artigo de Moisés Monteiro de Melo Neto*
publicado no jornal Ribalta, do SATED PE
publicado no jornal Ribalta, do SATED PE
junho de 2016
Tenho dez anos, acabei de cruzar a ponte de ferro (feita com
trilhos de trem?) que liga a rua da Imperatriz à rua Nova, Recife. É uma tarde
chuvosa e eu venho do dentista, como recompensa me levaram à minha sorveteria
favorita: Confiança (que também era
uma fábrica de biscoitos, na rua da Imperatriz); ao dobrar à direita em direção
à Praça Joaquim Nabuco, onde tomaríamos o ônibus para Boa Viagem, onde eu
morava, paramos numa banca de revista; enquanto a pessoa que estava comigo
escolhia uma revista eu fixei meu olhar sobre um livro com capa verde limão,
havia seis letras douradas que me chamaram a atenção. Abri-o. Li a palavra ESPECTRO, perguntei o que significava e
me disseram: fantasma. Pedi o livro e a pessoa que estava comigo comprou para
mim. Começou assim o meu envolvimento com Shakespeare. A peça era HAMLET, que
eu interpretaria durante dois anos, algum tempo depois, dirigido por Paulo
Falcão e pelo argentino Alberto Gieco. Tragédia maior, em vários sentidos. Sonho de uma noite de verão foi outra
peça que acompanhei uma montagem luxuosa bem de perto; dirigida por Antônio
Cadengue, tendo Susana Costa como Titânia, Buarque de Aquino como Oberon e
Augusta Ferraz como Puck (na época fazíamos parte do grupo Ilusionistas).
Também interpretei Mercúcio, personagem de Romeu
e Julieta (numa adaptação de Rubem Rocha Filho, dirigida por José Francisco
Filho). Aos quinze anos ganhei a obra completa de Shakespeare, presente de um
primo mais velho, da nossa família, os Belli. Com prazer devorei peça por peça.
Depois desta maratona eu nunca mais fui o mesmo. Faz 400 anos que William
Shakespeare morreu, mas continua a perseguir com carinho todos os atores,
diretores e muitos autores.
Shakespeare, nascido na bucólica Strattford-upon-Avon, em 1564, antes de expressar-se através da criação literária, foi ator (um crítico o chamou de “corvo arrogante”, ao tratar de uma interpretação sua no palco; lembro aqui do conselho de Hamlet aos atores: “que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma”) e a seguir o mais influente dramaturgo do mundo, cujas 38 peças são exemplo quase ímpar da capacidade humana na escrita. Seu pai, John Shakespeare, afirma-se que era um comerciante chegou a prefeito da sua cidade natal. Sua mãe, Mary Arden, vem de uma família de proprietários de terras. Teve sete irmãos. Criou-se católico, mas só em um soneto ou dois ele ousa defender, ou pelo menos citar, os companheiro sufocados pela rigidez da Igreja Anglicana. Casou-se com Anne Hathaway e geraram: Susanna e dois filhos gêmeos, um chamava-se Hamnet (quase Hamlet, teve má sorte, morreu aos 11, longe do pai que estava em Londres). Parece, especulações novamente, que o jovem artista, fugiu com uma trupe de teatro (muitos deles visitavam a cidade de Shakespeare); Quando em 1592, fecharam os teatros, por causa da peste, ele se dedicou aos poemas líricos Vênus e Adônis e O Rapto de Lucrécia. Logo depois construiu o Globe Theatre, sucesso por 15 anos, mas em 1613, na peça Henrique VIII, pegou fogo e virou cinzas; foi reconstruído, mas depois foi demolido em 1644.
HAMLET
Em 1997, o projeto do americano Sam Wanamaker, que morreu em 1993, de reconstrução dessa famosa casa de espetáculos, perto do lugar onde ficava o primeiro Globe, trouxe de volta um pouco do antigo fascínio deste Teatro. Além de ator e escritor, ele foi sócio da Lord Chamberlain´s Men (ou King´s Men, o que já dá o tom da sua gratidão aos nobres que o apoiavam, não é?). Sobre sua vida sabemos tão pouco, embora haja uma enxurrada de livros sobre sua produção e até a lenda sobre a autoria de parte dos seus textos. Suas comédias, dramas históricos, tragédias (Macbeth, Rei Lear, Otelo) são jóias de valor incalculável. Da sua forte herança latina brotaram as tragicomédias ou romances.
Esse escritor conheceu a glória em vida, mas acho que nem no sonho mais louco imaginou até aonde iriam as projeções da sua sombra e da sua luz. O Mercador de Veneza, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por nada, Noite de reis, Medida por medida, Conto do Inverno, Cimbelino, Megera Domada, A Tempestade, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Julio César, Antônio e Cleópatra, Coriolano, Timon de Atenas, Henrique IV, Ricardo III, Henrique V e outras peças como Henrique VIII, fascinam com sua genialidade enigmática sublime.
400 anos depois do desaparecimento físico do
misterioso bardo inglês, que tratou tão apropriadamente temas tão fortes, com
um colorido (forma e conteúdo) tão cheio de som, riso, siso e fúria da alma
humana, ainda dá muito o que falar. Uma vez, em
Londres, eu parei diante da estátua dele no Museu de cera de Madame Tussaud e me perguntei: qual
seria a figura exata de Shakespeare? Há tantas representações diferentes dele.
Voltei no tempo, ao dia em que ganhei aquele Hamlet, e o li numa noite cheia de chuva, relâmpagos, trovões,
ventos uivantes, próximo ao mar de Boa Viagem.
O bardo inglês, nosso Shakespeare
Shakespeare, nascido na bucólica Strattford-upon-Avon, em 1564, antes de expressar-se através da criação literária, foi ator (um crítico o chamou de “corvo arrogante”, ao tratar de uma interpretação sua no palco; lembro aqui do conselho de Hamlet aos atores: “que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma”) e a seguir o mais influente dramaturgo do mundo, cujas 38 peças são exemplo quase ímpar da capacidade humana na escrita. Seu pai, John Shakespeare, afirma-se que era um comerciante chegou a prefeito da sua cidade natal. Sua mãe, Mary Arden, vem de uma família de proprietários de terras. Teve sete irmãos. Criou-se católico, mas só em um soneto ou dois ele ousa defender, ou pelo menos citar, os companheiro sufocados pela rigidez da Igreja Anglicana. Casou-se com Anne Hathaway e geraram: Susanna e dois filhos gêmeos, um chamava-se Hamnet (quase Hamlet, teve má sorte, morreu aos 11, longe do pai que estava em Londres). Parece, especulações novamente, que o jovem artista, fugiu com uma trupe de teatro (muitos deles visitavam a cidade de Shakespeare); Quando em 1592, fecharam os teatros, por causa da peste, ele se dedicou aos poemas líricos Vênus e Adônis e O Rapto de Lucrécia. Logo depois construiu o Globe Theatre, sucesso por 15 anos, mas em 1613, na peça Henrique VIII, pegou fogo e virou cinzas; foi reconstruído, mas depois foi demolido em 1644.
HAMLET
Cacilda Becker, a maior atriz de teatro no Brasil, até hoje, um mito, e outro ícone da cena nacional: Sérgio Cardoso, no papel-título (Cacilda estava substituindo a atriz Bárbara Heliodora, futura estudiosa de Shakespeare)
Em 1997, o projeto do americano Sam Wanamaker, que morreu em 1993, de reconstrução dessa famosa casa de espetáculos, perto do lugar onde ficava o primeiro Globe, trouxe de volta um pouco do antigo fascínio deste Teatro. Além de ator e escritor, ele foi sócio da Lord Chamberlain´s Men (ou King´s Men, o que já dá o tom da sua gratidão aos nobres que o apoiavam, não é?). Sobre sua vida sabemos tão pouco, embora haja uma enxurrada de livros sobre sua produção e até a lenda sobre a autoria de parte dos seus textos. Suas comédias, dramas históricos, tragédias (Macbeth, Rei Lear, Otelo) são jóias de valor incalculável. Da sua forte herança latina brotaram as tragicomédias ou romances.
Montagem de RICARDO III, pelo grupo Clowns de Shakespeare, que assisti no Parque Dona Lindu, Recife
Esse escritor conheceu a glória em vida, mas acho que nem no sonho mais louco imaginou até aonde iriam as projeções da sua sombra e da sua luz. O Mercador de Veneza, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por nada, Noite de reis, Medida por medida, Conto do Inverno, Cimbelino, Megera Domada, A Tempestade, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Julio César, Antônio e Cleópatra, Coriolano, Timon de Atenas, Henrique IV, Ricardo III, Henrique V e outras peças como Henrique VIII, fascinam com sua genialidade enigmática sublime.
Até hoje suas peças são montadas, filmadas, coreografadas, viraram óperas, tudo com assombroso destaque
*O recifense Moisés Neto é doutor em Letras, escritor, pesquisador
e professor