outros. Eu sabia muitas letras desses músicos e cantava na maior brincadeira.”
“Foi uma grande confraternização. Lúcio é um cara bem legal e chegamos a compor uma pequena ópera baseada em Frankenstein, ele morava no bairro de Casa Forte (Recife). Encontrei o pessoal do teatro no Festival, que acontecia num local enorme, nós jovens vítimas da ditadura militar não estávamos acostumados com tamanha liberdade. Até 84 dois caras conversando na rua? A polícia já podia prender por conspiração.”

E aquele festival, o que significou para Moisés Monteiro de Melo Neto? Ele responde:

“Aquele festival marcou o início de uma nova etapa para muita gente. E não ficávamos somente por lá, não. Uma noite depois do evento nós fomos ao Canecão assistir ao show da Legião Urbana, que não participou do festival. Assistimos a algumas peças de teatro e conversamos muito com atores e diretores. Um grupo de lá começou a ensaiar uma peça que eu havia escrito (O Diário secreto de Janis Joplin). O projeto não foi adiante.
Voltei para o Recife cheio de gás e montei meus primeiros textos. Chamei Henrique Amaral para trabalhar na minha primeira peça. Ele topou, compus o elenco e faltava uma atriz. Pierson Barreto me indicou Simone Figueiredo, que já trabalhara com a Ilusionistas. Foi assim que eu conheci uma das mulheres mais importantes de toda a minha vida. A minha companheira Simone Figueiredo. Meu amor por esta garota mudou tudo. Minha vida começou a tomar novos rumos”.

E 1985 como começava para Moisés? Ele explica:

“Eis o começo de 1985: Tancredo Neves morreu em circunstâncias muito suspeitas. O povo dizia que ele fora assassinado, que a repórter Glória Maria vira tudo dentro de uma igreja e tiveram que abafar o caso. Conhecemos então Dona Risoleta Neves, a esposa do homem que poderia ter salvado o Brasil, ela sempre parecia estar sofrendo muita pressão, estava bastante assustada. Sobrou o vice para a gente: o maranhense José Sarney assumiu o comando do país. Foi um período no qual o Brasil poderia ter melhorado. Não aconteceria nada disso. Na rádio Lobão cantava Decadence avec Elegance, Revanche e O rock errou. O país mergulharia num plano econômico catastrófico chamado Plano cruzado. Foi algo similar a um soco na cara dos cidadãos que continuariam a levar porrada até o final da década, sem intervalos. Faltaria comida nos supermercados, a inflação chegaria às alturas antes inimagináveis e a nação se emporcalharia no mais absoluto caos culminando com a gestão do presidente Collor.”
Em 1986 Moisés trabalhou como ator em várias peças como VIVA O CORDÃO ENCARNADO (de Luiz Marinho com direção do mitológico Luiz Mendonça.




Moisés Neto, Luiz Mendonça, Henrique Amaral e Mozart Guerra


Moisés contracenando com Ozita Araújo, Maria Paula, Márcia rocha e Ana Montarroyos (Viva o cordão encarnado!)



Também atuou como Mercúcio em ROMEU E JULIETA (adaptação de Rubem Rocha filho, direção de José Francisco Filho)

ROMEU E JULIETA: Moisés Monteiro de Melo Netoao lado de Carlos Varela, Conceição Camarotti, Júlia Lemos e Ricardo Link



Mas foi em HAMLET (1988)que Moisés se destacou como ator, interpretando o papel título ao lado de Heitor Dhália, Bruno Garcia e outros.

HAMLET

Nunca tive medo do palco e gostava de provocar reações na plateia; mas sempre registrei mentalmente que não se tratava de interpretar nada.  Como se o ator fosse uma espécie de soldado: era preciso se sacrificar em nome de um bem maior. Era preciso acreditar na causa. Só que eu não tenho vontade me sacrificar o bastante para ser ator, disse Moisés no dia da estreai da peça Hamlet, onde atuava como protagonista.


Abaixo: Ana Célia , como Gertrudes e Moisés, como Hamlet:




Moisés escreveu e dirigiu várias peças para bares e boates.


Nos anos 80 o grupo Ilusionistas causou escândalo ao apresentar-se em Boates com temáticas ousadasBastidores da peça Shakespeare acorrentado (Boate Misty, Recife)



Atuou em peças como Mudanças no galinheiro (de Sylvia Ortoff, direção Manoel Constantino)

Manoel Constantino e Moisés Neto em Mudanças no galinheiro (de Sylvia Ortoff, direção Manoel Constantino)


Escreveu e atuou em  A MAIOR BAGUNÇA DE TODOS OS TEMPOS (direção Buarque de Aquino), Teatro José Carlos Borges, Recife


A MAIOR BAGUNÇA DE TODOS OS TEMPOS

Adaptou para o teatro clássico da literatura brasileira:

Elenco de uma das montagens de DOM CASMURRO





LUZILÁ GONÇALVES FERREIRA, RAIMUNDO CARRERO E A COLUNISTA ROBERTA JUNGMANN ESCREVEM SOBRE A ARTE DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO


Os Caminhos de Moisés Monteiro de Melo Neto segundo Raimundo Carrero

Moisés Monteiro de Melo Neto conhece os segredos da invenção, como poucos. Isto é, sabe inventar e sabe, sobretudo, harmonizar esta invenção, quando ela exige perícia e sacrifício. Os textos que tenho lido dele comprovam a habilidade. Não se contenta com o óbvio e com o lugar- comum, vai adiante, investe nas especulações criativas. Reinventa.

O que se tem visto, quase sistematicamente, são escritores, mesmo aqueles mais jovens, repetirem fórmulas antigas, superadas, repetidas. No romance, por exemplo, quase não se avança mais na questão das novas fórmulas. Em Moisés Monteiro de Melo Neto, todavia, o caminho é diferente. Ele é capaz de revolucionar sem provocar dramas no leitor. Sem torturas e mágicas mal elaboradas.

Além do mais sabe ser sutil. As palavras nascem, vêm com leveza, montam a história, num clima quase de sonho, mesmo quando enfocam os caminhos mais cruéis. Esta é a impressão que me ficou de um dos seus textos mais recentes, o romance "Michelle", cheio de truques e arrebatamentos. Uma fábula fabulosa.

No teatro, Moisés tem o domínio do que vem (ou vinha) a se chamar de "carpintaria cênica": Personagens seguros e determinados na criação, diálogos sóbrios e envolventes, cenas sequenciadas pela lógica da invenção, palavras definitivas e verdadeiras, situações trabalhadas. Inventando ou adaptando conquista pela convicção.

Tudo isso é resultado da extrema familiaridade com o texto literário: Conhece os melhores escritores, estuda diversas técnicas narrativas, elabora novas conquistas, enfim, desenvolve sua capacidade de inventar. Estou seguro de que se trata de um desses autores difíceis de esquecer. Para sempre.

Raimundo Carrero

Raimundo Carrero escreve sobre peça ANJOS DE FOGO E GELO (a vida de Arthur Rimbaud) de Moisés monteiro de Melo Neto




Moisés Monteiro de Melo Neto e Raimundo Carrero




Luzilá Gonçalves Ferreira escreve sobre o texto de Moisés Monteiro de Melo Neto (apresentado no Teatro de Santa Isabel em setembro de 2010)
Diário de Pernambuco, 21 de setembro de 2010, Caderno Viver, p. E2)
´

Luzilá Gonçalves Ferreira saúda Moisés Monteiro de Melo Neto: Literatura Pernambucana em destaque




Um belo final de tarde

Quem lá não esteve não sabe o que perdeu. No Salão Nobre do Teatro de Santa Isabel, que há 160 anos abriga recitais, concertos, para pessoas de bom gosto, em um cenário mínimo, sobre fundo negro, atores vestidos de preto fizeram a leitura dramática do texto teatral que seu autor, Moisés Monteiro de Melo Neto, intitulou simples e modestamente de Bento. Trata-se do julgamento de Bento Teixeira, nosso primeiro poeta, o autor da Prosopopéia, por sua mulher, Filipa Raposa, e pelo representante da Inquisição. Partindo de nosso romance Os rios turvos, Moisés tornou presente o que era apenas palavras, ficção, romance, um trabalho de recriação, de criação, um belo, inteligente e muito pessoal documento dramático, pelo qual a autora do romance é agradecida.

Antes e após as leituras, fundo musical, antigas melodias judaicas. Os atores sob a direção de José Francisco Filho, instalados, em pequenas mesas, para Bento e Filipa, sobre um imponente púlpito, para o representante do Grande Inquisidor, nos proporcionaram um raro momento de doação deles mesmos, no profissionalismo, na emoção transmitida. Stella Maris, uma das ótimas atrizes que o Recife possui, foi uma forte personificação de Filipa Raposa, na perfeita dicção, na entonação, na economia e precisão dos gestos. O Grande Inquisidor, vivido por George Meirelles tornou nossas as acusações a Bento, na força e na convicção com que atacou, culpabilizou, humilhou, ironizou o autor da Prosopopéia. De Germano Haiut, o que dizer? "Une bête de théâtre", diriam os franceses, um bicho de teatro, um imenso, enorme talento que nos comoveu (vi lágrimas em alguns olhos), vivendo Bento Teixeira diante de nós, um pequeno judeu levado a abjurar de sua própria fé.

Esse esforço de criatividade de produtores, atores, autores, com que a Prefeitura do Recife congregou oficinas, várias leituras dramáticas comemorando os 160 anos do teatro sob a coordenação de Lucia Machado, não deve se encerrar aqui. Sugerimos sua reedição em locais e datas outras. E com relação a Bento, recado para Antônio Campos, Eduardo Cortes e Mário Helio: sua reapresentação na Fliporto deste ano, dedicada à literatura de cunho judaico.
                                                    Luzilá Gonçalves Ferreira


Press release para Bento (espetáculo, texto de Moisés Monteiro de Melo Neto, direção José Francisco Filho) O judeu Bento Teixeira  escreveu o poema épico Prosopopeia (publicado em 1601, um ano após a morte do autor) que trata dos primórdio da história de Pernambuco e dá início à Literatura Barroca no Brasil. No final do século XVI, após assassinar sua esposa em Pernambuco, Bento é aprisionado pela Santa Inquisição por práticas judaicas.O texto de Moisés aborda os últimos dias de Bento num cárcere em Lisboa. O autor inspirou-se no personagem de uma das pioneiras da emancipação da mulher no Brasil: a cristã velha Felipa Raposa, nos moldes em que a recriou a escritora Luzilá Gonçalves Ferreira. O foco da peça dá-se no tormento psicológico do assassino que, remoendo tantos horrores, delira e passa por severos interrogatórios. Um drama que envolve paixão e preconceito numa época de extrema intolerância. As questões de gênero (a opressão da mulher), da perseguição aos judeus e as raízes da história brasileira formam um torvelinho inquietante.



Coluna dia a dia, JORNAL DO COMMERCIO (Recife, 16 de setembro de 2010, Caderno C, p.3)
Teatro Nosso
Os veteranos atores Stella Maris Saldanha, Germano Haiut e George Meireles dão via aos personagens do texto inédito Bento, do pernambucano Moisés Monteiro de Melo Neto, que será apresentado no Salão nobre do teatro de Santa Isabel. Atualmente, Moisés Monteiro de Melo Neto é o dramaturgo com textos mais montados no Recife.




O jornalista Talles Colatino fala sobre evento que incluiu Moisés Monteiro de Melo Neto como referência na dramaturgia contemporânea em Pernambuco

Teatro nordestino pede parada em São Paulo
A
programação é variada, e vai até o dia 3 de dezembro.
FOLHA DE PERNAMBUCO. CADERNO PROGRAMA. PÁGINA  5 EM 04/11/2008.

                                                                                  por  Talles Colatino
Não soa estranho que São Paulo seja a maior cidade nordestina do País. E para exercer uma proximidade ainda maior entre a região e a metrópole, tem início hoje, lá na terra do céu cinza, a Mostra Paulista do Teatro Nordestino. Até o dia 3 de dezembro, uma série de atividades gratuitas relacionadas à produção teatral da região ocupa o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), incluindo peças, leituras dramáticas e demonstrações de trabalho. A mostra também recebe a 6ª Semana do Teatro Nordestino, reunindo dramaturgos de São Paulo e do Nordeste em mesas de debates e lançamentos de livros.
O fato de abrir as portas de dois dos mais importantes centros culturais do País (o CCBB e o CCSP) à Dramaturgia Nordestina é um ato de reconhecimento do valor de autores e de criadores cênicos, abundantes nessa região, que tornam o Brasil um dos lugares do planeta onde o teatro está mais vivo do que nunca. Se o evento conseguir abrir um pouco mais o diálogo entre Nordeste e Sudeste, em meio às luzes e às sombras da cena, terá cumprido importante papel”, afirma Sebastião Milaré, curador da Mostra.
As quatro montagens selecionadas para se apresentar no evento homenageiam o pesquisador e dramaturgo alagoano Altimar Pimentel, falecido esse ano. Pimentel é autor de “A Construção”, uma das peças emblemáticas do final dos anos 60, encenada em 1969, pelo Grupo A Comuna,  de Amir Haddad, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. De autoria do dramaturgo, a mostra traz ao palco “Como Nasce um Cabra da Peste”, com a companhia paraibana Agitada Gang.
Pernambuco vai representado pela companhia Arte-em-Cena, com seu já clássico “Deus Danado”. “Lesados” (CE) e Sinhá Flor (PB) completam o time de espetáculos.
SEMANA
Como parte da programação da Mostra, pela primeira vez São Paulo é palco da Semana do Teatro Nordestino, evento que acontece anualmente em Natal (RN) desde 2003, por iniciativa da Associação dos Dramaturgos do Nordeste. A programação da Semana inclui lançamento de livros e palestras com dramaturgos nordestinos e paulistas. “A idéia principal foi dar acesso aos criadores cênicos paulistas, aos estudiosos e ao público interessado de São Paulo a obras dramatúrgicas produzidas no Nordeste. Essa idéia ia ao encontro da proposta básica da Associação de Dramaturgos do Nordeste, que é difundir essa produção dramatúrgica”, conta Sebastião Milaré, mediador das mesas.
Para as palestras, os dramaturgos convidados são: Cleise Furtado Mendes (BA); Oswald Barroso, José Maria Mapurunga, Rafael Martins, Yuri Yamamoto (CE); Tácito Borralho (MA); Eliézer Rolim, Elpídio Navarro, Paulo Vieira, Celly Albuquerque (PB); João Denys(autor de “Deus Danado”), Moisés Monteiro de Melo Neto (autor de “Anjos de Fogo e Gelo”), Romildo Moreira (PE); Ací Campelo (PI); Racine Santos, Paulo Dumaresq (RN); Lindolfo Amaral (SE); Luis Alberto de Abreu, Márcio Aurélio e Newton Moreno (SP). Lá, toda a programação é gratuita. (Talles Colatino)




Moisés Monteiro de Melo Neto fala sobre o musical infanto-juvenil “Sonho de Primavera”:Foi a primeira vez que eu dividi a direção de um espetáculo com outro profissional e estou me sentindo bastante gratificado. Usamos de muita técnica é claro. Supervisionamos música, dança, figurino e cenário para que houvesse homogeneidade na cena. O resultado foi o que eu esperava: adultos e crianças ficam perplexos diante da esfuziante mensagem que enviamos: é uma performance cheia de frenesi. Entre um distanciamento brechtiano, a quarta parede stanislavskiana, o teatro social dos anos 70 e os grandes musicais, optamos por ficar com tudo e buscar algo mais: interação com a platéia. Meus dois últimos espetáculos como autor, “Para um Amor no Recife” e “A Ilha do Tesouro”, ganharam vários prêmios e me ensinaram que devemos procurar novos caminhos para o teatro no Recife. “Sonho de Primavera” veio como um bálsamo. O Teatro do Parque é palco de uma nova experiência em teatro infanto-juvenil. Não se trata de uma grande produção e sim da vontade de declarar amor à vida de forma divertida e dinâmica. É poesia, música, colorido e uma interpretação que beira o exagero. Uma lição que aprendi com o mestre José Francisco Filho foi não tratar a criança como boba nem tão pouco querer ver nela um adulto obsequioso. Há também em “Sonho de Primavera” um mistério, que é claro eu não posso revelar, e até agora dos muitos expectadores que já assistiram ninguém adivinhou. Este eu não posso contar, só posso dizer que é muito, muito sério, e me deu um trabalho danado camuflá-lo. Acho que esta peça é um trabalho em progressão: Ulisses está burilando, eu continuo tecendo meus comentários.

Foi com prazer que escrevi este texto ao lado de Rosália Calsavara e compus as músicas com Paulo Smith, que buscou inspiração tanto no rock ´n ´roll  quanto em filmes musicais para compor a trilha sonora. Black Escobar é um profissional do jazz. Celibi traz na bagagem tanto a concepção de figurinos e adereços para escolas de samba do Rio de Janeiro quanto suas raízes fincadas no Vivencial Diversiones, casa de espetáculo que revolucionou a Cena Recifense dos anos 70 no Recife, além do seu trabalho com a Trupe do Barulho.
O que oferecemos é adrenalina. Prove e comprove.

Moisés Monteiro de Melo Neto
Mestre e Doutor em Teoria da Literatura, professor universitário, escritor e diretor teatral pernambucano



Moisés Monteiro de Melo Neto FALA UM POUCO OBRE SUA TESE DE DOUTORADO:

“Alguns nomes são recorrentes na obra de Jomard Muniz de Britto: os irmãos Campos e Pignatari, por exemplo, admiradores de Caetano e incentivadores da Tropicália, que retomaram a linha evolutiva do baiano e deram organicidade e fortaleceram seus julgamentos de criação, nisso está uma intersecção com Jomard que, dentre vários vieses ataca nacionalismos passadistas, nacionaloides do tipo  macumba para turistas oswaldiana. Quanto ao mencionado movimento liderado por Caetano e Gil, Luís Carlos Barreto deu nome à canção Tropicália, por causa de uma instalação do carioca Hélio Oiticica e logo a seguir Nelson Motta escreveu um texto no qual batizou o movimento que surgia foi aí que Caetano resignou-se ao nome Tropicália, por falta de opções, Tropicalismo lhe soava gasto por causa de Gilberto Freyre. A Tropicália enquanto miscelânia de informações que vão de Louis Malle, pelo filme Maria, com Brigitte Bardot, passando por Garota de Ipanema (em tupi: água ruim), identificações com Terra em Transe, com toda a esperteza e fúria da estética de Glauber; Jomard une-se ao grupo em 1968 e instala-se nos limites do Tropicalismo (diferir da tropicologia freyriana). Longe da esquerda festiva, tal vanguarda livra-se de possíveis angústias da influência em intensa radicalidade, como no espírito tropicalista. A poesia de Jomarde é de cunho jamesjoyciano, fundo verbivocovisual com versos em palavras-montagens, em translíngua. De João Cabral, outra das referências na poética de Jomard, vem o olhar lúcido, o nível de argumentação, defesa crítica, determinação inabalável. Do noigandres do Concretismo às perguntas sobre a significação (em louca tenacidade) nos poemas-manifestos jomardianos contra os mantenedores do subdesenvolvimento na geleia geral (como na letra de Torquato Neto) brasileira que a mídia anuncia. Surge o texto como a quebra dos resguardos, como reflexo de ruidosas performances, escrita paródica-carnavalesca de aspecto inventivo-construtivista (de combatividade) buscando a imparcialidade, a expor as entranhas do Brasil em radicalidade antilírica, como num filme de Godard, ver a abertura de Pierrot  le fou, numa poética cheia de lugares incomuns, poesia enquanto palavra-impacto, composição (des)construtora de efeitos, linguagem organizada de maneira meticulosa em meio ao caos criativo vertiginoso numa época em que os ouvidos têm paredes, num mundo que se mostra mais intolerante do que nos libertários anos nos quais JMB iniciou sua produção poética. Augusto de Campos já disse que a poesia é uma família de náufragos nadando no espaço e no tempo. Busco nesta minha explanação a trans-historicidade contra a banalização do passado no texto de JMB, onde diluição e invenção, qualidade de percepção do mundo buscam, talvez, expressar o indizível, apontar que a captação do fenômeno qualitativo e sensível, longe do sentimentalismo, em protesto contra a vulgarização da vida na era da disparada da tecnologia e mudança rápida de valores morais. Seu deboche de cunho antropológico e pós-utópico cubo-futurista aborda também o erótico na política em expressividade não linear sendo por isso rejeitado tanto pela esquerda quanto pela direita, mas isto não o impede de continuar com seus atentados (panfletos que ele distribui atentando inclusive contra o panfletarismo, em pleno século XXI). No seu texto para o filme palhaço degolado temos algo próximo ao construtivismo indigesto e antropófago. Seus textos parecem fora de controle numa escrita mais intuitiva do que coerente, incitavam à demolição, contra o acanhamento e inclui os erros como contribuições. Algo nos textos jomardianos parece clandestino, andrógino, enfim: pluralidade de estilos, desmantelamento de cercas entre as classes sociais, os gêneros; mas Jomard Muniz de Britto não é um piadista nem um vanguardista datado. É poeta que usa o tratamento de choque em ritual canibalista na movência do Brasil, em selvagem psicanálise a riscar o nome do Pai, em audacioso gesto literário. Não em poesia límpida, mas em mistura de referências, estilo novo, inaugural, a rir das desesperanças, dos comandantes e dos alienados. Poesia que tenta desalienar corações e mentes em meio às tentativas vãs de unicidade e cinismo. Suas discussões sobre o gozo imediato, sua recusa às migalhas lançadas pelo poder, sua atração pelos marginalizados, tudo isto, como uma performance exerceu sobre mim simultaneamente atração e repulsa. Venceu a primeira”.



Sobre o Teatro de Moisés Monteiro de Melo Neto

Moisés Monteiro de Melo Neto: Encontro com Fátima Amaral e Lucélia Santos, em peça teatral


A professora Fátima Amaral faz sinopses e comenta as peças de Moisés Monteiro de Melo Neto (Sobre o  “ Teatro  Ilusionista- Peças de Moisés Monteiro de Melo Neto)
 Estamos diante de textos teatrais em forma de livro: as condições do texto teatral exigem carpintaria exclusiva. Não é um sistema anárquico. Há leitores e principalmente espectadores que quer possuam atributos específicos sobre literatura e espetáculos teatrais ou não, compartilham códigos para sua assimilação/análise, em ambos os casos, são feitas leituras, de certa forma “exigentes”. Descodificar (e avaliar uma peça teatral) é fundamentalmente uma atitude lúdica, tanto para o leitor comum quanto para o leitor “instrumentado”. Para este último surgem os “códigos estilísticos” retóricos, temáticos, ideológicos, etc.. Quanto a este(s) posicionamento(s) “crítico(s)”- como influencia(m) a arte teatral? Uma peça pode ser incompreendida por muito tempo, e depois ser “recuperada”.É o caso de “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, por exemplo.
Um texto teatral, como de qualquer outro gênero enfim, é passível de múltiplas leituras.Umas mais ricas, outras mais pobres.
As condições de decifração de um texto “criam” um subproduto, um “segundo produto, melhor dizendo, (a crítica) que terá o  “ranço” de seu enunciador.
Uma crítica sociológica, ou psicanalista, estrutural, histórico-literária, ou qualquer que seja o naipe, pode mutilar ou potencializar uma obra, mas dificilmente servirá de panacéia para a criação de outrem.
O significado global que atribuo aos textos de Moisés Monteiro de Melo Neto presentes neste volume é mais ou menos o seguinte- trata-se de uma escrita simplista.Só o “essencial” segura seus personagens cênicos. Há por trás destes personagens, uma carga ideológica com um certo tipo de “tensão” que tentarei definir.
O cenário é quase sempre Pernambuco, e mesmo em tramas como “Draculin e o Circo no Espaço” e “A Maior Bagunça de todos os Tempos” (teatro para criança), é a verve recifense quem dita as “regras” do jogo teatral. Há que se reconhecer a época e as personas retratadas, contextualizando-as e assim, buscar o que há de universal na sua proposta.
Nos textos de Moisés, cheios de “marcações” (indicações da movimentação teatral), há uma espécie de fixação esquemática do fluir da ação que, através da polifonia, esconde o rosto do autor.
Se cortarmos estes textos usando uma ferramenta teorética qualquer, de maneira ontológica, por exemplo, ou mesmo beirarmos o biografismo, ainda se procurarmos a gênese, veremos que nas falas e situações projetadas por Moisés, há um espelho mais ou menos fiel de uma época, de uma certa sociedade.Um espaço marcado pela inveja e pelo ressentimento. São duelos verbais, que fluem da necessidade de verbalizar emoções, num jogo retórico, numa sociologia literária, pululam desejos reprimidos, dogmas, medos, certezas e incertezas dos anos 80.
O que cabe e o que não cabe nestes textos? O que extrapola e do que carecem?
O grupo Ilusionistas, fundado por Moisés e pela atriz Augusta Ferraz em 1983, para o qual estes textos foram escritos, tinha como objetivo principal criar seus próprios textos. Augusta, Moisés e Henrique Amaral produziam espetáculos diferentes dos encenados em Recife.
No trabalho do autor, as relações entre os personagens, o desenvolvimento das intrigas, a organização do tempo e do espaço às vezes cheira a vaudeville, às vezes a dramalhão de circo, drama psicológico e até à opereta, no caso de sua adaptação para o clássico “A Ilha do Tesouro” de Stevenson.
Uma dramaturgia urbana, entre o naturalismo e o artificialismo, que não se utiliza do folclore.
Desfilam personagens como Delmiro Gouveia e sua ânsia de sucesso.  Prazeres de “Prazeres da Revolução", mergulhada num vazio existencial.   Draculin, sonhador, iludido. Branca (de “A Maior Bagunça”) e Faustina que lutam contra o “mal”. Dá-se o mesmo com Isabelita (em “Um Tostão para Isabelita”), Evita (de “Evita-me à Cubana”), doutor Isaac (de “Horror em Pasárgada”), Dinho (de “Com a Víbora no Seio”) e Valquíria (de “Folhetim”, encenada em 2004 no Teatro Apolo durante o Festival de Teatro Estudantil por alunos de um famoso colégio recifense) que se vêm prisioneiros do passado. Já a Cleópatra de Moisés é uma guerreira infantilizada por uma paixão alucinante e pelo egocentrismo e sua Medéia surge como uma contemporânea nossa e suas estratégias articulam-se com outros textos do autor. Gil, personagem de “o Bolo”, é dominadora e tem instintos assassinos, usa seu poder para esmagar o marido inseguro.Em “Shakespeare Acorrentado” (de 1989) vemos os expoentes da pureza levados ao crime, e ao sexo ligado ao comércio. Em “Com a Víbora no Seio”, o que vemos é um jogo homoerótico envolvendo liberdade e prisão.

Matéria no Diário de Pernambuco. Teatro Pernambucano (Recife): Com a víbora no seio, de Moisés Monteiro de Melo Neto e Henrique Amaral



Rivaldo Casado e Heithor Dhália, dirigidos por Moisés (em texto dele e de Henrique Amaral: Com a víbora no seio)


“Bandeira escreve a Mário de Andrade” é um texto onde Moisés deu vida ao nosso mais terno poeta lírico- a dor da perda, o paraíso artificial e irônico do mestre tudo exaltado em prosa e verso

Espaço e tempo injetam-se no comportamento dos personagens em forma de juízo (de caráter valorativo e ideológico) que vai se insinuando pelos textos através de símbolos e alusões. Se há pluralidade ou subjetividade no vinco desta escrita, ou se nela encontramos algum hipotexto (matriz referencial), hipertexto (referencial intertextualizado) ou paratexto (interpenetração de textos) não importa muito, pois faz parte de um jogo proposto pelo autor, num processo meio convulsivo, típico de sua geração que não se deteve diante dos cadáveres dos seus heróis. São textos co-presentes de uma história nacional caótica.Textos que buscam a oralidade acima de tudo (aspecto fono-linguístico), gestualidade específica.
Os vetores temáticos oscilam como já acentuamos entre vingança, busca do sucesso, resgate do passado e busca do absoluto. A linguagem é despojada, concisa, provocante. Expõem-se enredos com desfechos inevitáveis, neles a trama e discurso entrelaçam-se.
Um frenesi vai enriquecendo o fluir dos textos e é indesmentível que se pressente neles uma fome insaciável que parece devorar o autor.
O que Moisés tem de original é o seu formato de literatura para a “caixa cênica”. Nesta espécie de claustro ele brinca com a idéia de libertação, de reflexão. Quer seja de forma caricata, ou através de personagens que parecem poeticamente envolvidos com seus sonhos, surge uma  literatura que me sugere esgrima-duelos em forma verbal.
O pragmatismo em Moisés busca clarear emoções, tornando-as inteligíveis. Mesmo que isso beire a banalização de alguns tabus (como em “Faustina” e “Com a Víbora no Seio”- religião e sexo).
Cena de “Faustina”

“Faustina”


 A tensão dos personagens equilibrando-se entre associações e dissociações, a busca da palavra-signo, a fantasia nas inter-relações de tipos que se digladiam entre o horror e a salvação, o sentimento e a natureza, vida e morte, oprimir ou ser oprimido- tudo isso é exposto com um grau necessário de honestidade cínica, que às vezes os mais sensíveis precisam para sobreviver aos ataques cotidianos da realidade. Notamos isso em Prazeres, e em outros personagens como o doutor Isaac (de “Horror em Pasárgada”)- a dor de não saber dizer o que se quer por não dominar a linguagem do jogo social.
São personagens que parecem vindos de famílias que se desenvolveram com pouca intimidade ou calor emocional. Eles refletem isso, esquivando-se da ternura e buscando se transformar em “alguém”. As escolhas que fazem em seu desespero verborrágico, a implausibilidade dos seus ideais, a necessidade de mostrarem suas diferenças, chafurdarem nas próprias fraquezas, buscando no álcool e no sexo, um infrutífero consolo para a proximidade do abismo emocional que os rodeia (como em “Para um amor no Recife”) leva-nos a pensar mais sobre esta contracultura amalgamada por estes excluídos. Há neles todos, um foco de subversão, um questionamento da tradição, uma procura pelo que é genuíno-uma ânsia de dar um  basta à letargia e passividade,tão comum no final do século vinte. Eles trazem uma espécie de alívio cômico no meio de uma grande tragédia, como os coveiros brincalhões da peça Hamlet. Com sua peça mais recente, “Sonho de Primavera” Moisés surpreendeu por mostrar seu lado didático em peças infanto-juvenis- ao adaptar o conto da escritora Rosália Calsavara ele permeou o texto com observações sobre ecologia. Neste espetáculo que estreou  e manteve uma temporada de retumbante sucesso com mais ou menos 800 espectadores por apresentação e que percorreu várias cidades, Moisés teve seus poemas musicados pelo seu amigo de infância Paulo Smith, o que resultou numa agradável união de estilos. Este espetáculo marcou também a volta de Moisés na direção, que neste caso ele dividiu a tarefa com o tarimbado produtor e performer Ulisses Dornelas, o Palhaço Chocolate.
Recife, agosto de 2004.
Fátima Amaral




MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO, O PRODUTOR CULTURAL
por    ALBEMAR ARAÚJO
(diretor do Departamento de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife)
Albemar Araújo e Moisés Neto

Albemar Araújo (autor) e Moisés Neto (como Pilatos, ao centro), na foto aparecem Buarque de Aquino e a atriz Inaílza (Madalena). Paixão dos Guararapes, 2018




            Nestes tempos ásperos, quando um simples tocar de dedos resulta em trabalho de várias horas, quando a “pena” cede lugar a outras formas de linguagem, quando os vídeos substituem os livros, pego-me (sem nenhuma tendência à apostasia) sentado, frente à parede (nela encontram-se expostos retratos do Quênia e África do Sul, quando lá estive em 1995, sem cabotinismo) a escrever manualmente, quando lá do outro lado da sala, aguarda-me um computador.
            Escrever.
            Escrever sobre uma facção de um período (dando um corte sistemático conceitual/temporal/espacial), sobre uma determinada pessoa nesse período – MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO -, que culturalmente passou e viveu intensamente, por uma década (os anos 80), numa forte influência das mudanças sociais, das mudanças políticas, das mudanças econômicas, das mudanças culturais, na qual vivia o país; produzindo intensamente cultura. Uma cultura engajada nas vanguardas do seu tempo. Uma cultura ora chamada de PÓS-MODERNA, ora chamada de MARGINAL, ora chamada de VANGUARDISTA...
            É sempre fascinante versar, quer seja na poesia ou na prosa, sobre alguém. Especialmente se este alguém vive e transita entre nós. Longe dos cânones. Sem cetro. Sem coroa. Sem séquito de vassalos a impedir nossa passagem à sala do trono. E talvez seja mais fascinante por essa pessoa nos proporcionar uma (re) leitura, mesmo que seja em rápidas passadas, de uma época tão recente, cronologicamente falando, e tão esquecida, agora falando culturalmente. Remete-nos este estudo, sem pretensões literárias, científicas ou históricas – quando Ciência -, a análise de um momento dentro da conturbação pela qual atravessava toda a nação, de um momento que poderíamos chamá-lo, mesmo assim, de farto e rico na diversidade cultural apresentada. Diversas tendências se manifestavam de uma forma ou de outra. E a cultura, como um todo, crescia com isso ao romper com uma série de signos e códigos. Toda uma série de acontecimentos rolava, qual caudaloso rio precipitando-se de uma vertiginosa montanha, em cachoeira.
Há quantas andavam a nossa Economia, a nossa Política e a nossa Cultura?
O movimento cultural dos anos 80 ainda estava enraizado nos anos 60/70. nas duas décadas (60/70), a cultura foi marcada por profundas e violentas transformações. Pelas variações econômicas e políticas (pós-68, AI5, etc.). O que ira fornecer fortes bases para o surgimento de um tipo de poesia chamada- POESIA MARGINAL. Um tipo de literatura quase que artesanal, ou seja, onde os poetas e escritores em geral, mimeografavam seus produtos reuniam-se para vendê-los, eles próprios, em bares, paradas de ônibus, teatros, cinemas, boates,etc. (Mimeógrafo, era uma máquina em moda na época, hoje quase sem uso. O Texto era datilografado em um papel especial -chamado estêncil-e duplicado -a álcool ou a óleo. Era a copiadora daqueles tempos – uma coisa bem jurássica). Aqui no Recife, diversos locais foram pontos e/ou sede desses produtores culturais. Tais como- Cervejaria 7 (r. Sete de Setembro – No local funcionava um complexo de Cervejaria, Discoteca, Livraria e Teatro. Ali ,reuniam-se muitas pessoas dos meios culturais da cidade. Artistas Plásticos, Atores, Diretores Teatrais, Bailarinos e notívagos em geral. Uma verdadeira vitrine, onde diversos produtos estavam expostos – sendo a cultura o prato principal. Aqui um registro do saudoso diretor teatral Marcos Siqueira (responsável pelo teatro desse complexo), Bar Savoy (Av. Guararapes), A Nova Portuguesa (r. Siqueira Campos), Bar Mustang (Av. Conde da Boa Vista), Gambrinus (Av. Marquês de Olinda) e outros.

                        Ao longo dos anos 70, um certo tipo de produção poética ficou conhecida como poesia marginal. Esta produção surge exatamente na virada dos anos 60/70 e, certamente, traz as marcas deste período.(1)


No seu artigo publicado na revista Folhetim, Carlos Alberto Messeder Pereira faz um balanço da Poesia Marginal, bem especulativo. Nesse contexto, Moisés Monteiro de Melo Neto aparecia timidamente entre outros jovens intelectuais do Recife. Entre outros, estava com ele, nessa produção lítero-marginal, Manoel Constantino e Rejane Leandro – uma de suas maiores amigas e dona de duas famosas boates na zona sul da cidade.  A Boate Status, por exemplo, era soberana na década de 70.

No espaço entre os seus dentes
restos de almoço
vários lobos foram espalhados
quero te contar como foi-
eles foram soltos com a boca cheia de fome
todos os lobos, eles comeram meus olhos
                                   Eu os vi chegar
dancei e cantei junto do fogo
vi febre nos olhos deles
nos olhos calmos que tinham.
E sabia deles, pois os pressenti sem direção
todos os lobos, eles comeram os meus olhos
atravessaram apressados os campos que
rodeavam minha casa
comeram meus frutos verdes
minhas flores na varanda
sonhos da juventude...
todos os lobos, eles comeram meus olhos


O poema acima (“Todos os Lobos”) circulou pelo Recife, de bar em bar, sendo vendido juntamente com as produções de outros escritores. Este mesmo poema, de Moisés Monteiro de Melo Neto, seria publicado, em 28.03.80, no Jornal do Commercio, Caderno C, p. 2).
Nestas produções, marginais, tudo era permitido. E a literatura, assim distribuída, aparecia nos mais inóspitos lugares. Como se diria no bom português matuto da zona da Mata de Pernambuco- da fábrica ao consumidor. E assim, estava a cultura, sempre entre todas as camadas sociais, pois havia uma gama infindável de posicionamentos nos escritos e que com isso chegavam a agradar, se não a gregos e troianos, a um certo número de pessoas. Desde o mais simples poema de amor ao mais enraivecido poema revolucionário. Havia, como se pode dizer, temas para todos os gostos. No entanto, esse tipo de produção caracterizava-se pela marginalidade também nos temas escolhidos.
Para os jovens recifenses, literatos de então, era fácil encontrar nos diversos assuntos contemporâneos, os temas para seus escritos.
Aí, reunindo tudo isso. Mexendo e (re) mexendo mais, esse agitado caldeirão, em efervescência constante, ingressava-se nos anos 80. Novas e fortes mudanças permeavam a década. Havia um grande desequilíbrio entre o político e o econômico, o que iria implicar em mudanças na cultura também. Criação de órgãos públicos de apoio à Cultura (anos 70), a queda do AI5, abertura política, o retorno dos exilados, eleições diretas, etc.
E a nossa Cultura Regional, geograficamente falando, vinha de fortes correntes anteriores- Movimento Tropicalista (Salvador/60) e Movimento Armorial (Recife/70).
Moisés Monteiro de Melo Neto fazia parte de um grupo teatral (Ilusionistas), formado por jovens que comungavam do mesmo pensamento. Além dos componentes fixos do grupo (Henrique Amaral, Mísia Coutinho, Paulo Barros, Augusta Ferraz, Simone Figueiredo, Rivaldo Casado, Buarque de Aquino, Beto Vieira, Adeilson Amorim – este desenvolvendo um trabalho fotográfico com o grupo -, entre outros), diversos artistas tiveram uma passagem marcante pela trupe (Vladmir Combre de Senna, Fátima Barreto, Ivonete Melo – esta com suas experiências “Vivencialescas”).
Não havia “gurus” no grupo. Todos tinham os mesmos direitos e deveres. Baseavam-se no que liam. E liam muito. Antes de tudo tiveram por base a literatura universal. Pesquisaram todas as formas teatrais do mundo. Estudaram diversas obras e eram seus conhecedores soberanos.
Que jovens se entregavam à Cultura e suas formas e suas origens, num engendrado de estudos e críticas? Pouquíssimos!
Esse jovem, Moisés Monteiro de Melo Neto, alvo da presente análise, buscava juntamente como os demais componentes do grupo, desdobrar a essência das obras (dos gregos, de Goethe, Cervantes, Shakespeare, O´Neil, Shaw, Ionesco, Becket, Nélson Rodrigues, Plínio Marcos, Artaud, entre outros.) e nela se aprofundar. Buscavam não somente a análise crítica, do ponto de vista cultural, mas também o posicionamento sócio-político da obra, em sua cronologia real.
Eram elitistas, culturalmente falando. Para um “papo” com os integrantes do grupo, por exemplo, tinha-se que no mínimo entender do Expressionismo Alemão.
 Procuravam viajar para se inteirar das novidades nos campos artísticos. Principalmente no eixo Rio-São Paulo. No entanto, muitas vezes iam ao exterior em busca dessas informações (eram, alguns, bem abastados de família). E nessas andanças viravam o Brasil de ponta a ponta, de festival em festival, na procura das novas tendências. Não se prendiam apenas às artes cênicas, mas a todo o universo artístico (artes plásticas, arquitetura, música, etc.)
No fim da década de 70, mas precisamente em maio de 78, surgia em São Paulo o grupo Viajou Sem Passaporte, cuja proposta era bem irreverente. Quebrava com os signos e códigos sagrados do teatro ao rompes, em primeira instância a barreira palco-platéia. Ao ler matéria publicada pelo grupo, em entrevista/depoimento à revista Arte em Revista, evidencia-se a turbulência artística da época. O Brasil era um imenso turbilhão, onde todas tendências se manifestavam e o universo de variedades era bastante vasto.
O grupo Viajou Sem Passaporte tinha algo em comum com as propostas dos Ilusionistas. Ambos tinham raízes no mesmo chão. Ou seja, as influências evidentes naqueles grupos, podem também servir em Moisés Monteiro de Melo Neto-

Nesse processo, a gente foi descobrindo, em relação ao teatro, que praticamente quase  tudo é dispensável l, com exceção do próprio corpo. Fomos nos despojando de tudo. Sentimos que texto de dramaturgo bom era uma aprendizagem constante. pesquisamos muito sobre iluminação e trilha sonora. Teatro não tem a menor necessidade de ter que transmitir idéias... (2)

 Moisés Monteiro de Melo Neto viajou bastante pelo Brasil, pela América do Sul, visitou o Grupo El Galpon (convivendo por quatro dias em Montevidéu com os integrantes do grupo). Um grupo com tendências pós-modernas e que viria a lhe mostrar muita versatilidade na montagem de três textos de Tchekov.

Muito me impressionou o trabalho deste grupo.Suas técnicas.Por exemplo- afogamento de uma pessoa em cena e as soluções encontradas foram muito marcantes. Sempre fui fascinado por soluções cênicas, vê-las me encantou. Exemplo- um cadáver boiando numa piscina na montagem do musical Sunset Boulevard. Ou então as soluções de Gerald Thomas na sua montagem da Ópera O Navio Fantasma, de Wagner, que também vi, e jamais esquecerei no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os incessantes minutos de vaia, que mais pareciam horas, e que o Thomas recebeu nos agradecimentos, entusiasmado e rindo, pela polêmica lançada. Antes pela mídia e tendo seu ápice naquele momento. Isso me remeteu de volta ao grupo (A Ilusionistas), era um jogo parecido que tínhamos aqui. (3)


Aqui no Recife, o encenador Carlos Bartolomeu, com a montagem da peça A Mais Forte, de August Strindberg, deu várias referências ao grupo, que se identificava com os códigos daquela encenação. A rápida solução encontrada pelo diretor, o atraía. Com o mínimo de elementos, encontravam-se as soluções rapidamente. Esse era o tipo de encenação encaixado nos moldes dos seus ditames. Com a encenação de o Arquiteto e o Imperador da Assíria, Arrabal, também pelo diretor Carlos Bartolomeu, viu Moisés Monteiro de Melo Neto, quão difícil era agradar o público notívago.

Vaias e pedras de gelo, poderiam facilmente substituir risadas e aplausos, como foi essa produção escorraçada da Boate Misty, numa total falta de respeito aos artistas envolvidos, dentre os quais a grande Magdale Alves (4).

Disse-me isso, Moisés Monteiro de Melo Neto, em um comovente depoimento, na sua residência no Janga.
Havia uma certa conotação de melancolia, saudosismo (talvez), no seu falar- a gente está chegando ao caos...(5). O mesmo já se notava no Tropicalismo de Jomard Muniz de Britto.(6) Não se trata aqui de um saudosismo infectado na miséria da vida. Mas uma saudade do que não existe. Uma saudade que põe a alma em dúvida e com isso a excita à criação, rompendo com todos os tratados pré-estabelecidos e lança o homem, qual pássaro num mundo desconhecido e povoado de abutres impregnados da outra saudade (saudade doença), maldade.

Na sua densidade, a vida individual e coletiva é pensada a partir da idéia de um amanhã que deverá existir e que justificará retrospectivamente, o que tiver sido feito para se chegar até esse momento (...) A pós-modernidade marca-se por uma atenção maior com o presente e um desejo de viver intensamente o momento agora e aqui. (7)

Representava então, aquela trupe, algo de novo, de inusitado, para a sociedade local. E lançar no mercado com algo novo, fora dos padrões, era um pouco arriscado. Os anos 80 viam nascer uma forma alternativa de representação teatral. Surgir a busca por novos espaços. A saída dos palcos convencionais, sua intenção era tirar o teatro dos palcos, para bares, boates (8). E o que seria isso então? Em que forma (ou fôrma?) estariam colocados? Eles, da Ilusionistas, não gostariam se quer que isso fosse assim tratado.


... em teatro será o abandono do lugar fixo de representação (reapresentação, repetidas) e sua substituição pelo lugar incerto da apresentação de uma cena, instaurada e não repetidora. (9)


Com a entrada de Vladimir Combre Senna, no grupo, viu-se a necessidade de trazer textos sobre improvisar (Escola Alemã), como o saber viver e zombar de quem é idiota. Era necessário dizer coisas que enlouquecessem as pessoas. Diz Moisés Monteiro de Melo Neto.
Em tudo isso havia um presenteísmo muito forte. Um desejo de viver intensamente o momento. E isto é uma marca dentro da pós-modernidade.
Nas suas viagens pelos festivais (nacionais/internacionais), buscavam debater o fazer teatral. Contratavam professores locais e de outros estados para ministrar cursos para os integrantes do grupo, aberto ao  público em geral. Uma  vez que fazia parte de suas filosofias, literaturizar o público, a população como um todo (Utopia?). E com isso, tinham sempre novas informações sobre tudo que ocorria no mundo cultural.
A ilusionistas produziu em teatro- “A Noite dos Assassinos” (do cubano José Triana – Teatro Joaquim Cardoso/84), “Punhal (de Henrique Amaral no T.J.C/85) “Cleópatra”, para um Festival de Humor em 1986, no Apolo e outra peça neste festival da Prefeitura do Recife- “O Desobumbrar da Ambunda” encenação de Vládmir Combre. “Draculin e o Circo no Espaço” (de Moisés Monteiro de Melo Neto no Teatro Apolo Espetáculo Infantil/85), “Um Certo Delmiro Gouveia” (de Moisés no Teatro de Santa Isabel/85 um musical), em 1987 Henrique Amaral encena “Percepção” no Teatro do SESC, “Hamlet” de Moisés e Ricardo Monteiro (Teatro Valdemar de Oliveira com Moisés no papel Título em 1988). “Urânia” (de Augusta Ferraz no mesmo T.V.O.), “O Horror em Pasárgada” (de Moisés baseado no livro de Mary Shelley, “Frankenstein” – Teatro José Carlos Borges/89), “A Maior Bagunça de Todos os Tempos” de Moisés Monteiro de Melo Neto direção de Buarque de Aquino, este último também ilusionista, encenou esta produção, a penúltima do grupo que fechou as cortinas com “La Cumparsita” uma adaptação do romance de Manuel Puig “Sangue de Amor Correspondido”, numa montagem que tinha no elenco Ivonete Melo, Simone Figueiredo, Black Escobar e Geovane Magalhães. Era o ano de 1991 e havia um horizonte, onde novos ideais acenavam risonhos e convidativos.

Seu humor cáustico, marcado por profunda ironia, talvez não seja apreciado pelos críticos recifenses. A Liberdade com que satirizou “Faustus” a obra do imortal Goethe, rebatizando-a de “Faustina” e exibindo-a na Boate Misty, rendeu-lhe mais ressalvas do que elogios por partes dos que analisam os espetáculos teatrais (...) Denominando-se um intelectual, Moisés Monteiro de Melo Neto, diz que é muito criticado e mal compreendido na sua intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo, também, em bares e boates. (10)

Assim versava na época, Valdi Coutinho um jornalista do Diário de Pernambuco, sobre a obra de Moisés Monteiro de Melo Neto. Entre outros textos, Moisés Monteiro de Melo Neto produziu e presenteou “os seus públicos”, com peças de gêneros diversos nos bares do Recife. Entre outros- Depois do Escuro – nome sugestivo, para a marginália -. Onde muitos se reuniam, o mundo letrado dos anos 80. Era um ponto de encontro também dos Ilusionistas. Onde debatiam, entre um chope e outro, com os intelectuais a cultura em voga. E onde nasciam, das discussões, as inspirações para novos textos. Cujo público certo ao comparecer a um espetáculo já aguardava o próximo. Daí a velocidade, pós-modernista, da criação dos textos-
“O QUE TERIA ACONTECIDO COM BETTE DAVIS?” e “SHAKESPEARE ACORRENTEADO” falam de traição, “EVITA-ME À CUBANA” – fala da decadência de Cuba, na década de 80 – numa análise do autor. “PRAZERES DA REVOLUÇÃO” – uma crítica ao governo militar no Brasil, em sua fase terminal (a queda do AI5, por exemplo). “O BOLO” – uma estória intrigante, contando o casamento entre intelectuais e o novo pensamento pós-governo militar. “COM A VÍBORA NO SEIO” – a impossibilidade de amor entre dois homens, marcada pela diferença de idades e o preconceito. “VERDADES E MENTIRAS” – relata os últimos dias de Tancredo Neves (presidente “eleito” do Brasil. “Eleito” mas não empossado, por motivo de morte. Assume Sarney) sob a perspectiva de um casal de artistas desiludidos e fracassados.
Ora seus textos, ora de Henrique Amaral, falavam de um “aqui e agora”, tão cantado no pós-modernismo. (...) tudo para no instante em que nada perece – tudo é criança, não há morte, nem envelhecimento e nem dor. Apenas paixão. (11)
As temáticas dos textos eram as mais diversas possíveis. Sempre temas que atravessavam o cotidiano, a década, os anos 80. O público, ou “os públicos”, era (m) notívago (s). E  era formado pela identificação direta entre platéia e palco. Já que não existia separação. Quantas vezes o palco não foi a própria platéia?
Em seu apartamento no Janga/ Paulista, Moisés Monteiro de Melo Neto findou-me seu depoimento dizendo-

Nos fins da década de 80, a fórmula estava exausta. Aí veio o primeiro golpe precisamente em 88, quando a Ilusionistas perde suas características e junta-se a outros produtores culturais (profissionais do ramo) que eram alheios à ideologia do grupo. Como era bom ser jovem e fazer teatro. Tínhamos, também, por vezes, inspirações locais como os já citados e “O Extrato de Formosura (Eduardo Maia). Mas a lembrança forte da abertura dos anos 80 com “O Guarani com Coca-Cola”, uma criação coletiva, “Muito Pelo Contrário” (João Falcão). A morte de Marcos Siqueira – e o seu teatro político. O próprio Vivencial de Guilherme Coelho, de Suzana Costa, de Ivonete Melo e de Américo Barreto. (12)


Durante cinco anos Moisés Monteiro de Melo Neto abandonou as produções teatrais. Passou uma temporada na Europa e nos Estados Unidos. “LA CUMPARSITA” (1991), marcou um hiato no trabalho da  Ilusionistas. Aproveitou para concluir o curso de Letras e a pós-graduação em Literatura Brasileira.
Ele finaliza dizendo- Os primeiros anos da Ilusionistas foram muito experimentais.Uma época que passou e pronto.Aquilo tudo era muito ingênuo. Tínhamos liberdade de dizer o que queríamos.E dissemos!
No ano de 1982, Moisés havia escrito o livro “A NOITE DOS SENTIMENTAIS”, que A Ilusionistas produziu a editoração em abril de 1983. Uma ficção urbana, desenvolvida dentro de um apartamento que para o autor simboliza a cidade (Recife), seus habitantes e conflitos.
A fórmula, como disse o próprio Moisés Monteiro de Melo Neto, estava esgotada mesmo, ou não tinha bastante profundidade, fundamentação, para sustentar-se? Não houve semente daquelas árvores ou os frutos não vingaram?Foi um geração que produziu José Manuel, João Falcão, Henrique Amaral, Adriano Marcena, Luis Felipe Botelho e outros que hoje seguem caminhos tão diversos.
Moisés Monteiro de Melo Neto hoje é professor de literatura, lecionando nas redes privada e dirigindo um Núcleo de Estudo de Línguas na rede estadual. Escreve regularmente para jornais e revistas.
Outros do grupo estão no Japão (Fátima Barreto), na França (Mozart Guerra), na Alemanha (Vladmir Combre de Senna), Henrique Amaral é jornalista, Paulo Barros em São Paulo (cinema), Augusta Ferraz fundou outro grupo teatral, Buarque de Aquino é professor, Rivaldo Casado trabalha com a Unesco, Simone Figueiredo dirige órgãos público, Mísia Coutinho é produtora cultural. Mas a Ilusionistas está mais viva do que nunca e cheia de projetos. Para 1999 está marcado o retorno da Ilusionistas com uma grande produção chamada “Para um Amor no Recife” que já teve o projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura.
Eu vivo num tempo sem sol.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia (13)



                                                                                    Recife, agosto de 1997.


Notas-

(1) – Carlos Alberto Messeder Pereira. In Folha de São Paulo. Poesia Marginal Um  balanço Provisório. Folhetim. Domingo, 28.02.82. P. 6.
(2) –    In Arte Em Revista. Depoimento/entrevista c/Raghy do Grupo Viajou Sem Passaporte. “Ora Pombas!” nº 8. São Paulo, 1982. Pp. 116 a 199.
(3) –    Depoimento/entrevista de Moisés Monteiro de Melo Neto a Albemar Araújo em out/97.
(4) –    idem
(5) –    idem
(6) –    Jomard Muniz de Britto. Palestra gravada na FUNDAJ. Pernambuco. 1997.
(7) –    Teixeira Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. Cultura e Imaginário, São Paulo, Iluminaras/FAFESP, 1997. P. 64.
(8) –    In Diário de Pernambuco. Cad. Viver. Exponha-se. Pernambuco. Sábado, 15.11.86, P. 64.
(9) –    op. Cit. Nota 7.
(10) –  op. Cit. Nota 8.
(11) –  Valdi Coutinho In Diário de Pernambuco. Caderno Viver. Capa. Quinta-feira, 21.08.80.
(12) –  Depoimento de Moisés Monteiro de Melo Neto a Albemar Araújo, em out/97.
(13) –  Berthold Brecht In Breacht Vida e Obra. Fernando Peixoto. Paz e Perra. Rio de Janeiro, 1974. P. 347.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-


COELHO, Teixeira. Dicionário de Política Cultural. Cultura e Imaginária, São Paulo, Iluminaras/FAPESP, 1997.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Waltensir Dutra. 10º, Zahar, 1974.

PEIXOTO, Fernando. Brecht Vida e Obra., José Olympio/Paz e Terra. Rio. GB, 1974.

REVISTAS-

BURGER, Peter. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 91 a 92.
HABERMAS, Jurgen. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 86 a 91.
HUYSSEN, Andréas. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 92 a 94.
LYOTARD, Jean-François. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 94 a 96.
PORTOGHESE, Paolo. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. P. 96.





A Presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, Simone Figueiredo, fala sobre as peças teatrais de Moisés Monteiro de Melo Neto


            Escrever sobre a produção literária de Moisés Monteiro de Melo Neto é um prazer acompanhado de uma responsabilidade muito grande, por ter acompanhado e participado muito diretamente do desenvolvimento e da pesquisa proposta pelo autor nos últimos 17 anos.
            Conheci Moisés nos anos 80, especificamente em 85. O autor lançava-se então como dramaturgo com o texto “Verdades e Mentiras” – que como ele bem define- “arma-se o conflito comédia”, o escritor rompe a obediência com a fatalidade que nada tem de Deus e tudo dos homens. Imitar- intriga engenhosa, temática superficial e aparentemente inocente em torno do amor e dinheiro, teatro- realidade além do real, em nenhum momento atinge dimensão mais profunda não perde nunca a agilidade, um painel de minha época escrito com simplicidade, mas justa eficácia no senso crítico, visão social, brincadeiras leves e bem construídas, algo romântico, sátira política, um pouco dos anos 60/70, a condição humana diante do mito, do artista internacional.”
            Lembrando a definição de antropofagia – linguagem literária ou estética de cunho nacionalista. Essa linguagem assume a forma inicial de uma poética, com a publicação do manifesto antropófago em 1928. A poética antropofágica de Oswald de Andrade reivindica o estabelecimento de um código literário específico que incorpore as categorias de uma consciência arcaica tipicamente brasileira, surgida numa hipotética idade de ouro. Essas categorias, que inspirariam a nova linguagem literária, incluem formas do surreal e do irracional. Os escritores antropófagos romperiam, assim, com o discurso linear. A nova linguagem “devoraria” os modelos literários estrangeiros, em vez de imitá-los. Além disso, a linguagem antropofágica atacaria os sufocantes códigos sociais, morais e literários, por meio da paródia e do sarcasmo.
             “O Rei da Vela”, peça de Oswald de Andrade publicada em 1937, estende a metáfora antropofágica à linguagem teatral e fortalece o seu componente político.
            A metáfora antropofágica é revivida em 1967 com a montagem do rei da vela. O diretor José Celso Martinez percebe que a linguagem da antropofagia é uma resposta apropriada às circunstâncias culturais, políticas e econômicas dos anos 60. A montagem de “O Rei da Vela” constitui uma versão atualizada da deglutição antropofágica dos mais recentes modelos teatrais estrangeiros que então predominava no teatro brasileiro. O Rei lança as bases de um modo brasileiro de fazer teatro com a incorporação de formas culturais populares e folclóricas e a metáfora, em sua transmutação última, passa a chamar-se Tropicália.
            No Recife, nos anos 70 assistimos ao surgimento do “Vivencial Diversiones”, nome de uma casa de shows e variedades fundada por Guilherme Coelho e Beto Diniz. O grupo utilizava-se do escracho e do deboche para romper, valores e falar sobre sexo, valores éticos e estéticos e política.
            Segundo Paulo Vieira “O Vivencial Diversiones tangenciava qualquer discurso que fosse engajado, construindo, com a sua prática e a seu modo, um diálogo com a urbanidade, ponto de convergência para onde flui, afinal, aquilo que é chamado de contemporaneidade.”
            Traçando-se um paralelo entre o que foi exposto e a obra do dramaturgo, concluímos que Moisés é um autor sintonizado com a sua época, “antenado”.
            Através dos seus textos, Moisés critica a “política cultural” estabelecida de maneira irônica e inteligente, muitas vezes utilizando-se de clássicos da dramaturgia universal.
            Faustina – Adaptação do Fausto de Goethe é uma comédia escrita e produzida em 1986 que tenta desarticular um pensamento ditatorial católico, ateu e protestante, onde o Mefisto é o demônio, o Fausto, o Saci Pererê virado às avessas e o anjo; a vítima do amor divino. “Se Deus existe, logo o Diabo existe” – satiriza o autor. O espetáculo acontecia à partir da meia noite na boate Misty.
            O público identificava-se com a galhofa, com a sátira, talvez por necessidade de rir das próprias desgraças – uma catarse coletiva.
            Seguindo a mesma tendência o autor escreve em 86, a peça “Cleópatra”; espetáculo dividido em três partes – A primeira, uma sátira e a segunda e a terceira, tragédias – só a primeira parte foi montada para o I Festival de Humor – promoção da PCR – que recebeu indicações para melhor atriz, melhor autor e melhor espetáculo. (Espetáculo, aliás, mais aplaudido pelo público).
            Com Cleópatra e Um Certo Delmiro Gouveia, também de 86 Moisés ganha respectivamente o 1º e o 2º lugar em dramaturgia no concurso “Exponha-se” – promoção do Governo do Estado de Pernambuco.
            Criticado e pouco compreendido na sua intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo também nos bares e boates. Os espetáculos de Moisés ocuparam espaços como- Água de Beber, Três Por Quatro, Boate Araras, Boate Misty, entre outros. Acaba determinando uma tendência nos anos 80 (influência do Vivencial?) – permitindo-se através dos seus textos penetrar no absurdo – “A crítica sagaz, mutante, definitiva, transforma sempre qualquer recente criação” – filosofa o autor.
            Uma das suas adaptações mais ousadas foi a de Hamlet, de William Shakespeare – que Moisés Monteiro de Melo Neto transformou em parceria com o músico Ricardo Monteiro, em um musical Pop. Mantendo a trama básica e feita uma adaptação dos diálogos criados pelo dramaturgo inglês, o nosso Hamlet, Pop e Tupiniquim, procurou se distanciar o menos possível do seu original. A estória se desenrolava nos bastidores de uma companhia teatral durante o ensaio geral do Hamlet. A partir daí, o público passou a se integrar com toda a riqueza do texto e mensagem shakespereanos, enriquecidos pelas canções que permeavam o desenvolvimento da encenação, servindo não de pano de fundo, mas como elemento fundamental para a sua compreensão. Apesar de suas poucas apresentações – o espetáculo instigou os jovens na época (1988).
            Outro texto de Moisés baseado na obra do dramaturgo inglês foi “Shakespeare Acorrentado” (1990) – trata-se de uma fusão de “Macbeth” e “Bem Está o que Bem Acaba”, respectivamente uma tragédia e uma comédia.
            O autor dá colorido às páginas shakespeareanas de forma surreal e caricata. Ao invés da luta pelo reino da escócia, luta-se pelo domínio do tráfico de drogas e dos famosos clubes para ricaços no Recife. Moisés Monteiro de Melo Neto define seu texto como sendo “resgate de certas idéias incutidas pelo Mestre inglês que desde seu surgimento vem atraindo autores de todo o mundo como o canto das sereias”.
            Porém nem só de adaptações e releituras é composta a obra Produção de Moisés. Verificamos os espetáculos “Draculin” e “A maior bagunça de todos os tempos”, ambos direcionados para o público infanto-juvenil. O primeiro propunha um passeio pelo espaço unindo elementos da cultura popular (o protagonista sonhava montar um circo no espaço) com a tecnologia vigente na época. O segundo, propõe uma discussão sobre o poder e suas relações, apesar de se tratar de um assunto sério o tratamento que recebeu tornou o espetáculo divertido e engraçado.
            Recentemente (1999/2000) foi montado o espetáculo “Para um amor no Recife” que narra uma história sobre amores, conflitos, sexualidade, ambiguidade e solidão de um jovem casal recifense, dos anos 90.
            Segundo o diretor do espetáculo Carlos Bartolomeu, “o texto é um daqueles documentos que revelarão ao futuro a narrativa de uma sociedade e suas feridas. Duro e apaixonado- assim posso descrevê-lo”.

            Ainda nos anos 80, Moisés faz um passeio pela dança contemporânea escrevendo roteiros para espetáculos experimentais, a convite da bailarina Beth Marinho (Profissional Paulista de formação clássica que participou por muitos anos do Balé Stagium da cidade de São Paulo); e do bailarino Black Escobar.
            O resultado foi a construção dos espetáculos “Comunhão” e “Orgasmo” (1987), este com trilha sonora composta por Ricardo Monteiro que participaram do Festival de Dança organizado pela PCR com apresentações no Teatro de Santa Isabel. A Associação de Técnicas do Balé Clássico com a dança contemporânea foi o caminho utilizado na criação/construção dos espetáculos.
            Ousada para a época, seguia uma tendência da dança que buscava uma linguagem universal, utilizando-se da cultura brasileira. Foi construída uma trilha sonora específica para as coreografias pelo músico Ricardo Monteiro que na época trabalhava em parceria com Moisés na adaptação do clássico Hamlet – de William Shakespeare.
            Em 1989 roteiriza o espetáculo Bandido Corazon mantendo a parceria com Beth Marinho.
            Escreve os romances “A Incrível Noite” e “Michelle- corações pernambucanos”. O primeiro foi publicado no ano de 1983 e o segundo recebeu elogios do escritor Raimundo Carrero e será lançado em 2004. Seus poemas já foram publicados em várias coletâneas. Em setembro lançará o livro “Notícias Americanas”, um poema épico experimental sobre a tragédia afegã que teve início com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, neste poema ele desenvolve sua verve crítica sem se preocupar com rigores acadêmicos, segundo ele é sua última fala underground.Será?E em 2000 lança uma análise sobre o pós-modernismo e releitura da cultura popular nas letras das músicas do fenômeno Chico Science e de outros poetas da cena recifense dos anos 90. O livro vendeu 1000 exemplares em três meses e teve parte da renda revertida para instituições de caridade
            Concluímos então, que Moisés é um autor inquieto, frenético, ávido pela criação. Não me proponho a fazer uma análise crítica de sua obra, mas a dar um depoimento sobre a necessidade de respirar, de alimentar-se de forma autofágica da arte, com ousadia sem medo de descer aos subterrâneos da condição humana (o autor vai ao inferno se preciso for) para construir uma obra forte, feroz, ácida, crítica purgando-se assim e propondo uma reflexão sobre (o homem) com muito humor, ironia e acima de tudo talento de quem domina a arte de escrever e sabe registrar a sociedade que o cerca.


Recife, junho de 2002.


Simone Figueiredo
Atriz, arte-educadora e produtora cultural.


                                 

Moisés Monteiro de Melo Neto e seu teatro dissonante
Por Carlos Bartolomeu
Professor do Departamento de Artes Cênicas da UFPE

Recordo-me da primeira intervenção de Moisés Monteiro de Melo Neto na cena pernambucana. A comunidade Carmelita comemorava quatrocentos anos de sua chegada ao Brasil. O ponto alto das comemorações foi a produção do texto de Cláudio Aguiar sobre o maior herói pernambucano e membro da ordem, o nosso Frei Caneca. Era final dos anos setenta, início da distensão... Retornava eu, à cidade do Recife, após minha rápida incursão ao mundo televisivo do Rio, onde passara pela experiência de ter convivido com os instantes iniciais do fim da rede Tupi de televisão. Encontrava-me desempregado e quis Deus dar-me a felicidade de participar da experiência de montagem cênica sobre a vida do frade pernambucano. Ao contrário de meus outros trabalhos como diretor, minha volta proporcionou-me pela primeira vez na vida, trabalhar como ator profissional. Foi lá, na épica e irônica realização de José Francisco Filho que conheci Moisés...um adolescente ainda, figurando no meio de numeroso elenco.
Certa feita, na cena do julgamento de Frei Caneca onde eu participava como acusador do mártir republicano e ele no papel de uma das testemunhas, ocorreu ao ator iniciante, a idéia de mudar o registro de voz da sua personagem, acirrando a um só tempo a tensão nos outros atores e a comicidade latente na paródia de tribunal que realizávamos. O efeito foi revelador da impostura histórica de nossas personagens. Risos nossos e do público.
Cito este ocorrido, com o fito de traduzi-lo como uma espécie de parábola sobre a época e de uma respeitosa, mas hilariante epígrafe sobre a aparição do nosso autor!
Em um de seus exercícios teatrais, O Bolo, escrito em 1986, uma frase é dita por uma das personagens- "Um monte de clichês, estamos impregnados disso" , a frase revela a continuidade daquela interveniente ação de outrora e mimetiza a cena de antes como recurso estilístico e dramático que implícita ou explicitamente desemboca em sua literatura . Naquela época em que fomos companheiros de palco sua intuição teatral teria feito par com a mordacidade. Aquela sua personagem de voz estrídula, seu expediente algo clichê, utilizando-se da cena teatral com intenção de ferir o ritmo pausado e grandiloquente de uma encenação ou de nosso solene modo de atuar, estruturou-se de maneira atrevida e plena de humor ao longo do tempo. Como um escopo a um só tempo autodepreciativo  e construtor tornou-se recorrente em sua obra.
De exercícios como A Faustina, Prazeres da Revolução, O Bolo ao precioso registro Com a Víbora no Seio, em parceria com Henrique Amaral, passando pela revista de câmara, Cleópatra, a comédia; átimos notívagos tais como Evita-me à Cubana e Um Tostão para Isabelita ou textos mais audaciosos como Um Certo Delmiro Gouveia, Para um Amor no Recife ou a pop experiências no teatro infantil, Moisés Monteiro de Melo Neto incorporou esse grito, essa postura à cena e suas intenções.
                                    Escrevo para ser compreendido e revelar, só assim posso ter a crença de que faz sentido este ato... Mas, pode ser um duplo e ilusório ponto de vista. Lembro a todos que não sou um crítico teatral, vejo-me mais inventivo que eles- outra ilusão, talvez.
 O vigente modelo de perseguição a gênios estabelecidos, de se ir a cata do original popularizado, da necessidade da última moda de clássicos (!) no nascedouro ou de bem intencionados regionalistas... iluminados, frustra as possibilidades de se deixar nascer  verdadeiros criadores. Antes de mais nada, o nascimento e o desabrochar de escritores teatrais, deveria ser o primeiro passo. Ocasionalmente, aconteceria a colheita.
Nós, diretores, atores e críticos e mesmo o grande público, talvez pudéssemos nos livrar da ilusão (fatal) de apenas sermos no outro, de existirmos no estrangeiro. A verdade é que não nos visitamos com a assiduidade necessária para o conhecimento de nós mesmos. Não nos deixamos envolver pelo próximo, pelo nosso criativo irmão, primo, amigo...vizinho. O sujeito iniciante que nos oferta Conversa e Poesia. Definitivamente é aí, que nossa paciência se esvai. Corremos em retirada diante daqueles que batendo a nossa porta, nos reconhece como capazes de sinalizarmos... Daqueles que nos oferecem a chance de conhecermos os recortes de suas interioridades.
                Porque para maioria de nós é penosa essa aceitação?  Para maioria de nós, sujeitos normais eles podem ser tudo menos artistas; podem até se tornar artistas. Mas, terem em si, a verdadeira chama da criação, o desejo inesgotável do fazimento...isso nós duvidamos. No caso das criativas mentes provincianas a proximidade não é um espaço de reconhecimento e avaliação, antes é o lugar do desconforto diante da individualidade que se lança corajosa.
                Penso alto e na defesa daqueles que hoje se lançam e lutam por espaço. Penso e escrevo projetando muito daquilo que houve em mim, nos de agora. Penso em mim e na poesia que necessita e deve ser aceita- a de Moisés Monteiro de Melo Neto.
 Penso, especulo, critico- talvez, o erro maior e que se projeta em oposição a toda tentativa de veicularmos a diversidade no nosso teatro, é a maneira de instituirmos o teatro, o teatro ideal que nós sonhamos. De longe... é a idéia!
É um teatro carregado de idéias vencedoras.
Para olhos normais, não adestrados, grande parte do mérito destas idéias assume uma natural afirmação. Todavia, acredito eu, seu poder emerge de circunstâncias geográficas, de um mérito localizado entre o Tâmisa e o Sena, as margens do Tibre, ou evoca as ondas do Aquelôo.
O Capibaribe não conta ou, antes conta se contaminado pelo Tietê...
Digo essas coisas todas, aceito-as como realidades de um tempo, no intuito de colocar para outros que a escritura de Moisés Monteiro de Melo Neto é daquelas que deveria ser visitada. Primeiro para descobri-la, segundo para criticá-la, descartá-la ou nos deixarmos seduzir ante as suas possibilidades de espetáculo e encenação. A obsidente memória e idiossincrasia deste criador nos permite isso. Podemos sair de sua narrativa torcendo o nariz.  Todavia, nela há a possibilidade  de reavermos  nossa imagística .Compreendemos mais o universo da criação local, suas misérias e sonhos de constelações.
 A dramaturgia de Moisés Monteiro de Melo Neto explora e apresenta o mundo íntimo de seu autor e de sua convivência com o mundo de nosso irrealismo teatral.  Sua escritura vive disso e incorpora os efeitos e as ações desses mundos deplorando em ambos o lado insustentável e evanescente. A ação tateante de suas personagens retoma trejeitos e ridicularias do entorno risível e da precariedade de nossas construções e pretensões. Espelho quebrado, enquadra o ilusório de nossa materialidade, delimitando o espaço tragicômico do conviver, do re/criar, gritando dissonante por afeto, compreensão e palco.


Derby, 3 de abril de 2002

Carlos Bartolomeu é professor de teatro na UFPE


Moisés Neto estuda a obra de Chico Science e mergulha na Cena Recifense / Pernambucana na virada do terceiro milênio destacando a relação entre o popular e o erudito, o negro e o índio, a metrópole e o mangue.

Do caranguejo globalizado ao Maracatu atômico, o Projeto Mangue buscou a universalização das nossas raízes, fenômeno da década de noventa a mostrar que ainda é viável defender-se um ideal em Pernambuco, levantar a auto-estima desse povo através do artista morto em 1997 aos trinta e um anos em completa resistência à pasmaceira e despersonalização em um Nordeste que desde a Geografia da Fome de Josué de Castro exibe os seus moradores de palafitas a comer sururu, da “lama ao caos”, alternativa contra o marasmo cuja evolução e principais características aqui surgem expressas por Moisés, de modo dinâmico e de agradável leitura, obra primeira a merecer atenção do público especializado.


Lucila Nogueira, escritora, pesquisadora, que foi professora do PPG Letras UFPE, fal sobre o livro que Moisés lançiou sobre chico science: Moisés Neto estuda a obra de Chico Science e mergulha na Cena Recifense / Pernambucana na virada do terceiro milênio destacando a relação entre o popular e o erudito, o negro e o índio, a metrópole e o mangue.

Do caranguejo globalizado ao Maracatu atômico, o Projeto Mangue buscou a universalização das nossas raízes, fenômeno da década de noventa a mostrar que ainda é viável defender-se um ideal em Pernambuco, levantar a auto-estima desse povo através do artista morto em 1997 aos trinta e um anos em completa resistência à pasmaceira e despersonalização em um Nordeste que desde a Geografia da Fome de Josué de Castro exibe os seus moradores de palafitas a comer sururu, da “lama ao caos”, alternativa contra o marasmo cuja evolução e principais características aqui surgem expressas por Moisés, de modo dinâmico e de agradável leitura, obra primeira a merecer atenção do público especializado.



Lucila Nogueira, PPG Letras UFPE e Moisés Neto



POR QUE VIVER DE LITERATURA?
                                    por Moisés Monteiro de Melo Neto

            Nunca encontrei uma pessoa totalmente chata, sempre procurei algo que fosse interessante em alguém. É mais ou menos assim a minha vontade de escrever e tornar público o que eu escrevo.
            Sempre amei o Recife além de toda repressão contida neste lugar e sempre quis expressar a minha opinião sobre o que é viver aqui, como escritor, como intelectual, etc..
Não há Moisés em mim- escrevo para me inventar.
Desde pequeno me ensinaram a rezar e eu rezo sempre. Pela manhã e à noite. Procuro cumprir meus compromissos de modo quase obsessivo.
Como autor uso a minha literatura para unir as letras e a civilização em seus detalhes, sua psicologia. 
É algo similar a MENTEPSICOSE = transmigração de mentes, viver em outros corpos (tentando unir as coisas numa espécie de café com leite) ou como numa velha e doce canção de amor ou paródia, drama musical, monólogo. Começo às vezes, paradoxalmente, com uma narrativa pré-verbal- grunhidos, suspiros, gritos, sussurros, etc. ser escritor é ser pai e mãe. Em meio aos meus trocadilhos dantescos, fecho os olhos e amo a arte de escrever que transforma a vida em metáforas (políticas?).
Em Recife é difícil escrever porque numa conversa de bar você pode jogar um livro fora. Aqui se fala demais e muito rápido.
Busco soluções para os enigmas da vida, também vou criando mais alguns usando para isso as variações possíveis em nossa linguagem (erudita versus popular).
Na ilha do Recife Antigo penso- se nossa se acabasse eu gostaria que no futuro alguém a reinventasse a partir do modo como nós, os escritores, seus narradores, a retratamos. Somos o oposto da vida real, eis a literatura transcodificando os impulsos humanos (tão difíceis de se transformar em palavras exatas). Eu gostaria de buscar nas onomatopéias, prosopopéia e outras figuras de linguagem tudo que não conseguimos amar ou odiar na vida desta cidade, desta humanidade incorrigível.
Eu sempre quis criar enigmas e charadas sobre o Recife- este lugar no limite da ebulição, cheio de pontes, cachaça, tapiocas, pamonhas, milho cozido, acarajé, arrumadinhos, caldo de carne, amores, interesses, cultura, veneno peculiar, amores e tudo mais. Colocar tudo em versos de sangue e risos. Em prosa excitante. É muito difícil chegar até a arqueologia deste meu experimento, dessas barricadas do meu desejo, desta minha ambição, recusa, reclusão,  liberdade (?).
Escrever é dar primazia ao pensamento sobre a ação, ao macro sobre o micro- Diacronia (a evolução no tempo – fenômenos culturais, sociais, linguísticos, etc, no tempo) e Sincronia (isolar o fenômeno num certo tempo uma época que em retrato). A vida do recifense que eu sou? Ora, eu  busco retratá-la não de modo evolutivo nos meus textos, não de forma muito lógica. Meus textos são sincrônicos (existem em si mesmos) e não uso da diacronia (evolui com o tempo).
Durante minha juventude eu ainda tentei romper com o moralismo e a ética de forma ingênua. Não é que eu tenha evoluído, agora, simplesmente vejo que é tentando agradar que devemos solapar nossos próprios valores. O aspecto principal da minha escrita foi defender a ingenuidade frente à malícia intelectual e primitiva dos meus conterrâneos refletida na minha cidade. Já viajei por muitos lugares do mundo em busca de contrastes que refletissem a minha tese. Terminei por quase não acreditar que houvesse uma mudança no mundo- haveria uma troca de pensadores no poder, mas haveria sempre a necessidade de limites, como esses tão necessários na educação das nossas crianças.
Vi logo que a liberdade só se justifica pelo jogo arriscado cuja regra principal é o tudo ou nada. Percebi na minha obra que nela apenas está refletida a urgência a ditar a matéria dos meus passos. Nunca fui contra o capital, apenas não suposto muito bem os seus, digamos assim, sintomas.
Houve em mim sempre a alegria de pensar, de criar e de oferecer meus textos escolhendo a mídia a meu alcance. Caiu sobre mim o peso da disciplina barrando um agir livre, sufocava minha irreverente revolta, mas dentro de mim eu sempre soube que tinha razão. Eu sempre duvidei um pouco do que alguns rotulam como “certo” ou “razão”. Eis o eixo-comum que atravessa minha diversidade temática (discursiva e extradiscursiva)- a diferença, e não a evolução, marca a sociedade.
O que é o saber verdadeiro? Como esta “verdade” está vinculada ao poder (político, econômico, social, afetivo, sexual, etc.)? Devemos tentar entender nossa cidade não apenas pelo conhecimento dividido das épocas passadas, o que o Recife foi, mas sim pelo que já não somos ou pelo que poderemos ser.
Eu quis interrogar o espaço (mítico e real) que nos cerca. Meus textos são, todos eles, como barcos- espaços flutuantes, fechados em si mesmos e lançados na imensidão do mar. Reflexos, como este agora o é, dos outros textos que leio e, ouço e sinto no mundo.
Abracei a literatura. A linguagem para mim funciona como o espaço do possível de ruptura com a noção primitiva do tempo. A linguagem supera o tempo (embora aconteça dentro dele)- realizando, e desrealizando, busquei nas palavras a presença dos seres. A literatura como sendo um “outro” lugar. O acesso a um mundo onde se podia enxergar o que não deveria ser, às vezes, dito- uma experiência extrema de pensamento.
Reinventando as palavras, flutuando sobre o sentido, penetrar espaços seus habitar neles, sem se fixar num lugar, sem estar em terra firme. Num navio fantasma, eu, operário de carne e osso no comando rumo ao horizonte da compreensão, do ser enquanto ser múltiplo, plural, mutante.
O Recife nunca foi, tanto quanto eu, essencialmente positivista. A rede de significações tecida nesta cidade, feita de luta e resistência, feita num período depois daoIluminismo francês mas poderia muito bem ser pré-cabralino em seu processo de transformação dos seus habitantes em sujeitos.
Temo que ao ansiar por uma nova mecânica de poder eu tenha reforçado ao mesmo tempo certos valores antigos que se embutiram, de alguma forma, às minhas estratégias de composição e divulgação de textos. Queria que a mídia não adestrasse os recifenses do modo que vem acontecendo de forma tão insistente. Aqui a guerra não é o contrário da paz quando se trata, por assim dizer, de literatura- a história de uns não é mais a história de todos.
É uma anti-história o que se faz no Recife e a minha literatura reflete, ou busca refletir um shakespeariano ser e não-ser.


                                                                               Moisés Monteiro de Melo Neto
                      Recife, julho de 2004, em entrevista a Leidson Ferraz

Fazer teatro em Recife sempre foi tarefa quase impossível, principalmente pela resistência - histórica - do empresariado em apostar na produção local. Por essa razão, a atriz Augusta Ferraz e Moisés Monteiro de Melo Neto fundaram em 1983 a Ilusionistas Corporação Artística, a partir do espetáculo infantil "Mas... A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho Não Foi Bem Assim", escrito e dirigido por Augusta Ferraz. Outros profissionais aderiram pouco tempo depois: os atores Fátima Barreto, Paulo Barros, Vladmir Combre de Sena, Rivaldo Casado, Buarque de Aquino, Mísia Coutinho, Simone Figueiredo e o também autor Henrique Amaral; Zuleima Ferraz, mãe de Augusta e responsável pela criação dos figurinos de parte das produções do grupo; o cenógrafo Mozart Guerra e o fotógrafo Adeilson Amorim.

Em 1986-87, entraram Beto Vieira (que ficou pouco tempo), Mísia Coutinho e Miriam Pimentel. No ano seguinte, Augusta e Zuleima Ferraz desligaram-se da corporativa. Ao longo da década de 90, parte dos membros da Ilusionistas deixou a cidade e até mesmo o país, como Fátima Barreto, Paulo Barros, Mozart Guerra e Vladmir Combre de Sena. Hoje, a Ilusionistas é composta apenas por Moisés Monteiro de Melo Neto e Simone Figueiredo

Manifesto Ilusionista
Tem gente que diz que o teatro que a gente tenta é um sonho, uma utopia de transformação disso tudo que está aí e a gente já sabe que não vai levar a lugar nenhum.
O sonho não pode parar de rolar: Drama, poesia, música ,dança , mímica, qualquer que seja a ferramenta do momento, nossa arte estará ali. Palco italiano, caixa de papelão na praça. Crítica sagaz, mutante. O poder da criação.
Sabem quem é Erwin Piscator ? Elia Kazan ?
Se sonhamos ao som do trombone do Asdrúbal (Asdrúbal Trouxe o Trombone-"Trate-me Leão" ) ou se incorporamos experiências do Globe Theatre ao revisar o texto de Hamlet, ao adaptá-lo à nossa linguagem dos anos 80 . Em que rio atirar Ofélia? Com que cortina esconder o rato Polônio? . "Alegres coveiros ", sentencia o agonizante Kremlin (URSS).
Há 25 anos aconteceu o "Movimento Popular de Cultura" aqui em Pernambuco. As propostas agora são outras. Estamos descobrindo uma nova forma de fazer teatro.
Se não conhece nosso teatro , vide a bula.
Muitas vezes ambientamos nossos espetáculos de maneira pouco convencional, como foi o caso de "A Noite dos Assassinos" (do cubano José Triana), para teatro de arena e "Chapeuzinho Vermelho", onde utilizávamos a natureza como parte do cenário.
Satirizar o homem ou martirizá-lo ?
Produção alternativa significa que as quatro paredes da cena são móveis. Queremos derrubá-las.
Viva o gozo da liberdade sem fronteiras.
Abaixo a burocracia cênica .
O prazer de criar nos uniu.
Depois de usar velhas teorias temos que buscar novas. Buscar novos caminhos praticando teatro.
Pouco se importar com a crítica engajada ou alienada.
A literatura da seca não nos atinge. Somos urbanos. O que não impede que nossos atores participem de musicais populares, como "Viva o Cordão Encarnado " de Luiz Marinho, direção de Luís Mendonça - o primeiro Cristo de Nova Jerusalém e que lançou Elba Ramalho e Tânia Alves, participou do Movimento Popular ao lado de Hermilo e Ariano.
Colocar a favela em cena no espetáculo "Prazeres da Revolução" ou jogar uma burguesa perua chique em Cuba ("Evita- me à Cubana"), jogar o "Fausto" numa boate.
Incendiar a lira ! Incendiar a lira em cena!
Dar asas aos dramas psicológicos e sátiras ferozes escritos por nosso ilusionista Henrique Amaral , como por exemplo "Punhal", dirigido pelo diretor Carlos Carvalho, ou "Percepção", montado no teatro do SESC de Santo Amaro com direção do próprio Henrique.
Encarar o absurdo.
Dissecar o que une os casais, o que é o amor e o riso em espetáculos como "O Bolo".
Instalar-se além da política.
Espetáculos como "Cleópatra " devem misturar história, cultura erudita, com linguagem de rua, linguagem de favela e linguagem de aeroporto internacional.
Fazer experiências com a palavra e a expressão corporal. O gesto icônico buscado por Vladmir Combre de Sena em "O Desobumbrar da Ambunda" (Teatro Apolo- com Simone Figueiredo e o próprio Vládmir no elenco).
Fazer pesquisas musicais como nos espetáculos " Um Certo DelmiroGouveia", "Draculin", "Urânia no rastro do Halley" e os projetos de montar "Hamlet" ( transformá- lo numa ópera pop /rock misturando ritmos nordestinos, como fizemos em "Draculin e o Circo no Espaço", com música de Gilberto Maymone e em "Delmiro" com música de Emanuel Bandeira de Souza que misturou maxixe, chorinho e música de banda com música moderna) .
Que circo, bar, boate, zoológico, clube, pátio, cidade do interior e o mundo inteiro seja um palco para os Ilusionistas! E que qualquer um possa ser Ilusionista!
Difundir a Filosofia Ilusionista de fazer teatro.
Acreditar que existe algo de mágico entre a vida e a cena.
Nutrir- se de erros e acertos no fazer laboratorial.
Misturar-se, incorporar várias experiências
Não ter medo de tempestade nem de calmaria.
Evoé!
Recife 1987.
Ilusionistas Corporação Artística:
Zuleima Ferraz
Moisés Monteiro de Melo Neto
Augusta Ferraz (presidente)
Simone Figueiredo
Vládmir Combre de Sena
Henrique Amaral
Rivaldo Casado
Fátima Barreto
Paulo Barros
Mozart Guerra
Adeilson Amorim
Buarque de Aquino
Beto Vieira, Mísia Coutinho e Miriam Pimentel

Ilusionistas estrelam a noite do Teatro Arraial


O Ilusionistas Corporação Artística realiza hoje a exposição Ilusionistas Rumo ao 3° Milênio, no Teatro Arraial, a partir das 19h. O evento foi escolhido pela Federação de Teatro Amador do estado, para integrar o projeto Memória da Cena Pernambucana.

A corporação promete uma noite cheia de atrações. Haverá a estréia de um vídeo que leva o mesmo nome da exposição, com cerca de um hora. Após a exibição, debates e performances com personalidades do teatro local.

O grupo Ilusionistas foi formado há 16 anos por um grupo de jovens artistas, tendo como seus fundadores, Moisés Monteiro de Melo Neto, Zuleima e Augusta Ferraz. Daquele período para cá, promoveu cursos, palestras, publicação de livros e produções para teatros convencionais. Também se fez pioneiro nas apresentações em bares, boates e festas de aniversários. Esta versatilidade proporcionou ao grupo, em 1992, atingir a um repertório de quase uma dezena de espetáculos por ano.

Outros nomes importantes também compõem o grupo, como Henrique Amaral, Mísia Coutinho, Adeilson Amorim, Mozart Guerra, Vladimir Combre de Sena, Rivaldo Casado e Gê Domingues. Buscando sempre novos horizontes, até para possibilitar a perpetuação do grupo, a Ilusionistas promove ainda eventos de outras expressões artísticas, como música, dança, artes plásticas, mostras de filmes e de fotografia e realização de vídeos como Frankestein em Pasárgada e Revivencial. Em 1993, os artistas ficaram de fora da cena oficial do estado, para realizar espetáculos apenas em escolas.

Para este ano, a corporação está planejando a estréia do espetáculo Feliz Natal, de Moisés Monteiro de Melo Neto. O projeto Memória da Cena Pernambucana, promovido pela Feteape, deve incluir o evento da noite de hoje no livro que está sendo preparado pela instituição.   (Jornal do Commercio - Recife, 28 de junho de 1998)



Entrevista com membros da
ILUSIONISTAS CORPORAÇÃO ARTÍSTICA

Data: 28/07/1998.
Mediadora: Elaney Acioly.
Expositores: Moisés Monteiro de Melo Neto, Simone Figueiredo, Augusta Ferraz, Gê Domingues, Henrique Amaral, Mísia Coutinho, Vavá Paulino e Vládmir Combre de Sena.
Local: Teatro Arraial, Recife, Rua da Aurora.

Elaney Acioly: Numa noite diferente,[1] temos o prazer de receber uma trupe de artistas também diferentes: a Ilusionistas Corporação Artística. Jovens que não tiveram medo de ousar, enveredando, inclusive, por um mercado teatral bem alternativo. Com a palavra, Moisés Monteiro de Melo Neto.

Moisés Monteiro de Melo Neto: A Ilusionistas Corporação Artística começou sua trajetória em 1982 com a peça Mas... a verdadeira estória de Chapeuzinho Vermelho não foi bem assim, texto e direção de Augusta Ferraz, já num espaço alternativo: entre as árvores do pátio externo do Teatro Joaquim Cardozo. Mesmo apostando numa produção feita sem grandes pretensões, a verdade é que sempre investimos em um tipo de teatro que, aqui, ninguém fez ou ainda faz.[2] Um teatro eminentemente alternativo, uma espécie de vanguarda, que hoje nem é mais. E levamos muito “cacete” por isso, também porque nos achávamos os mais jovens e os mais inteligentes. Sofremos muita discriminação por parte de algumas pessoas desinformadas que nos consideravam ousados demais. Mas era a nossa proposta. Não adianta bancar o certinho porque nunca dá certo e é daí que vem a loucura. Se você é gauche, tem que ficar torto mesmo. Estreamos com uma peça voltada para crianças e eu confesso, jamais gostaria de fazer um teatro careta como o que é realizado aqui. Nunca nos interessou produzir uma pecinha com bichinhos de pelúcia ou excessos de poeticidade, todas essas babaquices. Lembro que Marco Camarotti, pesquisador do teatro para a infância e juventude, nos criticou muito porque uma de nossas peças infantis, A maior bagunça de todos os tempos, estreada em 1990, com direção de Buarque de Aquino, começava com uma tentativa de assassinato. Era uma adaptação minha de A Branca de Neve e os sete anões e a 1ª cena era o empregado da Rainha tentando esfaquear a inocente mocinha na floresta. Pôxa, mas isso é do conto de fadas, apenas começamos a trama por esta parte! E foi assim que a gente sempre fez, sem, no entanto, afastar o público. As nossas outras produções infantis, Draculin e o circo no espaço, texto meu, igualmente dirigido por Buarque de Aquino, em 1985, e Urânia no rastro do Halley, de 1986, que Augusta Ferraz escreveu e dirigiu, foram peças que ficaram meses em cartaz. Em 1984, tivemos a 1ª experiência de ocupar um palco totalmente alternativo, o bar 3x4, frequentado por um pessoal mais descolado. Johnny Glicerina for president foi o nosso happening de estréia, numa concepção minha e de Marco Hanois. Dom Hélder até mandou chamar a polícia porque colocávamos um caixão em frente a Igreja das Fronteiras e, de lá, seguíamos em cortejo para o bar. A partir de 1986 que optamos, de fato, por alternar nosso repertório entre os palcos mais convencionais – teatros como o Santa Isabel, Apolo, Barreto Júnior e Valdemar de Oliveira – e espaços alternativos, que compunham o chamado “circuito das Graças/Boa Vista”, onde a gente vivia. Várias vezes nos apresentamos, por exemplo, na Misty, uma boate que mantinha um certo clima de liberalismo e era frequentada até por gente careta, afinal, era o melhor lugar para se dançar no Recife nos anos 80 e 90. No Espaço Água de Beber, um restaurante-bar chiquérrimo, o cachê era muito superior ao pago pelos produtores no teatro e, depois de cada apresentação, todos nós da equipe ficávamos na farra até de manhã cedo. Éramos muito notívagos. Quantos amanheceres acompanhamos juntos!

Elaney Acioly: Chegou um momento dessa trajetória que você decidiu parar, não?

Moisés Monteiro de Melo Neto: Em 1991, quando estreei La cumparsita, no Teatro José Carlos Cavalcanti Borges, adaptação minha a partir do livro Sangue de amor correspondido, de Manuel Puig, li uma crítica muito mal escrita, que nem sequer trazia a ficha técnica corretamente e ainda dizia que Ivonete Melo, uma das atrizes do elenco, estava irreconhecível.[3] Bom, como sou muito passional, vi que era melhor “bater em retirada” e passei seis anos afastado do palco. Como não concordávamos com o que começou a ser escrito nos jornais, decidi não mais compactuar com aquele tipo de cena que estavam tentando forjar para o Recife, uma cena falsa, porque queriam que nos nivelássemos pela nata de produção do eixo Rio-São Paulo. O maior problema é que era exigida uma estrutura profissional de se fazer teatro inexistente aqui. Até hoje não tem nenhum ator que sobreviva financeiramente de sua atividade, que tenha, por exemplo, uma carteira de trabalho registrada com qualquer uma dessas produtoras. Ninguém tem. Se hoje o artista recebe cachê, amanhã não. São pessoas que ganham pouco e não têm a mínima estrutura. Fazem trapézio sem rede; se caírem, se esborracham no chão. E mesmo assim nós sobrevivemos. Estávamos chegando a uma fase de quase estabilidade. Isso porque fazíamos teatro em bares e boates, na tentativa de conseguir dinheiro para a produção, já que a ajuda oficial com a qual contávamos para alguns trabalhos, em especial da Fundarpe e Prefeitura do Recife, não era suficiente. Ainda assim, conseguimos compor um repertório que, se não agradou aos pseudo-críticos, presenteou o pessoal da noite recifense com peças de gêneros diversos em lugares como o Espaço Água de Beber, o 3x4, a Boate Araras e a Boate Misty, entre muitos outros points, além de cumprirmos temporada em quase todos os teatros oficiais da cidade. Bem, voltei a escrever no ano passado e estamos com uma nova produção para breve, cujo título provisório é Feliz Natal.[4]

Augusta Ferraz: Acho interessante explicar que a proposta do grupo nasceu comigo, Moisés e Zuleima Ferraz, que, por acaso, é minha mãe e foi também responsável pela criação dos figurinos de boa parte das nossas produções. Mamãe foi professora de História, Geografia e vem de uma família que, se não era constituída de artistas, manteve sempre uma relação com a cultura, lendo bons livros, ouvindo uma boa música. “Os Ilusionistas”, como inicialmente se chamava o grupo, teve sua fundação em 1982, como Moisés falou, mais especificamente no dia 12 de julho, data do meu aniversário. O nome, sugerido por mim, foi inspirado na idéia da ilusão, nesse sentido do teatro também ser mágico. Moisés é que, pouco depois, mudou para Ilusionistas Corporação Artística. Fui presidente do grupo e fico super feliz em ver que durante esses anos todos, essa turma ainda está trabalhando. Dá para perceber que as pessoas que permanecem há muito tempo ou estão entrando agora, ainda topam se comprometer com a exposição, não têm medo de exibir a sua personalidade, suas idéias dentro de um mundo tão marqueteiro, tão cheio de mídia e de posturas corretas, diplomáticas, esses absurdos todos do “ter que bancar o certinho”. Eu, particularmente, me sinto vaidosa de ter participado dessa equipe, um grupo de artistas extremamente urbanos, sempre revivendo as grandes figuras da história e trazendo à tona o cinismo dessas épocas, desses personagens. Como foi o caso de Cleópatra e Evita, em Cleópatra, a piada, que cheguei a dirigir, e Evita-me à cubana, que não tive nenhuma participação, duas propostas bem subversivas. Nesse grupo de artistas urbanos encontrava-se de tudo, até travestis em alguns trabalhos, mas, principalmente, estudantes universitários que tinham o direito de ser rebeldes, acreditando que aquilo que faziam, sem querer bancar o diferente, era o que estava certo. Quando me desliguei do grupo, saí radicalmente.

Elaney Acioly: E por que começar com um espetáculo para crianças em apresentações ao ar livre?

Augusta Ferraz: Nossa montagem de estréia foi Mas... a verdadeira estória de chapeuzinho não foi bem assim, minha 1ª experiência como autora e diretora teatral. Essa peça ganhou duas versões, com dois elencos diferentes, uma em 1982, outra no ano seguinte. Acho que comecei com uma proposta para crianças porque me considero bem infantil. A vida foi sempre muito lúdica na minha cabeça. E olha que sou do tempo de brincar nos quintais! Em seguida, fiz um adulto, A noite dos assassinos, meu 2º trabalho como diretora, montado no Teatro Joaquim Cardozo em parte transformado. O cenário era meu e de Pierson Barreto e a proposta era mexer com o convencional. Eliminamos a platéia, completamos o palco cobrindo todas as cadeiras e ainda pusemos uma arquibancada de ferro para o público, que participava como uma espécie de júri, interferindo no espetáculo. O texto do cubano José Triana, magnífico, põe em cena três irmãos que divagam o tempo todo num jogo imaginário, após assassinarem os próprios pais. Existia também a imagem de uma loba enorme em cena, arquétipo da mãe, de onde os atores saíam para a cena. A montagem, com Moisés Monteiro de Melo Neto, Manoel Constantino e Miriam Juvino, causou um certo burburinho. Em 1985, fui participar de outras produções na cidade, até que, em 1986, surgiu essa possibilidade de fazer teatro em espaços ainda mais alternativos que o Joaquim Cardozo: bares noturnos. Na época, tínhamos também uma necessidade de preparar peças rápidas – geralmente, de meia-hora, no máximo – e ganhar algum dinheiro com aquilo. Lotávamos os bares, levando pessoas que não era frequentadoras do lugar, que iam para assistir o nosso trabalho. Gente que tinha uma certa rebeldia também, vamos dizer assim. A 1ª experiência que fiz, em temporada, foi O bolo ou o vazio do céu que esvaziou o mundo, texto de Moisés Monteiro de Melo Neto, dirigido e interpretado por nós dois no Espaço Água de Beber, localizado na Praça de Casa Forte. Em seguida, veio Anjo vitimado, com texto, adaptação e direção minhas, escrito a partir de idéias do livro Merlim ou a terra deserta, de Tankred Dorst e de Assim falou Zarathustra, de Nietzsche. Eu interpretava uma mulher que, durante a Idade Média, no meio da noite, descia de uma escada com um candelabro enorme – foi Walter Holmes quem o criou para nós – e começava a contar seus pesadelos. Paulo Barros contracenava comigo como o Anjo Exterminador, ou seja, era como se a minha personagem estivesse no passado ouvindo o futuro. Uma proposta um tanto complicada, apostando numa linguagem surrealista e simbolista ao mesmo tempo. Tudo muito intuitivo, vamos dizer assim, porque, de fato, eu ainda não sabia o que havia por trás de cada idéia. Na prática, o grupo fazia muita pesquisa, eu é que era bastante preguiçosa. Ainda em 1986, escrevi e dirigi Urânia no rastro do Halley, em cartaz no Teatro Valdemar de Oliveira, mostrando às crianças um pouco da mitologia grega e da simbologia mística, tendo como ponto de partida a obra do astrônomo francês, Camille Flammarion. Confesso que, nessa época, eu já lia um pouco mais. A peça conta a história de um menino que sonha e se confronta com mitos gregos, no período da passagem do cometa Halley. No elenco estavam, entre outros, Magdale Alves, no papel de Urânia, Henrique Amaral, como o menino Camille e Vládmir Combre de Sena, vivendo Fobos, o Medo. Moisés Monteiro de Melo Neto era um personagem invisível, Deimos, o Pavor. Somente sua voz aparecia numa gravação. Essa peça foi uma co-produção da Ilusionistas com a Papagaios Produções Artísticas. A experiência mais divertida que vivi no grupo, como já citei, foi Cleópatra, a piada, texto de Moisés, com direção minha, apresentada no 1º Festival de Humor promovido pela Fundação de Cultura Cidade do Recife, no Teatro Barreto Júnior, e, depois, em curta temporada no Circo Voador. Era uma versão escrachada da história da rainha do Egito, vista como uma espécie de Dercy Gonçalves com empáfia. Dercy, por sinal, é um dos meus ídolos. A abertura já causava um choque, com Cleópatra – Simone Figueiredo no papel – fazendo sexo com Marco Antônio, interpretado por Vládmir Combre de Sena. Lembro que fiz também esse happening que Moisés contou, bem no início da Ilusionistas, Johnny Glicerina for president. Ele começava com um cortejo pela rua, em direção ao bar 3x4, que fica em frente a Igreja das Fronteiras. Eu que vinha carregada no caixão de defunto, e quando saía de dentro dele, minha maquiagem era mefistofélica. Um barato! Até que chegou um momento que eu não aguentava mais as discussões e as brigas dentro do grupo. Muito porque eu achava que tínhamos que ter uma vertente definida e não uma produção em série. E entreguei tudo. Um tempo depois me convidaram para fazer a Gertrudes, mãe de Hamlet, no musical Hamlet – um musical pop. Topei, mas não passei três semanas ensaiando. Era tudo muito místico, com direito a incenso e se falava muito. Não aguentei e disse: “Chega!”. Nunca mais voltei à Ilusionistas e vi poucos trabalhos depois.

Gê Domingues: Bem, apareci meio que por acaso nessa turma. Minha experiência começou com o lado plástico das peças, a cenografia e a maquiagem, enveredando por um tipo de estética over que até então não havia sido explorada pelo grupo. Tinha um certo exagero no que era feito e, através dessa experiência, pude estar num vídeo de Moisés Monteiro de Melo Neto, Com o crime nos olhos, minha estréia como ator. Em clima de humor negro, fiz também a maquiagem e os adereços de O horror ou Frankestein em Pasárgada, com Black Escobar, Henrique Amaral e Maria Paula Costa Rêgo no elenco e assinei ainda a maquiagem e os adereços do infantil A maior bagunça de todos os tempos. Como canto desde 1986, Moisés escreveu para mim Ketchup ópera, musical contemporâneo apresentado num bar underground da Boa Vista chamado O Beco. Nesse trabalho, eu interpretava canções do final dos anos 80, algumas minhas e, também, versões da Janis Joplin. A Ilusionistas ainda produziu um outro show meu, Tara blue. Também atuei numa sátira que Moisés escreveu, Shakespeare acorrentado, na Boate Misty, unindo a linguagem clássica à vulgar.[5] A Ilusionistas foi uma espécie de berço para eu descobrir o que era o teatro e a cena pernambucana daqueles tempos. A música veio a reboque disso tudo.

Simone Figueiredo: Entrei no grupo em 1983, graças a Augusta Ferraz. Eu era estudante de Arquitetura da UFPE e, também, por um acaso, fui parar no teatro quando Pierson Barreto, que estudava comigo, me introduziu nesse mundo. Fizemos, juntos, um trabalho para a universidade e Augusta, que atuava com ele no Teatro dos Estudantes do Centro de Artes – Teca, nos assistiu e acabou me convidando para Mas... a verdadeira estória de Chapeuzinho Vermelho não foi bem assim. Estreei já como protagonista, e quando fomos participar do 3º Festival de Teatro do Recife, fui rebelde, resolvi ir para o Congresso Latino-americano de Arquitetura, em São Paulo, e Augusta acabou me substituindo na personagem, apesar do meu esforço de chegar no dia do festival. Comecei assim, revolucionando, anarquista e brincando com o fazer teatral. Depois, dei um tempo porque Arquitetura pesava muito na minha vida. Mas o teatro era o meu caminho natural, e voltei aos palcos através de Moisés Monteiro de Melo Neto, em 1985, com a estréia dele como autor e diretor teatral em Verdades e mentiras ou o diário secreto de Janis Joplin. Novamente, Pierson Barreto foi o meu padrinho, me indicando para o espetáculo. Aí, não parei mais e o teatro foi me envolvendo totalmente. Acho que foi paixão à 1ª vista. Moisés foi meu professor no palco, minha formação, quem me estimulou à leitura teatral. Éramos todos muito irreverentes, menos ligados aos padrões e diferentes até na forma da gente se comportar. Acho que, até hoje, a irreverência dos Ilusionistas se faz presente em tudo que desenvolvo, porque nunca me ative à convenção. E não deixo de inovar. Um exemplo disso foi o trabalho que apresentamos no dia 27 de março, Dia Mundial do Teatro e do Circo, em 1992, período em que eu era programadora cultural da Casa da Cultura e consegui fechar uma parceria com Célia Muniz, supervisora daquele espaço, e Rubinho Valença, presidente da Fundarpe. Numa produção da Ilusionistas, reunimos quase 200 artistas numa festiva apresentação-coletânea[6] de vários textos do teatro em diversas épocas, sob direção de Carlos Carvalho e roteiro de Moisés. Esse caráter do libertário, da busca do novo, mostra que a Ilusionistas Corporação Artística está a toda hora me acompanhando nos projetos que desenvolvo, mesmo à frente de órgão público.

Moisés Monteiro de Melo Neto: Hamlet – um musical pop foi um marco na história da Ilusionistas porque a peça enfrentou uma série de problemas que fugiram do nosso controle. Depois dela, tive que passar quatro meses em Brasília porque criei um verdadeiro pânico do Recife. Foi a nossa produção mais cara, apresentada apenas umas seis vezes no Teatro Valdemar de Oliveira, em 1988, já que a temporada que seria no Teatro de Santa Isabel foi cancelada. A montagem misturava elementos tradicionais com música pop contemporânea, utilizando elementos do rock, hip hop, MPB, música clássica, dance music e, pela 1ª vez no teatro, introduzindo o sample. A idéia original seria a de uma trupe de atores no ensaio geral de Hamlet mas a peça acabou sendo uma versão mais ou menos livre e musical do próprio clássico shakespeariano. As músicas de Ricardo Valença eram um show à parte. Numa delas, há um trecho que gostaria de lembrar: “Se eu tivesse alguma chance de refazer tudo o que eu fiz de errado, eu talvez errasse mais ou talvez até passasse pro seu lado”.
Simone Figueiredo: Hamlet – um musical pop foi mesmo um divisor de águas na história do grupo. Era um projeto antigo, de uns dois anos ou mais, com cenário baseado no expressionismo alemão. Uma peça realmente caríssima, numa co-produção com a Festim Produções, de Miriam Juvino e João Júnior. Miriam foi quem sugeriu convidarmos Alberto Giecco para dirigir o trabalho, um diretor argentino muito ligado ao cinema que estava morando em São Paulo. Ele acabou trabalhando em parceria com Paulo Falcão. Algumas pessoas da Ilusionistas ficaram de fora porque Alberto quis fazer uma seleção de elenco e, daí, tivemos a participação de atores convidados como Bruno Garcia, Alexandre Alencar e o próprio Paulo Falcão. Durante o processo de ensaios, o diretor propôs vários laboratórios e até exercícios de ioga, algo que tinha muito a ver comigo porque sempre acreditei muito na busca por um equilíbrio através da filosofia oriental. Com o apoio do British Council, FUNDAJ e Secretaria de Educação e Cultura do estado de Pernambuco. Fizemos ainda o projeto Shakespeare para todos, com uma exposição sobre vida e obra do bardo inglês. Além disso, houve exibição de filmes inspirados em suas peças. O material veio especialmente de Londres, com apoio, também, da Empetur, ou seja, tinha um certo glamour... . Geralmente dois ou três componentes do grupo assumiam a produção executiva do espetáculo. Geralmente eu e Moisés, Adeilson Amorim(fotógrafo) sempre esteve conosco e Rivaldo Casado em algumas montagens. Minha visão sempre foi apostar no profissionalismo. Na época do Hamlet, com a saída da Festim Produções, envolvida em outro projeto, segui na produção sozinha, mesmo sabendo do enorme peso, segui meu coração e atendi ao pedido dos envolvidos para continuar o projeto e convidei Janice Marques, da Center, pra unir-se a mim. E foi assim. Minha visão foi sempre apostar no profissionalismo. Na época do Hamlet talvez eu não tivesse a maturidade necessária, mas tentei dar condições de trabalho a quem estava conosco. Hoje, numa nova produção, acho que a gente tem que acompanhar o mercado, buscando apoio dos órgãos públicos e da iniciativa privada para que esse meu objetivo realmente se torne possível.

Vládmir Combre de Sena: Acho que sou da 2ª geração dos Ilusionistas, ou seja, a turma que entrou a partir de 1985. Eu, particularmente, não vejo tanto unidade no grupo e acho que uma de nossas características foi exatamente essa falta de unidade. Não existia um pensamento único, um discurso a seguir: “Nós somos marginais ou rebeldes ou aquilo outro”. Nós éramos e fazíamos. Até, às vezes, sem saber. Houve muito diletantismo também. Foi poético, um momento bonito nas nossas vidas. O que acho uma pena é que o panorama político-cultural da cidade, nos dias de hoje, não seja diferente, não tenha mudado, porque nós mudamos. Esse panorama não permite, como outrora não permitia, que grupos como o nosso se desenvolva e sobreviva do próprio trabalho, pela total falta de apoio. Fazer teatro em Recife sempre foi uma tarefa de Hércules, principalmente pela resistência do empresariado em apostar na produção local. Acho que também por essa razão foi fundada a Ilusionistas, para provar que era possível fazer isso. E fizemos. Agradando ou não.[7]

Vavá Paulino: O 1º contato que tive com a Ilusionistas foi como platéia, e uma das imagens que guardo com muito carinho é da Ana Célia fazendo o espetáculo musical Um certo Delmiro Gouveia, no Teatro de Santa Isabel, em 1985. Tinha uma fala que ela dava no espetáculo – “Não vá, Delmiro!” – que me persegue até hoje e acho que vai me acompanhar pelo resto da vida. Para mim, significava o que eu chamei de “new expressionismo pernambucano”, algo que os atores daqui faziam, com uma melodia engraçada no falar e uma impostação de voz bem típica. Eu tinha acabado de chegar em Recife, estava começando meu envolvimento com as artes. Na verdade, já me dedicava ao teatro mas numa cidade muito longe da capital, Floresta, a 450 quilômetros de distância. A galerinha da Ilusionistas conheci em 1983. Acompanhei bastante o trabalho deles, que eu considerava “um pé à frente”, algo artaudiano, como uma loucura saudável. Isso sempre me chamou a atenção. Não gostei de uma ou outra experiência, mas o todo me agradava bastante. Principalmente por perceber uma preocupação com a pesquisa. Essa dedicação ao estudo me fazia gostar ainda mais deles, além dessa ligação com o pop, de estar antenado com o que acontecia no 1º Mundo. O 1º contato de trabalho mesmo, foi quando a Ilusionistas fez a produção executiva de A revolta dos brinquedos, da Circus Produções Artísticas, em 1989, com José Francisco Filho na direção, uma experiência maravilhosa. Até hoje não tive a oportunidade de experimentar e nem vi acontecer com nenhuma outra produção infantil o que vivemos naquela época, tendo Moisés Monteiro de Melo Neto e Mísia Coutinho à frente da produção. Eles conseguiam lotar o Teatro Apolo, um espaço que sempre sofreu pela rejeição do público. Era casa cheia durante o meio da semana, quando eram vendidos espetáculos para escolas, e também nos sábados e domingos. Ganhei um bom dinheiro. Depois, fiz o meu debut como ator da Ilusionistas na comédia Um tostão para Isabelita, durante essa grande comemoração do Dia Mundial do Teatro, que Simone já falou. Foi realmente um mega-espetáculo, com vários artistas convidados a trazer seus trabalhos. Minha apresentação aconteceu no centro da Casa da Cultura, uma única vez. Eu vivia a Isabelita, uma atriz decadente que se diz argentina, força um sotaque e é explorada pelo seu empresário, um cafetão interpretado por Buarque de Aquino. O texto, de Moisés Monteiro de Melo Neto, com direção também dele, é bem curtinho, conciso e aborda essa exploração, tanto afetiva quanto financeira. Eu já tinha visto uma versão da peça com Valdi Coutinho e Moisés no elenco, período em que a Ilusionistas vivia realizando pocket shows em bares. A cidade prestava por conta disso. Agora, depois de estreitar bem os laços com a maioria do pessoal, estamos com esse trabalho novo, Feliz Natal. A minha identificação com essa turma se deu fundamentalmente por perceber isso que Vládi falou. Apesar dele, que estava muito mais dentro da equipe, constatar que não havia uma unidade, para mim, ela poderia não existir a título de verbalização ideológica, um discurso afinado, mas a prática do grupo deixava tudo muito claro: na hora do fazer, de se posicionar, todos eram iguais, cheios de atitude. Como eu gosto muito de pessoas de atitudes e tenho várias por segundo, a identificação veio por aí.

Henrique Amaral: Meu trabalho com a Ilusionistas iniciou-se em 1983, na 2ª versão de Mas... a verdadeira estória de Chapeuzinho Vermelho não foi bem assim. Fiz a divulgação da peça mas, logo após a estréia, fui demitido porque não gostaram das matérias que saíram. Comecei a experimentar o teatro na Universidade Católica de Pernambuco, quando estudava Jornalismo e me meti a fazer administração de produção no Teatro Universitário Boca Aberta, o Tuba. Na realidade, o palco sempre me chamou mais do que a universidade, tanto que nem terminei o curso. Voltei à Ilusionistas para divulgar A noite dos assassinos e, quase no final da temporada, acabei substituindo Carlos Anthony na iluminação. Desde 1979 eu já escrevia para teatro, aprendendo na prática mesmo. No início, vivi uma fase expressionista que, depois, me assustou bastante. Em 1988 é que mudei de estilo e passei a valorizar mais a comédia, já numa fase fora do grupo, quando fundei a Coopera – Cooperativa de Pesquisa da Linguagem Cênica, cujo filosofia era aproveitar os espaços alternativos e com a qual montei espetáculos como A máscara da assepsia e Pai, filho e um espírito tão santinho. Bom, meu 1º texto a ser encenado na Ilusionistas seria Sangria, que começamos a ensaiar no Teatro Joaquim Cardozo, mas a Polícia Federal acabou proibindo-o. Tínhamos ganho um concurso de auxílio-montagem da Fundarpe mas como a peça tratava de lesbianismo e cocaína, a Censura não deixou fazer. Com a proibição, decidimos montar Punhal, que eu havia escrito um ano antes. Acho que foi a 1ª vez que Carlos Carvalho saiu da linguagem do teatro convencional para dirigir uma peça totalmente expressionista, numa discussão sobre a eutanásia. O personagem principal, Aurélio, vivido na peça pela atriz Ana Célia, depois substituída por Magda Alencar, era um canceroso que precisava cortar as pernas. Com a ajuda do pai e do melhor amigo, ele participa de um ritual para morrer, sendo, ao final, assassinado pela ex-amante, uma ex-presidiária, papel que era de Moisés Monteiro de Melo Neto, ou seja, um pouco de inversão nas personagens masculinas e femininas. O trabalho foi muito bem recebido pela crítica,[8] pena que pouca gente viu. Além de escrever e atuar no grupo, fui também secretário, responsável pelas atas e pela divulgação, já que alguém tinha que fazer essa parte. Ainda em 1985, participei como ator de Verdades e mentiras ou o diário secreto de Janis Joplin, 1ª peça de Moisés Monteiro de Melo Neto. Em seguida, escrevi, dirigi e produzi Percepção, uma montagem extremamente triste, que a crítica não gostou. A estréia aconteceu em 1986, no Teatro do Sesc de Santo Amaro, às segundas e terças-feiras. Quando passamos a ocupar lugares ainda mais alternativos, seguindo uma idéia de Mozart Guerra, gerente de promoções do Espaço Água de Beber, estreei vários textos meus, entre eles, duas comédias dramáticas, Rival de prata, sob direção de Mozart Guerra, e Cinza solidão, dirigida por Carlos Carvalho, peça que eu divulgava como “uma antiinterpretação da vida, escrita em tons de comédia e farsa de abuso”. Nesse mesmo período, já na Boate Misty, atuei em Faustina, com texto e direção de Moisés Monteiro de Melo Neto, uma adaptação satírica da obra de Goethe. E vieram várias outras experiências, algumas em co-produção com a Coopera. A comédia de costumes Brega-chique & camarão, que escrevi e dirigi, tinha muito senso de humor. Era uma proposta um tanto diferenciada na carreira da Ilusionistas, com uma linguagem bem popular, sobre uma mulher sem cultura que chega do interior de Pernambuco, com o marido publicitário, e vai a um restaurante fino cometendo as maiores mancadas. A estréia aconteceu em março de 1986, no Espaço Água de Beber e toda a trupe da noite foi nos assistir. Três anos depois, atuei em O horror ou Frankenstein em Pasárgada, adaptação de Moisés a partir do romance de Mary Shelley, em cartaz no Teatro José Carlos Cavalcanti Borges. Estivemos juntos também, como autores e intérpretes, em Com a víbora no seio, no Espaço Araras, em Boa Viagem, peça que já tinha ganho uma versão anterior com os atores Heitor Dhalia e Rivaldo Casado no Espaço Canto e Arte. O texto conta a história de um professor de arte dramática e crítico teatral apaixonado por um ator que não quer nada com ele. Todas essas montagens feitas para bares e boates eram, assim, um tanto diferentes. A platéia estranhava um pouco, uns aplaudiam, outros odiavam.[9] Uma vez, até jogaram pedras de gelo! Em 1989, lembro que escrevi e encenei duas peças cômicas e curtas: A queda da bastilha, sobre a Revolução Francesa, apresentada no bar Sanatório Geral, nas Graças, e Vendo a lua nascer quadrada, quando Mísia Coutinho experimentou-se, pela 1ª vez, como diretora teatral, vivendo ainda o papel de uma atriz que vai fazer teste para um comercial de TV. Essa montagem foi feita especialmente para o Festival de Humor, no Teatro Apolo. Não conquistamos nenhum prêmio, mas ganhamos a simpatia do público. Em 1990, na Misty, montamos Shakespeare acorrentado, que como Augusta citou, contava com um travesti no elenco, Patrícia Hearst e, também, transformistas, como Marquesa, “a 1ª e única”. Já n’O Beco, outra boate da Boa Vista, apresentamos Ketchup Ópera, show especialmente escrito por Moisés para Gê Domingues, onde eu também atuava. A jornalista Rosário Barreto além de compositora de algumas das músicas atuou como backing vocal ao lado de Simone.

Elaney Acioly: E o que essas experiências traziam em comum?

Henrique Amaral: Quase todas contavam com uma linguagem diferente do que se estava fazendo no teatro naquele momento, apostando numa relação com o público bem mais direta e contundente. Tudo era dito como se fosse um bofetão, mas sem a intenção de chocar ou de ser agressivo, e, acredito, muito mais verdadeiro. O legal de termos ocupado tantos espaços noturnos com os nossos happenings, é que, até então, o palco desses lugares era somente para atores transformistas. E conseguíamos chamar mais público ainda. Gente que passava a frequentar a casa porque tínhamos nossos admiradores também. Em 1992 Moisés resolveu dar essa parada que ele já contou, mas estamos pensando em voltar, promovendo logo logo um ciclo de leituras dramáticas.[10]

Mísia Coutinho: Bom, quando entrei nesse grupo, descobri que antes mesmo de ser convidada por Moisés Monteiro de Melo Neto, eu já era uma ilusionista. Isso porque sempre fui bastante observadora, como todos da equipe, e claro que o teatro-pesquisa que eles faziam me chamava a atenção. Na verdade, minha 1ª participação foi na captação de recursos para Percepção, peça de Henrique Amaral, que ficou em cartaz no Teatro do Sesc de Santo Amaro. Na Boate Misty, produzi e atuei em Cleópatra, comédia de Moisés Monteiro de Melo Neto, numa festa intitulada Uma noite com Cleópatra, e produzi ainda Um tostão para Isabelita, atuando no papel-título, ao lado de Moisés, numa outra festa programada. Fui  também atriz do vídeo Com o crime nos olhos, com roteiro e direção de Moisés Monteiro de Melo Neto. Esse trabalho foi inspirado em O bolo, peça que já tinha sido levada para o palco com Augusta Ferraz em cena. Com Henrique, fiz uma série de peças curtas em bares e boates da cidade. Eram textos encomendados; ele escrevia e dirigia, eu produzia e atuava. Éramos convidados, e pagos, pelos donos desses espaços noturnos, onde funcionávamos também como uma espécie de promoters. No Sanatório Geral, por exemplo, bar que funcionava nas Graças, fizemos A queda da bastilha, que Henrique já citou, onde eu interpretava a louca da Maria Antonieta. Fui até para o Baile dos Artistas daquele ano vestida como a personagem, devidamente acompanhada por Vládmir Combre de Sena. Sempre fui a mais bandoleira do grupo, trabalhando paralelamente com outras produções, mas sentia que mergulhava mesmo na arte com a Ilusionistas. Um dos maiores desafios que enfrentei – e sempre gostei deles – foi minha 1ª experiência como diretora teatral, com a peça Vendo a lua nascer quadrada, de Henrique Amaral. Foi ele quem me induziu: “Topa fazer?”. “Topo”, respondi de cara. Dirigir foi uma experiência boa, faria tudo de novo. A verdade é que sempre fomos ousados: o mundo estava aos nossos pés. Basta querer, não? Estou na Ilusionistas até hoje e pretendo continuar a produzir muito mais.

Moisés Monteiro de Melo Neto: Mísia co-produziu comigo O horror ou Frankestein em Pasárgada, no Teatro José Carlos Cavalcanti Borges e atuou também em Dom Casmurro, adaptação minha a partir da obra de Machado de Assis. Agora, estamos na produção desse meu mais recente texto, Feliz Natal. Bom, lembrando de todos esses trabalhos da Ilusionistas, eu acho que o filme Fome de viver, dirigido por Tony Scott, no início dos anos 80, tem muita coisa a ver comigo, Augusta e Zuleima Ferraz – já que fomos o início de tudo, especialmente numa cena em que a Catherine Deneuve e a Susan Sarandon estão numa cama e uma morde a outra, há muito sangue passando para lá e para cá. Foi algo muito bom o que ela e a mãe dela passaram para mim. Brigamos muito, é verdade, e temos que fazer isso mesmo porque no teatro não há ninguém que não tenha brigado com o outro. É realmente difícil conviver no meio da arte, enfrentando a falta de grana, sem contar que trabalhamos com as emoções. Mas Augusta Ferraz e Zuleima são pessoas que mudaram minha vida para sempre. A verdade é que eu gostaria muito de escrever novamente para Augusta, seria uma honra.

Augusta Ferraz: A Ilusionistas surgiu de uma vontade nossa de entrar nesse mundo da arte, de falarmos e de nos expressarmos. Mas, fundamentalmente, ela sempre teve duas vertentes: a minha e a de Moisés. Eu tinha o meu tipo específico de linguagem, Moisés tinha o dele. Até que houve um momento, em 1988, que percebi que não era mais a minha e me retirei do grupo. Mas é importante registrar que os dois tipos de linguagem, de vivência, funcionavam. Lembra da época do Circo Voador quando a gente montou, em um mês, quatro espetáculos para participar do Festival de Humor do Recife? Foi bem interessante essa experiência, com muita gente envolvida. Tínhamos essa dinâmica de que, quando queríamos concretizar uma idéia, fazíamos mesmo. Em uma semana já existia um espetáculo pronto, sem ter um compromisso muito grande, aliás, quase nenhum, com a mídia ou com os gastos, porque a gente sempre encarou o teatro como exercício da alma e do bolso também. Nunca forjamos ter um dinheiro que não tínhamos, o que é uma característica atual muito grande do Recife. Os produtores culturais recifenses expõem o orçamento de seus projetos no jornal e esses projetos se qualificam pelo preço que valem e não pela representação cultural e artística que têm. Nós sempre fizemos o contrário. Não como uma preocupação, mas como um desejo meio maluco de pôr em prática o que queríamos, sem nos preocuparmos com essas questões tão arraigadas. E todas as pessoas que foram entrando depois de nós três, eu, mamãe e Moisés, inconscientemente também tinham esse desejo na alma, essa vontade de realizar e de fazer. E, fundamentalmente – me perdoem os outros – acho que a Ilusionistas terminou virando a linguagem e a característica do Moisés e, por que não, da Simone, que sempre foi uma pessoa que esteve fomentando junto a ele essa existência do grupo. Esse desejo sempre esteve mais presente neles. Eu caí fora da turma. Os outros que vieram depois, eram cíclicos, chegavam e se despediam com a mesma rapidez. Buarque de Aquino, talvez, tenha sido a presença mais constante depois de mim. O que sei é que esse desejo de se expressar, que originou a Ilusionistas, continua por aí. Tudo porque as pessoas querem vivenciar a questão da arte, da poética, da expressão, da comunicação. Os Ilusionistas tinham e ainda têm essa missão que eu, particularmente, acho muito bonita, que é procurar viver e sobreviver do teatro, mesmo que se utilize os órgãos públicos, porque na maioria das vezes a gente pensa que os órgãos estão nos utilizando, mas nós é que, bem particularmente, estamos utilizando eles para seguir a nossa vontade de levar a arte adiante. Afinal, os órgãos culturais existem para isso, não? O problema é que falta as pessoas delirarem mais, elas estão muito sérias, muito comprometidas, têm que correr bastante, aprender muito e não se dão o direito de saborear o prazer que é fazer arte, para se divertir também. Hoje em dia as pessoas fazem o teatro e a arte com um sofrimento, com uma lamentação. Não há prazer, estão sempre querendo atingir uma coisa onírica, fora do comum, inexistente. E naquilo que é feito cotidianamente falta o prazer, o amor, a loucura, o jogar-se, o atrever-se. A arte é isso. Acho que todos os Ilusionistas, aqueles que participaram de toda a trajetória ou tiveram uma passagem rápida pelo grupo, levaram sempre, com muito prazer, essa opção do “ser artista” adiante, dividindo isso com as outras pessoas e mostrando que é possível viver a arte dessa maneira. E, também, dando o direito a cada um de embarcar nessa história e, quando chegar no seu limite, ter o direito de partir. Cada um com a sua compreensão daquilo, sua doidice, seu nível terapêutico, sua maneira de ser, seu diferencial.

Vládmir Combre de Sena: Queria retomar essa questão da nossa não unidade. Augusta falou que existiam duas vertentes, a dela e a de Moisés, mas é bom ressaltar que também houve a vertente Henrique Amaral e eu comecei um esboço. Encenei dois únicos espetáculos para os Ilusionistas: Perfume, adaptação da obra de Ascenso Ferreira e O desobumbrar da ambunda, texto meu, escrito especialmente para o 1º Festival de Humor do Recife. Depois, resolvi sair do grupo e montei peças com outras pessoas que não eram mais Ilusionistas. Assim como Henrique Amaral, que também fez muitas experiências sozinho. Ele tinha o dom da escritura, eu nunca tive, por isso enveredei pela dramaturgia somente uma única vez.

Augusta Ferraz: Quando coloco essa questão das duas vertentes é porque considero Moisés mais urbano que eu. Eu sou muito mais bucólica, agreste, parca sertaneja. Tanto que o nome do meu grupo atual é esse: Parcas Sertanejas. Quando não citei Vládi e Henrique é porque acho que eles são mais urbanos também. Na verdade, Moisés foi a cabeça de um grande polvo com muitos tentáculos urbânicos. É nesse sentido que eu falo.

Vládmir Combre de Sena: Uma das características da Ilusionistas é que nós experimentávamos, e nesses experimentos foram testadas várias correntes, de várias vertentes. Até Henrique tentou vários estilos. O próprio Moisés testa vários caminhos dentro da obra dele,[11] como você também, Augusta, dentro da sua.

Simone Figueiredo: O comum a tudo isso é a provocação, típica dos Ilusionistas. Ainda bem que experimentei todas essas vertentes dentro do grupo. Comecei com Augusta e, depois, mesmo atuando e produzindo quase todos os textos de Moisés, participei desse único texto produzido, escrito e dirigido por Vládi, O desombumbrar da ambunda, contracenando com Paulo Barros, e fui ainda atriz de Henrique Amaral, explorando minha veia cômica em Brega-chique & camarão. Ou seja, não dispensei a oportunidade de atuar em experiências com os outros integrantes da Ilusionistas, como também em outras produtoras da cidade, como a Papagaios e a Remo Produções. Mas o que me fez deixar de ser arquiteta e virar atriz foi, realmente, os trabalhos que desenvolvi na Ilusionistas, e tenho o maior orgulho de todos eles. Conhecemos a literatura universal, os autores brasileiros, discutíamos muito teatro. Nada era aleatório. Pesquisávamos, íamos às exposições de arte, cinema, líamos poesia, assistíamos a festivais nacionais, trocávamos figurinha com outros grupos. Temos registro disso tudo em ata. Éramos questionadores porque líamos, e, talvez, o que mais incomodava, era que a gente não concordava com essa crítica jornalística imposta de goela abaixo a todos nós que fazíamos arte. Sim, porque alguém se arvorar a dizer que é crítico teatral sem ter formação crítica, não engolíamos mesmo.

Augusta Ferraz: Confesso que durante a minha permanência na Ilusionistas, a crítica sempre respeitou bastante o trabalho que a gente desenvolvia. E, aqui, quero citar os nomes de Éneas Alvarez e Valdi Coutinho. Eles sempre iam nos assistir, conversavam conosco, valorizavam o que, de fato, a gente queria dizer, sem ser preciso corresponder às suas ansiedades de crítico. Demonstravam um respeito ao indivíduo. Mesmo quando escreviam uma crítica dura sobre determinado espetáculo, não eram cruéis, sádicos e, sim, precisos sobre o que estavam abordando. Não diziam o que nós deveríamos fazer mas sugeriam. Bem diferente do que acontece hoje em dia.

Simone Figueiredo: Com a saída de Enéas e Valdi dos jornais, perdemos em espaço e qualidade.

Augusta Ferraz: Nessa questão da imprensa, o que acho um horror é a idéia que gere o jornal: essa ação de ter que criar notícias diariamente, massacrantes, e chupar o sangue de quem quer que seja. Atualmente, as pessoas que se submetem a isso, deveriam ter um pouco mais de decência e falar do próprio rabo. Porque rabo todos têm, principalmente crítico, que geralmente está envolvido com a categoria da qual ele destrói e fala mal.

Moisés Monteiro de Melo Neto: Sempre foi muito difícil seguir mas, apesar do break, vamos continuar produzindo.

Henrique Amaral: A Ilusionistas foi a soma de talentos jovens tentando renovar a linguagem do que se fazia nos palcos do Recife. Em homenagem a isso, quero ler um trecho muito rápido de um texto que escrevi esse ano, Duendes de um apocalipse de mentira.[12] “A idéia é acordar, porém antes tive o cuidado de procurar a minha face no espelho manchado de sangue. Como eu parecia comigo mesmo, como eu era quase o mesmo, quase. A dor tinha me transformado, a loucura havia me seduzido e era nela em que me espelhava, um grande doido no meio da maior doideira desse mundo antropofágico, transformando todos em duendes de um apocalipse de mentira. Cravo em mim um punhal emprestado de um outro texto. Afinal de contas de que me vale um texto, de que me valem as palavras? São deuses brigando entre si e tornando esse mundinho cada dia pior. O mar vai cobrir toda a terra do planeta e a água que está em nossos corpos vai nos inundar. De que me serve estar vivo, desfrutar de três refeições diárias, tomar três duchas, me sentar no aparelho, jogar-me fora com o mundo inteiro que está dentro de mim? De que me servem esses computadores, televisores, refrigeradores, todas essas dores, esse mal-estar contínuo, esse olhar para milhões e milhões de seres impressionantemente iguais a mim? Ouvir som, música, admirar-me em uma porção de imagens em vídeos, em filmes, em fotos, em telas que nunca vão poder me captar verdadeiramente? O homem é uma besta e aceita todas as regras do jogo que lhe são impostas por outros homens, por um passado e por uma história com H maiúsculo que não é sua. A vida de outros homens, a vida do outro, o que pode me interessar? Sou eu quem está comigo, sou eu que carrego essa carcaça de ossos e de carnes putrefatas. Sou eu que rastejo diante de mim mesmo. Não me entendo, não me aceito e não me quero. Se não me perguntassem antes, eu não teria dado a permissão para vir a este mundo. Então, não venham reclamar das minhas faltas, das minhas ausências, das minhas loucuras. Eu não disse que queria estar aqui. E eu não sei se queria estar aqui”.

Ilusionistas Corporação Artística – Montagens
1982
Mas... a verdadeira estória de Chapeuzinho Vermelho não foi bem assim
Texto e direção: Augusta Ferraz. Figurinos e administração: Zuleima Ferraz. Cenografia: Augusta Ferraz, Rinaldo, Frederico da Luz Guerreiro e Carlos Anthony. Coreografias: Christiane Moraes Rêgo. Músicas: Reginaldo Santos. Letras: Augusta Ferraz e Reginaldo Santos. Músicos (gravação): Edgar Queiroz, Pierre Novelino, Lúcia Matos e Reginaldo Santos. Maquiagem: o grupo. Programação visual: Rinaldo e Augusta Ferraz. Portaria: Carlos Anthony. Produção executiva: Augusta Ferraz, Pedro Júnior, Frederico da Luz Guerreiro e Rinaldo. Elenco: Edna Rodrigues, Paulo Barros, Pedro Júnior, Jandiram Airam (eventualmente substituída por Augusta Ferraz), Fátima Santa Rosa, Frederico da Luz Guerreiro, Alba Lúcia, Valéria Alencar, Rinaldo, Giselda Garret e Carlos Anthony.

1983
Mas... a verdadeira estória de Chapeuzinho Vermelho não foi bem assim
Texto e direção: Augusta Ferraz. Direção musical: Dinara Pessoa e Augusta Ferraz. Músicas: Reginaldo Santos. Letras: Augusta Ferraz e Reginaldo Santos. Sonoplastia: Dinara Pessoa. Execução de sonoplastia: Carlos Anthony. Coreografia: Fátima Barreto. Cenografia: Augusta Ferraz e Rinaldo. Execução de cenografia: Augusta Ferraz, Carlos Anthony, Rinaldo e Augusto Neto. Figurinos: Lúcio Flávio Rios e Zuleima Ferraz. Execução de figurino: Irene Maria, Lúcio Flávio Rios e Zuleima Ferraz. Maquiagem: o grupo. Contra-regras: Augusta Ferraz, Carlos Anthony, Henrique Rodrigues e Magda Alencar. Programação visual: Augusta Ferraz, Magda Alencar e Sulamita Ferreira. Administração: Zuleima Ferraz. Produção executiva: Augusta Ferraz e Henrique Rodrigues. Elenco: Ivete Lourenço, Cristina Brayner, Aidil Araújo, Magda Alencar, Simone Figueiredo, Fátima Barreto, Leonardo Alencar, Marco Mendes, Luciene Leitão e Henrique Rodrigues.

1984
A noite dos assassinos
Texto: José Triana. Tradução: Tânia Pacheco. Direção e sonoplastia: Augusta Ferraz. Movimentos e expressão corporal: Bernot Sanches. Plano de luz: Camilo. Execução de iluminação: Carlos Anthony (substituído por Henrique Amaral). Execução de sonoplastia: Augusta Ferraz e Carlos Anthony (substituídos por Sabrina Serpa). Figurinos e administração: Zuleima Ferraz. Cenário: Pierson Barreto e Augusta Ferraz. Execução de cenário: Pierson Barreto e José Luiz Simon. Adereços: Pierson Barreto, Zé Luiz e Zuleima Ferraz. Programação visual: Miriam Juvino e Marco Hanois. Contra-regra: Carlos Anthony. Produção executiva: Augusta Ferraz, Chocolate, Miriam Juvino e Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Miriam Juvino, Manoel Constantino e Moisés Monteiro de Melo Neto.

Jonny Glicerina for president
Concepção: Marco Hanois e Moisés Monteiro de Melo Neto. Texto, direção, figurinos, maquiagem e adereços: o grupo. Elenco: Marco Hanois, Augusta Ferraz, Moisés Monteiro de Melo Neto, Henrique Amaral, Ana Cláudia Vasconcelos e Manoel Constantino.

1985
Punhal
Texto: Henrique Amaral. Direção: Carlos Carvalho. Cenário: Mozart Guerra. Figurinos: Geny Bandeira de Souza. Iluminação: Adalberto Wagner. Adereços: Márcia Trajano e Mozart Guerra. Programação visual: Rodolfo Mesquita. Elenco: Ana Célia (substituída por Magda Alencar), Henrique Amaral, Moisés Monteiro de Melo Neto e Pedro Ivo Veloso.

Verdades e mentiras ou o diário secreto de Janis Joplin
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Figurinos: Magda Alencar, Moisés Monteiro de Melo Neto e Mozart Guerra. Coreografia: Antônio José (Black Escobar). Sonoplastia: Bruno Ferraz. Iluminação: Mozart Guerra. Administração: Edilson Dutra e Ana Cristina. Produção executiva: Moisés Monteiro de Melo Neto e Adeilson Amorim (Chocolate). Músicos: João Eugênio, Bruno Ferreira, Gabriel Furtado e Lúcio Wanderley. Elenco: Magda Alencar, Henrique Amaral, Pedro Ivo Veloso, Miriam Pimentel, Simone Figueiredo, Black Escobar, Moisés Monteiro de Melo Neto e Paulo Barros.

Draculin e o circo no espaço
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção, cenário e figurinos: Buarque de Aquino. Direção Musical: Gilberto Maymone. Maquiagem: Henrique Melo. Coreografia: Raimundo Branco. Músicos: Bernardino José, George Aubert, Robson Leite, Bartolomeu Mendonça e Henrique Brito. Participação especial: Palhaço Risadinha (Miriam Pimentel). Elenco: Moisés Monteiro de Melo Neto, Ana Célia, Fernando Tavares, Simone Figueiredo, Raimundo Branco, Adriana Dória Matos, Bonifácio, Jarbas Janu, Ivone Maia, Charles Henri e Fernando Chiapetta Júnior.

Um certo Delmiro Gouveia
Texto, direção e figurinos: Moisés Monteiro de Melo Neto. Desenhos: Gláucio Botelho. Sonoplastia: Ricardo Barros. Trilha Sonora: Emanuel Bandeira de Souza. Iluminação: Gustavo Túlio e Sulamita Ferreira. Coreografia: Black Escobar. Elenco: Buarque de Aquino, Ana Célia, Simone Figueiredo, Paulo Barros, Pierson Barreto, Jarbas Janu, Miriam Pimentel, Adriana Dória Matos, Fernando Tavares, Mário Gomes, Otávio Cariello Jr., Edilson Simões e Andréa Rezende.

As três falsas do outro mundo
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto e Jarbas Janu. Direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Sonoplastia e iluminação: Everton Tom e Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Adriana Dória Matos (eventualmente substituída por Simone Figueiredo), Fernando Tavares, Ana Célia, Jarbas Janu, Edilson Adnil e Mário Aniram. Realização em parceria com Artistas Unidos.

1986
Faustina
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto, inspirado em Fausto, de Goethe. Direção, sonoplastia e plano de luz: Moisés Monteiro de Melo Neto. Assistente de direção: Rivaldo Casado. Execução de iluminação e som: Everton Tom e Moisés Monteiro de Melo Neto. Cenário e figurinos: o grupo. Execução de figurinos: Dayse Burgos. Coreografia: José Farias Júnior. Maquiagem: Edilson Adnil e Vládmir Combre de Sena. Produção executiva: Edilson Adnil, Rivaldo Casado, Henrique Amaral, Mário Aniram e Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Simone Figueiredo, Vládmir Combre de Sena (substituído por Rivaldo Casado), José Farias Júnior, Henrique Amaral, Mário Aniram e Edilson Adnil. Realização em parceria com Artistas Unidos.

Perfume
Texto: Ascenso Ferreira. Adaptação, direção, interpretação, maquiagem, figurino e sonoplastia: Vládmir Combre de Sena. Operação de som: Mozart Guerra. Operação de luz: Daniela Araújo. Programação visual: Deborah Echeverria.

Brega-chique & camarão
Texto, direção, seleção musical e iluminação: Henrique Amaral. Maquiagem, operação de som e produção: Mozart Guerra. Programação visual: Deborah Echeverria. Elenco: Paulo Barros, Simone Figueiredo, Henrique Amaral e Mozart Guerra (voz em off).

Rival de prata
Texto: Henrique Amaral. Direção, sonoplastia e cenário: Mozart Guerra. Figurinos: Valéria Loreto, Luciana Neves e Mozart Guerra. Iluminação: Valério Baracho e Gleison Baracho (substituídos por André Rosa). Programação visual: Deborah Echeverria. Músicos: Elly Ameling e Dalton Baldwin. Elenco: Luciana Neves e Valéria Loreto. Realização em parceria com o Espaço Água de Beber.

Urânia no rastro do Halley
Texto, direção, letras das músicas e direção de efeitos em estúdio: Augusta Ferraz. Direção musical, músicas e direção de estúdio: Henrique Macêdo. Cenário, bonecos e contra-regra: João Neto. Figurinos: João Neto e Zuleima Ferraz. Maquiagem: Vládmir Combre de Sena e Augusta Ferraz. Coreografia: Paulo Ricardo Paiva e Márcia Virgínia. Plano de luz e execução: Horácio Falcão. Canhão de luz: Augusta Ferraz e Gustavo Túlio. Operação de som: Roberto Carlos. Olho de Urânia: Mozart Guerra. Execução de figurinos e adereços e administração financeira: Zuleima Ferraz. Cenotécnico e marceneiro: Marcos Almeida. Maquinista: João Neto e Wilson. Músicos (gravação): Henrique Macêdo, João Lera, Eliano Macedo, Hubert e Tovinho. Técnicos de gravação: Hubert Frederico Resembauer e Neném. Programação visual e assistência de produção: Vládmir Combre de Sena. Produção executiva: Augusta Ferraz e Henrique Rodrigues. Elenco: Paulo Barros, Henrique Amaral, Vládmir Combre de Sena, Henrique Rodrigues, Fátima Barreto, Gilberto Brito, Magdale Alves, Moisés Monteiro de Melo Neto e Augusta Ferraz (os dois últimos com voz em off). Realização em parceria com a Papagaios Produções Artísticas.

Prazeres da revolução
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Assistente de direção e produção: Rivaldo Casado. Sonoplastia: Ricardo Barros. Figurinos: Mohan. Adereços: Zuleima Ferraz. Bonecos: Buarque de Aquino e Mozart Guerra. Plano de luz: Gustavo Túlio. Execução de iluminação: Luiz Antônio Moraes e Manoel Souza Lima (substituídos por Valério Baracho e André Cavalcanti). Programação Visual: Otávio Cariello. Administração: Mário Castro. Elenco: Simone Figueiredo, Moisés Monteiro de Melo Neto, Andréa Rezende, Fernando Tavares (substituído por Paulo Barros) e Edilson Simões. Realização em parceria com Artistas Unidos.

Evita-me à cubana
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção e figurinos: Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Simone Figueiredo, Fernando Tavares e Renata Echeverria (substituída por Andréa Rezende).

Cinza solidão
Texto: Henrique Amaral. Direção, cenário, figurinos, som, plano de luz e maquiagem: Carlos Carvalho. Execução de iluminação: Mozart Guerra. Elenco: Magda Alencar, Valéria Loreto e Henrique Amaral. Realização em parceria com Artistas Unidos.

Percepção
Texto, direção, seleção musical e operação de som: Henrique Amaral. Efeitos musicais: Paulo Santos. Cenário, grafismo em spray e maquiagem: Mozart Guerra. Marcenaria: Mozart Guerra e Caetano Santos. Figurinos: Lia Menezes, Terezinha e Ibéria Vila Nova. Contra-regra: Kátia Virgínia. Coreografia: Rivaldo Casado. Plano e operação de luz: Horácio Falcão. Programação visual: Rosa Campello. Assistentes de produção: Lia Menezes, Mozart Guerra e Rivaldo Casado. Produção geral: Henrique Amaral e Mísia Coutinho. Elenco: Henrique Amaral, Helena Vila Nova, Rivaldo Casado, Luciana Neves, Roberto Vieira, Arlindo de Aquino e Myriam Pimentel.

Anjo vitimado
Texto baseado em obras de Nietzche e Tankred Dorst. Adaptação e direção: Augusta Ferraz. Adereços: Walter Holmes. Elenco: Augusta Ferraz e Baulo Barros.

O perfume da navalha
Texto a partir de obras de Manoel Constantino, C. W. Ceram e Robert Brustein. Adaptação e direção: Henrique Amaral. Figurinos: Edilza de Aquino. Seleção musical: Henrique Amaral e Mozart Guerra. Operação de som: Erlanger e Mozart Guerra. Assistência de som e luz: Rogério Robalinho e Lourival Nouzinho. Contra-regra: Lia Menezes. Programação visual: Adeilson Amorim (Chocolate), Roberto Vieira e Henrique Amaral. Maquiagem: Mozart Guerra. Produção executiva, cenário e elenco: Henrique Amaral e Roberto Vieira.

Pós-lavas do Vesúvio
Texto e direção: Henrique Amaral. Som, programação visual e maquiagem: Mozart Guerra. Figurinos: Lia Menezes. Luz: Gleison Baracho, Valério Baracho e André Cavalcanti. Produção executiva: Gilson Carneiro Leão, Antônio e João Monteiro. Elenco: Manoel Constantino, Fábio Caio e Henrique Amaral. Realização em parceria com o Grupo de Teatro Cara Pintada.

Cleópatra
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção, cenário e sonoplastia: Augusta Ferraz. Figurinos: Zuleima Ferraz. Iluminação: Helânio Farias. Assistente de produção: Rivaldo Casado. Elenco: Simone Figueiredo, Vládmir Combre de Sena, Fátima Barreto, Roberto Vieira, Paulo Barros e Laelson Vitorino.

O desombumbrar da ambunda
Texto e direção: Vládmir Combre de Sena. Elenco: Rivaldo Casado, Simone Figueiredo e Paulo Barros.

O bolo ou o vazio do céu que esvaziou o mundo
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção, interpretação, plano de luz, sonoplastia, figurinos e adereços: Augusta Ferraz e Moisés Monteiro de Melo Neto. Maquiagem, operação de som e programação visual: Mozart Guerra. Execução de iluminação: Valério Baracho, Glesion Baracho e André Cavalcanti.

1987
Um tostão para Isabelita
Texto, direção e figurinos: Moisés Monteiro de Melo Neto. Músicas: Moisés Monteiro de Melo Neto e Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Elenco: Simone Figueiredo, Moisés Monteiro de Melo Neto e Black Escobar.

1988
Com a víbora no seio
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto e Henrique Amaral. Direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Figurinos e adereços: Mozart Guerra. Som e luz: Marinho Moura (substituído por Gilson Magalhães). Elenco: Rivaldo Casado e Heitor Dhalia (posteriormente substituído por Henrique Amaral). Realização em parceria com Como Assim? e Nova Postura Empreendimentos Culturais.

Hamlet – um musical pop
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto e Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Direção: Paulo Falcão e Alberto Giecco. Músicas e direção musical: Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Cenário: Mozart Guerra. Figurinos: Walter Holmes. Elenco: Moisés Monteiro de Melo Neto, Simone Figueiredo, Ana Célia, Paulo Falcão, Paulo Barros, Bruno Garcia, Carlos Mesquita, Cláudia Guerra, Alexandre Alencar e Heitor Dhalia. Realização em parceria com a Festim Produções.

1989
A revolta dos brinquedos
Texto: Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga. Direção: José Francisco Filho. Cenários e figurinos: Buarque de Aquino. Maquiagem: Gê Domingues. Produção executiva: Moisés Monteiro de Melo Neto e Mísia Coutinho. Elenco: Penha Camarotti (substituída por Kalina de Paula), Buarque de Aquino, Marcus Vinícius, Chico Ribeiro, Vavá Paulino, Clarice Andrade e Madalena Aguiar. Realização em parceria com a Circus Produções Artísticas.

A queda da bastilha
Texto, direção e figurinos: Henrique Amaral. Perucas e maquiagem: Gê Domingues. Execução de sonoplastia e iluminação: Helânio Farias. Elenco: Moisés Monteiro de Melo Neto, Mísia Coutinho, Henrique Amaral, Gê Domingues, Jany Stamford, Vládmir Combre de Sena e Rivaldo Casado.

O horror ou Frankenstein em Pasárgada
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção e cenário: Buarque de Aquino. Adereços e maquiagem: Gê Domingues. Sonoplastia: Gustavo Túlio. Iluminação: Augusto Tiburtius. Produção executiva: Moisés Monteiro de Melo Neto e Mísia Coutinho. Elenco: Henrique Amaral, Black Escobar e Maria Paula Costa Rego.

Cleópatra
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Figurinos, adereços e maquiagem: Buarque de Aquino. Execução de maquiagem: Gê Domingues. Elenco: Mísia Coutinho, Luciano Rodrigues, Ludi Kadija, Dayse e Valdeck Lemos.

Um tostão para Isabelita
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Músicas: Moisés Monteiro de Melo Neto e Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Figurinos: Buarque de Aquino. Maquiagem: Gê Domingues. Elenco: Valdi Coutinho (substituído por Mísia Coutinho) e Moisés Monteiro de Melo Neto.

Vendo a lua nascer quadrada
Texto: Henrique Amaral. Direção: Mísia Coutinho. Elenco e figurinos: Henrique Amaral e Mísia Coutinho.

Fausto (os deuses da tormenta e os gigantes da terra)
Texto: Fernando Pessoa. Direção: Rivaldo Casado. Execução de sonoplastia e iluminação: Renato Specht. Contra-regra: Beth Specht. Elenco: Edgard Franco de Sá, Henrique Amaral, Íris Pinto e Nilza Lisboa (voz em off).

Olinda, frevo e poesia
Texto e direção: Henrique Amaral. Elenco, figurinos e maquiagem: Henrique Amaral e Rivaldo Casado.

Revivencial
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto, Fernando Tavares e Mário Castro. Direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Fernando Tavares, Edilson Adnil, Lee Majors, Luciana Luciene, Ludi Kadija e Mário Gomes.

O que teria acontecido com Bette Davis?
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Mísia Coutinho, Ludi Kadija, George Alencar, Jailson Martinho e Marco Antônio (Marquesa).

1990
Shakespeare acorrentado
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção: Moisés Monteiro de Melo Neto e Henrique Amaral. Maquiagem e cabelos: Gê Domingues e Ricardo Santaclara. Sonoplastia: Gustavo Túlio e Ricardo Barros. Execução de som e iluminação: Everton Azevedo (Tom). Elenco: Marco Antônio (Marquesa), Ludi Kadija, George Alencar, Patrícia Hearst, Lúcio Mário, Gê Domingues, Jailson Martinho e Henrique Amaral.

A maior bagunça de todos os tempos
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção e figurinos: Buarque de Aquino. Assistência de direção: Beth Marinho. Cenário: Simone Figueiredo. Maquiagem e adereços: Gê Domingues. Elenco: Lucinda Frota, Luciano Rodrigues, Simone Figueiredo, Moisés Monteiro de Melo Neto, Carlos Mesquita e Valdeck Lemos.

Um tostão para Isabelita
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Músicas: Moisés Monteiro de Melo Neto e Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Cenário: Gê Domingues. Elenco: Simone Figueiredo e Moisés Monteiro de Melo Neto.

1991
Com a víbora no seio
Texto, direção, figurinos e elenco: Moisés Monteiro de Melo Neto e Henrique Amaral.

Mara Méri, a trágica história de uma atriz desempregada
Texto e direção: Henrique Amaral. Figurinos e maquiagem: o grupo. Elenco: Marco Antônio (Marquesa), Henrique Amaral e Paulo Ricardo Ferreira.

La cumparsita
Texto, direção e figurinos: Moisés Monteiro de Melo Neto. Coreografia: Black Escobar. Maquiagem: Gê Domingues. Elenco: Simone Figueiredo, Ivonete Melo, Jeovane Magalhães e Black Escobar.

1992
Um tostão para Isabelita
Texto e direção: Moisés Monteiro de Melo Neto. Músicas: Moisés Monteiro de Melo Neto e Ricardo Monteiro (Ricardo Valença). Elenco: Vavá Paulino e Buarque de Aquino.

Dom Casmurro
Texto: Machado de Assis. Adaptação, direção e figurinos: Moisés Monteiro de Melo Neto. Elenco: Mísia Coutinho, Valdeck Lemos e o Grupo de Teatro da Fafire.

1998
Dom Casmurro
Texto: Machado de Assis. Adaptação: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção e sonoplastia: Henrique Amaral. Figurinos: o grupo. Maquiagem: Gê Domingues. Elenco: Mísia Coutinho, André Numeriano, Moisés Monteiro de Melo Neto e Henrique Amaral.

1999
Varietê teatral
Textos: Orson Welles (Cidadão Kane), Tennessee Williams (De repente no último verão) e Henrique Amaral (A taba da ogira, Jaburu do Pólo Pina agradece consolo, Fleuma, Luxo e Bronca safada). Adaptação e direção: Henrique Amaral. Elenco: Henrique Amaral, Ivonete Melo e Moisés Monteiro de Melo Neto. Realização em parceria com a Coopera.

Cinema mundial
Textos: Patrick Hamilton (À meia luz), Tennessee Williams (De repente no último verão), Orson Welles (Cidadão Kane) e Nelson Rodrigues (Boca de Ouro). Adaptação e direção: Henrique Amaral. Elenco: Henrique Amaral, André Numeriano e Joselma de Freitas. Realização em parceria com a Coopera.

Para um amor no Recife
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto. Direção: Carlos Bartolomeu. Assistência de direção: Vavá Paulino. Figurinos: Andréa Monteiro e Marcelo Taulbert. Cenário: Cláudio Cruz. Cenotécnica: Cristovam Sovagem. Cabelo: Fernando Costa. Design e trilha sonora: Hélder Aragão (DJ Dolores). Iluminação: Alexandre Veloso e Beto Trindade. Administração de produção: Rec Produtores Associados. Produção executiva: Simone Figueiredo e Ivonete Melo. Assistência de produção: Luciene Vilhena. Elenco: Gustavo Falcão, Elaine Kaufmann e Márcio Carneiro.



[1] Antes do bate-papo, foram apresentados o documentário em vídeo Ilusionistas rumo ao 3º Milênio, com roteiro e direção de Moisés Monteiro de Melo Neto, a performance Ensaio de Hamlet, com interpretação e direção de Vavá Paulino, a canção Manias ocidentais, com Gê Domingues, e um número de dança do ventre com a Cia. de Dança Tatiana Queiroga.

[2] Tem gente que diz que o teatro que a gente tenta é um sonho, uma utopia de transformação disso tudo que está aí e a gente já sabe que não vai levar a lugar nenhum. O sonho não pode parar de rolar: drama, poesia, música, dança, mímica, qualquer que seja a ferramenta do momento, nossa arte estará ali. Palco italiano, caixa de papelão na praça. Crítica sagaz, mutante. O poder da criação. (...) Estamos descobrindo uma nova forma de fazer teatro. Se não conhece nosso teatro, vide a bula. (...) Produção alternativa significa que as quatro paredes da cena são móveis. Queremos derrubá-las. Viva o gozo da liberdade sem fronteiras. Abaixo a burocracia cênica. O prazer de criar nos uniu. Depois de usar velhas teorias temos que buscar novas. Buscar novos caminhos praticando teatro. Pouco se importar com a crítica engajada ou alienada. A literatura da seca não nos atinge. Somos urbanos. (...) Que circo, bar, boate, zoológico, clube, pátio, cidade do interior e o mundo inteiro seja um palco para os Ilusionistas! E que qualquer um possa ser Ilusionista! Difundir a Filosofia Ilusionista de fazer teatro. Acreditar que existe algo de mágico entre a vida e a cena. Nutrir-se de erros e acertos no fazer laboratorial. Misturar-se, incorporar várias experiências. Não ter medo de tempestade nem de calmaria. Evoé!”. (Cf. “Manifesto Ilusionista”. Recife, 1987. FALTA REFERÊNCIA NO LIVRO E SITE/2000).



[4] Essa peça ganhou o título Para um amor no Recife, com texto de Moisés Monteiro de Melo Neto e direção de Carlos Bartolomeu. A estréia aconteceu em 1999, no Teatro Apolo.

[5] “A boate Misty será palco de mais uma performance teatral da autoria do pernambucano Moisés Monteiro de Melo Neto. Trata-se do espetáculo ‘Shakespeare Acorrentado’, uma fusão dos textos ‘Macbeth’ e ‘Bem Está o Que Bem Acaba’, do autor inglês William Shakespeare, dirigido por Henrique Amaral e o próprio Moisés Monteiro de Melo Neto. A apresentação será única: hoje, às 23 horas, na Misty. (...) Transportando Shakespeare para os dias atuais, Moisés construiu um enredo sobre a luta pelo domínio do tráfico de drogas e dos famosos clubes para ricaços no Recife. Neste contexto, um assassino leva os personagens a viverem diversos conflitos, ‘num clima – segundo acrescenta Moisés – de riso e sacanagem, onde lágrimas são mescladas com sangue e cocaína’”. (Cf. “Performance usa textos de Shakespeare”. Folha de Pernambuco. Recife, 05 de abril de 1990. Caderno Folha 2. s. p.).

[6] “Segundo os organizadores uma ‘festa autofágica’, onde todos viajarão pelo história do teatro, fazendo teatro, inclusive o público. A festa será na Casa da Cultura, nesta sexta-feira. Começa às 19h e só termina quando o último amante do teatro decidir que já comemorou o bastante. Simone Figueiredo, mãe da idéia e coordenadora da festa, diz que ‘(...) é também um tipo de assembléia festiva. Quem quiser se pronunciar, falar bem, falar mal, levantar idéias para dinamizar o meio teatral no Recife, enfim, contribuir com alguma opinião, vai ter um microfone à disposição e sem censura. (...) A colagem dos textos foi feita a partir de obras de Sófocles, Eurípedes, Sênega, Gil Vicente, Pirandello, Ariano Suassuna, Shakespeare, Bernard Shaw, Woody Allen, Marguerite Duras e Moisés Monteiro de Melo Neto”. (GÓES, Khétuly. “Artistas rendem graças ao teatro”. Diário de Pernambuco. Recife, 27 de março de 1992. Caderno Viver. p. D1.).

[7] “Graças ao idealismo, à capacidade de sonhar e de buscar novas formas de expressão estética e à insistente inquietação dos jovens pernambucanos se recicla, se renova, se sacode e se fortalece. Pouco importa se o resultado, quase sempre, não corresponde à fome do tradicional mercado consumista. É bom até que muitas vezes isto nem aconteça. Um sinal de que o trabalho não se enquadra dentro do convencional sabor do modismo. Não fora a audácia dos jovens e a cena não se renovaria. Assim, mesmo quando os jovens produzem espetáculos de qualidade técnica deficitária e de linguagem formal confusa e duvidosa quase sempre estão contribuindo de maneira vigorosa para a renovação dos padrões, dos valores, das intenções e das ações. É dessa participação de gente nova e por esta ótica que desejo anunciar o reaparecimento da Ilusionistas, dentro em breve, com novas produções, sempre tentando se firmar dentro dos meios produtivos locais com atividades lucrativas mas através de espetáculos de qualidade, que buscam o novo, o anticonvencional, o experimental. (COUTINHO, Valdi. “Planos de Ilusionistas”. Diário de Pernambuco. Recife, 16 de março de 1989. Caderno Viver/Coluna Artes Cênicas. p. B-4.).

[8] “A trama de ‘Punhal’ é densa, a ação se desenvolve num clima beirando o mórbido, com a morte sendo preparada e rondando o palco da primeira à ultima cena do espetáculo. ‘Punhal’, decididamente, não diverte, não relaxa, não descontrai. È como se fosse um estilete penetrando profundamente de começo ao fim da peça. Com ‘Punhal’, Henrique Amaral se revela um autor essencialmente urbano, com uma dramaturgia em nada preocupada com a natural digestão do espectador, muito pelo contrário, capaz de provocar alterações mentais inquietantes. Talvez nesta ousadia e nesta coragem de estilo, sobretudo em enveredar por um jogo teatral tão obsessivamente tenso, onde a ação está quase totalmente concentrada no próprio interior do ser humano, resida o conteúdo estético e a linguagem formal de maior expressão no texto de Henrique Amaral. (...) ‘Punhal’ revela um autor cheio de talento e de capacidade para enveredar num campo onde poucos se aventuram; o do âmago do ser humano, com um estilo urbano, ousado e cruel, pois não procura tergiversar sobre temas que já não encontram lugar na fútil sociedade contemporânea, como a morte, a dor, a hipocrisia, a fatalidade – agressões que são tão comumente impostas ao homem”. (COUTINHO, Valdi. “Henrique Amaral com um ‘Punhal’ na mão”. Diário de Pernambuco. Recife, 29 de junho de 1985. Caderno Viver/Coluna Teatro. s. p.).

[9] “A vocação para as coisas do Teatro deste jovem dramaturgo e encenador chamado Henrique Amaral é outra coisa que precisa ser repensada, com uma certa justiça para os seus acertos e uma complacência diante dos seus desacertos. Ele foi um dos ‘teatrais’ que mais mostrou serviço neste ano de 1986. Dizem até que o defeito de Henrique Amaral é dividir-se muito, repartir-se, multiplicar-se, fazer de tudo um pouco ao mesmo tempo, e concordamos com tais críticas. Porém, é impossível deixar de reconhecer que foi ele uma das figuras mais dinâmicas e batalhadoras do movimento teatral recifense nestes 365 passados. Explorou novos espaços, tais como o Água de Beber, o Teatro Joaquim Cardozo, o Espaço Cultural Arteviva, Teatro do Sesc, etc, antecipou as atrações teatrais para os primeiros dias da semana (segundas, terças e quartas-feiras), ousou novos horários, revelou novos talentos (entre os quais Valéria Loreto e Luciana Veloso só para citar dois nomes), enfim, sacudiu totalmente a adormecida aldeia ‘of-espaços-nobres’. Foi bem-sucedido em algumas experiências, fracassou em outras, mas entre saldos positivos e negativos, deixou uma marca e deu sua inestimável contribuição para o movimento teatral pernambucano”. (COUTINHO, Valdi. “Valores que impressionam (I)”. Diário de Pernambuco. Recife, 03 de janeiro de 1987. Caderno Viver/Coluna Artes Cênicas. p. B-8.).

[10] Em setembro e outubro de 1998, a Ilusionistas Corporação Artística, em parceria com a Coopera, promoveu o Ciclo de Leituras dos Novos Dramaturgos Pernambucanos, no Teatro Arraial, com a leitura de Urânia no rastro do Halley, de Augusta Ferraz, A zabumba mágica, de Albemar Araújo, Light, de Henrique Amaral, Muito pelo contrário, de João Falcão e Os dias em Pasárgada, de Moisés Monteiro de Melo Neto, entre outras obras. Em janeiro de 1999, na Sala Alfredo de Oliveira, foi a vez da 2ª edição do evento, com a leitura dos textos Sangria e Resina, de Henrique Amaral, La cumparsita, de Moisés Monteiro de Melo Neto e Uma noite nos anos 70 ou indignos blues, de Carlézio Medeiros.
[11] FALTA ACRESCENTAR COMENTÁRIO DE VALDI SOBRE DRAMATURGIA DE MOISÉS – MATÉRIA CITADA POR ALBEMAR NO LIVRO TEATRO ILUSIONISTA.

[12] Ainda inédito.
2010
O CIRCO DO FUTURO (BRUNO E O CIRCO)






Trecho do texto
Para um amor no Recife
de Moisés Monteiro de Melo Neto

                


























PERSONAGENS:

BEL- Garota da classe média alta.
MÁRCIO-  Estudante da pós-graduação, funcionário público.



Jornal do Commercio fala sobre peça de Moisés Monteiro de Melo Neto: Para um Amor no Recife



Num banco na Av. Beira Mar, um rapaz de 20 e poucos anos, dorme. Parece estranhamente adormecido. Diz algo que não se entende. Sua mochila lembra as asas de um anjo. Usa uma bermuda até o joelho. Botas e meias até o tornozelo.
Há um outdoor iluminado com os dizeres: “FELIZ 1998!”


Época : dia 24 de Dezembro, final do segundo milênio e o sol já se pôs. Sons da avenida e do mar. Isabela está com um vestido curto, olhar algo cansado. Tenta fazer uma surpresa.  Márcio   não acorda, está dopado provavelmente.

Bel –  Márcio  ô! Ei! Acorda.

Márcio  – Ah...

Bel –  Meu Deus, eu não posso aguentar isso por muito tempo (fala isso para a platéia).

Márcio  –  Beeel! (acordando. Ri antes de falar)

Bel – Márcio, qualquer um podia roubar você, você não pode dormir aqui. Vá para casa.

Márcio   - Que casa? (Pausa: Olham-se em silêncio. É uma oração).

Bel– Quer um pouco de colírio?

Márcio   - Eu tenho – a . (Pausa enorme).

Bel  –  Coloque então.

Márcio   – Bel, eu quero morrer. Eu não aguento mais.

Bel  –  Você está bebendo há 24 horas. Como você aguenta? Isto não atrapalha os remédios, não? Este coquetel misturado com álcool não deve fazer bem. E ficar sem dormir 48 horas. Você quer morrer?

Márcio    –  Quero (chora desesperado). Por que eu conheci aquele homem? Por que o tempo não pára? Por que essa doença é tão feia?

Bel  –  Existe doença "bonita"?

Márcio   –  Fica comigo. Deixa ficar no teu colo, me leva daqui pra algum lugar. Me salva você é meu anjo, me salva.

Bel  –  Vá para casa. Tome um banho, coma, durma. Você não comeu nada.

Márcio    –  Porra (bêbado) sua merda! Você é merda.

Bel: –  Eu não sou obrigada a escutar isso. Não sou, está ouvindo?

Márcio   –  Como é que eu vou fazer? (abre a bolsa, procura algo). Fui roubado (pausa). Roubaram o meu celular. Estes desgraçados!

Bel  –  Você foi caçar ontem, não foi?

Márcio    –  Você não quer transar comigo, diz que não tem medo da morte, mas não é suicida. (pausa). Bel...Fica comigo hoje.

Bel  –  Você já ligou pra sua mãe?

Márcio    –  Pra quê? (pausa) Aquela casa pequena é uma prisão enorme. Eu não aguento mais, não aguento mais.

Bel  –  Tome o telefone (tira da bolsa) ligue para ela. Dona Ana deve estar preocupada.

Márcio  –  Ela não se preocuparia. Preocupação causa envelhecimento e ela não quer envelhecer, tem 53 anos e diz que "dá para o gasto". (pausa. Ri  – sarcástico). Eu quero morrer. ..essa porcaria incurável, esses remédios... (agarra – se com a bolsa). Eu fui tão feliz antes, eu nunca mais vou ser feliz não vou encontrar mais ninguém para me amar. Quando eu digo que tenho isso as pessoas fogem dizendo que eu sou muito "pesado" dão o fora. Nem posso beijar você direito. Você acha que pega com a saliva.

Bel  –  Eu estou com um corte na boca.

Márcio    –  Está vendo? Se eu não tivesse dito que tinha isso você continuaria me beijando loucamente como fazia antes de eu lhe contar... tudo. (pausa). Vamos fugir, Bel.

Bel  –  Vamos, eu estou de férias. (ri)

Márcio    –  Fica comigo hoje à noite Bel. É natal. Eu não tenho ninguém, me bota pra dormir. Me dá um banho. Me tira dessa.

Bel  –  Não posso. Vou jantar com mamãe. (pausa) E você bêbado assim faria escândalo.

Márcio   –  Janta comigo! Deixa eu ser teu namorado. Por favor. Eu paro de sair à noite. Fico em casa. Fico lendo. Fica comigo. Deixa somente eu ficar ao seu lado. Me abraça. Toca em mim (chora, apaga o cigarro) passa a mão no meu cabelo, eu estou tão triste. Tão triste.

Bel  –  Deixa de drama Márcio  ! Por que você não vai para casa e pronto?

Márcio    –  Me dá o telefone (liga) vou ligar para a "boca da noite", "boca da escuridão"! A mama do meu câncer.

Bel  –  Sua mãe... Dona Ana. Santa ingratidão, não é, Márcio  ? Você não reconhece nunca o que as pessoas fazem por você.

Márcio  –  Chama, chama e ninguém atende. A bruxa está fora do ar (desliga, devolve o telefone a Bel).

Bel  –  (farta de tudo, mesmo assim esperançosa) Quando esta noite... findará?

Márcio    –  Até quando a gente vai empurrar este sonho pra frente?

Bel  –  Por que você não come alguma coisa? Vamos naquele restaurante ali. Tem uma peixada ótima. Eu conheço...

Márcio    –  "Uma peixada ótima" (zombando). Você é tão ridícula!

Bel  –  Não me chame desse jeito que eu não gosto.

Márcio    –  Você gosta de quê? Do César, não é?

Bel  –  Eu não quero falar sobre o César.

Márcio    –  Você vai ficar com ele hoje. Não vai? (furioso)

Bel  –  Pare. Se você continuar assim, eu vou – me embora. Que coisa!

Márcio   –  Hum. Tá zangadinha, é? (pega o colírio na mochila e tenta colocar nos olhos. Não acerta).

Bel  –  Deixa que eu te ajudo. (põe gotas de colírio nos olhos dele que se deitou no colo dela).

Márcio    –  Você ficou velando meu sono aqui. Você veio. Você veio. Você é meu anjo.

Bel  – Bobagem...

Márcio    –  Fica comigo. Vamos para um hotel.

Bel  –  Meu cavalo marinho. Meu unicórnio voador. Eu não posso. O máximo que posso é deixar você lá. Ficar um pouco e sair. Vou pra casa da minha mãe.

Márcio    –  Eu estou sozinho. Queria tanto ficar com você. Só nós dois. Vamos para sua casa.

Bel  –  Não. Márcio   eu já disse quais são os meus planos.

Márcio    –  E o meu futuro? Será que eu vou ficar deformado?

Bel  –  Você é assintomático. Ninguém diria que você tem isso.

Márcio    –  "I – s – s – o". Muito bem explicado: "i – s – s – o". Eu odeio i – s – s – o!

Bel  –  Vamos comer. Levanta!

Márcio    –  Você vai jantar comigo!

Bel  –  Não. (pausa). Vou somente lhe acompanhar.

Márcio    –  Então eu não quero jantar.

Bel  –  Você precisa comer.

Márcio    –  Não quero.

Bel  –  Vá. Deite aqui, meu filho. Conte pra sua terapeuta de plantão...









MATÉRIA SOBRE PARA UM AMOR NO RECIFE no Jornal do Commercio:

Trilha mangue conduz Para um Amor no Recife
O movimento mangue ganha hoje o seu primeiro representante nas artes cênicas pernambucanas. A estética que levou a música feita em Pernambuco de volta à mídia nacional, conduz a trama de Para um Amor no Recife, espetáculo que estréia hoje, às 21h, no Teatro Apolo. A peça tem texto de Moisés Monteiro de Melo Neto e direção de Carlos Bartolomeu.
"Decidi dedicar minha tese de pós-graduação em Literatura Brasileira ao compositor Chico Science e isso despertou a vontade de escrever um texto para o teatro. Sou super fã do movimento mangue, adoro o som e os conceitos trabalhados nas músicas. A peça veio dessa paixão", confessa Moisés Monteiro de Melo Neto, que traz no currículo textos premiados, como Um Certo Delmiro Gouveia e Auto de Casa Amarela.
"A peça narra os conflitos e aventuras do casal Bel (Elaine Kauffman) e Márcio (Gustavo Falcão), jovens de classe média, bem sucedidos e que não conseguem entregar-se plenamente ao amor. "São dois intelectuais, descolados, viajados, mas que são impossibilitadas de ficarem juntas. No fundo a trama resume-se ao discurso de dois indivíduos que se encontram à noite, num acesso de euforia", explica Moisés.
No elenco da produção, além dos atores Gustavo Falcão e Elaine Kauffman, está o ator goiano Márcio Carneiro, que atua como a consciência de Márcio. Os figurinos do espetáculo são uma criação de Andréa Monteiro e Marcelo Taubert (da grife Sakapraia) e a trilha sonora é do DJ Dolores, Hélder Aragão.




-----------------------------------------------------------------------

Jornal do Commercio
Recife - 29.08.99


2002
A ilha do tesouro
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto, adaptado da obra de Robert Louis Stevenson. Direção: Carlos Bartolomeu. Trilha sonora e produção musical: Ricardo Valença. Preparação vocal: Múcio Callou. Coreografia: Maria Paula Costa Rêgo. Figurinos, adereços e maquiagem: Marcondes Lima e Henrique Celibi. Coordenação dos ateliês: Henrique Celibi. Cenário: Cláudio Cruz e Henrique Celibi. Programação visual: Cecília Leite e Valdemir Cruz. Iluminação: Triana Cavalcanti e Beto Trindade. Produção executiva: Simone Figueiredo. Elenco: Gérson Lobo, Ivo Barreto, Bobby Mergulhão, André Ricardo, Eduardo Japiassu, Pascoal Filizola, Anna Polistchuk, Ana Medeiros (substituída por Geisa Barlavento), Ilka Porto, Sandra Rino, Raimundo Branco, Antônio Rodrigues, Valter D'Souza e Bernardo Medeiros. Realização em parceria com a Trupe do Barulho.

Ainda sobre o grupo que Moisés Monteiro de Melo neto fundou com Augusta Ferraz, a ILSUIONISTAS CORPORAÇÃO ARTÍSTICA, em 1983:
 A Ilusionistas produziu ainda o lançamento do romance A incrível noite dos sentimentais (1983), de Moisés Monteiro de Melo Neto; o curso Teatro Contemporâneo em Debate (1984), com Antônio Cadengue; os shows Tara blue (1989) e Ketchup ópera (1990), com Gê Domingues; e os vídeos de ficção Frankesntein de Moisés Monteiro de Melo Neto (1989), com direção do próprio, e Com o crime nos olhos (1992), de Moisés Monteiro de Melo Neto, com direção dele e de Carlos Cordeiro, e O beijo da serpente ou God part one (1993), de Henrique Amaral, com direção de Mozart Guerra e Henrique Amaral e também o 1º Seminário de Teatro para a Infância e Juventude, em parceria com a Apatedepe.



O humor cáustico de Moisés Monteiro de Melo Neto, marcado por profunda ironia, talvez não seja apreciado pelos críticos recifenses. A Liberdade com que satirizou “Faustus” a obra do imortal Goethe, rebatizando-a de “Faustina” e exibindo-a na Boate Misty, rendeu-lhe mais ressalvas do que elogios por partes dos que analisam os espetáculos teatrais. Denominando-se um intelectual, Moisés Monteiro de Melo Neto, declarou ao jornalista Valdi Coutinho:  sou muito criticado e mal compreendido na minha intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo, também, em bares e boates.


Em 2010 é montado mais um texto de Moisés : BRUNO E O CIRCO DO FUTURO:

Matéria Jornal do Commercio sobre Bruno e o Circo, de Moisés Monteiro de Melo Neto



moises monteiro de melo neto sendo entrevistado por polyana diniz do Diário de Pernambuco. Bruno e o circo



O circo do futuro, um musical em cartaz no Recife
Por Moisés Monteiro de Melo Neto, o autor

O Circo do Futuro é o quinto musical que escrevo. Costumo compor as letras e dar sugestões quanto a ritmo e melodia. Já tive vários parceiros que são músicos tarimbados, como é o caso de Henrique Macedo, Ricardo Valença e, no caso do Circo, Paulo Smith. Procuramos sempre entreter e trabalhar com o espírito da ética do respeito ao próximo.
Os musicais para a juventude trazem sempre o renovado frescor de voltar no tempo, ou trabalhar a questão do ser humano com uma ótica atemporal, isto é: música atinge níveis da sensibilidade que estão além das limitações de faixas etárias.
O circo do futuro é composto em sua maior parte por números musicais. As referências são as mais diversas. Tenho viajado muito pelo Brasil e pelo mundo, além de ser um ávido espectador de cinema, o que é óbvio, inclui centenas de musicais que já assisti, no palco e na tela. Passei, por exemplo: algum tempo na Inglaterra, Estados Unidos e até em alguns países árabes, como o Egito (o Cairo é uma espécie de Broadway do mundo árabe), sempre indo a teatro e a shows.
Trabalhei com excelentes coreógrafos como Black Escobar, Heloísa Duque, Diana Fontes e venho trabalhando com o teatro para a juventude há duas décadas como ator, diretor, autor e produtor. Atualmente tenho tido o prazer de assistir ao sucesso de O Circo do Futuro. É uma honra trabalhar com dois produtores tão dedicados como Ulisses Dornelas e Simone Figueiredo, toda a equipe muito comprometida, cenógrafa, figurinista, sonoplasta, iluminadores, todos. O diretor Carlos Bartolomeu já dirigiu outro musical que escrevi, A Ilha do Tesouro, com talento de um mestre, e obteve em 2002/ 2003 um sucesso junto ao público.
Fico observando as crianças e os adultos que as acompanham ao espetáculo O Circo do Futuro. Muitos saem emocionados com o que viram e voltam outras vezes. Um pai me disse que estava assistindo pela terceira vez e que se encantava tanto quanto seus filhos e sua esposa que nunca tinha visto uma produção nestes moldes no Recife. Tem que se levar em conta que no teatro nunca há duas apresentações iguais. A dinâmica entre atores e público sempre gera novas expectativas e mudanças dentro de um planejamento detalhado como é o da produção de O Circo do Futuro.
O fato de haver uma espécie de show dentro do espetáculo não interfere nas outras partes da peça que contém a narrativa. Alguns dos números musicais funcionam como contraponto ao texto. Os quinze artistas em cena trabalham com dança, música, circo e teatro.
Ao realizar a montagem do espetáculo infanto-juvenil O Circo do Futuro, o tive como finalidade levar o público jovem à reflexão  sobre o relacionamento Pai/Filho e Arte/Educação e colocar em questão a importância do lúdico na formação da criança. (o pai pensa somente numa educação formal, o filho numa onde o lúdico, através da arte circense, seja incluído. Ele fala sobre seu novo texto e de como ele visualizou a sua montagem: 
O Teatro agrupa as pessoas, ajuda na leitura, na fantasia e na imaginação.Com ele , aprende-se a respeitar o outro e as diferenças. Uma relação dialética que vem se desenvolvendo através dos milênios, dos gregos aos índios, e por que não dizer: ele está presente em quase todas as culturas conhecidas.
Quando penso na montagem de O Circo do Futuro, penso em levar o público jovem à reflexão  sobre o relacionamento Pais e  Filhos em interface com a  Arte/Educação e colocar em questão a importância do lúdico na formação da criança. (o pai pensa somente numa educação formal, o filho numa onde o lúdico, através da arte circense, seja incluído. Proponho o divertimento a partir de uma história simples : um garoto, como tantos outros, aventureiro, faz parte de uma família que mora num complexo espacial. O pai é um empresário, num futuro não determinado.Ele tem dois filhos: Bruno, um garoto de oito anos com uma imaginação atiçada pelo mundo do circo (que ele descobriu num antigo notebook) , e Bela , uma jovem adolescente que não quer saber de “coisas de crianças “, pois está prestes a entrar no mundo dos adultos.Resta ao pequeno Bruno mergulhar em uma nova aventura , mas seu pai o quer envolvido num mundo mais prático e tecnicista.
A peça tem como pontos-chaves números (apresentações no contexto da peça) musicais e circenses em diálogo com a tecnologia. Ao resgate de antigos números e a mãe foi banida por suas idéias ousadas. Medusa é o nome dela, mantém um circo beneficente com os artistas da Terra, planeta onde está exilada. Há uma homenagem minha aos circenses e às encenações nos circos populares e aos grandes circos internacionais que fizeram a alegria da minha infância. Mesclam-se aqui, também, as inovações do circo contemporâneo (vide Cirque du Soleil) que tanto me fascinam.
Como nas fábulas coloquei os animais com personalidades humanas (como acontece em boa parte dos desenhos animados que as crianças adoram): é neste sentido que aparecem os animais no circo do futuro: como integrantes de um universo fabuloso.  Na verdade são seres mutantes, nativos do planeta Terra, que ainda não tiveram autorização do Império para atingir níveis superiores. Medusa liderou uma revolução por direitos iguais  para todos no universo, por isso foi expulsa da Ordem.
Coloquei também a inquietante discussão em torno dos direitos dos androides, estes seres  que poderão ou não ser aperfeiçoados pelos homens no futuro, a ponto de se assemelharem a eles em quase tudo (inclusive a paixão: a peça também trata deste tema: a discussão dos homens com suas maquinas pensantes). Bruno possui um andróide, chamado Curumim, que lhe serve de companhia. Curumim se apaixona por Bela e se inquieta quando acusado de ser apenas uma máquina.
Quando pensei na música imaginei uma comunicação entre o passado e a projeção de um futuro, num tempo presente dinâmico e criativo. Quis algo que melodicamente sinalizasse várias épocas, sendo os violões a representação lúdica do mundo no passado e os instrumentos eletrônicos o mundo digital o futuro.
A mecânica básica do espetáculo é o movimento com uma mescla de linguagens que vai das  gírias urbanas a reinvenção da fala pelas crianças, além de elementos cênicos de circo, teatro, cinema, dança, desenho animado e música. Afinal, como diria Roland Barthes: o que é literatura senão linguagem? Tratamos desta com respeito à expressão do jovem, da criança. Houve uma pesquisa muito intensa do nosso grupo neste sentido.
Qual o futuro da arte circense? Como o lúdico e a arte podem ajudar na construção de um futuro mais justo, melhor? Que espécie de família estamos projetando para o futuro?
Como todo texto de teatro deve ser: este é para ser representado e não simplesmente lido. Há nas entrelinhas uma orientação cênica que o une à direção de forma inextrincável. Ele quer transformar um público. Tentei trabalhar com o caráter histórico e com as falhas humanas (a alienação em relação a certos problemas essenciais do ser). Tentei expressar o mundo a partir do universo da criança, entrelaçando o ético e o pedagógico, na expressão do querer-ser dos homens e do ser das coisas. É texto ao mesmo tempo contestador e reconciliador, quer menos exprimir o real do que significá-lo. Pergunta ao espectador: o que se deve fazer numa situação como esta em que se encontra a família de Bruno?
A minha paixão pela música eu compartilho-a com Paulo Smith mais uma vez. Da Figueiredo vem um lado estético que me acalanta. Do mestre Bartô eu ganho a representação do inconsciente num espetáculo comprometido com o teatro-dança, neste caso incorporando várias possibilidades, e fixando no concerto com o diverso, um posicionamento onde a soma dos contrários é inaugural, e definindo tal realização como exercício e processo. Legal, não?
O Circo do Futuro é um musical que tem em cada número uma divertida aventura para todas as idades, discutindo a problemática dos relacionamentos familiares neste novo milênio que se anuncia cibernético mesmo que ainda estejamos envolvidos por tantas raízes dos séculos passados e envoltos ainda num universo não totalmente explicado. longo poema para crianças de todas as idades.”




Das Idéias que Circulam numa Montagem do espetáculo O CIRCO DO FUTURO (BRUNO E O CIRCO)
por Carlos Bartolomeu

Nossa montagem teatral é um testemunho. Incorpora idéias preestabelecidas, diálogos exploratórios, muito de sonho, impossibilidades, e um reconhecimento das ‘tecnicalidades’ inerentes à proposta e suas metas. Som e fúrias...
Tal montagem exercita a partir do discurso da dramaturgia, uma nova leitura sobre as relações parentais, articulando-a com o futuro; evocando dele como núcleo imagético, um testemunho do apanhado infantil perante o universo televisivo. Discernindo entre credibilidade e realidade, pede o reconhecimento de que a ideia central em sua representação encaminha-se pela aproximação com a diversidade dos textos, pela polissemia... Teatro e encenação mestiços, assumindo o compromisso, em matizar, conjugar diversidades, pluralidades.
O Circo do Futuro na sua arquitetura de encenação enuncia o (i)limitado da visão adulta sobre as fantasias da infância, e o dialogo dessa mesma infância com os meios de comunicação, e os brinquedos futuríveis. Consoante tal particularidade, é também, a fala sobre a distante proximidade entre pais e filhos, cifrada e decifrada no ato de arremedar mangais e animês. Adultos de olhar pueril, crianças de visão absortas.
O Circo do Futuro desponta em uma geografia envolta pela música, compromete-se com o teatro-dança, no nosso caso incorporando todas as possibilidades, e fixando no concerto com o diverso, um posicionamento onde  a soma dos contrários é inaugural, e define tal realização como exercício e processo.

As palavras dos produtores:
Sonhar, brincar, sentir o cheiro da pipoca no ar; viajar na velocidade luz; despertar sob uma tenda multicolorida e repleta demoções,aventuras,suspense e fantasia.Tudo isso tem nome: O Circo do Futuro, musical que encanta crianças de várias idades e gerações. Produzir em parceria com a competente pesquisadora cultural, Simone Figueiredo, dividir o palco com talentosos artistas , é fantástico e encantador, uma felicidade ímpar. Porém, não podemos errar. Queremos premiar o público com um espetáculo envolvente, poético e revolucionário para a cena teatral pernambucana e brasileira. (Ulisses Dornelas)

Conceito das Músicas (Por Paulo Smith):

Um híbrido da música folclórica com o minimalismo eletrônico leve e divertido pop. 
O texto, como eu o entendo, acontece no momento em que o Futuro faz contato com o Passado através de uma das mais (senão, a mais) antigas das Artes: a Circense.
A comunicação entre esses dois momentos diferentes num mesmo mundo será musicalmente interpretada através de instrumentos que possam sinalizar suas respectivas épocas.


Processo de criação da coreografia
Por Heloísa Duque

Os atores que dançam e cantam!!! Foi uma experiência maravilhosa, sempre tive vontade de coreografar um musical com adultos, e dessa vez pude realizar esse desejo, apesar de a maioria não ter formação em dança acredito que não deixamos a desejar em nada, procurei fazer um trabalho de acordo com que o elenco ia me dando suas possibilidades, e num processo de troca fomos montando as coreografias, que resultou num trabalho prazeroso, harmônico e  empolgante, e sem dúvida nenhuma, mais uma vez pude constatar que o artista é realmente apaixonado pelo que faz, apesar do tempo que praticamente foi muito curto, não teve um ensaio onde o bom humor não prevalecesse, sempre num ótimo astral foi o clima que aconteceu todo o processo de montagem de O circo do futuro,acredito eu, que esse espetáculo vai levantar crianças e pais das cadeiras... Estou feliz, realmente...




Ficha técnica

Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto
Músicas: Moisés Monteiro de Melo Neto e Paulo Smith
Direção: Carlos Bartolomeu
Assistência de direção: Sandra Rino
Direção Musical: Sueudo Fernandes
Produção Musical: Tovinho e Ulisses Dornelas
Arranjos: Tovinho, Ulisses Dornelas, Sueudo Fernandes e Paulo Smith
Efeitos Sonoros: Carlos Bartolomeu, Sandra Rino, Tovinho e Ulisses Dornelas
Coreografia: Heloisa Duque
Figurino, Adereços e Maquiagem: Célio Pontes
Cenário: Séphora Silva
Design de Projeção: Séphora Silva e Robert Christian (REC Produtores Associados)
Design de Luz: Játhyles Miranda
Oficina de Tecido: Célio - Escola Pernambucana de Circo
Programação Visual: Valdemir Cruz
Consultoria em Sonorização: Gera Vieira
Assessoria de Imprensa:Margarida Rodrigues
Fotos: Marcelo Lyra ( Olhonu)

Elenco

Catarina Rosa              Coro/ Macaca / Gatinha /Péssimusclovis
Herminia Mendes         Coro / Tigresa / Psique / Alegrorinoclowns
Hilda Torres e Karla Martins    Medusa/ Mãe / Coro
Lano de Lins                Curumim/Péssimusclovis
Mateus Sobral              Bruno / Coro / Alegrorinoclowns
Pascoal Filizola             Apresentador / Coro / Alegrorinoclowns
Reinaldo Patricio          Cachorro / Coro / Cupido /Péssimusclovis
Reyson Santos             Elefante / Coro / Péssimusclóvis
Romero Brito               Bruno / Coro / Alegrorinoclowns
Sandra Rino                 Bela / Coro / Alegrorinoclowns
Soraya Silva                 Foca / Coro / Pantera/Péssimusclovis
Zé Barbosa e André Ricari        Senhor X / Águia / Coro / Alegrorinoclowns
         
Participação Especial dos Circenses da Trupe do Palhaço Chocolate


Execução Técnica

Execução Figurino: Henrique Celibi e Helena Limoeiro
Execução Adereço: Henrique Celibi e Altino Francisco
Execução Praticável: Cristovam Sovagen
Execução Cortina: Henrique Celibi
Execução Telão: Image Press
Execução de iluminação cênica: Játhyles Miranda e Cleisson Ramos
Execução de Sonoplastia: Carlos Antônio Dos Prazeres
Contra-Regra: Kátia Virgínia
Camareira: Beta Galdino e Nazaré
Coordenação de Produção: Simone Figueiredo
Produção: Simone Figueiredo, Ulisses Dornelas e Karla Martins
Realização: Ilusionistas Corporação Artística e Chocolate Produções Artísticas.



JORNAL DO COMMERCIO, Recife, 27 de setembro de 2011. Caderno C, p. 8

JC leva assinantes ao teatro
O último domingo foi dia de teatro para os assinantes do Jornal do Commercio. Pais e filhos lotaram o Teatro Boa Vista para assistir ao espetáculo infantil O Circo do Futuro. A sessão, que teve direito a refrigerante, biscoito Treloso e muita diversão com o Palhaço Chocolate, foi exclusiva para assinantes do JC que se inscreveram no JC clube e participaram do sorteio de ingressos.
A peça teve início às 10h30, mas uma hora antes a galeria do teatro já estava lotada de crianças e adultos na expectativa para assistir à história de Bruno e seus amigos. Escrita pelo teatrólogo Moisés Monteiro de Melo Neto, o musical conta as aventuras de um menino que mora em uma galáxia no futuro e cuja mãe foi expulsa por querer montar um circo. Cinco anos depois, Bruno, a irmã Bela e o androide Curumim resolvem dar um presente diferente para o pai e contratam então uma trupe circense da Terra, formada por Medusa e seus animais falantes, sem saber que ela era sua mãe. Daí em diante é só alegria. Durante toda a exibição era possível ver o entusiasmo da plateia, que sorria com o jeito desengonçado do androide que queria ser gente.
Para Moisés, a iniciativa do jornal incentiva ao público a frequentar o teatro, além de prestigiar a cena local. “Fiquei muito feliz com essa parceria. Mostra que o JC é um veículo que tem uma atenção com nossa cultura e com o que é produzido aqui. A peça é linda, lúdica e é um grande presente para os assinantes. Tenho certeza que eles gostaram muito da ideia”, disse.
Pais e filhos, tios com os sobrinhos, avós e netos, amigas que aproveitaram para fazer um programa diferente com as filhas. O público era bem variado. O casal Karla e Ricardo Marques levou os filhos Rodrigo, 5 anos, e Maria Clara, 3. Segundo eles, foi uma grande oportunidade para reunir a família. “A peça é uma ótima chance para fazermos algo juntos, nos divertir e incentivá-los a frequentar o teatro desde pequenos. Nem sempre podemos desembolsar RS 60, já que cada entrada custa RS 15. É uma iniciativa muito bacana do Jornal do Commercio, nós, como assinante, nos sentimos prestigiados e bastante felizes”, salientou Ricardo. O estudante Emmanuel Lacerda, 8 anos, levou a mãe, a pedagoga Marta Lucena. “Quando soube da promoção fiquei bem animado e aperreei ela para participar e me trazer”.
Essa é a primeira vez que o JC realiza uma ação de fidelização no teatro e os assinantes mostraram que aprovaram a ideia. Mais de 600 pessoas compareceram ao teatro. A diretora de Mercado Leitor do JC, Verônica Barros destaca que a participação superou as expectativas. “Esta foi uma de muitas ações que o JC fará em homenagem ao Dia das Crianças. O público receber tão bem é uma felicidade para nós”, completou.
“O Jornal do Commercio está de parabéns. Sabe como nos agradar e abrir espaço para a cultura pernambucana ao mesmo tempo. A iniciativa só vem somar à seriedade e ao respeito que o JC tem com quem o assina”, elogiou a administradora de empresas Sandra Correa, que foi com o filho Bruno, 4 anos.
O CIRCO DO FUTURO
Texto: Moisés Monteiro de Melo Neto
(parte cortada pelo autor)

(Depois do número inicial, Curumim fica em cena e tenta o contato com os bichos; depois de algumas tentativas ele consegue interagir com a turma do circo sempre conectada à espera de uma nova turnê ou apresentação)

CURUMIM –  Oi , gente. Que lugar legal é este?
MACACA – Pelos olhos da minha vó! O que é isto? Que boneco mais feio!
ELEFANTE –  Não está vendo que se trata de um androide? Você não estuda não é, macaca? Só pensa em trapézio e esquece da totalidade do mundo. No espaço tem seres assim como este aí.
MACACA –  Falou o professor. O que você está fazendo, hein senhor mágico?
ELEFANTE- Passando a varinha mágica para saber se esta máquina diz a verdade e é do bem...
CACHORRO- E qual é o resultado?
ELEFANTE- Ele diz a verdade e é do bem. A proposta dele vai ser muito legal. Mas qual é a proposta? Não posso adivinhar.
ÁGUIA –  Sim, senhor androide. Diga-nos: o que o traz aqui?
CURUMIM –  Meu nome é Curumim...
TODOS –  Curumim? Como assim?
CACHORRO –  Você não disse que ele era do espaço, não foi elefante?
ELEFANTE –  Sim. Mas como todos vocês deveriam saber bem, no espaço eles colocam nomes das coisas também.
MACACA –  Ah! Já pensou? Eu vou chamar meu tapete favorito de João. Já pensou? Oi, João! Posso pisar em você agora?
(todos riem, menos Curumim)
CURUMIM –  Sou máquina, mas parece que tenho mais sentimento do que vocês. Não, é?
CACHORRO –  Ih! Olha só! O cara se magoou.
FOCA –  Eu nem queria me meter.
CACHORRO –  Fala, palhaça.
FOCA – Sou palhaça, mas sou feliz. Mais palhaço sem graça... é quem me diz!
CACHORRO –  Auuuuuuuuuuuuuuuuuu! (ri)
FOCA –  É isso mesmo. Seus insensíveis. É por isso que o nosso circo está do jeito que está.
ÁGUIA –  Como assim “o circo está do jeito que está?” Nosso Circo está muito bem, obrigado. Nosso espetáculo é o melhor da Terra!
CURUMIM –  Mas poderia ser o melhor circo do universo.
ELEFANTE –  Hum! Parece que nosso amigo o coisa tem algo a nos revelar.
CACHORRO –  Desembucha aí, ô seu coisa!
FOCA –  Parem de tratá – lo como uma coisa.
MACACA –  Ah! Só porque ele é uma coisa fofa?
(vai até Curumim  e lhe faz cócegas; todos riem, menos a foca e Curumim)
FOCA – Viram? Ele sente cócegas. Ele tem sentimento. Aposto. Não ligue para eles. Diga-nos então, senhor Curumim.
CURUMIM –  Somente Curumim.
FOCA –  Curumim. O que o traz aqui para um contato virtual com o planeta terra.
CACHORRO – Vocês do Espaço nos acham bem atrasados. Não é verdade?
FOCA –  Se depender do seu talento, Cachorro, nossa fama vai se diluir pelo espaço.
CACHORRO –  Eu sou faxineiro, eletricista, encanador, me pegam para tudo...
MACACA –  Menos  pra artista, pois aqui é cada macaco no seu galho!
CACHORRO –  Mas eu não sou macaco! Macaca é você! Eu sou cachorro! Auuuu!
MACACA –  Ai que meda!
ELEFANTE –  a palavra correta é medo e não “meda”.
MACACA –  eu sei. Mas eu gosto de dizer meda!
ÁGUIA –  O que o traz aqui? Já perguntamos mil vezes. Diga logo, senhor  Androide!
CURUMIM –  Nós temos um plano.
ELEFANTE –  Nós, quem? Quem é sua turma? Eles são todos máquinas, como você? Hein?
MACACA? O espaço é muito bonito? Eu nunca fui pro espaço.
CACHORRO –  Eu gostaria de mandar essa macaca pro espaço.
MACACA –  Uma turnê intergaláctica! Já pensou que barato?
CACHORRO –  É não, minha querida. É muito caro. Seriam necessários milhõõões de biscoitos para pagar isto.
CURUMIM –  Mas é exatamente isto que eu vim oferecer para vocês!
TODOS –  O quê?
CURUMIM –  Milhões  de biscoitos cósmicos!
ELEFANTE –  Milhões? Imaginem isso! (ele delira e pensa no futuro glorioso)  As minhas mágicas mais incríveis, que truques de mágicas eu faria... se tivesse milhões de biscoitos cósmicos!
FOCA E eu? Minhas palhaçadas ficariam mais incríveis ainda!
ÁGUIA –  Mas como conseguiríamos todos esses milhões?
CURUMIM –  Fazendo uma apresentação virtual. Isto é através do computador. Pelo menos logo no início. Depois quem sabe, vocês poderiam ir até pessoalmente...
ELEFANTE –  Nós não podemos ir pessoalmente, porque nós não somos pessoas! (todos riem) Somos bichos!
CURUMIM –  Bichos que agem como humanos?
ELEFANTE –  Na verdade somos todos mu-tan-tes. Entendeu? Mutantes!
TODOS –  Somos todos mutantes.
CACHORRO – Ô, Zé Mané. Nem consegue perceber? Você é Curumim ou é burro?
MACACA –  Com todo o respeito aos burros. Eu tenho um primo que é um mutante burro.
FOCA – E ele é burro, mesmo?
MACACA –  É.
(todos riem, menos Curumim e a Águia)
ÁGUIA –  Como seria esta exibição pra gente ganhar milhões de biscoitos, precisamos falar com nossa agente, Dona Medusa.
ELEFANTE –  Sabe, senhor Curumim? Dona Medusa é beem cri – te – rio – sa! Exigente mesmo! Com ela é tudo bem feito ou nada feito!
FOCA –  Somos artistas muito especiais!
MACACA –  Bota especial nisso. Quero um camarim só pra mim.
FOCA –  Eu preciso de uma linha compleeeeta de maquiagem nova!
CACHORRO –  O pagamento é adiantado? (pigarreia)  Precisamos trocar toooodo o equipamento do ciiirrrrrrrrco, a lona está furada e...
CURUMIM –  Chamem a empresária de vocês... como é mesmo o nome da dona do circo? Dona... dona... dona... Medeia... não , Madonna... não... como é o nome da dona do circo?
TODOS –  Dona Medusa!
CURUMIM –  Que nome maneiro. Tá! Gostei! Ela está conectada?
FOCA –  Ela está sempre conectada! Ligou o computador  e lá está a luzinha dela piscando verdinha.
ELEFANTE –  Ela sabe de tudo.
ELEFANTE –  Ela é nota dez em tudo.
CACHORRO –  Ela é o máximo em tudo!
ÁGUIA –  Ela é nossa empresária e nos faz felizes em tudo.
MACACA –  De fato: ela éééééé   tuuuuuuuuuuuuuudo! Uma mulher incrível!
CACHORRO –  Então, vamos todos chamá – la? Clica aí na tua tromba, ô elefante!
ELEFANTE –  Só se for agora mesmo! Chamem comigo, todos!
TODOS – Dona Medusa! (brincando)
(clica, Medusa passa pelo telão e se materializa; faz um carinho em cada um dos seus artistas favoritos, dizendo coisa como “meus queridinhos, eu amo tanto cada um de vocês, muito, muito muitão, fofinhos de mamãe Medusa, cadê aquele risinho que me faz tão bem? Parece com um filhinho que eu tive, por todos os céus...” para diante de Curumim)
MEDUSA- Eu estava escutando tudo que vocês diziam!
FOCA–  ela sempre faz isso. Ela não é in-crí-vel? A gente pensa em querer e ela já trazzzzzz. Uau!
MACACA- E aí, dona Medusa. A gente vai ou não aceitar o convite da turma do Curumim?
MEDUSA- Curumim tem um segredo. Posso sentir isso! Qual é o seu segredo, Curumim?
CURUMIM – Vim a pedido do seu esposo, madame. O senhor X...
MEDUSA –  Meu esposo. Meus filhos! Bruno e Bela! Você os conhece! (suspira) Espere um pouco! Você... (circula Curumim) Você parece muito com um... um desenho... é (vai lembrando e se emociona muito)  um velho desenho que o meu marido fez de um brinquedo para o nosso pequeno bruno... quando ele nasceu... é isso! Uma homenagem aos índios crianças do planeta terra! Curumim, um índio androide. Programado como se fosse... gente também.
TODOS –  Ooooooooooooohhhhhhh!
CURUMIM –  Eu também  sei da sua história, dona Medusa. Por ajudar estes artistas maravilhosos do planeta Terra, a senhora foi expulsa do espaço.
ELEFANTE –  Que história triste. Eu assisti ao filme, aliás todos nós assistimos... lembram?
TODOS –   Siiiiiiiiim!

(O IMPÉRIO: o telão exibe o filme da cena da transformação de Medusa de mãe de família a mostro e a seguir a sua expulsão pelos sacerdotes do Império, a família fica separada, o pequeno Bruno tinha um ano e meio, Bela onze o Senhor x não pode evitar a expulsão promovida pelos patrões do espaço)
CURUMIM –  Eu preciso lhe contar o resto...
MEDUSA –   Um momento, Curumim. (dirige-se aos bichos de forma muito cartinhosa) Meus queridinhos. Por favor. Mamãe vai tratar de negócios. Vocês poderiam ensaiar aquele número final que eu combinei com vocês, agora?
TODOS –   Sim.
MEDUSA –  Então, por favor. Daqui a pouco a gente conversa. Tudo bem? Tchau.
(bichos saem, Medusa sorri e dirige-se a Curumim)

CURUMIM – O plano é o seguinte: Logo será o aniversário do Senhor X e o Império pode permitir que a senhora volte a viver com os seus filhos, Bruno e Bela e com o seu esposo, sua família, aliás... a  noossaaaa família ficará reunida. Mas Bruno é muito pequeno e não entende de política, por isso tudo deve ficar em segredo. Eu, Bela e o Senhor X fingiremos não saber de nada.
MEDUSA – O que tenho que fazer para falar com minha família novamente?
CURUMIM– Apenas seguir o plano, Madame, o plano do Senhor X, isto é o plano do seu esposo. Seu período de punição está acabando, Madame. Logo a senhora retornará ao Espaço e poderá voltar à Terra sempre e poderemos todos ser patrocinadores do Circo. O Espaço e a Terra selarão um acordo de paz.
MEDUSA –  Meu marido é tãããããoo inteligente.! (suspira de paixão e saudade) Tão bom! Sinto taantaa saudade dos meus filhos, Bela e Bruno! (chora um pouco) Como está Bruninho?  (enxuga umas lágrimas) Faz tanto.. tanto tempo! Eu chorei tanto de saudade! Mas sabia que um dia ia reencontrar a minha família. Mas agora tudo vai ficar bem, não é?
CURUMIM  – Eu tenho certeza, madame. O plano do Senhor X é simplesmente per-fei-to! Nada poderá falhar. Mas como é aniversário dele e seria uma data comemorativa, o senhor X, precisa reencontrá-la primeiro pelo computador.
MEDUSA – Uma apresentação virtual? Sem Bruninho saber que sou a mãe dele? Será que vai dar certo? Estou tão emocionada. Posso chamar o meu amigo o Palhaço Chocolate para ir conosco nesta viagem virtual?
CURUMIM- O Senhor X gosta muito dele. Do Palhaço Chocolate.
MEDUSA – Que maravilha. Vou organizar tudo. E o contrato com o Império? Hein? Aqueles monstros todos que me expulsaram de lá!
CURUMIM- Serão expulsos  logo... logo! E, Madame...  tudo voltará a ser como deveria ter sido de melhor  e todos serão felizes, bichos, máquinas, seres humanos... todos!
MEDUSA- Venha, querido Curumim (vai saindo com Curumim), entre aqui neste lugar no computador e  conte-me tudo que devemos fazer. Tudinho. Ah! Este é o dia mais feliz de toda a minha vida!
CURUMIM– Eu estou muito feliz também, Madame. Curumim está muito feliz.
(saem)
(entram Bela e o Senhor X e falam sobre o plano, ajeitam o velho notebook para que Bruno pense que foi ideia dele próprio não um plano do pai para juntar, toda a família no seu aniversário)




Em 2008: foi produzido com pompa e circunstância o texto de Moisés; ANJOS DE FOGO E GELO:
Jornal do Commercio
ARTES CÊNICAS
Ato, do Magiluth, é a zebra do Janeiro
Publicado em 05.02.2009
Peça feita com apenas R$ 3 mil desbancou Rasif e Anjos de fogo e gelo e levou troféu Melhor Espetáculo em cerimônia da Apacepe

Com o ator Bobby Mergulhão como mestre-de-cerimônias e interpretando uma de suas mais famosas personagens, Dona Verinha, a cerimônia de premiação dos melhores do Janeiro de Grandes Espetáculos, na noite da terça, foi um verdadeiro festival de prêmios. Trinta e nove estatuetas foram entregues aos indicados, sendo a mais disputada entregue ao grupo Magiluth, que levou o troféu de melhor espetáculo (eleito pela comissão julgadora) com Ato, desbancando o favoritismo de Rasif e a arrasa-quarteirão Anjos de fogo e gelo. O resultado surpreendeu os integrantes do grupo, uma das revelações do cenário artístico local dos últimos anos. Ato foi realizada com um orçamento baixíssimo (principalmente em relação a Rasif e Anjos..): R$ 3 mil. A peça levou ainda levou o prêmio Melhor Figurino, conquistado por Júlia Fontes.


Jornal do Commercio
Destaques do Janeiro são premiados
Publicado em 03.02.2009

O 15º Janeiro de Grandes Espetáculos entrega hoje o troféu Apacepe de Teatro e Dança para os destaques do festival. A cerimônia, que acontece às 19h, no Teatro de Santa Isabel, é aberta ao público.
As peças indicadas ao prêmio de melhor espetáculo adulto são: Anjos de fogo e gelo, Ato e Rasif. A árvore de Julia, Historinhas de dentro e Outra vez, era uma vez concorrem ao prêmio de melhor espetáculo de teatro infantil. Enquanto que, na categoria dança, Tempo fragmentado e Imagens não explodidas disputam a preferência do júri.

Jornal do Commercio. 1 fev 2009»
ENTREVISTA  A  ATRIZ  DE ANJOS DE FOGO E GELO
 PERSONA/STELLA MARIS
Entre o palco, o jornalismo
Publicado em 01.02.2009
Dentro de uma rotina corrida e estressante, Stella Maris, que há cerca de 20 anos estava afastada dos palcos, encontrou na arte o equilíbrio necessário para enfrentar o dia a dia. Integrando o elenco de Anjos de fogo e gelo, ela planeja para 2009 uma turnê pelas capitais nordestinas. Apaixonada pelo teatro e pelos livros, Stella conta à repórter Manuella Antunes sua trajetória no jornalismo, na vida e no tablado.

JC – Há quanto tempo não fazia teatro?
STELLA MARIS – Voltei para os palcos depois de 20 anos. Nesse meio tempo, fiz duas Paixões de Cristo, mas nenhum espetáculo de temporada no teatro convencional.
JC – Qual o motivo de ter parado?
STELLA MARIS – Na época, houve uma mudança no cenário local, pois fazer teatro é caro e difícil. Aliado a isso, minha vida como jornalista engolia meu tempo. Todo ano eu dizia que voltaria a atuar, mas não conseguia.
JC – E qual o motivo da retomada?
STELLA MARIS – Faltou equilíbrio na minha vida. O jornalismo é comunicação acima de tudo. E o teatro é a criação e estava em falta com o exercício criativo, ficou difícil até respirar. Tinha que voltar, surgiu o convite para Anjos de fogo e gelo e aceitei na hora.
JC – Como você descreve sua relação com o teatro?
STELLA MARIS – Depois de nove espetáculos e duas Paixões de Cristo, posso dizer que, antes de tudo, sou uma apaixonada pelo teatro.
JC – Qual desses espetáculos é a menina dos seus olhos?
STELLA MARIS – Os fuzis da Senhora Carrar. Foi uma montagem belíssima onde, com 18 anos, interpretei uma mulher de 40. Era época de ditadura no Brasil e a peça pôde, com metafóras, discutir o regime.
JC – Professora, jornalista e atriz. Como administra tudo?
STELLA MARIS – Trouxe a rotina da televisão para minha vida. Priorizo o que é mais importante e faço cada minuto render o máximo.
JC – Quando consegue parar, o que gosta de fazer?
STELLA MARIS – Sou apaixonada por literatura. Perto da cama, tenho um pilha de livros e, sempre que tenho tempo, pego um deles. Ler é a primeira coisa que faço quando acordo, antes do dia começar.
JC – E o teatro em 2009?
STELLA MARIS – Começaremos uma turnê que, inicialmente, passará pelas principais capitais do Nordeste.J








Renato Filho/Divulgação
Folha de Pernambuco.  30/01/2009
Janeiro de Grandes Espetáculos se despede
“Anjos de Fogo e Gelo” está na programação de encerramento
“Anjos de Fogo e Gelo”, hoje, no Santa Isabel

 
Foram três semanas intensas para organizadores, técnicos, júri, diretores e atores. E público, claro, parte fundamental para a manutenção e desenvolvimento do Janeiro de Grandes Espetáculos, cuja 15ª edição encerra nesse fim de semana. Hoje, no Santa Isabel, a ousada história de amor dos poetas Arthur Rimbaud e Paul Verlaine ganha o palco com “Anjos de Fogo e Gelo”.
O espetáculo coloca em cena momentos decisivos da vida dos dois poetas; a crise do casamento de Verlaine, a incompreensão da mãe de Rimbaud com relacionamento. A apresentação é às 21h. Já no Teatro Apolo, às 19h, Ivaldo Mendonça em Grupo apresenta “Tempo Fragmento”, espetáculo de dança contemporânea.
Amanhã, último dia da maratona, é dia de rever “Rasif - Mar Que Arrebenta”, do Coletivo Angu de Teatro. Baseada no livro homônimo de Marcelino Freire, a peça traduz em linguagem cênica doze contos que revelam as fissuras do tecido social brasileiro contemporâneo. Personagens obscuros se cruzam com figuras cômicas para traduzir emoções e dissabores.“Rasif” está no Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h.
Também no sábado o publico vai poder assistir de novo “As Andanças do Divino”(às 21h, no Santa Isabel), do Balé Popular do Recife. O espetáculo celebra os 30 anos da companhia, completados ano passado, unindo teatro e dança em cima da história de um mamulengueiro que sai do Sertão rumo ao litoral. E fechando a programação infantil, “Historinhas de Dentro” (às 16h30, no Barreto Junior), do Grupo de Teatro Quadro de Cena, narra a trajetória de uma menina que descobre, numa viagem ao interior do seu corpo, um grande circo. Os ingressos para os espetáculos no Santa Isabel custam R$ 15 e R$ 7,50. Demais teatros, R$ 10 e R$ 5.



FOLHA DE PERNAMBUCO. CADERNO PROGRAMA. PÁGINA  5 EM 04/11/2008.
Teatro nordestino pede parada em São Paulo
A
programação é variada, e vai até o dia 3 de dezembro.

                                                                                    Talles Colatino


Não soa estranho que São Paulo seja a maior cidade nordestina do País. E para exercer uma proximidade ainda maior entre a região e a metrópole, tem início hoje, lá na terra do céu cinza, a Mostra Paulista do Teatro Nordestino. Até o dia 3 de dezembro, uma série de atividades gratuitas relacionadas à produção teatral da região ocupa o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), incluindo peças, leituras dramáticas e demonstrações de trabalho. A mostra também recebe a 6ª Semana do Teatro Nordestino, reunindo dramaturgos de São Paulo e do Nordeste em mesas de debates e lançamentos de livros.
O fato de abrir as portas de dois dos mais importantes centros culturais do País (o CCBB e o CCSP) à Dramaturgia Nordestina é um ato de reconhecimento do valor de autores e de criadores cênicos, abundantes nessa região, que tornam o Brasil um dos lugares do planeta onde o teatro está mais vivo do que nunca. Se o evento conseguir abrir um pouco mais o diálogo entre Nordeste e Sudeste, em meio às luzes e às sombras da cena, terá cumprido importante papel”, afirma Sebastião Milaré, curador da Mostra.
As quatro montagens selecionadas para se apresentar no evento homenageiam o pesquisador e dramaturgo alagoano Altimar Pimentel, falecido esse ano. Pimentel é autor de “A Construção”, uma das peças emblemáticas do final dos anos 60, encenada em 1969, pelo Grupo A Comuna,  de Amir Haddad, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. De autoria do dramaturgo, a mostra traz ao palco “Como Nasce um Cabra da Peste”, com a companhia paraibana Agitada Gang.
Pernambuco vai representado pela companhia Arte-em-Cena, com seu já clássico “Deus Danado”. “Lesados” (CE) e Sinhá Flor (PB) completam o time de espetáculos.
SEMANA
Como parte da programação da Mostra, pela primeira vez São Paulo é palco da Semana do Teatro Nordestino, evento que acontece anualmente em Natal (RN) desde 2003, por iniciativa da Associação dos Dramaturgos do Nordeste. A programação da Semana inclui lançamento de livros e palestras com dramaturgos nordestinos e paulistas. “A idéia principal foi dar acesso aos criadores cênicos paulistas, aos estudiosos e ao público interessado de São Paulo a obras dramatúrgicas produzidas no Nordeste. Essa idéia ia ao encontro da proposta básica da Associação de Dramaturgos do Nordeste, que é difundir essa produção dramatúrgica”, conta Sebastião Milaré, mediador das mesas.
Para as palestras, os dramaturgos convidados são: Cleise Furtado Mendes (BA); Oswald Barroso, José Maria Mapurunga, Rafael Martins, Yuri Yamamoto (CE); Tácito Borralho (MA); Eliézer Rolim, Elpídio Navarro, Paulo Vieira, Celly Albuquerque (PB); João Denys(autor de “Deus Danado”), Moisés Monteiro de Melo Neto (autor de “Anjos de Fogo e Gelo”), Romildo Moreira (PE); Ací Campelo (PI); Racine Santos, Paulo Dumaresq (RN); Lindolfo Amaral (SE); Luis Alberto de Abreu, Márcio Aurélio e Newton Moreno (SP). Lá, toda a programação é gratuita.


» BARRETO JÚNIOR
Anjos de fogo e gelo em DVD
Publicado
em 31.10.2008
A apresentação de Anjos de fogo e gelo de amanhã tem sabor especial. A peça, que traz o polêmico relacionamento entre os poetas Rimbaud e Verlaine, foi gravada em um DVD que é lançado amanhã. Com cinquenta e cinco minutos de duração e legendas em francês e inglês, o material traz depoimentos do elenco e do diretor da peça, José Francisco. O plano de direção e os desafios enfrentados pela produção para montagem do espetáculo são comentados ali. A peça está em cartaz no Teatro Barreto Júnior, sábados e domingos às 20h.

ANJOS DE FOGO E DE GELO
Saturday, October 11, 2008


O ator Rogério Bravo, mui generosamente, me franqueou entradas para o espetáculo ANJOS DE FOGO E GELO. Confesso que temi – não pelo Rogério, que é um ator sensível e competente, mas pela onda (eterna, meu Deus!) de “travestismo” que ocupa os palcos recifenses; ando tão cansado do exagero, de atores berrando abobrinhas...

Mas encontrei um elenco afinado, uma luz que funciona, marcações perfeitas, um figurino impecável – destaque para Rogério Bravo, que dá conta de um personagem difícil, e a atuação poderosa de Stella Maris Saldanha – que sequer aparece no cartaz - a todo momento roubando a cena – sua mão, delicadamente dobrando o vestido ao descer do palco, é a mão de uma mulher do século XIX. “Deus está no detalhe”, reza o ditado alemão. A atuação dos grandes atores, também.

Vão ver o quanto antes, porque o teatro, meus queridos, é fugaz como a vida e não está para os indecisos.
Posted by Walther Moreira Santos at 5:51 AM



Sábado, 13 de Setembro de 2008
"[...] L'arrivée de Rimbaud en enfer".

"Rimbaud : La lune blanche luit dans le bois. De chaque branche part une voix sous la ramée… Ô bien-aimée ! L’étang reflète, profond miroir, la silhouette du saule noir où le vent pleure… Rêvons, c’est l’heure. Un vaste et tendre apaisement semble descendre du firmament que l’astre irise…"

Verlaine: Pâle étoile du matin, tourne devers le poète [...]".*



Sempre foi dito que tanto ao dramaturgo quanto ao poeta se deve consentir liberdade de espírito e de texto e Moisés Monteiro de Melo Neto, ou simplesmente Moisés neto, recifense autor da peça Anjos de Fogo e Gelo, usou e abusou dessa liberdade.
A fala inicial, transcrita acima, é um trecho do magistral “La Lune Blanche”, do poema “La Bonne Chanson”, de Paul Verlaine, colocado na boca de Arthur Rimbaud, no que o autor imaginou ser o momento da chegada do poeta ao inferno e com o qual inicia a descrição de parte da vida e da obra de Rimbaud, ambas patrimônios da humanidade. No dia 30 de agosto passado fui ao Recife, entre outras coisas para assistir, como convidado, à estréia da peça referida acima e, confesso, não me arrependi. Revi amigos que não encontrava há muito tempo, refleti, debaixo de uma árvore do fruta-pão toda florida, a respeito dos Rimbauds, Verlaines, Mathildes e Vitalies existentes em cada um de nós e fiquei feliz com o que o diretor de “Anjos de Fogo e Gelo”, o consagrado José Francisco Filho, conseguiu fazer com o bizarro texto colocado em suas mãos. Trabalho muito difícil, tenho a certeza.

O texto, como podem deduzir da abertura, é um coletânea não só de poemas de Rimbaud, mas também de alguns de Verlaine, juntamente com uma descrição livre, feita pelo autor, de fatos da vida dos dois, inseridos para facilitar a compreensão dos assistentes. Os poemas também foram livremente adaptados à prosa, tentando tornar o texto mais perceptível.
Se o resultado está sendo conseguido, deixo a resposta ao público e à crítica.

O diretor, esse sim, deve ter feito das “tripas coração” para prender a platéia - como de fato prende - durante a quase uma hora de duração da peça, já que Rimbaud, o poeta, é denso e Arthur, o homem, complexo demais, para serem - poeta e homem - facilmente compreendidos pelo público do meu querido Recife, nem sempre aberto à poesia, ao teatro ou a comportamentos humanos. De minha parte, ainda que não sendo crítico teatral, captei uma certa insegurança dos protagonistas masculinos, bastante natural em estréias impactantes, talvez fruto do natural receio da reação que o texto e as marcas poderiam gerar nos assistentes. Receio desnecessário, ao menos naquela estréia. Considero um dos destaques da peça - não sei se fruto do texto criado pelo autor, se do trabalho do diretor - a força das duas mulheres presentes no palco: Vitalie, mãe de Arthur Rimbaud e Mathilde, mulher de Paul Verlaine, que conseguem ser protagonistas de uma narrativa na qual seriam coadjuvantes. Mathilde, numa excelente interpretação de Stela Maris Saldanha, conduz linearmente todo o texto, tornando-se no elo de ligação entre as narrativas. Graças à atriz, o texto ficou bem mais fácil para os leigos. Vitalie, também muito bem interpretada, transforma em momentos de comicidade a dispensável maldade que lhe tentaram atribuir. Discordo, data venia, de quem pensou mostrar Vitalie Rimbaud como um mulher amarga, ambiciosa e cruel na relação com o filho.
Vitalie era uma mulher da burguesia rural do interior da França na época de Napoleão III, no rígido século XIX, e o filho era um gênio, que poderia ter nascido em qualquer lugar ou em qualquer época. Impossível, portanto, para uma mulher comum como Vitalie, entender as idiossincrasias de Arthur sem as criticar, aceitar e conviver com os seus atos sem se magoar, sem os recriminar. Daí, porém, a ser uma mãe sem amor, só interessada, anos mais tarde, nos lucros nascentes de Le bateau Ivre e dos demais poemas, eu não concordo. Ainda bem que Ivonete Melo conseguiu minimizar (mostrando ingenuidade) a suposta ambição de Vitalie Rimbaud. A música (muitíssimo bem escolhida) e a iluminação completam o texto e a direção. Parabéns ao autor, ao diretor, aos quatro atores e a toda a equipe, que estão levando ao Recife um momento mágico da vida de pessoas mágicas, em um espetáculo que poderá alçar vôos ainda mais altos.

Aos que estejam no Recife e leiam esta postagem, sugiro que vão ao teatro Barreto Júnior e apreciem o espetáculo, pois vale a pena sim senhor.

Por puro diletantismo, para matar o tempo, resolvi colocar na língua mãe dos quatro personagens o texto de Moisés Monteiro de Melo Neto, tarefa difícil devido ao "melting pot textual" que ele é, mas tenho me distraído bastante e o “trabalho” contribuído para que possa melhor conhecer a obra dos dois poetas. O título em francês - Anges de Flamme et de Glace - não é meu, mas emprestado de Arthur Rimbaud, mesmo assim, por se tratar da versão em outro idioma de uma obra teatral, é bom estar registrado (na versão em francês, é claro), para evitar constrangimentos ulteriores.
____________
 Captado  em 5-out-2008
http://lugardosouto1.blogspot.com/2008/09/anges-de-flamme-et-de-glace-rimbaud.html


Professora de Jornalismo estreia peça no Teatro Barreto Júnior
Por Lucélia Brito
Poetas e amantes, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud estão tendo suas vidas encenadas em Anjos de fogo e gelo. A peça estreou sábado (30), às 20h, no Teatro Barreto Júnior, e conta com a participação da professora do curso de Jornalismo da Católica Stella Maris Saldanha, no papel de Mathilde, esposa de Verlaine. A direção do espetáculo é de José Francisco Filho, ex-integrante do Teatro da Universidade Católica de Pernambuco (Tucap).
Na fase liderada por José Francisco Filho e Carlos Borba, entre 1973 e 1975, o Tucap se tornou um dos melhores grupos de teatro amador de Pernambuco, conquistando mais de 30 prêmios. Durante a sua trajetória no grupo, que durou até 1984, José Francisco Filho dirigiu as montagens Torturas de um coração (1972), A revolta dos brinquedos (1972), Prometeu acorrentado (1973), Os escolhidos (1974), A barca d’ajuda (1975) e A farsa do Mestre Pathelin (1984).
O retorno aos palcos da professora Stella Maris também era aguardado com expectativa.“Volto para o teatro depois de muitos anos de ausência. Nesse intervalo, que começou no final dos anos 80, interpretei Maria por duas vezes na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, mas não atuei por nenhuma temporada maior”, contou Stella Maris.
O espetáculo Anjos de fogo e gelo retrata o período no qual Verlaine, poeta já renomado, convida Rimbaud para morar com ele e sua mulher, Mathilde. A peça mostra momentos decisivos da vida dos dois poetas, a partir da cumplicidade e da paixão entre eles. A crise no casamento de Verlaine, a incompreensão da mãe de Rimbaud e reprovação da sociedade francesa diante do amor entre os poetas são alguns dos temas abordados. 
Dono de uma poesia lírica e singular, Paul Verlaine se casou com Mathilde Mauté de Fleurville numa tentativa de acomodar-se a uma vida familiar. Mas tudo mudou quando o poeta conheceu Jean-Nicolas-Arthur Rimbaud, jovem que o fascinava e se tornou seu amante. Rimbaud começou a escrever poemas quando tinha apenas 12 anos e aos 19 deu por encerrada sua obra literária. Precoce e cheio de inquietações, o poeta desenvolveu uma obra incomum, densa e delicada. Admirador de Verlaine, em 1871 Rimbaud escreveu sua primeira carta para aquele que seria seu maior companheiro.
A união dos poetas causou uma mágoa profunda em Mathilde, a esposa traída, levando Verlaine a se afastar de Rimbaud. Hostilizados pelo meio intelectual francês, Verlaine e Rimbaud se aventuraram pela Europa, numa viagem na qual escreveram poemas que modificaram para sempre a poesia ocidental. De volta ao continente europeu, Verlaine
trabalhou em "Romances sem Palavras", enquanto Rimbaud publicou "Uma temporada no inferno". Depois de várias rupturas e reconciliações, em 1873, Verlaine deu um tiro de pistola em Rimbaud, em Bruxelas.
A montagem Anjos de fogo e gelo tem texto de Moisés Monteiro de Melo Neto e atuações de George Meireles, Roger Bravo, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo. O espetáculo fica em cartaz no Teatro Barreto Júnior até o dia 16 de novembro, aos sábados e domingos, sempre às 20h.


Imprimir
E-mail





Em busca do tom
Escrito por  Alexandre Figueirôa   
O espetáculo Anjos de fogo e gelo não chega a ser a redenção de uma cena na qual as comédias de gosto duvidoso dão o tom, mas nos faz ver que nem tudo está perdido

Um espetáculo para marcar múltiplos retornos. Assim é Anjos de fogo e gelo, peça em cartaz até novembro no Teatro Barreto Júnior.  Ela assinala a reabertura, devidamente reformada, de uma das poucas salas municipais exclusivas para as artes cênicas no Recife. Traz de volta, também, um encenador – José Francisco –, que andava afastado dos palcos; uma atriz – Stella Maris Saldanha –, cuja carreira ficou adormecida pela necessidade de enfrentar a ribalta do jornalismo; um autor – Moisés Monteiro de Melo Neto –,  que afirma ter voltado à adolescência de leitor voraz de poemas de Rimbaud; e, ainda, um tema, cuja mística enfeitiça o Ocidente e já inspirou outras tantas peças, filmes e livros: a turbulenta relação entre os poetas Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, no final do século 19, na França.


Numa cidade onde as comédias de gosto duvidoso dão o tom, não deixa de ser animador ver mais um grupo de pessoas se debruçar sobre um projeto teatral que tenta escapar das fórmulas previsíveis do humor fácil e afirmar: o teatro pernambucano permanece vivo. Por isso acho ser obrigação da crítica não baixar a voz e, mais uma vez, buscar estabelecer um diálogo sereno e propositivo com esta cena que resiste. Na troca de impressões, talvez consigamos recuperar um espaço que, infelizmente, vem sendo ocupado, cada vez mais, pelas manifestações artísticas massivas onde qualidade e apuro estético pouco importam.
Isto não significa que Anjos de fogo e gelo consiga ser a redenção de tantos conflitos, mas nos faz ver que nem tudo está perdido.  Em primeiro lugar, é preciso ressaltar o cuidado da produção, equilibrando os recursos materiais disponíveis a partir de uma coerente articulação entre a proposta de encenação e os elementos cenográficos. No figurino, predominam as cores marrom e bege e, junto com a iluminação, em tom amarelo cobre, temos a impressão de que folheamos as páginas envelhecidas de um livro esquecido na estante. As plataformas por onde circulam os atores, com degraus decorados com sinais de escrita, também conseguem dar unidade ao drama que se desenrola diante do espectador e funcionam de forma precisa como elementos para definição do jogo dramático proposto.

Alex Alencar, na sua coluna do JC, Caderno C
Publicado em 26.09.2008:
Não diria que o relacionamento homo tornou-se algo absolutamente natural. Pela evolução no mundo, pelas propostas das novas religiões, bem poderosas, ou de novas maneiras de acreditar e ter fé num Deus. As várias igrejas que partem de um país e vão atravessando pacificamente outras fronteiras mudaram as idéias e posicionamentos. A liberdade e os novos direitos que surgiram permitiram que atrizes famosas, ou pessoas com elevado nível social e financeiro, até militares tomaram a decisão de posar para fotos de jornais confessando que são do mesmo sexo mas que se amam. Atitude forte. Claro que muitos não aceitam, mas que fiquem apenas com seu direito. Não persigam, não matem nem maltratem aqueles que fizeram a opção. Tenho um DVD que narra o relacionamento amoroso de dois dos maiores poetas franceses em toda história da literatura francesa, são Arthur Rimbaud e Paul Verlaine. No filme quem interpretou Rimbaud foi Leonardo De Caprio, que vem se revelando bom ator, o Verlaine teve como intérprete um ator francês. Não vou comentar o filme. Mas a história amorosa e dramática dos dois poetas está sendo representada no teatro Barreto Júnior aos sábados e domingos com o título de Anjos de fogo e gelo, dirigido por José Francisco. Tenho ouvido muitos depoimentos sobre a peça. Vera Brandão achou colossal, e tem bom gosto. O tema é insólito, mas deve ser visto.




O escritor e jornalista Raimundo Carrero escreve sobre ANJOS DE FOGO E GELO no SUPLEMENTO CULTURAL DO DIÁRIO OFICIAL do Governo do Estado de Pernambuco (Editado pela CEPE em Setembro de 2008):


SOBRE O AMOR MAGOADO

            O que mais importa  na arte: o artista  ou a obra?  A pergunta nem sempre tem resposta segura.  Em  princípio pode-se dizer,  simplesmente, a arte. O  que seria o ideal, claro.  Mas nem sempre é assim.  Há  vidas que superam  o objeto artístico  e se impõem  pela forma,  pela qualidade.  Pela loucura,  talvez.  E há casos em que arte e artista se confundem  tanto, que uma coisa jamais será separada da outra. É o caso das vidas de Rimbaud e Verlaine? Ou seria  mais apropriado  dizer das duas em uma só?
Os dois  se transformaram em  símbolos do amor  gay,  embora cheios de violência, sofrimento e dor. E não somente para eles;  também  para as esposas e,  lógico,  para os parentes e amigos. E é justamente  para refletir sobre essa turbulência que está em  cartaz,  no Teatro Barreto Júnior, a peça “Anjos de fogo e gelo”,  de Moisés Monteiro de Melo Neto,  som e direção de José Francisco.  Um espetáculo  difícil,  que exige o máximo do elenco,  sobretudo de George Meireles  e Roger  Bravo.
Além da natural e óbvia responsabilidade de encarnarem personagens-símbolos de toda uma geração e de toda uma época, enfrentam  um texto exigente  naquilo que  a peça de teatro  tem  de mais significativo: o condicionante  humano no tratamento  do mundo gay.  Algo que provoca sempre divergências profundas e gestos desmesurados. É claro que não é atributo apenas  de pessoas do mesmo sexo. As atribuições estão em todos. Mas, no caso especial dos dois, que também geraram  obras de artes extraordinárias, a paixão e a convivência causariam, como  causaram,  muitas inquietações.
Basta lembrar o tiro que Verlaine  deu em Rimbaud,  na Bélgica,  e que por isso TVE de pagar pena de prisão. É claro que o tratamento agressivo pode ocorrer entre casais os mais diversos, do mesmo sexo ou não.  Violência não tem particularidade.  O efeito da luta, porém, recebe hábil tratamento no texto do experimentado Moisés Monteiro de Melo Neto, através de referências e alusões.  Até porque um tema que começa a entrar na infalível lista do lugar-comum é  a violência.
A direção da peça não conseguiu evitar outro lugar-comum da arte contemporânea:   as cenas de sexo. A arte contemporânea terá  que superar esse impasse – seria mesmo um impasse? – de tratar o sexo e a violência em todas as manifestações artísticas. Sobretudo no caso do amor entre pessoas do mesmo sexo. É algo que está beirando o óbvio e, por isso mesmo, precisa ser repensado. O sexo ainda causaria, mesmo, estranhamento artístico?  É um elemento artístico de qualidade?  Ou ainda provoca escândalo e,por ser escandaloso,  geraria o fator artístico?  É o caminho?  Uma das questões da contemporaneidade,  em que a violência e o sexo estão terrivelmente presentes, precisa receber outro tratamento, que não seja apenas pela beleza ou pelo escândalo.
No entanto, o que mais se ressalta no texto de Moisés Monteiro de Melo Neto é o equilíbrio cênico, o que também é um atributo do diretor. Dentro de um cenário leve, também com ótimo equilíbrio de luz, pode-se acreditar, sinceramente, naqueles dois seres dilacerados, na pele de George Meireles e Roger Bravo,  sem esquecer as duas  atrizes Stella Maris e Ivonete Melo. As duas, aliás, fazia tempo que não pisavam  no palco. E estão ótimas.  Seguras, firmes. Trabalhando este lado mais inquietante do drama teatral que, no entanto, não tem nada de teatral – na origem  são duas mulheres que se debatem  entre a dor e o amor.  E nada mais intranquilo  do que o amor magoado. O amor que se debate entre o choro e o soluço.



JORNAL DO COMMERCIO:
Anjos e fogo e gelo grava DVD no Barreto
Publicado no CADERNO C  em 19.09.2008
Iniciando a quarta semana de exibição, Anjos de fogo e gelo, peça que mostra o conturbado relacionamento entre os poetas franceses Rimbaud e Verlaine, será gravada em DVD amanhã, às 20h, no Teatro Barreto Júnior. Quatro câmeras captarão as imagens e microfones direcionais serão instalados nas coxias do teatro garantindo a qualidade do som. O DVD será legendado em inglês e francês. O material será usado também para divulgar o espetáculo nos principais festivais cênicos do País. Com texto de Moisés Monteiro de Melo Neto e direção de José Francisco Filho, a peça traz George Meireles (Verlaine), Roger Bravo (Rimbaud) Stella Maris Saldanha (Mathilde) e Ivonete Melo (Vitalie). O ingresso custa R$ 20, inteira, e R$ 10 (estudante).


JORNAL DO COMMERCIO
Coluna social  DIA-A-DIA. Segunda-feira, 01/09/08:
Estréia de sucesso: Arrebentou a estréia da peça Anjos de fogo e gelo, no Barreto Júnior, sábado. O teatro teve lotação esgotada, com direito a muitos conhecidos na platéia. Por lá: Turíbio e Zezinho Santos, Carlos Trevi, Paula Ribeiro... que gravaram depoimentos sobre a peça. Detalhe: para o espetáculo de ontem, mais de 100 ingressos já haviam sido vendidos até a noite de sábado.



Publicado no DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Em 01.09.08

Rimbaud e Verlaine:
Anjos de fogo e gelo estréia com teatro lotado

Tatiana Meira // Diario
tmeira@diariodepernambuco.com.br




Romance conturbado dos poetas é revivido pelos atores Roger Bravo e George Meireles. Foto: Renato Filho/Divulgação





Para o diretor José Francisco Filho, fazer teatro é como andar de bicicleta. Você pode passar anos sem ter contato com o palco, mas quando decide retornar, esta volta transcorre naturalmente. A julgar pela interpretação do elenco de Anjos de fogo e gelo, que fez sua estréia neste final de semana, no Teatro Barreto Júnior, o diretor tem razão. Quatro atores estão em cena - Roger Bravo, George Meireles, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo.Os três últimos não encaravam os espectadores numa peça adulta há anos e defenderam com dignidade seus papéis.

Apesar da atuação correta e da produção impecável, a história do amor conturbado entre os poetas Paul Verlaine (George Meireles) e Arthur Rimbaud (Roger Bravo), em plena Europa do século 19, carece de mais emoção. Não sei se esta impressão persiste por estarmos acostumados a textos mais lineares. A peça inova e coloca os personagens mergulhados em seu próprio fluxo de consciência. Da acolhida de Rimbaud pelafamília de Verlaine, ao fim do casamento entre este e a aristocrata Mathilde, ou a passagem de Rimbaud pela África, somos apresentados a situações-limite, e há instantes, como na primeira cena, em que a poesia se confunde com os diálogos.

O texto, de autoria de Moisés Monteiro de Melo Neto, também evita o caminho mais fácil ao apenas pincelar os fatos mais conhecidos do relacionamento tempestuoso dos poetas. Os dois tiros que Verlaine deu em Rimbaud, e que o levaram a ficar um ano e meio numa prisão da Bélgica, são apenas citados, ficando tudo nas entrelinhas.

A questão da homossexualidade também poderia ser tratada com menos pudores. Na segunda cena da peça, quando Verlaine e Rimbaud ficam nus e fazem sexo, o palco fica quase na penumbra. Eles atingem o clímax e, instantes depois, já estão discutindo novamente, como se nada de importante tivesse acontecido. Verlaine corre para vestir a roupa de baixo, como se ficasse envergonhado do próprio corpo. Nota dez para os figurinos e adereços de época criados por Aníbal Santiago e para o cenário de Marcondes Lima, com várias escadarias e plataformas de madeira por onde o quarteto se movimenta.

Extremamente pontuais em relação ao teatro local, que costuma atrasar em até meia hora o início de uma peça, Anjos de fogo e gelo começou às 20h05 do último sábado. A platéia do Barreto Júnior estava abarrotada de gente e quem chegou por último precisou se acomodar nos corredores laterais, ficando em pé, enconstado nas paredes. Ao contrário de outras ocasiões, porém, o elenco não agradeceu formalmente à presença do público, nem aproveitou a oportunidade para explicar até quando ficariam em cartaz. Apenas Roger Bravo e Ivonete Melo se abraçaram ao final do espetáculo, talvez pela tensão da estréia.

Em seguida, as luzes do palco se apagaram e o público começou a deixar a sala. A platéia, aliás, continua mal-educada: os celulares tocaram repetidas vezes durante a encenação. Quem comparecer à temporada, que continua até meados de novembro, aos sábados e domingos, às 20h, pode adquirir o programa da peça junto com um brinde - um CD com poesias de Rimbaud e Verlaine- por R$ 5.




 ESTRÉIA: Poesia e erotismo em lavagem de roupa suja
Publicado no JORNAL DO COMMERCIO em 01.09.2008
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
O público recifense lotou o recém-reaberto Teatro Barreto Júnior, no Pina, anteontem, para conferir a estréia de Anjos de fogo e gelo, espetáculo dirigido por José Francisco a partir de texto de Moisés Monteiro de Melo Neto. Apesar do zunzunzum gerado pela polêmica em torno do tema, a relação amorosa entre os poetas franceses Rimbaud e Verlaine, a peça, com menos de uma hora de duração, contém apenas uma sequência de erotismo (a programação visual do material de divulgação pode gerar expectativa) e foca mais na tensão do triângulo amoroso formado pelo par central e a esposa de Verlaine, Mathilde.
Mesmo quando não há figurino em cena, Anjos de fogo e gelo é uma grande lavagem de roupa suja entre os personagens supracitados e a mãe de Rimbaud, Vitalie. Bem-escolhidos, os atores encarnam bem os papéis aos quais foram destinados: Roger Bravo, na pele do jovem, arrogante e desmedido Rimbaud, George Meireles, como o inseguro Verlaine, Stela Maris encarnando a preterida e rancorosa Mathilde, e Ivonete Melo como a mãe amargurada Vitalie, responsável por algumas das falas mais engraçadas da peça.
Apesar da tensão da estréia, e até pela larga experiência dos profissionais envolvidos, o espetáculo se saiu bem em sua primeira apresentação. O texto, porém, tem uma particularidade: mescla momentos históricos de uma maneira paradidática, mas necessária, com citações poéticas e diálogos de conflito dos personagens. Há contudo, um certo desequilíbrio entre os momentos de mágoa – mais fortes –, os românticos e os líricos.
Em um cenário bem bolado, que segue uma tendência prática e funcional, o elenco destila os dilemas dos personagens se movimentando de forma bem coreografada que deixa o trabalho mais dinâmico. A boa trilha sonora e o belo figurino de época completam os pontos fortes da peça que, tecnicamente, coloca-se acima da média da produção local.



DIÁRIO DE PERNAMBUCO
Quinta-feira- 28.08.08

O amor conturbado de Rimbaud e Verlaine
por Tatiana Meira


Estréia // Anjos de fogo e gelo inicia temporada sábado no Teatro Barreto Júnior e quebra o jejum dos atores George Meireles, Stella Maris Saldanha e Ivonete Melo, que estavam distantes dos palcos
Tatiana Meira // Diário: tmeira@diariodepernambuco.com.br



Quando assistiu à montagem carioca Pólvora e poesia, sobre o relacionamento tempestuoso entre os poetas Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, George Meireles gostou do resultado, mas sentiu falta de um enfoque maior na obra dos artistas cujo romance conturbado movimentou os cafés parisienses no final do século 19. A vontade de interpretar este drama amoroso que gerou polêmica acabou tornando irrecusável o convite feito ao ator - há uma década longe da ribalta - pelo diretor José Francisco Filho e pelo escritor Moisés Monteiro de Melo Neto, autor do texto original de Anjos de fogo e gelo. A estréia do espetáculo será neste sábado, no Teatro Barreto Júnior, no Pina, com temporada até 16 de novembro, sempre aos sábados e domingos, às 20h. "A poesia é a forma do texto, que assume um formato diferente, o que me instigou muito", destaca George.

Foto: Renato Filho/Divulgação
Com uma trama enxuta, de 55 minutos, Anjos de fogo e gelo relata a história dos dois poetas, vividos por George Meireles (que faz Verlaine em dois momentos, aos 27 e aos 60 anos) e Roger Bravo (Rimbaud), etambém marca a volta à cena das atrizes Stella Maris Saldanha (a aristocrata Mathilde Mauté de Fleurville, que viu seu casamento de dois anos com Verlaine ser esfacelado quando ele se interessou por Rimbaud) e Ivonete Melo (na pele de Vitalie, a mãe de Rimbaud). "O quinto ator é a luz, que faz com que o público se reporte aos atores e aos planos e escadarias onde se realiza a ação", diz o diretor José Francisco Filho.

Ele explica que os cenários de tom expressionista criados por Marcondes Lima contrastam com os figurinos rebuscados de época pensados por Aníbal Santiago, numa reconstituição rigorosa da indumentária do final do século 19. A trilha sonora erudita proposta por Fernando Lobo, a maquiagem de Henrique Melo e a direção de arte de Renato Filho também ajudam a dar o tom naturalista da montagem, onde os atores foram orientados a economizar nos gestos e na voz e a focar a interpretação nas expressões faciais. "Todo o trabalho é fruto de muita pesquisa, do cuidado com os fatos históricos, para conseguir passar ao público a vida e a obra de Verlaine e Rimbaud", pontua o diretor.

Stella Maris Saldanha está muito emocionada com este retorno aos palcos. "Tenho uma relação muito visceral com o teatro, mas estava sem atuar desde o final da década de 1980, embora tenha participado duas vezes da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém", recorda Stella. Para ela, Mathilde tem um papel estratégico no triângulo amoroso que acaba formando com Verlaine e Rimbaud, experimentando um processo de muito sofrimento. "Ela fica amargurada, magoada, pois é surpreendida por esta relação tempestuosa, até que a dor fica insuportável", explica. A atriz afirma que também está feliz por perceber um "burburinho", uma chama que se acende novamente na cena teatral pernambucana. "Já fomos a terceira capital em produção teatral no país, atrás apenas do Rio e de São Paulo. Temos um movimento muito generoso na música e no cinema, mas no teatro esta palidez ainda está se desfazendo".

Na opinião de Roger Bravo, os oito meses transcorridos entre a leitura do texto e os ensaios vêm sendo bastante intensos. "É um mergulho no desconhecido, uma experiência libertadora, sem fórmulas a seguir", diz Roger, que fica praticamente o tempo todo em cena como Rimbaud, o que exige um alto nível de concentração.

George Meireles acredita que participar de Anjos de fogo e gelo é ainda mais provocador porque o ambiente é simples e não restam "muletas" para apoiar a interpretação do elenco. "É mais difícil, porque somos levados a passar a alma do personagem", revela George, que havia feito a promessa de só voltar ao teatro com uma peça de conteúdo denso, que possa desafiar o público.

Serviço

Anjos de fogo e gelo
Direção de
José Francisco Filho
Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Jeremias Bastos, Pina)
Quando: Estréia sábado, às 20h. Em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, até 16 de novembro
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)


























Diario de Pernambuco - PE
29/08/2008 - 07:32
Diario de Pernambuco - PE


Paixão visceral embalada pela poesia
Amor de Arthur Rimbaud e Paul Verlaine é tema da peça Anjos de fogo e gelo, que estréia no Barreto Júnior
Tatiana Meira
Renato Filho/Divulgação 
Renato Filho/Divulgação
Espetáculo remete à ebulição cultural da França no século 19

Um paralelo entre a vida e a obra poética de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, mostrando as influências mútuas entre os dois poetas, ajuda a compor o enredo de Anjos de fogo e gelo, peça que estréia sábado, às 20h, no Barreto Júnior, no Pina. Além de trazer para o teatro a trajetória pessoal e artística de Anjos de fogo e gelo dois ícones da literatura francesa do século 19, o espetáculo conseguiu reunir no mesmo elenco atores que estavam afastados dos palcos há vários anos, como George Meireles (que vive Verlaine), Stella Maris Saldanha (que estava longe das artes cênicas desde o final da década de 1980) e Ivonete Melo. Também faz parte deste time Roger Bravo, que interpreta Rimbaud.

Dirigido por José Francisco Filho e baseado no texto escrito por Moisés Monteiro de Melo Neto, Anjos de fogo e gelo opta por abordar a paixão avassaladora entre Verlaine e Rimbaud, para discutir uma relação amorosa que poderia acontecer independentemente do sexo. No lugar de uma narrativa convencional, são as poesias que costuram os diálogos, onde os atores foram orientados a seguir um gestual minimalista, para ressaltar a força da interpretação individual. "Sabíamos da responsabilidade do projeto e nos dedicamos a ele com uma entrega visceral", garante George Meireles.

Os cenários foram criados por Marcondes Lima, os figurinos são assinados por Aníbal Santiago - que também estava há anos sem trabalhar na composição de figurinos teatrais -, a trilha sonora é de Fernando Lobo e a maquiagem, de Henrique Melo. A peça ficará em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, até o dia 16 de novembro. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).

A árvore de Júlia - Também em cartaz no Barreto Júnior, a peça A árvore de Júlia é protagonizada pela estreante Olga Ferrário, 16 anos, que é dirigida pela mãe, Lívia Falcão. A peça conta a história de uma jovem que passa a morar em cima de uma árvore, para que ela não fosse derrubada. Em cartaz na sexta, às 20h, e sábado e domingo, às 17h. Informações: 3232-3054. Ingressos: R$ 20 e R$ 10(meia-entrada).




FOLHA DE PERNAMBUCO    SÁBADO - 30/08/2008

Encontros e desencontros clandestinos
“Anjos de Fogo e Gelo” retrata vida dos poetas Verlaine e Rimbaud
por Talles Colatino

Divulgação


Peça coloca em cena momentos decisivos dos poetas

Foram dois anos de reformas, e depois da abertura oficial na última quarta-feira, Recife agora conta com um Teatro Barreto Júnior apto e seguro a receber peças em seu palco. E para marcar a nova fase do espaço, acontece hoje a estréia da peça “Anjos de Fogo e Gelo”, que retrata os encontros e desencontros de dois dos maiores poetas de todos os tempos, Verlaine e Rimbaud.
A vida e a obra dos dois poetas e amantes ganham vida cênica com a direção de José Francisco e conta com George Meireles e Roger Bravo como protagonistas. “Anjos de Fogo e Gelo” retrata um período da vida dos poetas, no qual Verlaine, entusiasmado com os versos do jovem poeta, Rimbaud, o convida para morar com ele e sua mulher, Mathilde (vivida por Stella Maris Saldanha). A partir daí cresce então uma grande cumplicidade entre os dois artistas e uma intensa paixão.
O espetáculo coloca em cena momentos decisivos da vida dos dois poetas. Mesclando a história com poemas de ambos, a peça traça um paralelo entre a vida e a obra poética deles, mostrando como um influenciou o outro. Fica certo que poesia de Verlaine não é mais a mesma desde seu encontro com Rimbaud. Assim como esse mergulha no universo poético de Paul Verlaine, onde sua erudição contribui para que Rimbaud passe a criar uma obra refinada e profunda.
O texto da peça é de Moisés Monteiro de Melo Neto e completam o time Renato Filho (direção de arte), Fernando Lobo (direção musical), Marcondes Lima (cenários), Aníbal Santiago (figurinos) e Henrique Melo (maquiagem).  “Anjos de Fogo e Gelo” fica em cartaz até o 16 novembro,  sempre aos sábados e domingos, às 20h.

Serviço
“Anjos de Fogo e Gelo”
Sábados e domingos, às 20h
Teatro Barreto Júnior
Ingressos: R$ 20 e R$ 10.



» ESTRÉIA
Dois homens e um livro aberto
Publicado no  JORNAL DO COMMERCIO em 29.08.2008
Anjos de fogo e gelo leva o romance entre Rimbaud e Verlaine, poetas franceses para o novo Barreto Júnior

Fabiana Moraes
A história de um dos romances mais comentados de todos os tempos começa a ser encenada amanhã em um Barreto Júnior novinho em folha: Anjos de fogo e gelo, direção de José Francisco e texto de Moisés Monteiro de Melo Neto, conta o atribulado amor entre Rimbaud e Verlaine, poetas-chave da França do século 19. O par será vivido pelos atores George Meireles (Verlaine) e Roger Bravo (Rimbaud), que sobem ao palco ao lado de Stela Maris e Ivonete Melo (elas vivem Mathilde, a mulher de Verlaine, e Vitalie, mãe de Rimbaud, respectivamente). O espetáculo marca o retorno de Meireles, Ivonete e Stella ao palco, além da volta de José Francisco ao universo das montagens adultas – sua última incursão nesse sentido aconteceu há oito anos.
“É engraçado, muita gente tem me perguntado como está sendo volta aos palcos, mas você não volta de onde nunca saiu, não é?”, brinca o diretor, que durante todo este tempo esteve à frente de peças infantis (como A revolta dos brinquedos, que volta em breve aos palcos) e envolvido nas aulas do curso de artes cênicas da Universidade Federal de Pernambuco. “Também estou montando Apareceu a Margarida com a Trupe do Barulho”, adianta ele. É de José o projeto que se concretizou em peça, uma mescla moderna de homoerotismo e poesia. “Não sou um fã de carteirinha da poesia de Verlaine e Rimbaud, e sim fascinado com o rompimento da linguagem poética”, conta o diretor. “Rimbaud desafia a alta burguesia francesa quando diz simplesmente ‘eu não sou assim’, ele quebra as estruturas pelo deboche”, fala.
A forte presença das mulheres foi determinante para a encenação poética do relacionamento entre Rimbaud e Verlaine (aliás, o romance entre os dois poetas foi encenado com sucesso em 2000, quando Pólvora e poesia recebeu o prêmio Shell de melhor texto). “Rimbaud não era ninguém sem a mãe”, opina José Francisco. O cenário de Marcondes Lima faz do palco um verdadeiro livro aberto – é totalmente expressionista, pontua o diretor –, enquanto os figurinos de Aníbal Santiago, verdadeiro pesquisador de indumentárias, seguem a linha realista. É século 19 do sapato ao lencinho.
O ator George Meireles – que havia atuado pela última vez há dez anos em O avarento – pesquisa há quase um ano o papel do exuberante Verlaine, que larga a mulher e o filho recém-nascido para viver o tórrido relacionamento com Rimbaud. “Aos 19 anos, ele já era considerado um grande poeta, tanto que recebeu o título de ‘príncipe’ por parte dos franceses. Victor Hugo ficou impressionado com seu primeiro poema”, conta Meireles, lembrando que Verlaine supera Rimbaud em termos de popularidade naquele país – aqui, é justamente o oposto. A separação de Mathilde, os passeios pelo boulevard Saint-Michel (lugar de “pegação” onde até hoje michês fazem ponto, escandalizando os moradores bem-nascidos do 5º e do 6º arrondissement) e os dois tiros desferidos contra Rimbaud são algumas das passagens vividas pelo jovem poeta e encenadas em Anjos de fogo e gelo. Vivendo o par trágico e amoroso de Verlaine está o ator Roger Bravo, que já foi dirigido por nomes como Carlos Bartolomeu e Marco Camarotti. Um grande trunfo da peça, é claro, é a participação de Stella Maris (Um deus dormiu lá em casa, 1988) e Ivonete Melo (seu último trabalho foi Abelardo e Heloísa, criado em 2000).
Quem for conferir o espetáculo leva um presentinho de Rimbaud e Verlaine: além do programa, será distribuído um CD com poemas e a trilha sonora do espetáculo. Anjos de fogo e gelo ficará em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, no Teatro Barreto Júnior. O ingresso custa R$ 20 (inteira) e R$ 10 (estudante).




Quanto à política, Moisés Neto  apoiava Miguel Arraes. Na foto, Moisés aparece ao lado de Miguel Arraes e sua esposa Madalena Arraes.




Sobre a morte de um dos melhoes amigos e parceiro de Moisés o JC publica Cinema perde Marco Hanois
Publicado pelo Jornal do Commercio, em 19.11.2007
O artista plástico e realizador de cinema e vídeo Marco Hanois, 42 anos, morreu, ontem pela manhã, na casa onde morava com os pais, em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, vítima de esclerose lateral amiórtica (ELA), doença degenerativa que atinge os músculos. O enterro aconteceu ontem à tarde, no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, Região Metropolitana do Recife (RMR).
Dentre as obras de Hanois, estão Cassino Americano, de 1992, filme curta-metragem (diálogos de Moisés Monteiro de Melo Neto) com o qual foi premiado no Festival de Vídeo de Tóquio, no Japão, e Objeto Abjeto, de 2005, que venceu o prêmio de roteiro do Festival de Cinema do Recife. Atualmente, Hanois estava finalizando o filme Insenso, filmado em outubro de 2006, com assistência de direção de Moisés e a participação dos pernambucanos Bruno Garcia, Tuca Andrada, Aramis Trindade, Mônica Feijó, Simone Figueiredo, Lia de Itamaracá, Diva Pacheco, entre outros. A obra é baseada na obra de Ascenso Ferreira.
“Marco Hanois tinha uma importância cultural grande em Pernambuco. Era um diretor e roteirista reconhecido e premiado devido a sua enorme competência e dedicação com o trabalho”, afirmou o jornalista Pedro Celso, amigo de Hanois e que participa de Insenso como diretor de produção.
Com o estágio progressivo da doença, estava tetraplégico e dirigia os filmes sentado em uma cadeira de rodas. “Foi uma grande perda”, disse Pedro Celso.

AINDA SOBRE O FILME INCENSO (direção MARCO HANOIS, ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO: A oralidade da poesia de Ascenso Ferreira em curta-metragem

Cineasta Marco Hanois começou a gravar Incenso, filme que presta homenagem ao poeta Ascenso Ferreira

O Engenho Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, foi moradia do escritor e abolicionista Joaquim Nabuco até os oito anos e é uma das construções mais representativas do Pernambuco do século 19. O espaço, atualmente funcionando como centro cultural, emprestou suas particularidades históricas ao início das gravações do novo curta de Marco Hanois, Incenso, no último sábado.
O filme presta homenagem à obra de Ascenso Ferreira e busca, segundo o diretor e roteirista, “resgatar as peculiaridades orais do texto do poeta e reviver um período da história pernambucana, que ficou esquecido”: as primeiras décadas do século 20, com suas beatas, coronéis, crendices e o espanto diante da modernidade tardia que o Brasil começava a vivenciar. Uma das cenas de Incenso mostra a perplexidade dos personagens diante de um Zeppelin rasgando os céus de um Pernambuco ainda rural.
Apesar de Ascenso Ferreira ter nascido em Palmares, o curta de Hanois não se fecha numa cidade específica. Sua proposta é ter como cenário um interior arquetípico, que traga pormenores de todas as cidades pernambucanas do início do século passado sendo apresentadas ao espectador durante os 20 minutos da trama. Dessa forma, as filmagens, que se prolongam até o próximo mês, terão como cenário ainda os casarões antigos e ruas do Poço da Panela.
O primeiro dia de filmagens de Incenso registrou os diálogos entre os atores Alexandre Zachia e Tuca Andrada. Zachia interpreta um personagem chamado apenas de Coronel, que funciona como uma espécie de “alter ego” do próprio Ascenso. O poeta costumava dizer que um dos seus sonhos era ter sido coronel de engenho, figura das mais representativas do imaginário nordestino. Tuca vive Zé Estribeiro, que serve como elo das várias tramas do curta.
Amigo de longa data de Hanois, Tuca explicou que, por pouco, ficou de fora do elenco de Incenso devido à sua apertada agenda, que divide espaço entre a novela Cidadão brasileiro e a turnê da peça Orlando Silva, o cantor das multidões. “Eu queria muito fazer esse curta, tanto por minha amizade com Hanois quanto pela homenagem que ele faz à obra de Ascenso, um poeta importantíssimo. Foi um verdadeiro milagre que neste fim de semana eu tenha conseguido participar das gravações”, explicou o ator, durante uma das pausas da filmagem.
Incenso tem um elenco numeroso com mais de 30 atores, que conta ainda com nomes como Bruno Garcia, Aramis Trindade e com as cantoras Lia de Itamaracá e Mônica Feijó. No caso de Mônica, que atualmente participa do elenco de Páginas da vida, ela volta a Pernambuco nas próximas semanas especialmente para gravar sua participação em Incenso. A assistência de direção fica a cargo de Moisés Monteiro de Melo Neto. A atriz Patrícia França foi um nome cotado para atuar no curta, mas acabou ficando de fora por problemas na sua agenda. Patricia, nos anos 80, trabalhou em projetos teatrais de Hanois.
Todos os diálogos de Incenso são permeados por fragmentos de textos de Ascenso. O título do curta faz referência ao poema Mês de maio: “O incenso queima diante do altar,/ o mês de maio vai terminar.../ Com seus deliciosos braços nus,/ as rosas fazem o sinal-da-cruz.../ Amém...” - presente no livro Catimbó, de 1927. Ao fragmentar diversos textos de Ascenso, segundo o diretor, o curta resgata para toda uma nova geração a oralidade típica da obra do poeta.
O roteiro do curta foi vencedor do prêmio Ary Severo-Firmo Neto, concedido pela Prefeitura do Recife no ano passado, e foi orçado em R$ 80 mil. Durante a fase de gravação, o filme está contando ainda com apoio de, entre outras instituições, Chesf e Fundação Joaquim Nabuco, que cedeu gratuitamente a utilização do Engenho Massangana. No entanto, a equipe ainda procura recursos para a etapa de pós-produção.
Marco Hanois chega a Incenso depois de trabalhos bem-sucedidos como Objeto abjeto e Cassino Americano, que recebeu Menção Honrosa no festival Internacional de Vídeo promovido pela JVC em Tóquio. Sua homenagem a Ascenso será lançada no primeiro semestre de 2007. “Ainda não sei se a estréia será no Festival de Cinema do Recife, mas quero muito que ele faça parte da programação do evento”, afirmou o diretor. 

Nelson Caldas, em CASSINO AMERICANO, diálogos Moisés Neto, direção Marco Hanois, inspirado no poema de Mauro Mota. Cinema em Pernambuco




O VII Festival de Vídeo de Pernambuco divulgou os vencedores de 2005 em cerimônia realizada nesta quinta-feira, 15 de dezembro, no Teatro Arraial, na Rua da Aurora. Este ano, foram inscritos 73 vídeos, dos quais 38 foram selecionados para a Mostra Competitiva, ocorrida esta semana no Teatro do Parque.
Os prêmios do Júri Popular foram os primeiros a serem entregues. Na Categoria Documentário ganhou Daniel Barros, com Mais Um Domingo; Dando Crédito, de Rafael Infa levou em Ficção; Plínio Uchôa e Marcos Buccini em Experimental com A Morte do Rei de Barro e Ireny, de Gabriel Mascaro e Daniel Aragão venceu na categoria Vídeo Clip.
A Comissão Julgadora, composta pelas jornalistas Clara Angélica e Carol Almeida, pelo programador visual Fernando Vasconcelos, pelo produtor Osmar Barbalho e pela cineasta Kátia Mesel, premiou nove vídeos em três categorias e decidiu também premiar cinco vídeos com Menções Honrosas, atribuindo a cada um o valor de R$ 1.000,00, equivalente a um terceiro lugar.
Já o Concurso de Roteiros Firmo Neto/Ary Severo teve, este ano, 47 projetos inscritos, que foram analisados pelo jornalista Ernesto Barros, pelo pesquisador Lula Cardoso Ayres, pelos cineastas Osman Godoy e Fernando Monteiro e pelo fotógrafo Roberto Santos Filhos.
O Prêmio Ary Severo, pago pelo Governo do Estado de Pernambuco, foi para Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro e o Prêmio Firmo Neto, pago pela Prefeitura do Recife, escolheu  Incenso, de Marco Hanois (assistência de direção Moisés Monteiro de Melo Neto). Cada um receberá R$ 80 mil para produzirem um curta-metragem de 15 minutos. Ambos os vencedores ganham pela primeira vez o concurso público.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010
INCENSO DE MARCOS HANOIS PERFUMOU A TÃO AGUARADADA ESTREIA DO NOVO PROJETOR DO CINE THEATRO GUARANY
Por Lucivaldo Ferreira
Foi assim, sem nenhum alarde, sem pronunciamentos oficiais e casa praticamente vazia que o Cine Theatro Guarany viu a máquina de mais de 50 mil dólares lançar oficialmente sobre a grande tela seus primeiros feixes de luz.
Talvez o pequeno publico ali presente sequer houvesse se apercebido, mas viviam naquele instante, exatamente às 17:39h da tarde do dia 04 de agosto de 2010, um momento histórico. Ali, depois de tantos anos o Cine Theatro Guarany dava um talvez pequeno, porém importante passo em seu renascimento. Rodava em seu projetor o curta-metragem do cineasta pernambucano Marcos Hanois, “Incenso”.
O curta 35mm pintou a tela da despercebida festa com a oralidade e a poesia do grande poeta Ascenso Ferreira e trouxe ao baile de cores e sensações beatas, coronéis, crendices e memórias de um Pernambuco esquecido nas prateleiras das bibliotecas.
De repente um Zeppelin rasga o céu do filme e seus personagens de olhos arregalados se espantam diante da bela “espaçonave” e toda sua modernidade naquele Pernambuco rural. E ali na sessão das cinco outro grande Zeppelin irrompia a escuridão com suas fotografias correndo um após a outra. Fotografias do nosso povo, fotografias de mim, de quem ali esteve vendo a “história” passar.
O PROJETOR
Na manhã da terça-feira, dia 22 de setembro de 2009 teve fim uma longa espera. O Cine Theatro Guarany finalmete recebeu o seu tão aguardado projetor.
O equipamento de última geração vindo diretamente de Miami (FL USA), custou mais de 50 mil dólares e opera nos sistemas analógico e digital.
A montagem do novo equipamento foi feita pelo Sr. Zé Hildo, o único técnico responsável pela montagem dos cinemas em Pernambuco e pelo engenheiro Sr. Claudiney , que veio diretamente de São Paulo para executar a tarefa de instalar o projetor. Ambos foram auxiliados pelos triunfenses Sandro Martins e Serginho.
O projetor da marca Christie é um dos poucos do país. Segundo o Sr. Zé Hildo, o novo equipamento é o que há de mais moderno em se tratando de projeção, e no Brasil só existem três além do nosso: um fica em Aracaju/SE, outro em Natal/RN e o outro em São Paulo/SP.
Capturado em 30 de julho de 2012
in  http://www.triunfob.com/2010/08/incenso-marcos-hanois-perfumou-tao.html

Ascenso era um humanista
Publicado em 08.05.2008
Viúva queixa-se do descaso com a memória do poeta. D. Lourdes rejeita rótulo de que ele era comunista e lembra a amizade com Arraes

Dona Lourdes mora numa casa no bairro de Campo Grande. Tem um cachorro e 23 gatos. Mas seu sonho é criar cavalo. Não só um, mas muitos. “O bicho que eu mais gosto é cavalo, mas não dá para ter um cavalo dentro de casa”, justifica cheia de dó. Mas tantos animais não dão trabalho? “Se não fossem por esses gatos, não haveria trabalho nessa casa”, diz e aponta para uma cadeira de balanço que comprou para um dos seus gatos, o mais novo deles. “Só quem senta é ele.”
D. Lourdes vive também cercada por imagens do poeta e ex-companheiro Ascenso. O corredor que dá para o seu quarto tem a placa “R. Ascenso Ferreira”. Ela pede para o caseiro colocar uma fita VHS com um documentário de imagens do poeta. “Olhem ele”, aponta para uma foto de Ascenso que aparece na TV.
Ela diz que nem se lembra quantos anos morou com o poeta – “Parece que foi a vida inteira.” Tanto foi/é a vida inteira que “parece que ele está vivo, que nunca foi embora”. Após a morte de Ascenso, D. Lourdes saiu de Pernambuco. “Tive de ir embora porque as pessoas achavam que eu era comunista. Mas nunca fui comunista, nem eu nem Ascenso. As pessoas achavam isso dele porque era um homem que falava com todo mundo, tinha uma personalidade bastante forte. Ascenso não era comunista, era humanista”.
D. Lourdes tem na ponta da língua as razões do esquecimento em torno do nome do seu marido. “Primeiro porque ele foi muito amigo de Miguel Arraes, diziam que Miguel Arraes era comunista, mas nunca foi comunista. Ele foi um grande amigo da gente, um amigo de verdade, um pai de família linha dura. A outra, é que as pessoas tinham inveja da personalidade dele”, destaca. “As pessoas esquecem de tudo com o tempo, o tempo corrói tudo. Tanta gente importante e ninguém lembra”, reflete D. Lourdes.
Outra frustração de D. Lourdes é o filme Incenso, de Marco Hanois, que está parado. “O diretor faleceu ano passado mas não teve dinheiro para terminar o projeto”, reclama. O filme coloca em imagens os poemas de Ascenso, com um elenco formado por nomes como Aramis Trindade e Bruno Garcia. “São todos atores da Globo e tem um personagem que faz Ascenso, ele é igual a Ascenso, igual. Parece que você está vendo ele”.
Quando Marco Hanois faleceu em novembro passado, deixou o filme montado. Falta apenas a finalização. “Colocamos no concurso de audiovisual da Fundarpe, mas ele não foi aprovado. Isso é incrível, sobretudo se lembramos a importância da obra de Ascenso Ferreira e a própria carreira de Hanois, que teve filmes premiados no exterior”, destaca o produtor de Incenso, Pedro Celso, que diz que o projeto precisa reunir ainda R$ 50 mil. “Como é que deixam parado um projeto desses, o filme é emocionante”, diz D. Lourdes.


Moisés Neto, Assis
Enquanto o filme não fica pronto, é o Ascenso poeta que chega ao público com a cuidadosa edição da Martins Fontes. E desta vez é importante que apareça o poeta e não o homem. “Uma das coisas que chamam a atenção de quem se propõe a estudar a poesia de Ascenso Ferreira é o contraste entre a escassez de textos críticos e a abundância do anedotário a seu respeito. Com efeito, nas escassas publicações sobre Ascenso Ferreira, os comentadores centram-se sobremodo na sua figura ‘descomunal’, na espirituosidade, nas atitudes pouco convencionais, no vozeirão e no modo único de recitar suas próprias poesias”, explica Valéria Torres Costa e Silva.
ANIVERSÁRIO
O aniversário de 113 anos de Ascenso Ferreira, que acontece amanhã, é duplamente comemorado. Às 18h30, a Livraria Cultura recebe o lançamento da edição que reúne Catimbó, Cana caiana e Xenhenhéim. Haverá encenação de poesia com as participações de Geninha da Rosa Borges e Adriano Cabral e uma mesa-redonda com Nagib Jorge Neto, Fernando da Mota Lima, Juareiz Correya e a própria Valéria. Às 22h, haverá recital da poesia de Ascenso no bar Casa da Moeda, com nomes como Jomard Muniz de Brito e Cida Pedrosa. (S.C.)
Prefeitura entrega novo túmulo de Ascenso Ferreira

Um dos nomes mais importantes do Modernismo no Brasil, o poeta pernambucano Ascenso Ferreira recebe uma homenagem nesta segunda-feira, quando a Prefeitura do Recife entrega à viúva do escritor, Lurdes Ascenso, o novo túmulo do poeta, no Cemitério de Santo Amaro. Na ocasião, às 10h, alguns poemas do autor pernambucano serão recitados e o toque de silêncio será executado pelos clarins da Polícia Militar.
Todo em granito, o túmulo ocupa um terreno de 3m2, doado pelo Governo Municipal. Na lápide, foi reproduzido o poema “Noturno”, em que Ascenso Ferreira alude a ícones da capital pernambucana, como as ruas do Bairro do Recife e o rio Capibaribe.
A cerimônia também marca os 43 anos da morte do poeta, que aconteceu em 05 de maio de 1965. Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu, no ano de 1895, na cidade de Palmares. Em 1920, mudou-se para o Recife, onde foi colaborador de alguns jornais locais e deu início a sua carreira literária. Ele se voltou para temas regionais que foram reunidos em livros, como "Catimbó" (1927), "Cana caiana" (1939), "Poemas 1922-1951" (1951), entre outros.
Diretor, roteirista e artista plástico, Marco Hanois faleceu em de novembro de 2007, aos 42 anos. Como realizador de TV, Vídeo e Cinema, o artista tem no seu currículo mais de 10 curtas-metragens. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão: “Cassino Americano”, premiado no Festival de Vídeo de Tokyo, “Chega de Cangaço”, exibido pela TV Globo, “Objeto Abjeto”, vencedor do prêmio de roteiro do 45º Salão de Artes de Pernambuco e melhor documentário do VI Festival de Vídeo do Recife e o mais recente “Incenso”, que recebeu o prêmio de roteiro no Concurso Firmo Neto – Edição 2005, da Prefeitura da Cidade do Recife e foi contemplado com o 2º Edital do Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco/ 2009 para finalização.

Incenso na Escola aborda a obra de Ascenso Ferreira
Projeto foi contemplado no Sistema de Incentivo à Cultura de Pernambuco
Publicado em 16/05/2011, às 19h31
Do JC Online
Começou nesta segunda-feira (16/05), na cidade de Salgueiro, interior do Estado, o projeto Incenso na Escola, que visa o reconhecimento da literatura pernambucana, através da leitura cinematográfica de Marcos Hanois, cineasta que filmografou a poesia de Ascenso Ferreira no curta-metragem Incenso. O filme será exibido em escolas de dez cidades pernambucanas - Salgueiro, Exu, Santa Maria da Boa Vista, Floresta, Serra Talhada, Arcoverde, Nazaré da Mata, Palmares, Jaboatão dos Guararapes e Recife - e será seguido de debate com o pesquisador Moisés Monteiro de Melo Neto e performance poética da atriz Daniela Câmara.
Contemplado no Sistema de Incentivo à Cultura - SIC/PE, o Incenso na Escola ainda vai distribuir cinco mil cordéis inéditos para as Bibliotecas Públicas dos locais percorridos. O trabalho segue até o dia 9 de junho, quando o projeto chega a Recife, onde será realizado na Escola Estadual Ginásio Pernambucano. O Incenso na Escola é uma realização do Funcultura, Fundarpe e Secretaria de Educação/Governo de Pernambuco, com o apoio das Prefeituras Municipais/ Secretarias de Educação, da editora WMF Martins Fontes e da TV Pernambuco. O serviço completo de cada cidade pode ser conferido no blog www.incensonaescola.blogspot.com.


SINOPSE:Numa imaginária cidade da Zona da Mata de Pernambuco, a vida, os costumes, as crenças, o jeito de ser, pensar e falar das pessoas comuns. O Coronel, o Padre, o Catimbozeiro, o Cachaceiro, a Beata e uma série de tipos que compõem um contexto cultural e humano. A voz do povo do Nordeste do Brasil, captada pelo poeta Ascenso Ferreira e adaptada para o cinema. O contraste entre o arcaico e o moderno, simbolizado pela Usina, pelo Cinema e o Zeppelin, uma sociedade dividida em classes, um povo emotivo, sentimental e místico, como os versos de Ascenso Ferreira, numa viagem ao coração da alma brasileira.






EM NOVEMBRO DE 2012, MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO DEU A SEGUINTE ENTREVISTA A MANUEL CONSTANTINO, PARA A AGENDA CULTURAL PUBLICADA PELA PREFIETURA DO RECIFE: 01.   Manoel Constantino - Como foi o “chamamento” do teatro para você e quais os sentimentos o levaram a continuar no mundo das artes?
Sempre li muitas peças de teatro. Uma delas, "É...", de Millor Fernandes chamou-me a atenção pela , digamos assim, "praticidade cênica". Coincidentemente a minha escola foi a o teatro Valdemar de Oliveira e eu assisti a uma monta gem de "É..." e depois a uma de "Galileu Galilei", com Germano Haiut. A seguir a uma de Os fuzis da Senhora Carrar. Conheci José Francisco Filho, Buarque de Aquino, Augusta Ferraz e Simone Figueiredo, pessoas que mudaram a minha vida. João Falcão e Susana Costa me chamaram e eu integrei o elenco do musical "Muito pelo Contrário", que fez um sucesso estrondoso e  percorreu muitas cidades do país. Aos 16 anos entrei para a UFPE, cursava Antropologia, em Ciências Sociais, larguei tudo e saí em turnê. Sempre fui aventureiro. Só voiltei à universidade 6 anos depois, desta vez para o curso de Letras, com direito a Mestrado e Doutorado. Mas continuei firme com o teatro até hoje. Venho esboçando através deste tempo todo como dramaturgo uma espécie de escrita cênica que me é bem própria. É um tipo de Teoria que tem regras e eu as exercito inclusive  em meus poemas, contos, artigos, romances e até em minhas pesquisas acadêmicas. A arte tem um sentido de mudar a sociedade, divertindo e educando, na mesma proporção. Pão e circo? Bem... Sou um professor, jamais para mim o mundo deixará de ser uma escola. Meus alunos da Faculdade  ou de qualquer outro nível recebem o mesmo tratamento. Sempre levo a arte à sala de aula. O teatro. Eu não viveria bem sem a minha escrita. Preciso dela. muito. Não encaro isso como missão e sim como exercício. Como folhas , frutos... flores ao sol. O trabalho como ator eu praticamente
abandonei. Meu último trabalho foi no cinema, contracenei com Jece Valadão em "O Cangaceiro", dirigido por Aníbal Massaini. Antes fiz o Hamlet, ao lado de Heitor Dhália, Simone Figueiredo (minha Ofélia), Bruno Garcia. Viver dois anos na pele deste personagem (Hamlet) deixou marcas profundas em mim. Dona Diná de Oliveira elogiou o meu trabalho. Fiz muitos diálogos para filmes. Há um nome de um cineasta amigo que eu gostaria de lebrar: Marco Hanois, um artista como poucos. Ganhamos um prêmio em Tóquio, foi emocionante. Fui assistgente de direção do seu último filme, o premiadíssimo INCENSO (sobre Ascenso Ferreira).
02.   Manoel Constantino – Você já possui mais de dez obras publicadas, inclusive algumas em teatro. Como autor teatral, quais são os caminhos que você escolhe para construir uma obra?
Meu sentimento de liberdade é o veio principal. Sou de família italiana e trago a dramaticidade na veia. Gosto de diálogos contundentes, momentos decisivos, de chegar ao fundo de uma situação, de defender os que são perseguidos na sociedade. Trabalho a questão das várias possibilidades de ver a vida, desconstruo sempre o viés ideológico que esmaga a grandeza humana. Sou contra conformismos e tecnicismos. Gosto de escrever musicais, mas meu grande amor é pelo drama, mas não deixo de embutor o humor dentro de tudo. Rir é fundamental. Acho bem interessante quando diretores como Carlos Sales, Cláudio Lira (que dirigiu um texto com meus poemas em forma de narrativa), Adriano Macena, Paulo Falcão, Ivaldo Cunha, Jorge Féo e tantos outros dirigem meus textos, fico sempre nervoso na hora de assistir: e se eles deturparem minhas ideias? Escrevi e dirigi "Cleópatra", com Flávio Luiz (Trupe do Barulho) no elenco, ele pediu para mudar umas coisas na terceira semana, deixei. Meus amigos me dizem que eu deveria ser mais severo, mas sou um mestre que deixa seus discípulos terem sempre a oportunidade de ensinar também, mas há limites. A Academia ensinou-me isto. Devo muito a professores como Lourival Holanda, Sônia Ramalho, Sebastien Joachim, Lucila, Hermelinda, Luzilá, Roland Walter.
03.   Manoel Constantino – É notório que você é um inventor, como disse sobre você o escritor Raimundo Carrero. A inquietude, segundo muitos, faz parte do mundo dos artistas. Como você encara o mercado da literatura no Recife? É angustiante ou é estimulante e desafiador ?
Amar é sofrer, eu vou te dizer, mas vou duvidar. Tudo ao mesmo tempo. Recife é a minha aldeia. muitas vezes vi as chamas aproximarem-se do meu castelo de papel. Em vão. Minha luta é feita de prazer e cansaço. Meu grupo foi pioneiro nas performances e happenings, em levar teatro para espaços alternativos no início doas anos 90. Nunca tivemos medo de enfrentar boates e bares, lares e lupanares. Um dia Dom Helder chamou a polícia para interromper uma de nossas exibições. Liberdade, liberdade. Pratico uma Literatura diferente desde o começo. Meus textos não são regionais, mas trazem a marca do Recife. Acompanho o movimento do país e detesto sentimentalismo barato, não me rendo. Vários diretores que trabalharam os meus textos e eu dou completa liberdade a eles, Carlos Bartolomeu é um deles, também José Francisco, ambos professores da UFPE. Antunes Filho pediu que eu fizesse para ele o texto de apresentação da sua mais nova montagem, fiz e ele gostou. Isso aos poucos acalma a minha inquietação (permanente). O mercado para escritores aqui na nossa cidade é estarrecedor. Não se encontra um agente literário. Será que um dia teremos outros encontros como aqueles que a UBE promovia nos anos 90? Mas eu nunca deixei de publicar, encenar, divulgar meus textos. Muitos dos meus alunos são professores e eles divulgam as ideias que nós discutíamos em sala de aula. Isso é bom. eles comunicam-se comigo ainda e trocamos experiências. Nunca pensei em morar fora do Recife. Faço cursos dentro e fora do país, participo de Encontros sobre Literatura, faço palestras, mas volto a este lugar que é a minha torre e costumo brincar : o teatro e o magistério são a minha família, rogrigueana família. Pena que os professores são injustiçados. Um dia o Brasil aprende, não é possível!
04.   Manoel Constantino – Dizem que Pernambuco é um berço literário. Como você enxerga a produção literária do Recife?
Pernambuco é como o mundo todo. O mundo começa no Recife? Bairrismos à parte: adoro Raimundo Carrero, Luzilá Gonçalves Ferreira, Fernando Monteiro (com quem tenho muitas afinidades),Gilvan Lemos, JMB e a carioca recifense Lucila Nogueira. Quanto aos meus textos os que fazem as triagens me colocam atrás da cortina de ferro. Recife é  cidade luz e lama, um povo que sobreviveu carregando a cultura nas costas, pois os ricos não estavam nem aí. Resultado: ainda estamos engatinhando e já somos tão gigantes para isso! Querendo ou não o meu coração quer se entregar. Mas vamos ao que interessa: NEM TUDO É TEATRO! Deus nos acuda! Que os escritores que moram aqui contem a nossa história e tentem refazer as cabeças dominadas pela mídia. O resto? É silêncio e fúria. Leio com interesse muitos autores daqui, mas eu tenho uma escrita que não comparo com nenhuma das que vejo. Entenda: meu objeto, minha voz e meu método não encontra par. Henrique Amaral, talvez, seja a pessoa mais próxima da minha literatura. Duas montagens teatrais impressionaram-me: "O amor de Clotilde..." e "Viúva porém honesta' (esta pelo Magilut); vi ali uma nova promessa. Eram textos originais pernambucanos. Gosto de pensar na teoria da Sincronicidade proposta por Jung: unir o que fomos ao que somos, ideias que circularão por milênios. Lembremo-nos que o primeiro livro do cânone nacional foi escrito em Pernambuco: Prosopopeia, de Bento Teixeira. Aqui em Recife viveu Gregório de Matos. A experiência de Nassau, o Zeppelin, o Porto Digital abraçam-se ao som do Pós-Manguebeat. Interculturalismo é uma opção forte e agora com esta abertura que Suape oferece... mas tudo tem um custo: os tubarões que nos acossam são apenas a ponta do iceberg. O futuro nos absolve? Vamos escrever, minha gente. Todos são escritores. Agora não esqueçam: a prática inclui o terror e o êxtase. Risos e sisos. Um abraço eterno a todos que me leem.






Sobre CLEÓPATRA
CLEÓPATRA
Sexta-feira , dia 15 de junho,
último espetáculo (da primeira temporada)

 O ator FLÁVIO LUIZ, ao sair da TRUPE DO BARULHO faz sua primeira produção independente, trata-se de CLEÓPATRA DO MORRO, uma comédia com texto e direção de Moisés Monteiro de Melo Neto, (autor de peças como Para um amor no Recife, Sonho de primavera, O circo do futuro, Anjos de fogo e gelo e livros como Chico Science: a rapsódia afrociberdélica).
A peça estará em cartaz no Valdemar de Oliveira todas as sextas, às 21 h, a partir de 25 de maio, tendo no elenco DIOGENES D. LIMA (Marco Antônio), EDINALDO RIBEIRO (Charmian), IBSON QUIRINO (Amenófis Múmia), ALCY SAAVEDRA (Elektra, a escrava grega hermafrodita), ANGELIS NADELLI (soldado egípcio), AGNALDO NETO (soldado romano), NATHY TELINO e ITALA MEDEIROS (escravas). Cenário e figurino de Henrique Celibi (autor da peça Cinderela, da Trupe do Barulho) e arranjos musicais de João Natureza.
A trama gira em torno da fúria despertada em Cleópatra (69 A.C.- 30 A.C., última rainha do Egito) com a partida do seu amado Marco Antônio (general romano) para Roma, com a finalidade de casar-se com a irmã de Otávio. A soberana reflete sobre o amor e a vingança e põe em ação um plano terrível.
Moisés Monteiro de Melo Neto comenta: “O talento de Flávio Luiz para a comédia é ímpar. Uma Cleópatra escrachada e profunda nas suas reflexões, cercada de feiticeiros numa corte (37 AC) entregue à luxúria atemporal e universal. Atrizes como Vivian Leigh, Sophia Loren, Cacilda Becker  e Elizabeth Taylor já encarnaram tal personagem . Camile Paglia afirma, no seu livro Personas sexuais, que Tina Turner seria mais adequada ao papel; Shakespeare e Shaw debruçaram-se na biografia da rainha do Nilo para compor textos magistrais, agora temos uma Cleópatra do Recife. Por que Cleópatra do Morro? Pela estética propositalmente kitsch. Usei elementos os mais diversos na elaboração deste meu texto (que foi premiado,no final dos anos 80, pelo Governo de Pernambuco, tendo no júri, dentre outros, o dramaturgo Luiz Marinho e o diretor Luiz Mendonça). O morro de onde brotou o samba, o morro enquanto resistência cultural e política”.
PRODUÇÃO EXECUTIVA: FLÁVIO LUIZ E ADENILSON FALCÃO
FOTOS: MARCOS PORTELA
SERVIÇO:
CLEÓPATRA
TEATRO VALDEMAR DE OLIVEIRA
SEXTAS às 21h
INGRESSOS: R$40,00 (INTEIRA) E R$20,00 (MEIA)
CONTATOS: (81)3222.1200/8664.9209/9659.2302(para ingressos promocionais)





Em 2010, o texto de Moisés BENTO TEIXEIRA, foi levado à cena em leitura dramatizada, com Stella Maris Germano Haiut e George Meireles, dirigidos por José Francisco Filho


Em 2015 um texto de Moisés foi à cena
É um texto de Moisés sobre um escritor argentino fala sobre sexualidade de recifenses em livro que fora publicado há mais de 50 anos. Túlio Carella  deixou a mulher em Buenos Aires e aceitou o convite do teatrólogo Hermilo Borba Filho para dar aulas de teatro no Recife, Tulio Carella iniciou na Manguetown uma jornada que o conduziria ao prazer selvagem, à tortura e, por fim, à ruína. Como Moisés ele era teatrólogo, poeta, tradutor e ensaísta, Carella (1912-1979) era, naquele 1960, um intelectual respeitado em seu país. Foi indicado a Hermilo (1917-1976) pelo italiano radicado em São Paulo Alberto d'Aversa (1920-1969), a quem fora feito o convite original. No Brasil, lhe atraíam "a brasa que arde como um fogo maravilhoso e perdurável", o "duplo aspecto destruidor e purificador que dá luz e sombra, ilumina e barra o caminho ao mesmo tempo". Achava que o país deveria se chamar "Estados Unidos do Fogo". No Recife, encantou-se com os negros ("A cor escura dos nordestinos me atrai como um abismo") e, guiado pela solidão nos grandes intervalos da atividade acadêmica, entregou-se à libertinagem sexual, principalmente homossexual.  Vagava pelo centro em encontros e bolinações com homens rudes, operários de pouca instrução. Registrou tudo, com crueza de detalhes íntimos, em seus diários.  Numa época em que crescia o desconforto dos militares com o momento político (Jango assumiria o governo em 1961), num bastião esquerdista (berço das Ligas Camponesas de Francisco Julião), a movimentação sorrateira de Carella foi tomada por subversão política.  Supondo que ele era o elo entre as Ligas e Cuba, os militares o prenderam e torturaram. Ao acharem os diários, descobriram que tudo não passava de orgia.  Despacharam-no de volta para Buenos Aires, não sem antes ameaçar divulgar os diários, caso ele denunciasse o que sofrera.  Em 1968, Borba Filho convenceu Carella a publicar os diários no Brasil, numa coleção erótica criada pelo teatrólogo pernambucano na José Álvaro Editor. Orgia, o livro, que passou anos esgotado, tornou-se um cult da literatura gay e raridade até mesmo em sebos. Ganha agora reedição pela Opera Prima Editorial. Quando voltou à Argentina, Carella trabalhou ficcionalmente os diários e fez um "roman à clef", história real contada como ficção.
Moisés fez parte, durante anos, de um grupo chamado ALETRAR, que se reunia na Livraria Jaqueira. Psicanalistas como Carlos Santos, Mônica Parreiras, filósofos como Jomard Muniz de Britto, artistas como Almir do Grupo Ave Sangria, historiadores e professores como Lula Couto, reuniam-se para discutir temas diversos.




Moisés aqui aparece com boina, cabeça baixa

Edineide Silva, Moisés Neto e Jomard Muniz de Britto: Universidade da Jaqueira



Apresentação/ debate/ palestras do grupo ALETRAR, Livraria Jaqueira
De 2010 a 2015 a vida de Moisés deu uma reviravolta perigosa. Após a morte da matriarca do Belli, sua avó Diomar, a família ficou desunida e os bens levaram os Bellis a uma guerra sem tréguas. Além disso a separação, após um longo relacionamento com uma produtora e atriz pernambucana abalou a vida de Moisés, que, aprovado em concurso (Doutor em Letras), viu-se impelido a recusar ser professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, voltando a ensinar em Faculdades particulares no Recife e em escolas do ensino Médio.
Em 2015 o SESC selecionou e publicou a tese de doutorado de Moisés sobre Jomard Muniz de Britto. Em 2016


Em 2015 e 2016 Moisés voltou aos palcos em duas peças: A última noite de Kafka, texto Cláudio Aguiar, direção José Francisco Filho (atuou ao lado de Manoel vonstantino), com apresentações no recife e no rio De Janeiro;












Moisés dirigiu o show TÃO FELIZ, da cantora recifense Edilza Aires, que se apresentou no teatro de Santa Isabel (Recife, setembro de 2016):

Moisés enquanto professor do Curso de Interpretação Teatral do SESC, deitado está outro professor: Leidson Ferraz, atrás: Paula de Renor, Sandra Possani, Anamaria, dentre outros. 


Moisés atou como professor no Curso de formação de ator pelo SESC (PE).



















Moisés Neto com colegas, em reunião de Colegiado, na Universidade






Moisés sempre está participando de congressos como conferencista
Moisés escreveu e dirigiu vários musicais de 2013 a 2016, dentre eles












Em 2016, Moisés dirige a recifense EDILZA AIRES  no seu novo show, “Tão Feliz”, dia 29 de setembro, às 20h, no Teatro de Santa Isabel, Recife.
Entrevista com Patrícia Breda, RÁDIO FOLHA, sobre o novo show de Edilza Aires:  Janilson Santos, moisesmonteirodemeloneto, Edilza Aires, e o jornalista Jomeri Pontes



 jomeri pontes, moisesmonteirodemeloneto, edilza aires e paulo diniz (homenageado do show TÃO FELIZ, hoje, TEATRO DE SANTA ISABEL, RECIFE


Moisés declarou na ocasião: “HOJE, DIA 28 DE SETEMBRO, estivemos no apartamento do cantor e compositor Paulo Diz, eu, Edilza Aires, Janilson Santos e Jomeri Pontes. paulo é o homenageado do novo show dela: TÃO FELIZ. Paulo cantou e conversou muito conosco, lá em Boa Viagem. Contou casos, nos emocionou a todos a o toar suas músicas acompanhado por Edilza.”

MATÉRIA JORNAL FOLHA DE PERNAMBUCO 26 DE SETEMBRO DE 2016 SHOW DE EDILZA AIRES COM DIREÇÃO MOISÉS NETO E JOMERI PONTES
“Edilza não força a barra pra emular astros americanos da Soul Music. Sua voz é naturalmente black, e ela imprime "alma" (uma tradução muito limitada para soul) a qualquer canção que interprete”, diz José Teles,  crítico, colunista musical, jornalista e escritor.

 Já em 1993, após ser considerada revelação feminina  do ano, ela fez  show de abertura para Nana Caymmi.
Em seu novo show ela trabalha com samba, soul, funk e Rhythm-in-Blues, dando-lhes, por assim dizer, vida própria, em cada uma das  canções que interpreta.
Ela já dividiu a cena com muitos artistas, destaque para o baterista Manu Katché (músico integrante da banda de Sting), para as cantoras Daúde e Paula Lima (e integrantes do Funk Como Le Gusta) e os cantores Cláudio Zoli e Luiz Melodia.







Edilza Aires, moisesmonteirodemeloneto,  Janilson Santos e Jomeri Pontes: ensaio no Teatro de santa Isabel para o show TÃO FELIZ
 Interpreta a black music, com sotaque pernambucano mesclado ao sentimento de africanidade, da negritude, sempre se servindo de sua sensibilidade para realizar uma obra singular, bastante distinta do que se faz em Pernambuco. Já esteve no Programa do Jô, no dia 11 de outubro de 2006, recebendo calorosos elogios dele.


Depois de alguns CDs, gravou o DVD Rhythm’n’Blues no Baião – onde trabalha uma espécie de Soul Nordestino, estabelecendo a ligação dos gêneros musicais como o baião, o coco, a embolada e o xote com o Rhythm-in-Blues e suas derivações (o jazz, o funk, o soul e até o rock).
Além disso também não deixa de lado o Carnaval e já foi premiada como melhor intérprete nos festivais em que foi convidada a participar.
Tem como referências internacionais, Aretha Franklin, Nat King Cole, Chaka Khan, Sarah Vaughan, Billy Paul, e por nacionais, Tim Maia, Wilson Simonal, Elis Regina, Marina Lima, Sandra Sá, Simone, Jorge Ben, Elza Soares, Rita Lee e Emílio Santiago.
 Edilza Aires está em constante estudo e reinvenção musical, dentro de sua linguagem, o soul, trazendo em sua pesquisa musical a mistura entre vários ritmos como o forró, o samba e o frevo.



Não podemos esquecer que Moisés é muito querido por seus alunos






Moisés com alunos na praia, farrinha vegana

Devemos destacar que Moisés dede muito jovem viaja pelo mundo e pelo seu país, sempre observando o aspecto cultural e convivendo com várias culturas; veja as fotos abaixo:

   Moisés Monteiro de Melo Neto Ouro Preto, terra dos poetas árcades       

Moisés Neto, Tuca Andrada, Assis e Pedro Celso Marconi(produtor do PREMIADO Filme INCENSO)



Moisés Neto em Buenos Aires

Moisés no aqueduto de Cesarea, Israel


Moisés Monteiro de Melo Neto no Teatro que Pilatos , mandou construir em Cesareia, Israel. Moisés também interpretou Pilatos (personagem histórico que ele interpretou no Teatro em pernambuco, na Paixão dos Guararapes) com texto de Albemar Araújo e direção de Geraldo Dias


     

Moisés Monteiro de melo neto Punta Del Leste, Uruguai                                          


New York


      
Washington                                    

  Paris

    


Londres       

                                             

  Veneza                                       

            

Havana                                           

Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) no Partenon, Atenas, Grécia


Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) em Delfos, Grécia



         Tel Aviv (Israel)

        

Abu Simbel (Egito)                                       


Zurich


Lisboa revisitada                                 


    Barcelona



Moisés Monteiro de Melo Neto (Moisés Neto) em Ollantaytambo, Vale Sagrado,  no Peru;


  Moisés Neto Machu Picchu



      
Moisés e a irmã Fátima Amaral, Rio de Janeiro      

  e com Paulo Barros (SP)



 No Paraná, turnê Muito Pelo Contrário  

      Pedra do Reino (S. José do Belmonte, PE)


Festinha com amigos no apartamento de José Francisco Filho, em Boa Viagem, 2015 (Atores, jornalistas, produtores, escritores, a então presidente do SATED PE, Ivonete Melo)


Trechos dos diários de Moisés:
Foi uma maratona de peças teatrais e debates e coisas e mais coisas, a semana passada,o 18º FESTIVAL RECIFE DO TEATRO NACIONAL 2016, que homenageou o MAMULENGO SÓ-RISO. Do sábado, dia 19,  com 'Memórias de um cão', do Coletivo Alfenim (PB), no Teatro de Santa Isabel (já adaptei Quincas Borba para um musical no circo e Ivaldo Cunha o encenou muitas vezes, assim como Brás Cubas , mas ali era o cão Quincas que era o narrador, enfim...); na segunda foi o Seminário de crítica, onde João Denys explicou parte da sua dramaturgia e dos processo de criação (master); na terá MEDEIA, por Albemar Araújo, no Teatro Joaquim Cardozo, na quarta ensaio com José Francisco.

Moisés Monteiro de Melo Neto é professor da Universidade Estadual de Alagoas, UNEAL, onde desenvolve trabalho de extensão e Pesquisa sobre Teatro





Moisés Monteiro de melo Neto também atua como professor de Dramaturgia, no Curso profissional do SESC:









POEMA DE MOISÉS MONTEIRO DE MELO NETO
(O Monstro)

Dorme dentro de mim
Ainda
Um monstro,
Um pequeno índio chamado Instinto.
E, como se fosse um pequeno computador
                             Um pequeno piano
                             Uma pequena harpa
Emitindo notas maravilhosas
Às vezes me faz chorar
E eu me guardo dentro deste coração
Eu me protejo na emoção
Eu teço peças e  projetos
Invoco rios e mares
Seres cósmicos, novas espécies
E vou me entretendo
Com velhas canções .


Este monstro chamado Instinto
Neste lugar chamado infinito
Domina-me de modo selvagem
               Sinto-me primitivo


Ó selva de sangue,ossos,cabelos,músculos
Que penetro
Que espero desde os 17.
Vida que me prometi
Ó, sonho que acalentei!
Ó, seio materno!
Ó, verão de setenta,vinho-lua-licor do céu
Paro.
Frenética corrida- Frenético torpor
Versos soltos – Espumas Flutuantes- Castro Alves-
 Ninguém responde ali:
Eco do meu corpo ao redor deste pequeno coração- celeiro.
Emito raios, descubro soluções
Descubro outro monstro, que me dá sua mão.
Filmes,viagens, fotografias de Marte.
Primeira estrela da noite.Primeira Paris.
Ó, Balada Infame, ,esta do caçador ferido

II
Ainda lateja nos meus sonhos a primeira  rua
Ali vivo e percorro por entre os flamboyants
O caminho que conduz ao Éden
Sublime desejo das tardes de chuva e sol dourado
Tecidos do pequeno príncipe,paixões de Buda e silêncio

Vivo para distribuir entre os mais estranhos
As experiências vulgares que me custaram tanto


Escorro dólares afanados, as publicidades warholianas.
Poucos me entendem, menos Ainda incensam-me.
Beiro as décadas qual Dante apavorado pelo tédio.
Busco nas modernas tavernas rimas estranhas e convictas:
Surge,surjo.Vêm como  em Romaria.
Encontro-me Jerusalém, Pompéia, Cairo, Assuan.Penetro Abu Simbel ,
sou Agatha,Poe,Paglia,tantos.

Banho-me em Sartre: a Idade da Razão é uma fraude
Haja o que houver, foi ontem e não dá mais.
Fazenda Nova? Quantos modelos rejeitados!
Sexo que lateja,sexo que entorpece.Gozo gasoso.
Espelhos alucinógenos- colagens estapafúrdias
Amigos que vão do nada para mim.
Vôos de bruxos mulheres que se abrem.
Vaginas lúbricas,pênis que fazem doer.

Na última hora, a última chance.Lá está a esperança:esmagada
O escaravelho de Londres.
Noronha escrachada em Sanharó.Em Nápoles
Numa pequena ilha da Paraíba.
Quem jamais saberá de mim?
- multitude.
Só no Marco zero haverá minha paz.
Quero o Marco Zero onde o mundo começa
                                                                 no Recife.
Os versos continuam em narrativa teatral.
As estrelas hoje gotejam chuva louca,
Amanhã novos voluntários “cerebram”
Haja português que agüente minhas praias
 ermas de seres imaginários
Meus rios de tinta,papel e máquinas.
Vejam:céu,inferno e purgatório
Florença rediviva.
Pernambuco útero.
Recife crepúsculo auróreo.
Vida caleidoscópio.
Escorpião melhor amigo
Leão do meu conforto
 agonia pacífica.


Erguem-se, já vejo,do fundo do Atlântico, do leito do Capibaribe:
Estranhas criaturas, estranhos monumentos
                                                                            Pedras e vegetais.
Seres metamórficos,espaciais,guturais
Lá de Triunfo,lá do Vale do Catimbau, Buíque sem fim
Vêm de Fort Lauderdale,das montanhas da Áustria,da Suíça,Washington,
já nem sei.
Espalham-se velhos e novos espíritos.Conjuram-se em Hamlets
Cordões Encarnados.Palcos do Valdemar,Santa Isabel, Apolo e mais tantos!
Vêm de Robertos Lúcios, Cadengues, Bartolomeus
Caio, sangro, levanto, Rio-São Paulo-Gaúcho Belém
E dentro do meu coração
O pequeno índio inocentemente,transformou em nuvens brancas num céu azul
Aquelas pedras que chacoalhavam no inconsciente.
Nos sonhos calaram-se os gritos do Norte- Sul
O que apareceu,
O que não podia ser sempre semente
O que deixou as trevas e brotou de repente
Foi um leite tão doce,puro,virginal,reluzente
Gotas,pétalas,amor transparente.
Rompeu-se o dique,pressionado pelo Monstro /mente
Ergueu-se uma nova vida.Perdoou-se a causa da ferida
As portas de par em par abriram-se
Um tráfico entorpecente sol e luas novamente
Cosmo da arte tão presente
Mamãe,papai- o resto tão serpente
As maçãs,o vento,o livro.
O testamento,a dor, as lentes
Escorre o orgasmo em anos,silenciosamente
Em contrastes com o terror:os olhos do doente.
Não se adia a satisfação- para frente
As línguas badalam o que os domingos calaram
E agora já o sabe toda a gente :
É chegada a hora do monstro
Já não há tranca que o sustente.
É o fim,é o fim...de toda a corrente.
Porque não existe pintura
                             psicanálise
                             cadeia
                             nem  porrada,câncer,igreja
                             que tenha justificado o Monstro
porque ser – sem ser captado,caçador,gato manco depois de atropelado
arrastando-se estrada  adentro em busca de um bar
de um  sexo que nem ele quer
O Monstro fica de costas
                  às avessas travessuras.
O Monstro é uma flor graciosa,perfumada,maquiada,travestida.
Cercam-no rosas multicores:espanholas,alemães,inglesas...
Ele vaga por sessões espíritas
Toma café da manhã com Roma Católica
Em todos os filmes ele está no choro dos bebês e dos velhos
à beira das mortes.
O Monstro é como Petróleo
Ele ri do ridículo Apocalipse prometido há dois mil anos...
Falso cálculo de eclipse!
Julgamento dentro de mim- gordo coração crescendo.Garganta
 fumaça,comida,beber

Língua de palavras,sabores,artifícios
Guerra oblíqua,putas paspalhonas...
O Monstro no celular- na fita celulóide
Desfalco.Falso andróide,humana ponte de safena
Despejo,trançando planos ao redor do meu sangue
Possuidor possesso.Eu sangro, no interior...de Pernambuco
Espasmo, perco minha ferocidade no Recife
Espalho, espero, atiço
Espantalho.Aponto o revólver para a sua caverna
Esparramo .É inútil,só quero algo mais
Espeto.Tendo e tido tudo
Espaço
A gula me transcende .Explico
Maldita lei ...satélites caindo
Mofo-
Madonna arreganhada sangrando
Dedos na vagina quente
                           Reluzente
Desuso.Encantada pela oração que a redime, pecadora infame
Disco, digito.Petrodólares tilintam ,arregalando os olhos do Monstro
Mastigo !Chicletes  tutti- frutti  acalmam,amalgamam a ânsia.
Metaforizam, eu creio,a necessidade de mamar,de se sentir-
fazendo,
participando.

Ó, Grande- Mãe Canguru,desperta!
Chama teu filho  Monstro.Arranca-o de mim de novo:vai!


E os dias passam,modorrentos,sedentos,cheios de suores,
chuvas,calores,calafrios.Castelos,casebres,
lojas empilhando-se pelas cidades,nos pensamentos
Trilhas adiamantadas, quilates exagerados
Dispersões,conjurações,passeatas.
Eu seguindo o cortejo.Eu me carregando,em apavorante andor
Ardor ,fervilhando sangue
Paredes psicodélicasRituais angelicais.
Sinos repicando velhos dobres pelo Monstro em cada um
Nas ruas.Calçadões.
Indo e voltando.Dando risadas que ecoam
no fundo medroso de cada ouvido
pedindo ao amor que lhes dê coragem para desafiar
 este Monstro ,chamado destino
Estranha aranha,que trabalha as teias da agonia
fazendo com que a realidade,sempre derrotada pela imaginação
 não esteja mais à altura do sonho
e que uma vida inteira pareça sempre
 tão pouco tempo para a glória,paixão,sacrifício,
tudo que  dá sentido à existência.
No meio da procissão,tomado por vã inspiração,
 imagino que a pior idiotice  é pensar que o homem nasce livre.
Dirijo meus olhos ao infinito,capto-o pelo canal dos meus olhos
Nunca cores tão intensas tocaram minha alma.
Minha mente anda tão depressa
Quem quisesse me acompanhar teria que dar saltos inacreditáveis
Omitindo os elementos de ligação
Inconseqüente como criança
que não tem a menor idéia do que a vida pode fazer com ela.
A única maneira (à qual me agarro enquanto rezo,oro,entôo ladainhas)
                             de ser feliz,
é  não saber que sou feliz.
Recuso-me a acreditar que o passado é um bom lugar para se viver.
Imagino-me um tipo que faz alguém ter vontade de fugir da cadeia
Esfrego minha bola de cristal e vejo que para ser atacado pelo monstro
basta alguém   provocá-lo((ele devora seres humanos rapidamente)
nem a música acalma sua selvageria
e com o mundo do jeito que está, ninguém tem muitas chances
e o monstro quando se apossa de um corpo(ele não perdoa nada)
velhos e jovens são mergulhados no absurdo e lá se afogam
na ilusão de algo que os torne humanos novamente
o Monstro faz-nos pensar que não há relação espontânea
que o trabalho e o estudo só nos desgastam
ele nos quer no inferno,ele enerva até um santo
transforma todos em seres vulgares.


Chego em casa depois do culto
O Monstro está fora de  mim.Unhas,pêlos pretos,olhos verdes,
varanda para o mar.
Uma estranha melodia se faz ouvir ,envolve o ébano da criatura.
Ele se arrasta em busca de alimento pela fria cerâmica do meu apartamento
Na varanda um pássaro pousa.Um pássaro canta na varanda
Estridente.Com aquela cara boba de passarinho
O Monstro aproxima-se.O pássaro foge
O monstro olha-me diabolicamente.Olhos mortiços, sem vida, cheios de frieza .
Ao longe várias flores   exalam perfume.
O mar  encrespa-se
A noite vai descendo  até o chão.



II

O Monstro sabe que ao deixar meu corpo,o contaminará com o fim do poema
Ele sabe que qualquer que seja o escopo,será ruir a escultura,o sistema

Por isso ao olhar para outro espaço
Ele sente palpitar nas paredes do seu lar-meu coração
Um novo castelo,novo paço(chamado vácuo)antiga solidão

Ele não se importa,ele segue buscando seu prazer
Experimentando nova sensação
Na verdade só o que lhe interessa é se satisfazer
É ejacular,curtir,tocar novos corpos,explosão.

Meu corpo não tem como fugir dos antigos poetas
Não há escapatória ,nem improviso.
Novas cidades,novos estetas
Só o que é detalhado,é assim conciso.

A ignorância não entenderá os anseios deste corpo
Os intelectos dirão “foi fraco”
O que digo é: o monstro chegou morto
Ao reavivá-lo    conheci o vácuo.

Com tanto para fazer e tão pouco tempo
Escrevo estes versos a contragosto
Esparramo estas linhas ao relento.Ao contrário do que está posto.

Reconheço o inatingível Deus
Suponho meu tão minúsculo bem
Suponho e peço aos seus Que ,ao interpretar-me ,pensem no além...

Sigo para novo vampirismo.Entregando-me ,como vítima
Holocausto,ocultismo.No Janga, Gaibu- vítima.

E assim as linhas, as letras,o papel,o computador
Janis,Zeppelin e tantos
Ajudam-me a chegar a ti,tão longe do  ardor.Anis,assim,espanto.

E no Recife agora tem absinto
Há algo adiante
Alma Mater...definitiva
Esperoe nasce assim o dia:Em espaço /expectativa.

Agora paro pela segunda vez –
A segunda queda
O Pai me observa e diz: força!
Porém nada me preserva.
E a rede de proteção-é ferida corça!

O sol nasce ontem e hoje.Crepúsculo através
Toda estrela no alforje .És o que és.

Não sobra nada de virtude
 nada de esperanças
Nem o novo nem a velha atitude
Só uma velha de tranças.

Para que o final do livro?Dinheiro,saúde,filhos família
Uma velha no bilro,a  tecer rendas, perpetuar armadilha.

Aranhas são mães,que a vida tecendo
Fantasiam a falta de sentido- afãs de que perpetuando- se,
vão o sistema mantendo.

Ó, útero inicial...Por quê?
Ó, paraíso perdido até quando
É simples:é bom-a carne , vinho o auê.
O problema é ir agüentando !

As mulheres perdem mais
Num mundo onde o Monstro teima
Porque uma fêmea jamais
Chegará ao trono de onde ele reina.

Viajo aos setenta
Ardo querendo
Buscar onde ele se assenta.
Morro sofrendo

E assim seguem estes espíritos
Buscando a vingança, a vitória
Esgueirando-se pelos becos esquisitos
Desvirtuando a pança deste inseto- a História.

Não há caminho de volta para casa,conforto.
Nem lugar de curtição que nos salve,embale
                                                        Um porto
Nossa insatisfação, anseio, tudo:            cale!

O Monstro é uma lagarta rastejando por uma dose
Sou borboleta querendo a flor
Ambos metamorfose
Buscando o néctar do infinito.

Morremos pelo mito da caverna, saída tão estreita
Um cometa que nos guia
Trajetória imperfeita
Nem só o amor alumia.

Dessa última vez vamos tentar
Ser família,ser feliz
Todos juntos no altar
Neste sábado que sempre se quis.

Porém você não quer entender
Não quer me incorporar
Meus medos satisfazer
Só posso me entregar.

Uma mulher e um homem no mundo
O peixe e o mar.Imolação.Tentar

Problema...caminho.CarinhoTestemunha
Acabrunha !

Este testamento é falho
Porque sou apenas a cela do Monstro-sexo
E não destruirei o espantalho
Que torna tudo desconexo.

Solidão incomoda minha busca
Ela tortura meu sossego de pedra
De qualquer modo ofusca
(Greco-romanos- egípcios- portugueses)  engendra.


Digital.Mal.Setenta,oitenta,noventa,dois mil e um-fatal.
Conclui o Monstro: tenho o infinito
Acredito
Longo olhar , sobre o mar
Suave brisa- reflito.

E ele não me deixas encarar isso sozinho
Velho vinho
Guerra  onde me afogo e que me sacia
Nada me alivia.



  lll


Estou no 23º andar do edifício Marajó
Ao lado do Parque 13 de maio
Com o grande Recife aos pés,ao redor
Dentro de mim o monstro se retorce
Aceito-o pois não há saída
É melhor que tentar me enganar

 A coisa se espalha em mim,brinca
Nas minhas veias o mal que facilmente alastra-se num contágio sem fim
Minha alma é posta à prova ,e como  políticos que se esfaqueiam e se beijam,
Eu e o monstro mergulhamos nossos olhos no Atlântico.Logo ali.

Os humanos ,como formigas , se movimentam 
Em  estranho tabuleiro vejo Olinda.Boa Viagem.Arruda.

A minha torre (extensão do meu corpo)
 a sombra de um gavião  é como o meu desejo,as memórias
que trouxe das montanhas,dos desertos,sertões,viagens,minhas criações todas.

A natureza está quieta nesta manhã de sol tão urbana
E eu percebo através das poderosas lentes
Que ninguém sabe o jeito de amar a si próprio
Envolvidos pela ganância ou pela abstinência
Os desejos são embalados pedem empurrões.

A vontade cortaas raízes da vida
E eu respiro ao escutar o assobio vento nas janelas
Meus companheiros  chegam ,,partem
Lembranças fotografadas.Passado. Presente multicor 
empurram -se  em sonho, para frente
–é tarde?


Recebo no rosto elogio e ingratidão-
Avanço para o desconhecido- Novos amigos?

Observo o violão sobre a mesa-
mudo há muito tempo.

Parece que os sentimentos mudam,
As nuvens desenham sombras entre os prédios,
O azul-/verde/cinza/dourado-prateado do mar,cintila

O telefone toca-
Alguém para dizer que me ama,é chato.
Meu amor dispensa declarações assim
As palavras atropelam minha calma.

Há momentos de epifania que se dissolvem
Não têm fim nesta busca

Minha vontade provoca tosse no monstro
Ele ruge.
Suas mãos assassinas e etéreas
Buscam meu pescoço.
Eu tusso,escarro, me beijo.
Procurar saídas excita.

As bandeiras vermelhas se agitam,o país busca.
As notícias em ondas reverberam
Livros,
CDs-
 imensa fogueira.
A verdade muda
 como  a direção dos ventos
O brilho,o calor, alfinetam nossa lentidão
Não adianta racionalizar sentimentos.

O monstro sai de mim ,se espalha pelo mundo.
Diz que os maus momentos  ensinam o que é bem,
E que não há razão na terra  Capibaribe .

Nas ruas do corredor que sai do mar 
E se joga pelas ruas  1º de Março,
Nova, Imperatriz e...arrebenta na Praça Maciel Pinheiro.

Amar-se,descuidar-se refletindo céu e inferno
O monstro a voar passeia pelas orlas
Mostra-me sexos ardendo, peles , pêlos salgados, perfumados, preparados.
Lá longe em  Casa Forte, a umidade,o perfume das plantas,
o conceito armorial encastelado.

Devo corrigir meus versos?

Os freios da consciência,a velocidade da vida...
Não sinto somente seu olhar,compartilho com o monstro
 este sentimento cósmico de  alquimista solitário.
Entramos no submundo
Faróis,portos .Recebem e sacodem
A beleza destrói quem a possui,o poema tece um chicote
a açoitar a estranha placenta
Respingos nas imagens sacras, o que sobrou dos séculos
Frutas apodrecendo. Insetos.Cabeças de Medusa petrificando
Estátuas morenas onde  Amor pousou.

O monstro brinca na lama do meio-dia da pressa e da perfeição,
das feridas e pesadelos,enquanto ao sul ,aproximam-se
nuvens cinzentas, vindas do Cabo de Santo Agostinho.

Minhas cicatrizes .Ossaturas,quadros –
ouro envelhecido pelos séculos
Nudez lasciva,
Guerra dos Mascates  em mim,
farsa da batalha dos Guararapes,
eterna Confederação do Equador.
Balelas,panelas,gravuras amarelas
Jovens e velhos estes versos tropeçam,como rebanho tangido pelo monstro
Consciência .Indecência, animal  Recife a se deslocar inseguro
 buscando no horizonte aberturas subterrâneas , golpes de facão
Aqui a verdade vale tanto quanto a hipocrisia
Festa ,trabalho e pão
Poetas fingidores acostumam- se ,viram  asfalto melancólico.

A força da engrenagem alimenta a única verdade:
Nada é definitivo.
Se a cidade for derrotada não vai ser porque desistiu
Seguimos, apertando parafusos, estruturando a verdade como ficção
O animal dentro da capital de Pernambuco paralisa alegria e tristeza,
rouba honestamente pois sabe que seus filhos  tornam-se mais humanos
a cada perda.
Pequenos tiranos zeram contas ,erguem arranha-céus fascinantes.



O monstro volta  com trovões e vento frio.
Todos correm sobre ruas que lembram serpentes negras
O pássaro da sabedoria espreita ,enquanto o espírito do mal vagueia
A magia bebe na grande fonte
Os gestos do monstro tentam agarrar o infinito
O fracasso da humanidade humilha ricos e pobres,empesta

Ação:o cadáver quando nasceu já sabia de tudo,brincou com a morte
Futebol,dominó,barrigas,novelas,caninha,caldinho,três sexos
O medo recebe a luz:ninguém vai levar a sério
Sem medo de ser tolo ,de si mesmo,sem pressa,sem se afligir,improvisando,
sem chorar o monstro é o campeão na arena do mundo real
 eu olho a platéia penso nas apostas.

Não há vaidade no monstro.Nem remorso.
Cada passo contém todos

Tento arriscar o que levei tanto tempo para conseguir ,
Misturo meus desejos com a cidade que me mostrou um caminho e seguiu outro,
inútil confiar num senhor de mãos vazias

As vítimas das secas e das enchentes,os miseráveis querem
sexo,vinho,pão,orações,abrigo.
Não choro: muito choro demonstra espírito fraco.
Se a dor da perda foi grande , a nova aquisição não será,
não há o que escolher entre coisas estragadas...
Na cidade destruída cada minuto contém a eternidade-
 a chuva acabou com tudo, a peste devorou o resto,
o fogo cresceu  ficou difícil de apagar,
Fugir dele é afogar-se na insensatez.
O hábito de não lutar  contra as injustiças destruiu os sentimentos dos recifenses.
Improvável,mas não impossível, lateja ainda o coração da cidade,
um coração de pedra vigiado pelo monstro sorridente que me mostra que tinha razão.
É o pulsar final do amargo verbo chamado  esperança
A suspeita mostrou-se pior do que a certeza.

O monstro abraça-me.