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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Político executado na Coreia do Norte e a condenação à morte em vida de Dilma

Coreia do Norte, urgente: o líder Kim Jong-um mandou executar  o vice-primeiro-ministro e  chefe da Educação Kim Yong-jin, 63 anos, porque ele cochilou durante uma reunião, isto foi considerado uma atitude  antirrevolucionária, também se diz que ele teria traído o governo; outros dois políticos tiveram o mesmo destino. Kim está no poder desde a morte do pai, em 2011.
No Brasil, hoje, os senadores vão detonar a última esperança de Dilma.


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Café Society: o riso perverso do judeu estadunidense Woody Allen

por moisesmonteirodemeloneto


Kristen Stewart e Jesse Eisenberg no novo Allen



Café Society tem algo de Tristão e Isolda pós-moderno: tio confia em sobrinho e tem sua amante roubada por uma paixão louca. Mas isso nas mãos do judeu estadunidense Woody Allen é pura satisfação para os espectadores que riem das tiradas cômico-violentíssimas ao som de um ótimo jazz que só Mr. Allen faz com maestria e me emociona e instrui desde que sou adolescente. Ontem fui ver esse último tiro dele e ainda estou satisfeito até agora, depois dessa noite maravilhosa de sonho com a Hollywood e a Nova York que só encontramos assim na obra dele. Um milagre este homem produzir um filme por ano. Há quem diga que ele só deveria fazer filme a cada 2 ou 3 anos e fazer melhores filmes , ao que ele responde: faço muitos, talvez um preste. modéstia deste gênio, lenda viva da cena na tela prateada. A fotografia de Vittorio Storaro ( estonteante): lembram de Último Tango em Paris (1972), Apocalypse Now (1979), O Último Imperador (1987)? Pois é: GENIAL! No elenco temos a vampiresca Kristen Stewart (do insosso Crepúsculo e da problemática versão de ON THE ROAD, do meu amado Jack Kerouac), Jesse Eisenberg, Corey Stoll (do inspirador, no caso do nosso Brasil, House of Cards) e Blake Lively (do duelístico Águas Rasas), em atuações boas. Allen é autor do roteiro, claro.


Eis o enredo: o judeu Bobby (Einsenberg), alterego de Woody, vive nos violentos anos 30, quer ser subir na vida pais, conta também com um irmão gângster; vai a Los Angeles, pedir ajuda  ao tio Phil Stern (Steve Carell), agente de astros do cinema, lá começa um affair hilário com a secretária Vonnie (Kristen). Começa então o tiroteio perverso de Allen: tiradas como: “O mundo é uma comédia escrita por alguém bem perverso” (!); ou  piadas tendo como tema o povo judeu; do tipo assim:  , “Era só o que me faltava, uma prostituta judia”  e vai esquentando nosso sangue danado com algo na linha: “ (judeus) Comem tudo bem passado para matar todos os vermes” . Aí, depois de levar o fora da ex-vampira (Kristen) ele topa com  Veronica (Blake Lively). Hollywood já está representada em outros filmes de Woddy: A Era do Rádio, Meia-Noite em Paris (2011) e agora este delicioso CAFÉ SOCIETY. O Blog indica 

domingo, 28 de agosto de 2016

Vento Forte Para Água e Sabão: 60 minutos de prazer para jovens de todas as idades



por moisés monteiro de melo neto



Neste domingo tivemos o prazer de ir ao Teatro Barreto Júnior, que passou muito tempo fechado e agora reabre suas portas ao público. Resta ainda que os artistas, e mesmo a cidade do Recife reivindique o espaço no terreno em frente ao teatro e ali seja aberta uma espécie de praça (que está no plano do teatro feito nos anos 80, época da sua inauguração). Que coisa boa ir ao teatro no Recife numa tarde de domingo, um teatro fora do centro da cidade; um teatro da Prefeitura da Cidade. Reencontrar Horácio Falcão, Fernando e tantos outros funcionários que dedicam suas vidas a este ofício tão magnânimo.  Fomos assistir ao musical Vento Forte Para Água e Sabão, dedicado à infância e juventude.

Moisés Monteiro de Melo Neto e André Filho 

foto: Telma Virgínia


O elenco de primeira: Tiago Gondim (uma potência do nosso teatro), Daniela Travassos, Geysa Barlavento (queridíssima atriz do vitorioso musical Sonho de Primavera, talento ímpar e amor incontestável ao que faz, e faz sempre muito bem feito), Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras fazem um trabalho ímpar onde se nota uma preocupação toda especial com o lúdico e o poético que só quem tem a experiência de um grupo, como é o caso do diretor André Filho, pode exercitar com maestria. Não é uma dramaturgia convencional, esta que mostra a história de uma amizade entre uma bolha de sabão (Bolonhesa) e Arlindo, uma rajada de vento; ela vestida de princesa e ele de caboclo de lança. Ela sabendo dos riscos que corre por ser uma bolha, tinha decidido se afastar dos riscos da vida e ficar à parte, com medo do mundo, ele é o irreverente e um tanto atrevido; esse explosivo encontro constitui o fio dessa meada. Uma criança atrás de mim (a mãe ficava “traduzindo” o que estava no palco, pediu silêncio à mãe e fez a sua leitura muito mais profunda da trama). Arlindo e Bolonhesa curtem a efemeridade da vida (ela aprende que um dia vai se transformar e começa a aceitar isso em meio à diversão e cumplicidade, numa espécie de amor peculiar); às crianças é oferecida uma forma a mais de curtir nossa existência; e isso se dá através de personagens inusitados como é o caso, por exemplo, de um sorvete de café (Angeiras, numa performance notável) e um de limão (Chitunda, está ótimo). Os pequenos saem do teatro com a sensação vivenciada de que a amizade faz valer a pena nossas vidas e nos dá força para enfrentar nossos medos com força e vitalidade.  


Vento Forte Para Água e Sabão: 

elenco afinado, simplicidade grandiosa



O texto de Giordano Castro e Amanda Torres opta pela costura em retalhos brilhantes e extremamente significativos. A direção geral ​e músicas de André Filho, a direção musical de Samuel Lira (uau!), a direção de arte de João Denys e Manuel Carlos, tudo colabora para uma experiência gratificante para a valorização das artes cênicas no que toca à parte dedicada à infância e juventude.
No mais temos a direção de produção de Daniela Travassos. Iluminação de João Guilherme de Paula. Operação de luz de João Victor. Preparação corporal de Jefferson Figueirêdo.
Fotografia e produção executiva de Renata Teles
A Companhia Fiandeiros de Teatro está de parabéns pelos 60 minutos de prazer aos jovens de todas as idades que querem curtir coisa boas no Teatro.

Lemos no Domingo (“Estou com preguiça do Brasil”)



por Moisés Monteiro de Melo Neto


publicado anteriormente na Revista LeMangue


Moisés Monteiro de Melo Neto e Gilvan Lemos, Praça Maciel Pinheiro (Recife)Lá atrás pode-se ver parte da casa onde morou Clarice LispectorEste artigo foi publicado antes da morte do autor que nasceu em São Bento do Una-PE)




Que Pernambuco nunca foi condescendente com seus escritores, sabemos muito bem. LeMangue escolheu Gilvan Lemos, dentre os três maiores romancistas da terra dos altos coqueiros, Luzilá e Carrero são os outros dois, para traçar o perfil do que está acontecendo nesta área tão inóspita e espinhosa: as letras. Foi em um domingo nublado e frio do mês de maio. Através da janela do apartamento dele vinha o som dos sinos da Igreja da rua da Imperatriz onde fiéis iniciavam uma procissão Mariana.Com vocês, Gilvan Lemos.
Nascido no dia 1° de julho de 1928 em São Bento do Una agreste meridional de Pernambuco a 239 Km do Recife, lugar que, segundo ele ficou “protegido” de manifestações folclóricas, pelo menos durante as décadas de30 a 50. Outra curiosidade é que o rio Uma, de acordo com Gilvan, ficava às vezes seco durante meses e meses.
Gilvan cursou apenas o primário (ensino fundamental 1). Durante a sua adolescência foi vítima de uma conjuntivite primaveril. Sua mãe o ajudava, pois, quando acordava seus olhos estavam cheios de secreções das quais só se livrou depois dos vinte anos. Isto seria o começo de uma vida reclusa, ma non troppo: Gilvan chegou a fazer parte do time do futebol de São Bento e guarda saudades de alguns bons amigos de lá. Porém ele afirma ter sido este um dos motivos que o afastou de relacionamentos amorosos mais duradouros. Ele se perguntava “quem gostaria de namorar com um rapaz assim?”.


PRÊMIOS

Em 1949 quando desembarcou definitivamente no Recife morou em diversas pensões e sua vida começou a se aliviar quando entrou para o funcionalismo público. Em 1956 ganhou o segundo lugar, com o romance “Noturno sem música” em um concurso promovido pelo Governo do estado de Pernambuco.
“Noturno sem música”(1956) foi escrito entre 27 de março de 1951 e 6 de maio do mesmo ano. Versa sobre um triângulo amoroso: o amor de um adolescente, Jonas e uma mulher casada, Marta. A mãe do protagonista, Inês, suicidara-se em um acesso de loucura e o rapaz foi criado por um tio solteirão. Jonas, nome emblemático, é atormentado por um monstro diferente do seu xará da Bíblia: pelo seu passado.
É indiscutível a motivação que o escritor pernambucano Osman Lins ofereceu a Gilvan Lemos, a quem se referiu, ainda antes da publicação de “Noturno sem música”, como sendo “dentre os romancistas que conheço, o mais prodigamente dotado” e disse sobre o original de noturno que aquele era “um dos melhores romances já produzidos pela ainda incipiente novelística pernambucana. Situado na linha de Graciliano Ramos no que diz respeito a ambientes e experiências semelhantes e não como um satélite ou um aluno bisonho”. Osman incentivou Gilvan a participar de concursos literários e oferecer seus livros a editoras nacionais, justificando que não fazia o menor sentido publicar no Recife.
Em 1968, seu romance “Emissários do diabo”(1968) ganhou o Othon Bezerra de Melo, prêmio da Associação Pernambucana de Letras. O livro trata da ambição pelo latifúndio, a disputa entre famílias e o crime tendo como paisagem o Nordeste.
1974 é o ano do seu primeiro livro de contos: “O defunto aventureiro”, que obtivera menção honrosa no prêmio José Lins do Rego em 1965. Inclui os contos: “Um encontro”; “Viagem”; “A vingança” e “A desforra”, dentre outros.
Em 1981 recebeu o Prêmio Érico Veríssimo com o romance “O anjo do quarto dia”(1976) que tem como eixo central a ambição desmedida de Oricão, uma espécie de coronel do interior completamente sem escrúpulos na sua sede de poder. O tal anjo seria o espírito do filho de uma mulher pobre, Ana, vítima do preconceito social.
Gilvan tem 19 livros publicados.



ARIANO E O FOLCLORE

Sobre a influência do folclore ou artistas populares na sua formação e possível influência em sua obra, ele nos conta que quando os famosos cantadores chegavam à cidade eram recebidos alternadamente com indiferença e zombaria. Nosso entrevistado também aponta a ausência da influência afro na sua cidade natal: “eram uns poucos afro-descendentes residentes na cidade, uns três: “Luiz engraxate, Ciço Preto e Joaquim Preto, o varredor de ruas, os outros só na feira semanal do sábado, quando saíam de suas comunidades e vinham vender suas coisas.
Gilvan é antes de tudo um iconoclasta: “Esta história de Ariano Suassuna desprezar a dança de Michael Jackson dizendo que prefere a dança de Nijinski, uma é popular e a outra é clássica. Esta comparação é imbecil e contraditória.  Ele louva o Mestre Salustiano, não seria o caso de contrapormos a Salu um violinista clássico?Agora ficam estes caras insistindo, explorando estas danças, estas coisas. E o fato dele valorizar somente os que o bajulam? como por exemplo, este autor de “Lavoura arcaica”, isto vem um pouco deste cara ter ido lá bajulá-lo.”
Aos desavisados: calma. Em sua literatura, Gilvan vem combatendo o colonialismo americano e a exploração das classes menos favorecidas, pelos que detêm o capital. Em seu romance “O anjo do quarto dia” chega a desmascarar a farsa da religião através de Oricão, que como já dissemos, era uma espécie de coronel de cidade do interior, corrupto e corruptor. Em “A lenda dos Cem”(1995) (ler resenhas no final da matéria) Gilvan esboçou um panorama da situação dos índios em Pernambuco: crime e alienação cultural mesclam-se a uma reconstituição de época desde 1922 e ao testemunho histórico sobre o golpe de 64. “Em São Bento não tínhamos índios, mas havia uns tipos que sabíamos ser descendentes diretos deles e havia histórias de fazendeiros que tomaram terra das tribos, embriagando e roubando”. Sobre este romance assim falou Ênio Silveira: “A narrativa se vê enriquecida, sempre, por uma galeria de personagens marcante cujos feitos, bons ou maus, nobres ou torpes, oscilam entre a realidade e a fantasia com a força imortal dos mitos que, ao longo dos milênios, da antiga Hélade ao sertão pernambucano têm dado cor e temperatura à condição Humana. A linguagem de Gilvan independentemente dos ritmos de que lança mão para acompanhar os diversos andamentos da narrativa, paira sempre entre a austera sobriedade  que convém ao épico, e a riqueza barroca de detalhes, que convém ao delírio tropical. A lenda dos cem é um romance que nos arrebata pela sucessão de eventos dramáticos, pela riqueza do elenco, pela seqüência admirável de cortes narrativos, pelos choques entre o bem e o mal que nem sempre punem os culpados e compensam os deserdados da sorte e da justiça. Poderia ser um mega-sucesso se transformado em filme”



RECIFE NÃO MUDOU EM RELAÇÃO AOS SEUS AUTORES

Hoje Gilvan, que mora em um confortável apartamento no centro do Recife, acha que a política só merece ser criticada e por isso ele não tem preferências políticas, anda desiludido com a esquerda, se bem que sempre a olhou com ressalvas.
Com um sorriso brincalhão Gilvan nos conta que não tem produzido nos últimos meses e quando o interrogamos sobre o motivo ele solta um “está tudo muito chato, chatérrimo”, com um certo fastio misturado com provocação (bem ao seu estilo). Ele se acha um cara marcado. Cita casos de romances seus que tiraram primeiro lugar em concursos nacionais e logo na hora da publicação veio a falência da editora encarregada. Ou ainda a tradução de seu romance para o francês, após ser citado no Le Monde como uma grande obra, e tudo terminar não acontecendo, e ele saber muito tempo depois, por causa da abertura (“O anjo do quarto dia”): acharam que o romance estava “datado” e não interessaria mais ao leitor francês.
São muitas histórias, desde a adolescência como escoteiro, o time de futebol de São Bento, e a conjuntivite primaveril que o acompanharia até os vinte anos, a vinda para o Recife.
São 11 romances e alguns livros de contos.
Com muita paciência e apostando suas fichas em publicações que estão em andamento, o próximo livro sairá pela editora Girafa. Agora aquele menino, o Marcelino Freire veio aqui em casa, faz um ano mais ou menos, me pediu uma obra para publicar. Eu entreguei e ele não deu mais resposta.
Nosso autor abre o jogo: “Recife continua igual àquela cidade em que cheguei na década de 50, vindo de São Bento: um cemitério, do jeito que Osman Lins me dizia que era e me aconselhava tanto a abandonar. Ele foi para São Paulo depois de batalhar muito por uma transferência do Banco onde trabalhava. Eu fiquei”.
Está no prelo mais um livro de Gilvan. Trata-se de “A era dos besouros”. A obra contém três novelas: “Ritual de danação”, “Alugam-se quartos” e “A era dos besouros”, a ser publicado pela editora Ateliê Cultural, que é capitaneada por Marcelino Freire.



CONTRA A HIPOCRISIA

O texto de Gilvan é marcado pelo repúdio à hipocrisia e ao jogo de interesses e mesquinharias. Obras como “Vingança de Desvalidos”(2001) ou “Os pardais estão voltando”(1983), trazem no bojo a idéia de revolta e indignação. Ele se mostra completamente avesso às badalações e ao que ele chama “literatice”: “Eu jamais sairia da minha casa para ir escutar um sujeito da uma palestra sobre a obra de `fulano´. Acho melhor tirar minhas próprias conclusões”. Mulatinho, um amigo meu reclama que eu vivo escondido. È o meu jeito. Sou nordestino no sentido maldito. Parta o Sul nós não existimos. Não dão valor, mesmo no meu caso que escrevi aqui e publiquei lá.”
Quando chegou ao Recife, Gilvan morou em pensões, como uma ao lado do antigo cinema Moderno, na Praça Joaquim Nabuco e que ele retratou em “A lenda dos cem”, e assim continuou até os anos 60, quando conseguiu emprego em um órgão público.
Seu primeiro romance vem da época em que tinha 17 anos: uma “brincadeira” de 700 páginas que foi completamente destruída por ele posteriormente.Vieram a seguir suas primeiras obras oficiais: “Noturno sem música”, que depois de ser desprezada em seu estado natal terminou ganhando um concurso nacional e foi publicada.
Foi somente com “Emissários do diabo” que Gilvan virou best-seller e ganhou fama nacional, vendendo cerca de 25 mil exemplares rapidamente e recebendo elogios de ninguém menos que Nelson Werneck Sodré, um dos maiores críticos que o Brasil já gerou. Se valeu a pena? Gilvan trata a si mesmo com modéstia: “Eu era muito provinciano, nem sabia o que estava conquistando. A minha literatura venceu mais pelo seu conteúdo do que pela forma- foi assim desde o começo.Não gosto desses romances de hoje. Parecem seguir fórmulas que nunca me interessaram. Ouvi falar em ‘O código DaVinci’, os que o defendem e toda esta celeuma. Eu não leio, não me interessa. Não li Paulo Coelho e não gostei também.”



INFLUÊNCIAS

Sobre suas influências, cita filmes como “Amacord” e “A estrada” (Fellinni) e autores como Jorge Amado (que ele diz ‘fácil de ler’) e Graciliano Ramos (especificamente “Infância”-perguntamos por quê? E ele respondeu que talvez por serem as memórias de Ramos tão diferentes das suas, que ele guarda com carinho, da sua infância). “Meus tios escreviam peças, meu pai e outros parentes representavam lá em São Bento. Lá, Em São Bento quase todo mundo é parente. Quem não é Valença é avalençado
Gilvan ainda não teve uma obra adaptada para o cinema, tv ou teatro, mas gostaria “pela publicidade, mas, vê com muitas ressalvas experiências do tipo “Lisbela e o prisioneiro” feitas por Guel Arraes, artista pelo qual nutre certo aborrecimento intelectual: “Esta obra inicialmente não foi escrita para uma comédia,e, principalmente, não no estilo Guel. Preferi nem assistir para não me contrariar. Eu era amigo pessoal de Osman e vi este texto quando ele foi escrito. A Lisbela escolhida por Paulo Autran e Tônia Carrero não tem nada a ver com a de Guel. Soube logo que ele ia esculhambar tudo”.
Lemos guarda algumas lembranças de Suassuna. “Eu freqüentava a casa dele. Ele sabia que eu era escritor, que havia ganho prêmios e tudo mais. No entanto me apresentou a uma visita lá, assim: ‘este é um amigo da minha irmã’. Ele só gostam dos que o bajulam. Ele nunca me citou. Cita um cara lá do Sul, só porque ele veio aqui para conhecê-lo. É disso que ele gosta: bajulação. Eu não faço isso. Carrero vivia lá. Eu não”. É como aquele Wilson Martins que resolveu me ignorar, obstinadamente.”
Conversar com Gilvan é respirar Pernambuco, embora ele negue qualquer nativismo quando ressalta que não, necessariamente a presença da cor pernambucana em sua extensa obra,e, sim, apenas “lembranças, pois escrevo sobre o que conheço”.
Seu estilo é marcado por: espontaneidade nos diálogos, segurança ao fixar tipos e ambientes, criar climas densos, dramáticos, misteriosos, criticar a passividade do povo do interior (de Pernambuco) diante da opressão. Não se preocupa muito com descrição de paisagens, o que só é feito para integrá-las ao lado da construção psicológica das personagens, zombar dos estrangeirismos e mesmo dos intelectuais do sul, ou, criticar a esquerda ou a direita. Puro ceticismo de um escritor radical, como poucos e que vem desafiando cânones de todos os tipos. E pagando um preço alto por sua irreverência.
“Livros meus como ‘ Morcego Cego’(Editora Record,1998) ficaram penando no prelo até serem lançados finalmente. Cansei das editoras nacionais. O pessoal da Bagaço e da Nossa Livraria me propôs editar meus livros e eu aceitei. Pronto: aí estão: ‘ Vingança de Desvalidos” e outros. Como ele encara os jovens de hoje? “Os jovens são sempre os mesmos. Lembro da minha época em que os mais velhos também criticavam as nossas preferências. Agora eu mesmo não me interesso muito por coisas como o Manguebeat, por exemplo. Nem por essas coisas que aparecem na tv.”
Poderíamos falar do Regionalismo na obra de Gilvan? Lembremo-nos da estréia de Guimarães Rosa na literatura nos anos 40 e posteriormente sua obra prima nos anos 50(Grande sertão: veredas). A pergunta que não calava era: está de volta o regionalismo?Guimarães oferecia uma joyceana contraproposta: mesclava o regional um experimento poético-lingüístico que inovava na transposição do universo do interior de Minas Gerais, entre o místico e o “causo” engraçado.
Gilvan secciona Pernambuco (opondo-o ao “Sul”). Ele não é paisagista, como os regionalistas românticos (Alencar, Taunay, Franklin Távora, Bernardo Guimarães) o foram. Sua paisagem é, um tanto quanto, nos moldes de Machado de Assis ou Graciliano: serve para descrever estados de espírito. Sua literatura às vezes parece querer zombar e fazer-se vingança e prazer. Em algumas passagens esta vingança parece fabulosa, sobrenatural, como em “O anjo do quarto dia” e na “Lenda dos cem”. O sarcasmo permeia tudo numa espécie de resistência.

SOMBRAS DO DESTINO.

“Noturno sem música”( adolescente torturado cuja mãe , louca, se suicida), publicado em 1956, chega ao seu cinqüentenário. Bodas de sangue ou de ouro para este solitário escritor? Estréia tímida: 500 exemplares bancados pelo autor. Quase nenhuma repercussão. A seguir veio “Jutaí Menino” (inicialmente “Jutaí Curumim” ), vencedor de um prêmio nacional e que recebeu elogios de Rubem Braga e Álvaro Lins.
Lemos diverte-se mais escrevendo do que com qualquer outra coisa  no mundo. Escreve para si mesmo. Vivacidade, surpresa, orgulho, permeiam seus personagens, que, em sua maior parte, vivem uma vida “emprestada” e são obcecados pelos seus demônios interiores. Seus conhecidos servem como modelo, às vezes, mas nunca o autor oferece uma “biografia completa”. Alguns dos “retratados” até gostam. Epos, ritmo narrativo versus ritmo dialogal, análise psicológica, fluxo de consciência, linguagem localista, malha dialética, pathos”: o que você acha destes jargões? Gilvan detesta estas classificações esquemáticas
Seu personagem favorito dentre aqueles que criou? Orico, o velho safado de “O anjo do quarto dia”. Oricão, o canalha, vigarista. “Mas, eu gostava dele. Ele era amigo dos filhos”.
Sobre o personagem Juliano de “morcego cego”, um revoltado porque tudo parecia estar contra ele, o passado e o presente. “ninguém é dono do seu destino. O ser superior é magnânimo, Cristo e Deus? Eu não acredito nisso. Sou agnóstico.
A mente humana não pode interpretar as coisas divinas. Não aceito o que dizem. Não me importei com João Paulo II. Acho a expressão de Bento XVI tão boa, simpática que até brincando digo que ele escolheu este nome em homenagem à minha cidade natal.”
Vemos em Gilvan uma compreensão da dor, uma espécie de compaixão, e, algo difícil de se conseguir: profundidade emocional.
Há na sua sala uma drummondiana (embora Gilvan confesse não ser um grande leitor de poemas) fotografia da sua São Bento do Una, hoje a única cidade do Brasil com epidemia de cólera: “Hoje quando vou lá é chato, só existem os netos das pessoas que conheci. Aliás eu perdi o gosto e a esperança foi pelo Brasil. Estou com preguiça do Brasil. É só roubo, morte. Não que eu ache que a arte deva se preocupar tanto com a política. Isso deve ser feito de uma maneira muito discreta”.
Inquietações sexuais, prosa maltratada e expressiva, visão elementar das coisas, memória aflita, imaginação viril e sensibilidade estranha. Tudo isso em um leque de personagens que parecem viver, ou antes, servir como estandartes, da denúncia de viver uma farsa, a da vida emprestada. Vivem contrariados.
Quando perguntamos se sua obra tem pontos em comum com a do pernambucano Raimundo Carrero, Gilvan foi categórico: “Não. Não sigo escolas. Não gosto do experimentalismo dele. Para falar a verdade não consegui nem ler o seu último romance. Se você quer escrever sobre filosofia, escreva. Mas não acho isto apropriado para romances”.
Quanto a Academia Pernambucana de Letras ele também é enfático: “Não quis entrar. Não é meu sistema. Não tenho temperamento para isto. Sou mais ou menos recluso. Às vezes eu penso: devo sentar e espera a morte chegar? (risos)”.

Gilvan faleceu no Recife há alguns anos.
A cidade que ele escolheu como sua.









sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Rum, cigarros, sexo e música de rádio: quer conhecer Havana?


O Rei de Havana, romance de Pedro Juan Gutiérrez



                                        
por Moisés Monteiro de Melo Neto


Moisés Monteiro de Melo Neto e Pedro Juan Gutiérrez




“Não brinques comigo/que eu como fogo”, diz uma canção cubana. Sim, os personagens do livro O Rei de Havana (224 páginas, 32 reais, Ed. Cia das Letras, SP) do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez parecem inflamados por este mote. Segundo um depoimento do autor, ao seu povo só resta “rum, salsa e sexo”. Juan não é publicado em seu país por apresentar Cuba como um inferno miserável, como por exemplo, em sua primeira obra em prosa Trilogia Suja de Havana. Segundo nota da editora dele no Brasil, a Companhia das Letras, alguns dos seus leitores vêem no romance uma metáfora apaixonada da atual situação cubana, mas a literatura dele não é engajada e “passa longe de toda intenção política doutrinária”.

Pedro nasceu em Matanzas, Cuba, em 1950. Mora em Havana. Começou a trabalhar aos onze anos, como vendedor de sorvete e jornal. Foi soldado, instrutor de natação e caiaque, trabalhador rural, técnico em construção, desenhista técnico e locutor de rádio. Trabalhou como jornalista durante 26 anos. Dedica-se à escultura e à pintura e é autor de vários livros de poesia.

Reynaldo, o “Rei” do título, trocadilho com seu apelido “Rey” (rei em espanhol), é um adolescente de 13 anos que mora num quarto sujo com a mãe prostituta, com o irmão e com a avó, num subúrbio sujo de Havana em plena crise de 1994, passam fome e convivem com a miséria. Rey, de tanto repetir a mesma série, desiste de estudar. Vai aí já uma crítica de Gutiérrez a uma das mais proclamadas instituições do regime cubano: a escola. O narrador afirma que os professores trabalham com má vontade e que o sistema está podre.

Longe da igualdade socialista pregada pela propaganda castrista, o que jorram no texto são a miséria monocórdia e a denúncia do enriquecimento ilícito praticado por muitos. O foco do autor é o sexo, o sexo pervertido, diga-se de passagem.

É bem estranho para quem visitou a ilha como eu, junto com um grupo político, e conversou com os comitês de Defesa da Revolução e outros grupos ligados ao governo, e teve oportunidade de visitar museus e outras casas ligadas ao lazer e à cultura (ver matéria em anexo) se deparar com uma visão tão radical quanto esta do autor. É claro, que ficar em Havana por uma semana e desfrutar de alguns dólares não dá a ninguém o direito de dizer que conhece aquele lugar. Vi gente ser roubada, vi pessoas proibidas de ir à praia incomodar os turistas. Vi pedintes, garotos sendo treinados para enfrentar o império ianque, vi o cambalacho comercial praticado a torto e à direita. Mas principalmente Havana é um patrimônio dos cubanos e jamais eles teriam conseguido arrancá-la das mãos dos americanos se não fosse por Guevara, Fidel e Camilo Cienfuegos, para citar somente três dos líderes da revolução que surpreendeu o mundo no dia 1º de janeiro de 1959.

Gutiérrez passa bem longe da cartilha dos companheiros. Devemos observar que a desgraça que ele expõe, de certa forma poderia acontecer em boa parte do mundo capitalista e não ter como cenário a esplendorosa Havana.

Mas vamos lá: é um texto bem perverso. No início da trama, com linguagem bem suja e apelativa, o narrador expõe o drama do seu anti-herói: Rey presencia o suicídio do irmão, sabe do repentino assassinato da mãe e vê a avó ter um ataque fulminante. É levado para um reformatório onde tentam sodomizá-lo e onde ele briga para sodomizar, disputando as bichas às tapas com outros detentos enquanto elas se divertem vendo os “bofes” disputarem-nas entre si. Lá Rey aprende a fazer tatuagem e rouba um alfinete de um detento, ganha assim a simpatia de um cara da enfermaria que o presenteia com uma cirurgia que introduz na sua glande duas pequenas esferas que dali em diante farão a alegria das pessoas que transam com ele na narrativa, o que inclui várias mulheres e homens. Ao fugir daquela instituição, que de educativa não exibe nada, Rey se depara com um mundo mais cão do que já enfrentara no seu “lar” miserável. Cocaína, rum, maconha, travestis, prostitutas, fome, doenças e muita, muita sujeira é o que o espera.: “Pra que a gente nasce? Pra morrer depois? Se não tem nada pra fazer, não entendo para que passar por todo esse trabalho. Viver, disputar com os outros para não acabarem com você, e no fim de tudo a merda. Ahh, tanto faz estar aqui fora como lá dentro” (p. 23), pensa quando foge do reformatório. Poderia isso ser o que pensa o autor da relação de Cuba com o resto do mundo? “Ter filho pra quê? Aqui? Pra sofrer e passar fome os dois [...] se algum dia tiver filho vai ter de ser de um homem muito especial, e fora de Cuba”, diz a jovem prostituta Yamilê, amiga do travesti Sandra (p. 77). O niilismo do autor não poupa ninguém: "Gente que tem dinheiro é mais filha da puta que a gente” (p. 83)

O romance é impregnado de lirismo e crítica a Havana, mas poderia como já dissemos acontecer em qualquer lugar, como numa narrativa beatnik, por exemplo. Quando um bêbado oferece rum a Rey contra o sofrimento, ele diz que não sofre: tem fome (p. 28). Aliás : “A única propriedade do pobre é a fome” (p.88). Ele é um errante, dorme pelas ruas e quando entra pela primeira vez numa igreja sua observação é a seguinte: “tinha uns bonecos grandes colocados aqui e ali. As pessoas não falavam nada. Se ajoelhavam, sentavam , iam acender umas velas, falavam em voz baixa” (p. 30).

Revi pelos olhos de Rey alguns lugares que visitara em Havana: Casablanca, onde está a enorme estátua de Cristo, em mármore de Carrara e de onde se vislumbra boa parte da baía de Havana, Matanzas, onde está o balneário de Varadero, o Passeio do Prado, O Malecón, a cem metros da primeira “casa” (cubículo numa cobertura onde também se criava, outra prática cubana, animais para abate) do protagonista. No discurso do narrador, que às vezes se confunde com o do protagonista, Havana: “ continuava igual, bonita e maltratada, esperando ser maquiada”.

O narrador insiste em exaltar a virilidade de Rey: seu falo tem 22 cm e seu poder de ereção é quase infalível e alucinante para quem prova dele, daí seu título de “rei”. Logo o mulato vê-se envolvido no tráfico e na prostituição, assuntos tabus em Havana, hoje. É um rapaz pobre num país pobre “que só espera chegar a sua hora” (p. 37). Os turistas são tratados como idiotas que se iludem e querem se aproveitar de Havana. Muitas vezes são traficantes de órgãos que levam prostitutas para arrancarem o que puderem delas no exterior, o que aconteceu com uma ex- vizinha de Rey, que perdeu assim os olhos e retornou desgraçada para Cuba, vítima de um italiano que lhe propôs casamento, objetivo de tantos nativos. Segundo o narrador, quase ninguém “trabalha”: “Ganha-se mais com algum negocinho” (p. 44). Rey faz bicos: descarrega caminhões de bananas, trabalha numa cervejaria trambiqueira, dirige um triciclo, e não se detém nem diante de roubar uma pobre senhora que viajara com seus filhinhos durante 22 horas dentro de um desconfortável trem desde Santiago. Nosso anti-herói também pede esmola segurando um São Lázaro (que, ao lado de Santa Bárbara e A Virgem da Caridade do Cobre, são imagens quase onipresentes em Havana).

Às vezes a narrativa nos lembra algo de Jorge Amado: as amantes de Rey, algumas são velhas, uma delas, cartomante, quer fazer uma “limpeza” no seu corpo carregado, ele não deixa, outra de suas amante é Sandra, um travesti que incorpora uma entidade chamada “Rosa”, mas sua preferida é Magdalena, uma prostituta vendedora de amendoins, moram num prédio à beira do desabamento, o que ocorre depois de uma chuva torrencial, com quem pretende ter um filho e cujo caso termina em tragédia no final do livro. O sexo entre ele e esta última é permeado com requintes de podridão que inclui não se lavar, por falta de água e por “hábito” e usar isso como fetiche. Boa parte dos cubículos - onde transcorre a narrativa – é imunda. Defeca-se num papel e joga-se no telhado do vizinho. O narrador passa tanta fome que chega à beira da morte. Suas roupas vão se puindo com o uso e ele tem que roubar outras, muitas vezes dos turistas nos balneários. Rouba pão dos vendedores e ganha dólares em show pornô.

Os voyeurs merecem destaque, principalmente os que freqüentam o Parque Maceo, próximo ao Malecón, imenso calçadão que contorna boa parte da velha Havana. Alguns saíam “feito caranguejos”, escondendo o rosto, após a satisfação de suas necessidades.

É difícil falar sobre a miséria sem falar de zoomorfismo, mas Gutiérrez exagera. Os cubanos são comparados a porcos, macacos e por aí vai numa trajetória que inclui coveiros que roubam roupas e dentes de ouro de defuntos e esmagam cabeças dos concorrentes, necrofilia, masturbação, etc..

Uma das tradições de Havana é retratada no romance: o carnaval: “negros lutando por uma jarra de cerveja péssima, barata e avinagrada” (p. 84).

As transições do romance, que por sinal não é dividido em capítulos e tem sua narrativa quase em forma de fluxo de consciência, são bruscas e às vezes um pouco desconexas em meio à fome, trapaça e violência.

A saga de Rey parece água suja escoando lentamente numa pia engordurada e podre. Vai tomar banho de mar e sente um enorme peixe a lhe rondar e pensa que ele quer devorá-lo. Aproxima-se um final nos moldes do grand guignol: medo, violência, assassinatos, horror, numa trama macabra.

Depois de perderem o quarto, Magda e Rey vão parar num container perto de um lixão onde, por ciúme, Rey e Magdalena protagonizam uma passagem cujos diálogos são violentos ao extremo. O desfecho do livro é para lê de chocante. Envolve lixo, ratos, urubus e necrofilia.

Não. Não é aquela ilha do Caribe com a qual revolucionários e turistas sonham. A Havana de Gutiérrez é pau, pedra, o fim do caminho.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

TERROR NO RECIFE! (Está com estômago fraco? Coração fragilizado? Não leia!)



(poema narrativo de moisesmonteirodemeloneto)





Encontrei-o em altíssima voltagem emocional
perguntei o que fazia ultimamente
disse: isolamento autopunitivo
escapou no amor de cortar os pulsos
tipo briga de gato
amantes muito irritados
ele tão enérgico
física e psicologicamente
um personagem quase
falamos sobre brincar, se mostrar
fazer arte
se comunicar
mas ele falou sobre a rua onde morava
subúrbio distante
rua da Esperança
amante matou a dona
enterrou e cobriu de folha
violentou-a por uma semana
até que um tufo de cabelos ficou nas suas mãos
Resolvi que nunca mais ia vê-lo
Estava indo se entregar à polícia.
Que horror!
Ah, vida sem freios!

Ivana Moura revê Osman Lins



                                        
por Moisés Monteiro de Melo Neto



"Se quiser ser escritor não fique aqui no Recife", disse Osman Lins.

Ivana Moura, jornalista e crítica teatral do Diário de Pernambuco desde 1989, lançou o livro Osman Lins: o Matemático da Prosa, pela coleção Malungo (Recife: FCCR, 2003. 114 p.), obra na qual Osman reaparece para seus contemporâneos. Moura teve pouco mais de dois meses para elaborar esse trabalho, que define como “um livro que se vale da memória afetiva de várias pessoas”.

Mais informativo do que crítico, O Matemático da Prosa é dividido em cinco partes: na primeira, “Tempo de Plantar”, a autora aborda a infância e adolescência de Lins em Vitória (PE): “Eu queria deixar minha casa, minha avó (...) estava farto de ser vigiado, contemplado, querido” (p17). Sua mãe morreu quinze dias depois do seu nascimento. Houve complicações no parto. Não sobrou nenhuma foto dela. Ele não teve festinhas de aniversário, destaca Ivana, que em certas partes do seu texto usa táticas de investigação psicológica, mas ao modo tradicional do jornalismo: com distanciamento. Osman foi criado entregue a si mesmo. Uma figura que a autora destaca é a do tio, Antônio Figueiredo: tocava violão, contava história, fazia repente... “era profeta”, fazia “garrafadas”, está representado em O Fiel e a Pedra, na figura de Bernardo Vieira de Cedro( p 30). Sobre seus modos podemos anotar: “Osman era refinado a ponto de calçar os sapatos na hora de almoçar” (p 31).

Na segunda parte, “Arma Literária”, Ivana ressalta o depoimento do escritor pernambucano Gilvan Lemos: “O leitor brasileiro tem preguiça de pensar e gosta de ler coisas bem fáceis, bem claras. A literatura de Osman apresenta certa dificuldade, porque ele usa muitos signos, muitas coisas inventadas. Então por isso, ele talvez não tenha adquirido popularidade” (p 35). “Atuamos numa sociedade em que o conjunto é hostil ou indiferente ao nosso trabalho”, disse Osman, que queria ternura, reconhecimento.

A perspicácia da Moura está, dentre outras coisas, na concatenação das idéias e numa escrita ágil e implacável. É rápida no gatilho ao selecionar depoimentos e segue uma ordem interior que rompe com a linearidade e esmiúça detalhes que assim vão se tornando imprescindíveis. Por exemplo: quando relembra que certa vez o avião em que Osman viajava ia caindo e ele não pensou na família nem nos amigos, somente isso: “Este avião não pode cair, porque eu ainda não terminei meu livro!”. E aqui a autora ressalta: a literatura “estava acima dele mesmo” (p 40).

Na terceira parte, “O Teatro de Osman Lins”, a autora dá relevo a opinião de Lins sobre a própria dramaturgia: “Escrevo para teatro como escrevo poesia, isto é, sem considerar-me rigorosamente um dramaturgo ou um poeta” (p 48).E sobre como os outros viam suas peças Ivana exibe o depoimento de Pedro Bloch, sobre Lisbela:“Teatro normal, compreensível, humano, cheio de verdade e beleza (...) Nordeste com simplicidade adorável de sua gente, costumes regionais pitorescos, linguajar curioso”(p 45). Como o livro é menos crítico e mais expositivo, o texto ensina para neófitos que antes de escrever Lisbela, Osman escrevera O Vale do Sol, Os Animais Enjaulados e O Cão do Segundo Livro. Em 1963 é encenada A Idade dos Homens. Entre 1969 e 1970 há outras peças como Mistérios das Figuras de Barro, Auto do Salão do Automóvel e Romance dos Três Soldados de Herodes (peças em um ato).Inclui depoimentos “inéditos” como o de José Pimentel, encenador em Recife, que dirigiu o “Auto do Salão...” e o autor não gostou. Ivana entrevistou Pimentel que também reclamou da tentativa de “intromissão” de Osman, na sua direção (p 72).

Na penúltima parte do livro, “Sagração da Palavra”, mais curiosidades: a autora revela que Osman torcia pelo Clube Náutico Capibaribe, do Recife, e decepcionou-se a ponto de nunca mais torcer por time nenhum; nem pela seleção brasileira. Comenta também a separação no primeiro casamento que gerou suas três filhas. A separação é atribuída ao fato da primeira mulher não incentivá-lo como escritor. Osman também dizia que sua obra reflete em parte “revolta dos filhos contra seus pais (...) e representa metafísica e método” (p 81).

Na quinta e última parte, “Cerimônia do Adeus”, Ivana Moura reproduz o depoimento de uma filha de Osman, Ângela: “papai morreu de câncer”, ele voltou em sonho e avisou a filha que ela devia se tratar do mesmo mal. Ela salvou-se assim. Já a pesquisadora Leda Alves, viúva de Hermilo Borba Filho, escritor amigo de Osman, declara para Ivana que: “Osman passava muito tempo lendo e se dilacerando com uma palavra” (p 86). Osman morreu no dia do aniversário de Hermilo.

E La Moura conclui seu texto citando Marcel Proust: "Só há uma maneira do artista servir à sua pátria: sendo essencialmente artista”. E o que passa nesta obra é que Osman assumiu esta postura.


Por Solano Trindade!



(poema de Moisés Monteiro de Melo Neto)

dedicado a Samuel Santos

 

Solano Trindade, poeta recifense





2016... 1908
O mesmo São José, no Recife
Agora no Pátio de São Pedro
És estátua, eras recém-nascido
enquanto escritor pintor amor teatro
negra resistência por excelência
infante da liberdade, fazendo a vez
1934...36
Vive o tempo afrobrasileiramente
Entretecidos em arte popular
 mestiça na fortaleza etérea
1941, no Café Vermelhinho
Ah, Caríssimos
Quantos sonhos de igualdade... dignidade
Sua força poética vem à cena
1954, o Teatro Popular Brasileiro... o folclore
denúncia da Dor Negra em ritmo combativo.
Agora...
Já faz mais de 40 anos que partiste, Solano
Mas como fazes falta...
Muito tu terias a nos dizer
Ajudar a fazer
Com teus versos xamanísticos
Tua voz forte
Eu te saúdo, velho companheiro
Imagino-te erguendo-se da estátua
No Pátio de São Pedro
Nesta segunda década do século Vinte e um
com tanta gente com fome, ainda
sem fazer amor
para aliviar a Dor
Não é só na  Leopoldina
É como no Metrô do Recife
 essas caras tristalegres demais
nesse nunca chegar da vida
Trem sujo...
Trem negreiro miscigenado
De tantos egos e contas...
Vinganças e injustiças
Corrupto não é só quem rouba uma nação
Ah, o vil metal e o preconceito
a tirania, o autoritário arbitrário
mandando calar
Psiuuuuuuuuuu


Cala boca, nêgo...
Cala a boca, veado de teatro
Tanta jogatina no país da Leopoldina
A loucura da carne penetra na alma
Na tua cidade cidade-mangue
Cheia de manhas e manhãs
cheia de promessas incertas
poetas de todas as cores
também queimados vivos
enquanto, talvez
porque a força pela vida
quase sempre comanda
  tambores anunciem bem distante a revolta
Mas... pelo whattsapp?
Já nem sei... Loanda
tudo parece mercadoria
Ordens de um cibernético senhor de engenho
Que se rompessem as correntes
E fosse ele mesmo liberto
na Afrociberdelia desencantada 
Continuasse incerto
num neopsicodélico  Maracatu

Zumbi do que poderia ser
Ricos e pobres, juntos
Num projeto de renovação da Pátria
Que precisamos tanto ver
liberdade para trabalho e amor... nem sei, Solano
Só sei que às vezes penso
 ser valente como tu, bravo como tu
Fazer do meu poema capoeira, faca

Na minh`alma fica esta potência da tua lira
longe do canto da mentira
Desconstruindo a falsidade
Enfraquecendo a ilusão ariana
do  trabalho  pago com surra de cipó-pau, de ontem.
Basta, Solano
 estou com vontade de chorar,
segue aqui como esta lembrança
No amigo que tu és
Sigo solene, só, tentando o contente, siso
Na melancolia que escorre do riso
Do nosso país de ontem hoje amanhã
Nosso chão
Tremula a auriverde bandeira  da revolução
E nós, ainda escravos da ideologia
sobre sexo, raça, classe
Fazemos festas, também
No vinho vemos no horizonte raiar a esperança 
Que nos dará força maior
Para agirmos de maneira estratégica
acredito:
o amanhã começa agora
trago com prazer, Solano
teu nome na memória
o resto é história.