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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

COPI, EVITA, EVA E RAUL


por Amanda Spacca

Raul Taborda Damonte, ou Copi, nasceu na Argentina em 1939, exilou-se com a família para o Uruguai durante o regime peronista, e mudou-se, em 1962, para a França. Fez questão de nunca esconder sua condição de homossexual e portador do vírus HIV. Autor de várias peças, ator, cartunista, romancista e subversivo. Consigo compará-lo, certa forma, a Jean Genet.
Sua peça Eva Perón, possui uma estética um tanto surreal – porém não surrealista. Diálogos por vezes incoerentes e contraditórios, aparentemente non sense, porém extremamente lúcidos, nos contam uma versão da “Santa Evita Perón” sob o olhar trans-gressor e recheado de ironia do trans-autor. Os personagens são caricaturais, mas fortes (e talvez a própria caricaturização que confira essa força). A narrativa é ágil e ácida, de forma que, ao lermos a peça, imprimimos um ritmo acelerado.
Copi brinca ironicamente com o “mito” que se instaurou ao redor de Eva Perón, deslegitimando seu peronismo, inundando a cena com vestidos e jóias. A peça evolui em torno de Evita e do seu poder político e aquisitivo. As ações que se desdobram, mesmo quando ela não está em cena, voltam-se para a sua figura, satirizada pelo autor, mostrando a riqueza como única preocupação da protagonista.
A glamorização desta personagem parece ter a ver com seus desejos de antes de tornar-se primeira-dama: ela queria (e chegou a ser) atriz de cinema. Única filha não registrada pelo pai (continuandofilha bastarda), queria ser alguém na vida. E conseguiu o que queria.Copi nos mostra, fantasiosamente – ou não –, o lado ambicioso de Eva Perón, que se assumiu como a personagem Evita na vida real.
Na trama, os personagens estão presos – aparentemente há dias – na mansão dos Perón, apenas ouvindo as notícias de fora por um rádio (que fala constantemente sobre o estado de saúde de Evita), atendendo aos desejos mimados da protagonista, sem poder sair (à exceção da personagem Ibiza) e sendo constantemente “torturados” pela inconstância e caprichos de Evita. Esse fato causa uma sensação de “suspensão” e parece uma “pausa” no tempo. Como se o tempo não passasse ou, pelo menos, não fosse um tempo “normal”. Como se estivessem acorrentados e só se movessem dentro de um território específico.
O general Perón é um personagem que, de início, aparece calado. Quanto mais se aproxima a morte de sua esposa, mais linhas vai ganhando, até que ele faz o anúncio do falecimento – ápice de sua aparição no texto. Nunca fala na presença de sua mulher, só ganhando destaque depois de sua morte, como se fosse uma espécie de consciência oculta, que aparece na medida em que a realidade vem à tona. Perón aparece quase como um fantasma, que entra e sai, só se comunica com a Mãe e apenas observa Evita, esperando e se preparando para a sua hora chegar (dele ou da sua mulher?).
Essas características da peça levaram-me a pensar sobre a sanidade de Evita, retratada na peça em seu estado terminal, tendo trocado morfina por água, e estando em plena atividade física e mental. Opa. Como seria possível? Será que as notícias do rádio são mais reais do que aquilo que esta sendo mostrado como realidade? Estaria Evita, na verdade, dentro de um delírio? Presa na sua mente e imaginação?Ao fim da peça, no lugar de morrer, a protagonista assassina o que poderia representar seu algoz, a enfermeira, e foge, enganando uma população inteira apenas para “se libertar”.
Ibiza parece ser um lampejo de lucidez dentro dessa trama quase absurda, como única personagem a entrar e sair da “casa” pra ver o “mundo real” – ou seria da cabeça de Copi? Por esta particularidade, Ibiza parece funcionar como um botão de liga e desliga, como se transitasse entre mundos presentes na peça (real x irreal, fatos x ficção, câncer x AIDS).

Escrita perto da morte do autor, quanto dessa agonização da protagonista não representa sua própria dor, esperando, assim como Evita, o dia de sua inevitável morte precoce? Toda a escrita de Copi é permeada pelo próprio Copi – que, mais que um pseudônimo, é um personagem, assim como “Evita” o foi –, que empresta seu mundo interior e exterior às personagens, a partir do seu olhar trans-viado. Será que ele, marginal que era, se pôs no lugar de uma figura de adoração pública para fantasiar sua morte? Estaria ele se libertando através de sua escrita, tentando matar sua doença (enfermeira) ou cantando a morte como libertação? Seria Eva Perón sua trans-posição e os outros personagens, projeções? Mas a morte é real. Foi real para os dois. Estaria Copificcionalizando Raul Damonte?

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