O Romance
d´A pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e- Volta : Todos os
estilos num só...
por Moisés Monteiro de Melo Neto (moisesneto)*
por Moisés Monteiro de Melo Neto (moisesneto)*
Moisés Monteiro de Melo Neto (moisesneto)na Pedra do Reino em São José do Belmonte (PE)
A comédia da
antiguidade, o teatro religioso, a arte popular do Nordeste e seus folguedos
são as salutares influências deste mestre das letras que é o paraibano Ariano
Suassuna, Ex-aluno do Colégio Americano Batista do Recife (dos 10 aos 15 anos,
uma fase de sua vida que sempre recorda com saudade), professor de Filosofia,
foi secretário de cultura do governo Arraes
(e agora do governo Eduardo Campos) . É autor de três romances: "Fernando e Isaura" (sobre
um amor impossível, inspirado na história de Tristão e Isolda) , "Romance d´A pedra do Reino e o
Príncipe do Sangue do Vai- e- Volta" (Ed. José Olympio. RJ. 1970), exibe
como herói um poeta que na década de 30 sonha em escrever um épico nordestino e
acaba preso como comunista e
"História d´O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao sol da onça
Caetana", suas lembranças de infância e do pai, mescladas num
sertão mítico.
A bailarina Bete Marinho, Moises Monteiro de Melo Neto e o ator Lee Taylor, que interpretou Quaderna na versão teatral dirigida por Antunes Filho
"Não
faço distinção entre a cultura popular e a erudita. A cultura brasileira, a
cultura popular brasileira, não está ameaçada . Ela é resistente. Estão
tentando matá-la, mas não conseguirão" , diz Ariano e nos convida ao
deleite com pérolas do cancioneiro ibérico, a arquitetura africana, as cores da
África, textos de José de Alencar, de Aluízio
Azevedo. E é no Romanceiro popular que Ariano mais se inspira. Nas
novelas de cavalaria, nos amores incríveis, nos heróis picarescos (zombeteiros)
que permeiam as histórias que o povo conhece. Ele chega a usar um mesmo texto
várias vezes como base para sua recriação. "A novela da Renascença é
picaresca. O personagem principal é a Fome".Emigra para o Brasil o
herói pícaro ibérico, o astucioso que difere do opressor que é o lado ruim . Ao
comentar o Brasil antes de Cabral, Ariano reafirma nossa cultura milenar : "Existia
teatro indígena antes da chegada dos jesuítas . É absurdo centralizar a origem
do teatro. O teatro japonês não nasceu na Grécia. Tem outra origem. O teatro
indígena é um teatro de máscaras e excelentes figurinos e enredos fascinantes
que envolvem sua religiosidade. Eu queria que um cineasta brasileiro fizesse
com este tipo de teatro brasileiro o que o cineasta japonês Kurosawa fez com o antigo teatro
japonês, o teatro Nô e com o Kabuki . Injustiça social não é base para a arte
popular. Ela também não é primitiva. Os violeiros vêem televisão, os artistas
populares transformam as informações universais em linguagem com temática
local. Temos que fortalecer nossa cultura". Para isso, Ariano usa seus
conhecimentos de Filosofia, História e Literatura, trabalhando o belo de forma
dialética, unindo-o ao cômico misturando o espírito intelectual com a esperança
no homem, fundindo nossa herança barroca com um espírito neoclássico.
Análise
do "Romance d´A Pedra do Reino" (1970) : Ariano recheia seu
livro "Romance d´ A Pedra do Reino" com humor malicioso e exibe sua
perícia na selva das palavras. Mistura nobres e pobres num processo
criativo ímpar. Os colonizadores do Brasil aparecem como bravos que tiveram
coragem de matar para estabelecer novos rumos. Ariano traz para a narrativa
suas experiências com o teatro e a poesia, brinca com a metalinguagem,
expõe os "mistérios" da criação. O tema central do romance são as
artimanhas de Quaderna e a trágica história dos seus antepassados na cidade de São José do Belmonte, interior de Pernambuco. Ariano, através da
narração em primeira pessoa (Quaderna), descreve paisagens e situações
alucinantes, reinventa a cronologia, adapta fatos históricos à sua ficção (a
magia das grandes navegações, as cruzadas, os romances de cavalaria, as
revoluções. Se Alencar foi exuberante mas não ousou exibir um herói picaresco,
Ariano, com seu Regionalismo natural, busca as interseções entre o
popular e o erudito, misturando a poética aristotélica com Romantismo e
buscando o êxtase criativo num realismo que alguns intelectuais rotulam de
mágico, fantástico. O encatatório, o mítico, o exótico vão delineando o
espaço criativo que traça o painel do sonho de uma monarquia de esquerda
, sonho que Ariano alimentou durante algum tempo. Obcecado em criar uma epopeia
nordestina, o narrador torna- se cômico e o recurso Deus ex machina
(sobrenatural) surge para resolver as inquietações da alma que perturbam a raça
humana. Outro mito recorrente é o sebastianismo.
Lee Taylor, que interpretou Quaderna na versão teatral dirigida por Antunes Filho
Podemos até
arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que recusa
a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa espécie de
circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido , de dignidade, num
emaranhado de "causos" alinhados por uma escrita competente que se
utiliza do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo,
transforma o interior de Pernambuco numa espécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo,
à lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo
Corregedor) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado
histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a
linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa
central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento
de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares
(cordel e emboladores) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes,
Quaderna busca a imortalidade através da Literatura , quer ser fidalgo.
Quer louvar sua estirpe. Tenta reiventar Homero, a sua Odisseia
é através do Atlântico nordestino e sua Ilíada
tem como palco o sertão, ali está a Onça
Caetana (a morte, a vida , o amor, a nacionalidade). Seres fantásticos
pululam ao lado de personagens estilizados numa narrativa explosiva recheada de
situações absurdas.
O Corregedor, Margarida e Quaderna: três personagens icônicos do romance A Pedra do Reino, de Suassuna
O recifense Moisés Monteiro de Melo Neto (moisesneto) é escritor, pesquisador, diretor e professor
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