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terça-feira, 22 de julho de 2014

Relembrando Osman Lins



                                         Participei em Recife, Centro Apolo-Hermilo Borba Filho, de um encontro de 3 dias sobre a obra de Osman Lins, o que me fez repensar o autor tão querido.


Adriano Portela, Moisés de Melo Neto, Luiz Carlos Vasconcelos, Lourival Holanda e Guilherme Coelho
 foto: Camylla Herculano.


Osman Lins desbravou caminho próprio na tradição do romance regionalista do nordeste, afastando-se do recurso ao pitoresco, à cor local, ao folclore e à sensualidade e realizou no registro do romance ético e épico. Com O fiel e a pedra Osman Lins mostrou-se capaz de rivalizar com os melhores escritores da geração anterior.  A partir de então, o ficcionista não precisará mais se submeter a concursos, embora, como dramaturgo, Osman Lins venha a ser ainda agraciado com prêmios (em 1965, dois lhe são conferidos : Anchieta, da Comissão Estadual de Teatro, de São Paulo, pela peça Guerra do cansa-cavalo, que seria publicada dois anos depois e que, em 1971, inauguraria o Teatro Municipal de Santo André).O Fiel e a Pedra corresponde a uma“plataforma de chegada e de saída”, encerrando uma fase de sua ficção em termos tradicionais. Em entrevista ele declarou:
"Meu pai, descendente de senhores cujas terras, dizem, iam do Cabo de Santo Agostinho até bem perto do Rio Real, na fronteira das Alagoas, tinha uma pequena alfaiataria. Alfaiate é uma bonita profissão. Quase toda profissão manual é muito bonita. Só que, em geral, dá menos dinheiro que a de senhor de engenho. Esse homem desposou uma mulher que não cheguei a conhecer e que veio ao mundo, parece, com único encargo de ser a minha mãe. Cumprida essa tarefa, morreu, um ano depois de casada. Coisa estúpida. Sempre achei que isso me dava uma espécie de responsabilidade. Morreu aquela garota para que eu nascesse. Não podia fazer de minha vida uma trouxa, um papel servido, jogá-la por aí. Nunca vi um retrato seu - ela não gostava de fotografias, embora conste que fosse bonita. Parece que o fato me marcou. O tema aparece em O Fiel e a Pedra, em Nove, Novena (na história "Perdidos e Achados") e o herói de Avalovara anda pelo mundo feito um doido, buscando o que não perdeu.

A solidão e a estreiteza dos meus primeiros anos, atenuados pelas presenças de Laura, irmã de meu pai (que é, transfigurada, a Teresa de O Fiel e a Pedra), e da minha avó paterna, Joana Carolina, cuja vida agreste e, por assim dizer, simbólica, narrei em outro livro, foram ainda compensadas pela presença de um homem como não houve muitos no mundo: Antônio Figueiredo. Para quem não o conheceu, isto é apenas um nome. Para mim, é tudo o que pode sonhar o coração de um menino. Lá está ele, transformado, também em O Fiel e a Pedra, com o nome de Bernardo Vieira Cedro, vivendo aventuras muito semelhantes a algumas que enfrentou realmente. Vivia contando histórias. Foi ele o meu primeiro livro, meu iniciador na arte de narrar, assim como a velha Totônia foi a primeira influência literária do José Lins do Rego. Que devemos entender por ficção? Acho ser a fixação, através da palavra escrita, e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal do mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que no entanto se confunde, sob a pressão do gênio do escritor, com o universo onde todos habitamos. A designação do gênero me parece acadêmica, não importa. E as existentes nem sempre satisfazem. Designei os trabalhos de Nove, Novena, por exemplo, como narrativas. Há uma coisa engraçada. A trajetória verdadeira de um indivíduo, de um artista, de um escritor, quando é exercida superficialmente, se esclarece à primeira vista. O autor dá uma direção declarada ao que ele faz, e essa direção é oferecida facilmente aos contempladores. Quando essa atividade é exercida de maneira mais profunda, ela pode provocar uma compreensão exatamente inversa. O Fiel e a Pedra representa o ponto para o qual converge tudo o que fiz antes e o ponto de onde parte o que vim a fazer depois. É uma plataforma de chegada e de saída, mas num terreno bem mais amplo que apenas o estrutural. Trata-se da travessia, como escritor e como homem de um limite ficcional e político. Meus livros anteriores a Nove, Novena realmente estão mais distantes dos outros no tratamento e na visão geral das coisas. Acontece, porem, que Nove, Novena, em absoluto, não os nega. Ao contrário, através daqueles livros, daquela plataforma, caminhei para Nove, Novena e para as obras que o sucederam, acompanhando minha própria trajetória no mundo, minhas buscas, minhas conquistas. Podemos ver, por exemplo, que em O Visitante o mundo exterior quase não existia, enquanto que em Nove, Novena quase só existe o mundo exterior. É uma contradição? Não. Caminhei da interiorização de O Visitante, através de O Fiel e a Pedra, para a exteriorização, a plasticidade de Nove, Novena. E é natural que assim fosse. Só com a maturidade adquire o ficcionista a coragem para olhar de face o mundo exterior, as coisas materiais, o concreto. Escrito, quando eu chegava aos quarenta anos, Nove, Novena exprime de um modo claro o momento dessa conquista, a travessia daquele limiar. Em O FieI e a Pedra temos um problema de afirmação pessoal (um homem de classe média enfrentando um senhor de terras)."


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