por moisemonteirodemeloneto
https://profmoisesneto.blogspot.com.br
Assistir à peça CONTRAÇÕES fez de mim uma pessoa melhor. O teatro faz isso comigo.
Acompanho o movimento teatral do Brasil há décadas. Sempre que viajo pelo mundo
eu vejo teatro em outros países também. Lembro das minhas incursões pelo teatro
no mundo árabe, na “Broadway” do Cairo. Ontem testemunhei Yara de Novaes, a quem
conheci, há alguns anos no Recife, e Débora Falabella (já a vi em cena com Noites Brancas, texto baseado no romance
da fase romântica de um dos meus mestre na adolescência, Dostoievski) numa das
melhores experiências, não somente na dramaturgia, mas também da encenação,
cenografia (André Cortez), iluminação (Alessandra Domingues) , trilha sonora
(Dr. Morris). O texto de Mike Bartlett, traduzido por Sílvia Gomez, mais do que
uma grande construção, é uma radiografia do ser humano das mais cruéis que já
vi em cena. Escolher e interpretar um texto desse tipo faz de um ator um
sacerdote. Débora e Yara receberam o prêmio APCA de melhor atriz em 2013. A priemira
interpreta Emma, funcionária e perseguida ferozmente por sua chefe numa magnífica
empresa. A direção de Grace Passô usa o imbróglio criado pelo dramaturgo
inglês, Bartlett (um nome a ser escrito com fogo) para atingir com maestria situações de
pressões intensas, na corrida por um salário ótimo, e para praticamente
oferecem, como a maioria de nós, em holocausto (com o perdão da esdrúxula
comparação).
São desferidos vários “golpes de teatro” (do francês coup de théâtre, golpe de teatro, peripécia,acontecimento imprevisto; alteração súbita de uma situação, tal como acontece no desenrolar de uma peça teatral), como na hora em que
Emma, já transtornada pelo assédio em seu nível mais profundo que um empregado
pode sofrer, pergunta à chefe: “você me convenceu que não haveria emprego
melhor não foi?”, e esta, depois de uma pausa que me lembrou a interpretação (e
caracterização) de Sean Young em Blade
Runner, filme baseado em um romance de Philip Dick, que eu adoro, diz, gélida um ambíguo “não”, existencialista.
O que estamos
fazendo com nossas vidas para ganhar o pão nosso de cada dia é levado à cena de
maneira crua e fria. TODOS OS RISOS DA PLATEIA FORAM NERVOSOS, estranhamente
nervosos. É um tiro certeiro que chega ao patético quando Emma desenterra o
bebê, pois a chefe diz que uma certidão de óbito não basta. O fato do algoz não
ter nome é inquietante (você pode colocar aquele chefe cruel que todos já
tivemos ali, naquele drama poderoso'. Falar em sistema opressor parece pouco diante da
magnitude da visão de mundo deste autor, desta obra. Saímos chocados e fomos a
um restaurante japonês ainda sem acreditar no que tínhamos visto. Maldade e
entrega (con)fundindo-se naquele
momento teatral tão profundo e sintético. Yara deu um depoimento que esclarece
o que sinto em relação ao espetáculo: “não me deixo afetar pela maldade de minha
personagem; eu a represento, apenas. Não me misturo com ela. Personagens como a
Gerente precisam ser representadas para que nós e o público reflitamos sobre o
seu papel social. Não há nela nenhuma psicologia ou interioridade, uma história
pessoal, questionamentos existenciais, etc. Ela é a representação de um sistema
manipulador e opressivo. Fico muito feliz em expor publicamente personagens
desse tipo''.
Emma vai à bateria e improvisa solos musicais devastadores. A direção expõe os técnicos como figurantes de luxo de uma cena incrível em sua precisão e astúcia. Os efeitos com fumaça, por exemplo, são, digamos assim, tantalizantes. E os truques que exibem o terror e, talvez a necessidade da psiquiatria, são tão intensos que beiram o ridículo, o absurdo, o insólito...
Emma vai à bateria e improvisa solos musicais devastadores. A direção expõe os técnicos como figurantes de luxo de uma cena incrível em sua precisão e astúcia. Os efeitos com fumaça, por exemplo, são, digamos assim, tantalizantes. E os truques que exibem o terror e, talvez a necessidade da psiquiatria, são tão intensos que beiram o ridículo, o absurdo, o insólito...
O terror e o insólito mesclados a uma lógica descontrutivista de alto quilate: CONTRAÇÕES, Emma bota para fora o que muitos ocultam na luta pelo sucesso
Não é só o trabalho que é colocado em xeque. É o ser humano, de maneira atroz e, horror dos horrores: DIVERTIDA. Triste de quem sorrir. Parece a cena que Hamlet segura o crânio de Yorik. Cruzes!
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