por Moisés Monteiro de Melo Neto*
Não
devemos nos calar perante a perversidade dos adversários! Estávamos a discutir
isto e sobre como Marx buscou em Hegel o conceito de alienação e os franceses
teceram um significado bem próprio par a palavra engajamento. Conversando com o
artista Lailson, no dia 1º de agosto, debatendo como minha amiga a psicanalista
Edineide Silva, chegamos a pontos interessantes sobre certos aspectos que giram
em torno destes temas e suas transversais como a da identidade de gênero e o
compromisso social da arte, pode-se ensinar deleitando? Penso agora na
dramaturgia tecida em Recife. No meu caso, trinta anos de experiência, nem sempre
procurei algo que fosse só para ensinar ou deleitar o meu público. Sempre amorodiei o Recife além de toda
repressão, liberdade e libertinagem contida neste lugar e sempre quis expressar
a minha opinião sobre o que é viver aqui, como escritor, professor, brincante, amante, intelectual etc. Quem,
hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem
de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem de escrever a
verdade, muito embora, por toda parte, esta seja reprimida; tem de ter a argúcia de
reconhecê-la, muito embora, por toda a parte, ela seja encoberta; tem de
ter a arte de a tornar
manejável como uma arma; tem
de ter capacidade de ajuizar, para selecionar aqueles em cuja, mãos ela será
eficaz; tem de ter o engenho de a difundir entre estes, sugeriu-nos
Brecht. Penso agora na minha relação entre teatro e política e faço aqui
um desnudamento, em meio a esta “crise” que o capitalismo nos impõe como se
fosse outro o vilão (ou os vilões, não gosto de maniqueísmos, enfim),
responsável pela súbita decadência do projeto FHC/ Lula/ Dilma. Vamos ver: o
artista engajado protesta publicamente, não é? O alienado fica sentado
esperando a crise passar. Uma peça com um final aberto deixa a plateia
inquieta. Nem trágico nem cômico: o dramaturgo recifense está nu. Não há
concursos que estimulem sua criação, não meios que o divulguem; será que não
temos assunto para nos vestir? E você aí, leitor: é engajado, alienado ou está por fora, está noutro aplicativo? Permaneço eu mesmo. Infiel
aos meus princípios? E os que ficam a planejar na moita, hein? E o silêncio? É
covardia ou ato de coragem? Com tanto oba
oba, incensando o dogmatismo e a tradição que coloca bruxos na fogueira do
século XXI. Nunca busquei o esteticismo,
a peça de teatro não é pura, ela se mistura com a vulgaridade do mundo. Ela é
instrumento de poder. Bernard Shaw sempre trabalhou a polifonia de forma
exemplar, não podemos demonizar ninguém nem louvar canalhas. Eis o paradoxo. Os
dramaturgos no Recife estão calados? Não. Eu me disponho a sujar minhas mãos
com o sangue metafórico da Cena; espero que os excluídos sintam-se indignados
pela exclusão; as volantes e os cangaceiros têm lá suas razões, e bem sei o
quão terrível é, para a sociedade, o cidadão alienado a repetir discursos que a
Ideologia dita impunemente. Pegar o Um Bonde
chamado Desejo andando não é mole, vamos combinar, mas o totalitarismo que
certo tipo de capital e a cibernética estão ditando merece uma tradução em
nossos palcos; o palhaço impotente diluído na massa recifense, invadindo
terreno, roubando energia elétrica e água, ou observando as torres de luxo
sendo erguidas, só reclama para adiar o silêncio no Feudalismo Pernambucano,
preconceituoso em suas raízes; na esperança está a ciência da dramaturgia, o resto é desespero, a ordem em meio à lama
e ao caos, a peça de teatro é mais plausível que a vida e um palco é um bom
lugar para um julgamento. Por isso conclamo: dramaturgos da minha cidade,
unamo-nos! Não precisamos ficar nus nem estamos mortos! A vida é cruel, o
teatro é mais! Chega de indignidade! Essa indignidade é sempre o que fazem com
a gente, um mea culpa quase nunca
ninguém faz, e quando vem um, há sempre a desculpa de que foram as
circunstâncias, a maldade alheia... Mas,
às vezes, o monstro escapa do nosso
controle, mas não devemos apoiar monstruosidades, nem aplaudir a fera; a
covardia é pior do que o pessimismo. Ah! Escrevo para me inventar. Somos seres
de linguagem. Começo a escrever com uma narrativa pré-verbal que busco dentro e
fora de mim: grunhidos, suspiros, gritos, sussurros etc. Nus, mortos,
entorpecidos e apáticos? Talvez, mas ainda dou primazia ao pensamento sobre a
ação, ao macro sobre o micro, de olho na necessidade de limites; o peso da
disciplina que barra um agir livre, que sufocou tantas vezes minha aparente
revolta, mas por dentro eu sempre soube que realizo o possível. Muitas coisas podem ser feitas, além de
transmitir nossa indignação. Os neutros eu cuspirei. Devemos despertar o
público do seu cochilo. Queremos autores como Henrique Amaral com textos em
cena em nossas lojas de espetáculo. Duvido
um pouco de conceitos totalizantes sobre “certo” e “errado”. Como esta
“certeza” está vinculada ao poder (político, econômico, social, afetivo,
sexual, etc.)? Nunca fui contra a fome do capital, apenas não suporto muito bem
as suas, digamos assim, torturas.
Devemos tentar entender a vida não apenas pelo conhecimento dividido das épocas
passadas, o que foi, mas
sim pelo que já não somos ou pelo que poderemos ser. Vendo o teatro de Samuel
Santos, eu me fortaleço interrogando o espaço (político, sensual, mítico e
real) que nos cerca. Textos teatrais são como embarcações:
espaços flutuantes lançados na imensidão das águas são reflexos, como este
agora o é, dos outros textos que leio, ouço e sinto no mundo. Gosto de ver as
análises de José Francisco, Carlos Bartolomeu, Wellington Júnior, Breno
Fittipaldi, José Manoel Sobrinho (disse-nos ele:
“considero a literatura hoje uma das linguagens mais instigantes”); dramaturgia
é o espaço do possível de ruptura com a noção primitiva do tempo. A linguagem
da dramaturgia supera o tempo (embora uma peça aconteça dentro dele):
realizando, e desrealizando, busca
nas palavras a presença dos seres; é literatura como sendo um “outro” lugar, um
acesso a um mundo onde se pode enxergar o que não
se deveria ver: uma
experiência extrema do pensamento. O buraco da fechadura nelsonrodriguiano. O dramaturgo reinventa as palavras, desliza
entre os sentidos, penetra espaços, habita neles, sem se fixar num lugar, sem
estar em terra firme, o texto no palco segue rumo ao horizonte da compreensão,
do espectador ser enquanto ser múltiplo, plural, mutante, em comunhão com a
cena. Temo que ao ansiar pela expressão de uma nova mecânica de poder eu rasure ou... reforce, ao mesmo
tempo, certos valores antigos que se embutem, de alguma forma, às minhas
estratégias de composição e divulgação de textos. Alienação é o contrário do
engajamento?
Recife, agosto de 2016
*Moisés Neto (professor, pesquisador,
escritor, Doutor em Letras pela UFPE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário