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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Moisés Neto encontra Francisco Brennand

Brennand: sangue de barro
                                                                por Moisés Neto
Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand  escreve seu nome com barro, tinta e fogo na história, desenvolve seu trabalho com diversos suportes. Sua Torre de Cristal, em frente à Praça do Marco Zero, no Recife, sua oficina na Várzea, marcam a cidade e aglutinam elogios e críticas. Mas afinal: quem é este octagenário tão cheio de monstros e com o poder divino de salvar o pó trazendo-o à vida? Descendente de ingleses, ele cheira a gênio e vive recluso há 40 anos. Renega a ligação com o Armorial e diz que Ariano tem algo dele. Tem como ex-esposa uma poeta, Deborah e em 2012, ganhou mais um documentário, desta vez feito por uma sobrinha-neta. Há algo de Gaudí na sua obra, de Gaugin, de Picasso, mas é algo próprio é o Recife latejando todas as épocas e etnias. No seu ateliê, instalado nas terras do antigo Engenho (depois Cerâmica) São João, estão expostas muitas de suas obras, parte delas dispostas a céu aberto, em um grande jardim central. Nasceu em 11 de junho de 1927,  em Recife, e em 1971, começou a reconstruir a São João da Várzea, fundada pelo seu pai em 1917, encontrada em ruínas, transformando-a num colossal projeto de esculturas cerâmicas que deveriam povoar os espaços internos e externos do ambiente; um trabalho intenso, interminável, obsessivo, um complexo escultórico, cosmogônico, visionário; eis um esboço da arte brennandiana. “Recordo-me de ter encontrado a velha cerâmica São João em ruínas. Inclusive, cabe salientar que não havia necessidade de um anteprojeto, pois as antigas paredes já indicavam aquilo que devia ser refeito: as ruínas balizavam tudo. Portanto, toda e qualquer idéia chegava à medida do trabalho em progressão. Talvez, por isso, eu providenciei chamar o lugar de “oficina”, baseado na origem da palavra ofício (officium, em latim) que quer dizer “trabalho”; local de trabalho, evitando o francesismo atelier. Ao mesmo tempo, há a idéia de uma comunidade, à maneira das coletividades de ofício medievais e renascentistas, onde o mestre e os discípulos trabalhavam em conjunto, a serviço de um só desígnio”, diz ele. 





Moisés Neto & Francisco Brennand


Um incompreendido a serviço de Eros e Tânatos? Um senhor feudal que se mistura com o povo? Um mistério? Há algo de podre no Reino da Várzea. Seu primo Ricardo, exímio milionário colecionador construiu um castelo próximo à sua oficina: mesmo clã? Adoro os dois espaços, onde já dei aulas bem satisfatórias. Um dos males do Recife é falar mal e destruir iniciativas magníficas como expor obras artísticas deste porte. O que acontece no molhe do porto do Recife é algo fantástico, deveria haver mais e mais e nunca menos! Ovos e aves são recorrentes no trabalho de Francisco e têm acompanhado todo o percurso de sua obra cerâmica. O ovo cósmico, risos e siso à parte, o começo da vida, emblema da imortalidade. As figuras totêmicas, os abutres, como guardiães, senhores do “templo”, desafiando com seus enigmas, lembrando que a linguagem é um bem cheio de dubiedade. Seria ele um escultor? Um modelador? E sua oficina: um arremedo de catedral gótica? E seu Oxossi, de arco e flecha, forma tensa e viril, que quer? “Confesso minha ignorância em relação a qualquer religião a não ser a católica”, afirma o senhor da Várzea, intuindo o mistério e coincidindo-o com o eixo do mundo, do universo. Um Oxossi, deus inquieto nas matas do Recife a procura do que jamais encontrará ou já encontrou e a prepara? Nessa caça, em busca da verdade, da beleza, do Absoluto; um xamã, um artista oci­dental na cidade-abis­mo aonde vai resvalando sem saber o que encontrará no fundo. Arrecife de ardores. Notáveis são também suas pinturas, onde ele é mais... naturalista, digamos assim. Mas até ali surge o Recife de terra, sangue, feitiço, cidade rio abaixo. Brennand: Pernambuco reproduzido na vã (?) tentativa de catálise, de eternidade, sexualizado, antropocósmico, de um lirismo ameno, na expressão de hor­ror e dor a encher de calmo júbi­lo o espírito, acreditando na sobrevivência da arte, na condição humana, num futuro com coração antigo. Um artista só, no coração de Pernambuco, forjando serres que nos entretêm e fazem pensar.



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