Brennand:
sangue de barro
por Moisés Neto
Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand escreve seu nome com barro, tinta e
fogo na história, desenvolve seu trabalho com diversos suportes. Sua Torre de Cristal, em frente à Praça do
Marco Zero, no Recife, sua oficina na Várzea, marcam a cidade e aglutinam
elogios e críticas. Mas afinal: quem é este octagenário tão cheio de monstros e
com o poder divino de salvar o pó trazendo-o à vida? Descendente de ingleses,
ele cheira a gênio e vive recluso há 40 anos. Renega a ligação com o Armorial e diz que Ariano tem algo dele.
Tem como ex-esposa uma poeta, Deborah e em 2012, ganhou mais um documentário,
desta vez feito por uma sobrinha-neta. Há algo de Gaudí na sua obra, de Gaugin,
de Picasso, mas é algo próprio é o Recife latejando todas as épocas e etnias.
No seu ateliê, instalado nas terras do antigo Engenho (depois Cerâmica) São
João, estão expostas muitas de suas obras, parte delas dispostas a céu aberto,
em um grande jardim central. Nasceu em 11 de junho de 1927, em Recife, e em
1971, começou a reconstruir a São João da Várzea, fundada pelo seu pai em 1917,
encontrada em ruínas, transformando-a num colossal projeto de esculturas
cerâmicas que deveriam povoar os espaços internos e externos do ambiente; um
trabalho intenso, interminável, obsessivo, um complexo escultórico,
cosmogônico, visionário; eis um esboço da arte brennandiana. “Recordo-me de ter
encontrado a velha cerâmica São João em ruínas. Inclusive, cabe salientar que
não havia necessidade de um anteprojeto, pois as antigas paredes já indicavam
aquilo que devia ser refeito: as ruínas balizavam tudo. Portanto, toda e
qualquer idéia chegava à medida do trabalho em progressão. Talvez, por isso, eu
providenciei chamar o lugar de “oficina”, baseado na origem da palavra ofício (officium,
em latim) que quer dizer “trabalho”; local de trabalho, evitando o francesismo atelier.
Ao mesmo tempo, há a idéia de uma comunidade, à maneira das coletividades de
ofício medievais e renascentistas, onde o mestre e os discípulos trabalhavam em
conjunto, a serviço de um só desígnio”, diz ele.
Um incompreendido a serviço de Eros e Tânatos? Um senhor feudal que se mistura com o povo? Um mistério? Há algo de podre no Reino da Várzea. Seu primo Ricardo, exímio milionário colecionador construiu um castelo próximo à sua oficina: mesmo clã? Adoro os dois espaços, onde já dei aulas bem satisfatórias. Um dos males do Recife é falar mal e destruir iniciativas magníficas como expor obras artísticas deste porte. O que acontece no molhe do porto do Recife é algo fantástico, deveria haver mais e mais e nunca menos! Ovos e aves são recorrentes no trabalho de Francisco e têm acompanhado todo o percurso de sua obra cerâmica. O ovo cósmico, risos e siso à parte, o começo da vida, emblema da imortalidade. As figuras totêmicas, os abutres, como guardiães, senhores do “templo”, desafiando com seus enigmas, lembrando que a linguagem é um bem cheio de dubiedade. Seria ele um escultor? Um modelador? E sua oficina: um arremedo de catedral gótica? E seu Oxossi, de arco e flecha, forma tensa e viril, que quer? “Confesso minha ignorância em relação a qualquer religião a não ser a católica”, afirma o senhor da Várzea, intuindo o mistério e coincidindo-o com o eixo do mundo, do universo. Um Oxossi, deus inquieto nas matas do Recife a procura do que jamais encontrará ou já encontrou e a prepara? Nessa caça, em busca da verdade, da beleza, do Absoluto; um xamã, um artista ocidental na cidade-abismo aonde vai resvalando sem saber o que encontrará no fundo. Arrecife de ardores. Notáveis são também suas pinturas, onde ele é mais... naturalista, digamos assim. Mas até ali surge o Recife de terra, sangue, feitiço, cidade rio abaixo. Brennand: Pernambuco reproduzido na vã (?) tentativa de catálise, de eternidade, sexualizado, antropocósmico, de um lirismo ameno, na expressão de horror e dor a encher de calmo júbilo o espírito, acreditando na sobrevivência da arte, na condição humana, num futuro com coração antigo. Um artista só, no coração de Pernambuco, forjando serres que nos entretêm e fazem pensar.
Um incompreendido a serviço de Eros e Tânatos? Um senhor feudal que se mistura com o povo? Um mistério? Há algo de podre no Reino da Várzea. Seu primo Ricardo, exímio milionário colecionador construiu um castelo próximo à sua oficina: mesmo clã? Adoro os dois espaços, onde já dei aulas bem satisfatórias. Um dos males do Recife é falar mal e destruir iniciativas magníficas como expor obras artísticas deste porte. O que acontece no molhe do porto do Recife é algo fantástico, deveria haver mais e mais e nunca menos! Ovos e aves são recorrentes no trabalho de Francisco e têm acompanhado todo o percurso de sua obra cerâmica. O ovo cósmico, risos e siso à parte, o começo da vida, emblema da imortalidade. As figuras totêmicas, os abutres, como guardiães, senhores do “templo”, desafiando com seus enigmas, lembrando que a linguagem é um bem cheio de dubiedade. Seria ele um escultor? Um modelador? E sua oficina: um arremedo de catedral gótica? E seu Oxossi, de arco e flecha, forma tensa e viril, que quer? “Confesso minha ignorância em relação a qualquer religião a não ser a católica”, afirma o senhor da Várzea, intuindo o mistério e coincidindo-o com o eixo do mundo, do universo. Um Oxossi, deus inquieto nas matas do Recife a procura do que jamais encontrará ou já encontrou e a prepara? Nessa caça, em busca da verdade, da beleza, do Absoluto; um xamã, um artista ocidental na cidade-abismo aonde vai resvalando sem saber o que encontrará no fundo. Arrecife de ardores. Notáveis são também suas pinturas, onde ele é mais... naturalista, digamos assim. Mas até ali surge o Recife de terra, sangue, feitiço, cidade rio abaixo. Brennand: Pernambuco reproduzido na vã (?) tentativa de catálise, de eternidade, sexualizado, antropocósmico, de um lirismo ameno, na expressão de horror e dor a encher de calmo júbilo o espírito, acreditando na sobrevivência da arte, na condição humana, num futuro com coração antigo. Um artista só, no coração de Pernambuco, forjando serres que nos entretêm e fazem pensar.
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