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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A professora Lucila Nogueira fala sobre os ABISMOS DA POETICIDADE em Jomard Muniz de Britto: Do Escrevivendo aos Atentados poéticos

Este livro contém parte dos estudos de Moisés Monteiro de Melo Neto, pesquisador recifense, orientei-o no seu período de Doutorado na Ufpe. Discutíamos sobre a luta contraideológica e as questões envolvendo pedagogia política, o consumo cultural passivo, desatento, conivente e um saudável debate sobre poeticidade desnudando o logro sem propor uma verdade absoluta. Falávamos sobre engajamento é com a linguagem e suas sucessivas transformações. Jomard Muniz de Britto como um indisciplinador lúdico que faz da palavra objeto de prazer sensual, um cético diante de qualquer totalitarismo (cuja linguagem ele desmonta) O início da sua produção autoral (anos 60 e 70) foi marcado por grandes transformações teóricas nas ciências humanas. Na França Barthes propunha tratar os signos de maneira inovadora.
Jomard não reverencia a doxa (para citar um termo que Barthes trouxe de Brecht); ele atua no limite da carne e do mundo, enfrentando o estereótipo, as afirmações sem dúvidas (sendo assertivas, repetitivas). Sua escritura (escrita do escritor) é uma rajada ativada em instâncias provisórias. Sua literatura é meio de luta prazeroso e é assim que Moisés o estuda. Sua intertextualidade com pensadores do porte de Lacan (o inconsciente enquanto linguagem) é utilizada para derrubar discursos que escravizam; falávamos muito sobre Barthes e sua produção, digamos assim, libertária, espargida em textos que buscam um contato maior com toda a sociedade,contra a ortodoxia, comprometida com a transformação social, desmontando empiricamente as mitologias da cultura burguesa, pelo desnudamento dos seus truques, sem deixar de lado a prática do discurso poético (escritura),  afirmando que o poder é múltiplo e oblíquo e se encarna na própria linguagem (onde também estão as armas para combatê-lo, não se deixando nomear por ele). Nossas sessões eram regadas com vários interrogações sobre como se pode subverter todo o sistema até expô-lo pelo avesso (em funcionamento diverso das aparências). Averiguávamos como o texto jomardiano, sua crítica, põe em crise, avalia condições da crise, leva em conta o momento na sociedade (submetida à guerra dos sentidos),  e como através da sua poesia se dá a crítica ideológica, à ilusão do sentido e voltávamos a Barthes e como ele  introduz no discurso conceitual, significantes sensuais. Intromissão do corpo num discurso do puro intelecto.Colocávamos em estado de alerta a objetividade e como ele introduz (paradoxalmente, sempre?) significantes científicos no discurso subjetivo (desmascarando o imaginário desse tipo de fala, como em Fragmentos do discurso amoroso), enfrenta o status quo e busca outra economia de linguagens, outros sentidos, outro mundo aqui mesmo, numa escritura na escrita da crítica cultural, tendo como força motriz o desejo, contra a fetichização do método esterelizando a pesquisa; crítico enquanto scriptor, tendo seus insigths possibilitados pelo pensamento moderno, combinando textos pré-existentes em novas formas, escritor que não tem passado, que nasce com o texto, que trata a escritura não como saber prévio, mas um fazer onde se encontram saberes vários, imprevisíveis, scriptor que não quer controlar o significado de determinado trabalho, pois os horizontes interpretativos estão abertos para o leitor ativo. Barthes declara, "a morte do autor é o nascimento do leitor!”; e incita a quebra da reprodução mecânica dos papéis sociais, a repetição dos discursos, desmontando encenações de prestígio, de rivalidade, detectando, na presença de corpos desejantes, uma leve erotização do ensino e evitando o fetiche acadêmico.
Moisés trabalhou os textos de Jomard com a afetização do saber que trabalhamos na Academia. Eu o orientei, mas ninguém ensina o ser humano a andar; sustenta-se, encoraja-se, incita-se, cerca-se; falávamos de uma revolução permanente da linguagem (a Literatura); as mutações da noção de mimesis denotam os diferentes modos como a cultura ocidental regula as relações entre verdade e linguagem. Moisés sugeria essa abordagem em que o resgate do conceito de mimesis permitisse redimensionar o lugar do literário e do imaginário na cultura ocidental. Propunha a superação das definições antropológica e estética do conceito de cultura, cujo amplo uso nos prende a uma noção de cultura por um lado ampla, por outro desconfortavelmente rígida, como sugeriu Eagleton.
O que vocês têm aqui neste livro é um estudo que desafia o reducionismo cultural de grande parte do pensamento contemporâneo. Aborda-se o problema da crise contemporânea da ideia de cultura, são discutidos os choques culturais ( não é o conteúdo da alta cultura o que está em jogo, mas os significados de seu uso, debate a dialética da natureza e da cultura, além de estabelecer um diálogo profícuo com Marx, Nietzsche e Freud sobre as forças com que com ela interagem), uma crítica às formas de determinismo “coisificação” do homem. A pesquisa de Moisés mostra nos textos de Jomard uma afirmação da liberdade humana frente as vertentes científicas e filosóficas que querem reduzir a dimensão espiritual do homem a leis previsíveis e manipuláveis, análogas às leis naturais, biológicas e, como imaginou Comte, sociais. Ele  aborda a escrita jomardiana no que ela tem de fragmentário, dinâmico, incompleto, dialógico, intransitivo e exterior ao discurso funcional e comunicativo. Esse questionamento radical tem sua contrapartida na rejeição da ideia moderna do “autor” como centro expressivo da linguagem. A escrita literária não é resultado da vontade do autor, da sua intenção ou da sua sensibilidade. Pelo contrário, a dinâmica neutra da escrita conduz ao apagamento da figura do autor, ao anonimato necessário, à solidão essencial e ao estranhamento antilírico diante do mundo.
O texto de Jomard interroga a capacidade da literatura. Memória como ação e não simples representação, memória-agente de diferença, reformulação, transformação reciclagem, iconoclastismo. Caráter nacional aberto  e não veleidades nostálgicas, face nacional inacabada, porém inconfundível.
Do Escrevivendo aos Atentados Poéticos opta por passar de uma posição perante o mundo a uma ação no mundo em positividade desmistificante e não se intimida numa análise que traz algo de inovadora e convida o leitor a diluir fronteiras, é escritura nos moldes que, como Silviano Santiago sugeriu ao referir-se às análises barthesianas, apresenta um modelo produtor (e não representacional) que excita o leitor a abandonar a suposição tranquila de consumidor e o convida à práxis, assimilando a poeticidade como estímulo desmistificador.
Uma trajetória que segue adiante sem hesitar na multiplicação de veredas e ocultações. Um caminhar carregado de raízes que se desdobra, no entanto, em futuras figurações. Um descrever que não renuncia à intensidade experimental,  uma filosofia que se oferece para além dos conceitos teóricos tradicionais. Uma poesia que se deseja ensaio, memória, atentado. Um autor que está sempre testando o seu limite e a sua inexistência dentro de banal – durante três anos e meio Moisés Monteiro de Melo Neto dedicou-se ao estudo minucioso dos insights contidos na bibliografia do pernambucano JMB, percorrendo desde os anos 70 até a entrada no século XXI e seus exercícios irreverentes que se tornaram sinônimo existencial da cultura do Recife.

Convite para o lançamento do livro


Um trabalho sem dúvida difícil e desafiador, este de atravessar as camadas de significação, percorrendo várias décadas de uma produção à   qual se reúne a teoria presente em dois ensaios dos anos 60 e mais um livro posterior em co-autoria. A verdade é que as vanguardas nacionais resultam celebradas de modo crítico e contextualizado em Do Escrevivendo aos Atentados poéticos defendida por Moisés em 2011, na UFPE, PPG Letras, sob uma orientação formal que apenas saiu acompanhando as imagens sucessivas de um caleidoscópio intelectual que representava um entendimento fulgurante desse grande comunicador e intelectual que plasmou o percurso de várias gerações.
JMB e Moisés ocupam este espaço de diálogo e integração das artes interdisciplinares contemporâneas, cada qual trazendo a intensidade de uma experiência colada na pele como tatuagem que perdura e se multiplica a cada nova experiência intelectual no coração da linguagem.

E não poderia ser diferente, um trabalho que surgiu de modo disciplinado e esfuziante trazendo tantas informações

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