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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Escrever: engajamento e alienação QUESTÃO DE MANIQUEÍSMOS? Os nus e os mortos


                                    por Moisés Monteiro de  Melo Neto*




           Não devemos nos calar perante a perversidade dos adversários! Estávamos a discutir isto e sobre como Marx buscou em Hegel o conceito de alienação e os franceses teceram um significado bem próprio par a palavra engajamento. Conversando com o artista Lailson, no dia 1º de agosto, debatendo como minha amiga a psicanalista Edineide Silva, chegamos a pontos interessantes sobre certos aspectos que giram em torno destes temas e suas transversais como a da identidade de gênero e o compromisso social da arte, pode-se ensinar deleitando? Penso agora na dramaturgia tecida em Recife. No meu caso, trinta anos de experiência, nem sempre procurei algo que fosse só para ensinar ou deleitar o meu público. Sempre amorodiei o Recife além de toda repressão, liberdade e libertinagem contida neste lugar e sempre quis expressar a minha opinião sobre o que é viver aqui, como escritor, professor, brincante, amante,  intelectual etc. Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem  de escrever a verdade, muito embora, por toda parte, esta seja reprimida; tem de ter a argúcia de  reconhecê-la, muito embora, por toda a parte, ela seja encoberta; tem de ter a arte de a tornar manejável como uma arma; tem de ter capacidade de ajuizar, para selecionar aqueles em cuja, mãos ela será eficaz; tem de ter o engenho  de a difundir entre estes, sugeriu-nos Brecht. Penso agora na minha relação entre teatro e política e faço aqui um desnudamento, em meio a esta “crise” que o capitalismo nos impõe como se fosse outro o vilão (ou os vilões, não gosto de maniqueísmos, enfim), responsável pela súbita decadência do projeto FHC/ Lula/ Dilma. Vamos ver: o artista engajado protesta publicamente, não é? O alienado fica sentado esperando a crise passar. Uma peça com um final aberto deixa a plateia inquieta. Nem trágico nem cômico: o dramaturgo recifense está nu. Não há concursos que estimulem sua criação, não meios que o divulguem; será que não temos assunto para nos vestir? E você aí, leitor: é engajado,  alienado ou está por fora, está noutro aplicativo? Permaneço eu mesmo. Infiel aos meus princípios? E os que ficam a planejar na moita, hein? E o silêncio? É covardia ou ato de coragem? Com tanto oba oba, incensando o dogmatismo e a tradição que coloca bruxos na fogueira do século XXI.  Nunca busquei o esteticismo, a peça de teatro não é pura, ela se mistura com a vulgaridade do mundo. Ela é instrumento de poder. Bernard Shaw sempre trabalhou a polifonia de forma exemplar, não podemos demonizar ninguém nem louvar canalhas. Eis o paradoxo. Os dramaturgos no Recife estão calados? Não. Eu me disponho a sujar minhas mãos com o sangue metafórico da Cena; espero que os excluídos sintam-se indignados pela exclusão; as volantes e os cangaceiros têm lá suas razões, e bem sei o quão terrível é, para a sociedade, o cidadão alienado a repetir discursos que a Ideologia dita impunemente. Pegar o Um Bonde chamado Desejo andando não é mole, vamos combinar, mas o totalitarismo que certo tipo de capital e a cibernética estão ditando merece uma tradução em nossos palcos; o palhaço impotente diluído na massa recifense, invadindo terreno, roubando energia elétrica e água, ou observando as torres de luxo sendo erguidas, só reclama para adiar o silêncio no Feudalismo Pernambucano, preconceituoso em suas raízes; na esperança está a ciência da dramaturgia, o resto é desespero, a ordem em meio à lama e ao caos, a peça de teatro é mais plausível que a vida e um palco é um bom lugar para um julgamento. Por isso conclamo: dramaturgos da minha cidade, unamo-nos! Não precisamos ficar nus nem estamos mortos! A vida é cruel, o teatro é mais! Chega de indignidade! Essa indignidade é sempre o que fazem com a gente, um mea culpa quase nunca ninguém faz, e quando vem um, há sempre a desculpa de que foram as circunstâncias, a maldade alheia...  Mas, às vezes, o monstro escapa do nosso controle, mas não devemos apoiar monstruosidades, nem aplaudir a fera; a covardia é pior do que o pessimismo. Ah! Escrevo para me inventar. Somos seres de linguagem. Começo a escrever com uma narrativa pré-verbal que busco dentro e fora de mim: grunhidos, suspiros, gritos, sussurros etc. Nus, mortos, entorpecidos e apáticos? Talvez, mas ainda dou primazia ao pensamento sobre a ação, ao macro sobre o micro, de olho na necessidade de limites; o peso da disciplina que barra um agir livre, que sufocou tantas vezes minha aparente revolta, mas por dentro eu sempre soube que realizo o possível.  Muitas coisas podem ser feitas, além de transmitir nossa indignação. Os neutros eu cuspirei. Devemos despertar o público do seu cochilo. Queremos autores como Henrique Amaral com textos em cena em nossas lojas de espetáculo. Duvido um pouco de conceitos totalizantes sobre “certo” e “errado”. Como esta “certeza” está vinculada ao poder (político, econômico, social, afetivo, sexual, etc.)? Nunca fui contra a fome do capital, apenas não suporto muito bem as suas, digamos assim, torturas. Devemos tentar entender a vida não apenas pelo conhecimento dividido das épocas passadas, o que foi, mas sim pelo que já não somos ou pelo que poderemos ser. Vendo o teatro de Samuel Santos, eu me fortaleço interrogando o espaço (político, sensual, mítico e real) que nos cerca. Textos teatrais são como embarcações: espaços flutuantes lançados na imensidão das águas são reflexos, como este agora o é, dos outros textos que leio, ouço e sinto no mundo. Gosto de ver as análises de José Francisco, Carlos Bartolomeu, Wellington Júnior, Breno Fittipaldi, José Manoel Sobrinho (disse-nos ele: “considero a literatura hoje uma das linguagens mais instigantes”); dramaturgia é o espaço do possível de ruptura com a noção primitiva do tempo. A linguagem da dramaturgia supera o tempo (embora uma peça aconteça dentro dele): realizando, e desrealizando, busca nas palavras a presença dos seres; é literatura como sendo um “outro” lugar, um acesso a um mundo onde se pode enxergar o que não se deveria ver: uma experiência extrema do pensamento. O buraco da fechadura nelsonrodriguiano. O dramaturgo reinventa as palavras, desliza entre os sentidos, penetra espaços, habita neles, sem se fixar num lugar, sem estar em terra firme, o texto no palco segue rumo ao horizonte da compreensão, do espectador ser enquanto ser múltiplo, plural, mutante, em comunhão com a cena. Temo que ao ansiar pela expressão de uma nova mecânica de poder eu rasure ou... reforce, ao mesmo tempo, certos valores antigos que se embutem, de alguma forma, às minhas estratégias de composição e divulgação de textos. Alienação é o contrário do engajamento?

Recife, agosto de 2016

*Moisés Neto (professor, pesquisador, escritor, Doutor em Letras pela UFPE)


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