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segunda-feira, 15 de maio de 2017

LEITE DERRAMADO NO RECIFE: “merde alors”: Chico Buarque, é ótimo

Quando a música “Deus lhe pague” explodiu de maneira apoteótica nas caixas de som do teatro, ontem, depois do espetáculo de uma hora e pouco, eu me levantei e aplaudi emocionado a montagem do Club Noir (SP)para o livro de Chico Buarque, no Teatro Santa Isabel, que titubeou entre o estridente, a omissão e o bom espetáculo ao exibir um homem narrando a história da sua família através de séculos neste Brasil velho de guerra, leia-se Rio de Janeiro, e no final dizendo que estava enganando o leitor (no caso em questão, o espectador); mas cadê o homem (personagem não é pessoa) chorando pitangas (comendo-as?), também, por uma mulher que ele supunha traidora, ou não. Chico Buarque sempre termina sendo ele mesmo. O prêmio principal deste livro causou imensa polêmica ao ser entregue. Era LEITE DERRAMADO que chegava (que bom!) ao teatro de Santa Isabel, Recife, como parte da programação do festival Trema! de teatro (parabéns a todos os envolvidos).


Quando o livro ganhou o Jabuti foi um auê: a Câmara Brasileira do Livro (CBL). Recebeu críticas de Laurentino Gomes e Cristóvão Tezza, dentre outros laureados em edições anteriores, que pediam “regras mais claras” para a escolha do vencedor, no caso Leite Derramado (publicado pela indefectível Companhia das Letras), pois Chico Buarque havia ficado em segundo lugar na categoria Romance na primeira fase do prêmio, em primeiro lugar estava Se Eu Fechar os Olhos Agora (da editora Record), de Edney Silvestre. Houve uma gritaria e a criação de uma petição online, intitulada “Chico, devolve o Jabuti!”, com quase 6 mil assinaturas de intelectuais!); pois é.




A obra continua polemizando. A adaptação, engajada, diga-se de passagem, simplesmente cortou um dos eixos centrais da trama; eles tinham avisado que queriam dar um viés mais político, mas... tirar a figura central feminina foi quase co mo tentar reescrever o Dom Casmurro sem Capitu.
Tratar o brasileiro pela decadência social e econômica e jogar o narrador, que está velho está num leito de hospital público, apesar de ser “membro de uma tradicional família brasileira”, eis a estratégia na composição do romance que se mune do monólogo interior, traz as marcas do jeitinho brasileiro que Chico manipula tão bem por ter passeado pela elite e louvado o povão por mais de 50 anos na sua obra louvável. Seu sujeito poético, sua verve teatral, está tudo ali. Mas vejam o pecadilho desta adaptação para o teatro: a obsessão pela figura feminina, tão presente em Chico, conhecedor de tantas mulheres, esvaziou-se; sim antes de mamar, parece que os que adaptaram a obra tiveram FASTIO, ao ver o líquido já amarelado, ali naquelas páginas mudas do livro, como o leite de Matilde, no balcão da pia, no ato da amamentação.
Assim, o jogo montado ao redor da mulher-fatal, desmorona, em nome de alegorias outras como uns bichos, que parecem moscas, ou mesmo numa nudez masculina que conduz o espectador por vieses diversos à obra original, mesmo que se justifique em nome da adaptação teatral que não deixa de ter o seu lado encantador e engajado. Do palacete à favela, passando por uma Copacabana do início do século passado , com notas sarcásticas sobre uma igreja evangélica popular, que a mãe dele trataria como gente desclassificada, sentimos, na platéia do nosso querido Santa Isabel, a ausência de Matilde e do leite derramado por ela, do ciúme doentio do narrador-marido, no seu mergulho sócio-psicológico entre a poesia e o picaresco . Como o jogo de cena e os atores estavam ontem? O início do espetáculo demorou algum tempo para fazer a ideia central decolar. A pantomima inicial foi uma opção um tanto problemática, embora no contexto ela seja justificável. Personagens como o engenheiro francês Dubosc, e seu mote “merde alors” (algo como dá em merda, ou o calão “porra”) ficam (não muito diferente do original) patinando na superfície, na obviedade. Mas quem sou eu para dizer tal coisa se o próprio Chico Buarque abençoou a adaptação do seu romance pelo autor e diretor Roberto Alvim, que trabalhou no texto durante um ano produzindo 7 versões?
Aplaudi e aplaudiria novamente.

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