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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Vanguardas brasileira: Concretismo, Tropicália & mais...

Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto


O CONCRETISMO: Vanguarda
 e novas possibilidades estéticas na poesia

O desejo de renovação estética fez surgir, no Brasil, a mais significativa vanguarda poética após a Semana de Arte Moderna de 1922.
Entre os anos de 1956 e 1962 ocorreram publicações que exploraram novas formas de fazer poesia. Era o desejo do novo em meio à civilização industrial e tecnológica, afinal “sem forma revolucionária, não há arte revolucionária”, pensou Maiakóvski.
Visou-se, nesse momento ao despojamento do vocábulo e ao uso, mais racional possível da palavra ­­– projeto já iniciado pelo pernambucano João Cabral de Melo Neto.A essa renovação da linguagem, do uso da palavra e do experimentalismo estético, chamou-se CONCRETISMO. Em 1952, formou-se o grupo NOIGANDRES e ocorreu a publicação de uma revista com o mesmo nome (NOIGANDRES = “antídoto do tédio”) que divulgou o desejo de novas formas de fazer poesia e a proximidade da poesia com as artes visuais.
Em 1956, houve, no Museu de Artes Moderna de São Paulo, a primeira mostra da poesia concreta. Estava lançado oficialmente o movimento da Poesia Concreta. Muitos apoiaram e outros repudiaram. O grupo Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (grupo noigandres) divulgou a nova tendência na arte em suplementos de jornais da época que virou depois um livro (Teoria da Poesia Concreta – 1965). Leia os textos a seguir: Observe a ruptura com a estrutura discursiva do verso tradicional e o renascimento do poema-ícone.

(Poema de Haroldo de Campos)


                                                                  

Outros TEXTOS:


                               se
                               nasce
                               morre nasce
                               morre nasce morre
                                               renasce remorre renasce
                                                               remorre renasce
                                                                              remorre
                                                                                       
                                               desnasce
          desmorre desnasce
       desmorre desnasce desmorre
                                                               nasce morrenasce
                                                               morrenasce
                                                               morre
                                                               se


(poema de Augusto de Campos)



 

(poema de DÉCIO PIGNATARI)

Os textos de Décio Pignatari e de Augusto de Campos põem em evidência o desejo dos poetas concretos nesse momento: a morte da poesia intimista e o desaparecimento do eu-lírico. Valorizou-se a geometrização e o aspecto visual da linguagem. Essas novas experiências têm seu alicerce em vanguardas europeias como o Futurismo e o Cubismo.
Entre os precursores brasileiros da tendência concretista pode-se apontar Oswald de Andrade (“em comprimidos minutos de poesia”) e João Cabral de Melo Neto (“linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso”). Além de Décio Pignatari e dos irmãos Campos, integraram a corrente concretista José Paulo Paes, Ronaldo Azevedo, Pedro Xisto, José Lino Grunewald, Edgar Braga.

1.       Característica da Poesia Concreta
Exploração de todas as potencialidades das palavras e das combinações sintáticas.
Ruptura com a leitura linear (cada poema é um convite a um novo tipo de leitura) – LUDISMO.
Aproveitamento das conquistas modernistas de 1922 (as experiências radicais de Oswald de Andrade).
Objeção ao subjetivismo formalista e o ideário classicizante.
Influência da civilização industrial e tecnológica. Reflexo dos meios de comunicação de massa (quadrinhos, por exemplo).
Preferência por estruturas nominais que se relacionam espacialmente (horizontal e/ou verticalmente).
Substituição da sintaxe verbal pela sintaxe analógico-visual (visão, audição, carga semântica).
Valorização do significante (a palavra).
Exploram-se os campos:

a)       Semântico: polissemia, trocadilhos.
b)       Sintático: ruptura com a sintaxe tradicional.
c)       Léxico: neologismos, estrangeirismos, siglas, substantivos concretos.
d)       Morfológicos: separações dos prefixos, dos radicais, dos sufixos.
e)       Fonético: uso de figuras de som; jogos sonoros.
f)        Topográfico: abolição do verso tradicional, aproveitamento dos espaços brancos, ausência dos sinais de pontuação. (Explora-se uma sintaxe mais gráfica).   

1.1    Poesia – Práxis e poema processo (signos visuais plásticos): “a palavra é uma célula dos discursos”. O texto – práxis  valoriza a palavra no contexto extralinguístico. A palavra se caracteriza pela periodicidade e repetição cujo sentido e dicção mudam, segundo sua posição no texto.

                 FORÇA NA FORÇA
             A palavra na boca
Na boca a palavra: força

A forca da  palavra força
A palavra rolha fofa

A rolha sem força
a palavra em folha rolha

na força da palavra forca
 a  palavra de boca em boca

na boca a palavra forca
a palavra e sua força

falar na era da forca
calar na era da força

na era de falar a forca
a era  de calar a boca

na era de calar a boca
a era  de falar à força

calar a força da boca com a força
falar a boca da força com a força

calar falar a palavra
não na ira da era ida

falar calar a palavra
nesta ira de era viva

calar a palavra na era ida da ira
falar a palavra na viva era da vida


mas a forca da palavra força
: um cedilha em sua boca

(Mário Chamie: Objeto Selvagem)

Vale destacar, com base no texto, que Chamie desenvolveu seu trabalho explorando as permutações fonéticas e as variações semânticas possíveis de algumas palavras: falar – calar; era – ira.

Agiotagem


um
dois
três
o juro: o prazo
o pôr / o centro / o mês / o ágio

porcentágio.

dez
cem
mil
o lucro: o dízimo
o ágio / a moral / a monta em péssimo

empréstimo.

muito
nada
tudo
a quebra: a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota

haja nota

agiota.
(poema Mário Chamie)

Poema – Processo: O poema – processo também proveio da poesia concreta. Apareceu em fins de 1967, no Rio de Janeiro e seu maior representante foi Wladimir  Dias-Pino.  Entra-se na área dos signos visuais plásticos à procura de novas experiências”. Busca-se a superação da palavra: “O poema se faz com o processo e não com palavras (...) O poema é físico e tátil em sua visualização”. No poema concreto, é a palavra que é disposta no espaço da página para dar conformação, a conformação visual ao poema. Nos trabalhos de Dias- Pino, as palavras são substituídas, no decorrer dos trabalhos, por signos gráficos (figuras geométricas, perfurações no papel etc) e ao final os trabalhos  ficam sem qualquer palavra.



A Poesia Social

Alguns escritores dos anos 50 e 60 se opuseram aos excessos de teorização e experimentalismo que caracterizam a poesia modernista desta época e  propuseram a volta à estrutura discursiva do verso. Além da linguagem discursiva, preocuparam-se em trazer par o texto o dia-a-dia difícil do homem comum, a situação política caótica. Nasce uma arte que revela a postura do escritor diante da vida.
São escritores desse momento: Thiago de Melo e principalmente Ferreira Gullar que rompeu com o grupo de poesia concreta (pouco antes do golpe de 1964) e se voltou para a construção de (textos mais na linha social). A Guerra Fria, o mundo capitalista, a opressão, a bomba atômica, o Terceiro Mundo (começaram a incomodar o “poeta maranhense” que se mudou depois para o Rio de Janeiro. Em 1962, escreveu João da Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer e Quem Matou Aparecida. Na época da ditadura militar, sua poesia ganhou ainda mais resistência. Nasce Dentro da Noite Veloz (1975) e Poema Sujo (1976).Produziu ainda na linha da dramaturgia e dos ensaios. No teatro, destacou-se com a pela Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Com Vanguarda  e Subdesenvolvimento (1969) fez um ensaio sobre sociologia da arte e em 1963, a linha do ensaio já se fazia notar com CULTURA POSTA EM QUESTÃO. Em seus ensaios, Gullar teorizou sobre a participação do artista no processo de evolução social. Tem também roteiros para a televisão com o objetivo de manter viva sua poesia de resistência. Repugnando a repressão e ávido por justiça carregou nas tintas e fez uma obra de tensão psíquica e ideológica. Um trabalho de denúncia dos problemas da época. Viveu, exprimiu e experimentou as angústias de uma crise cultural, evidenciou em seu lirismo trágico e subversivo os problemas do homem, conduziu a manifestação poética para além de quaisquer limites. O poeta do mundo em suas muitas vozes trouxe ainda para a tessitura textual a sua infância, os seus parentes e conhecidos, o cotidiano da velha São Luís do Maranhão.

Os escritores Ferreira Gullar e Moisés Monteiro de Melo Neto


Sua poética, no dizer de Ivan Junqueira “está marcada, desde o início por um intenso e radiante cromatismo, por uma viva preocupação plástico-visual.”
Apesar do envolvimento político-social, manteve-se autêntico para falar de suas lembranças “sujas”, de um momento gravado a “ferro e fogo” em sua alma de poeta universal em sua peculiaridade, em sua habilidade em tornar lírico o cotidiano dos homens comuns.


A VIDA BATE

O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Visto do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
                Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém
Mas vista de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheia de vozes
e ruínas. És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
Clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso.
                a vida bate
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.

                   (Ferreira Gullar em Dentro da Noite Veloz)


2. TROPICALISMO

                Na década de 60 (1960) ocorreram vários festivais de MPB. Jovens dessa época preocuparam-se em expor uma linguagem verbal e musical bem diferente. Queriam romper a tradição (Chico Buarque) e protestar (Geraldo Vandré).
                O Tropicalismo (1967) foi um movimento artístico-cultural que nasceu com os jovens Caetano Veloso, Gilberto Gil, o grupo Mutantes e Tom Zé.
                Admiradores das inovações musicais do movimento Bossa Nova (encabeçado por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes) e movidos pelo desejo de devorar as várias tendências culturais nascido com a antropofagia de Oswald de Andrade. Os artistas partiram para a construção de uma música que fundisse os Beatles (e suas guitarras elétricas), a Bossa Nova e o regionalismo de Luís Gonzaga: as guitarras incorporadas à música brasileira e o afã de deglutir diversas tendências musicais, culturais.
                Aproximar os aspectos contraditórios de nossa realidade: o lado cultura, civilização x o lado primitivo, o popular com o erudito. Eis a marca desse movimento cuja base foi uma visão crítica da cultura e de realidade brasileira num momento de ditadura militar, de Al-5, de presos políticos e exílios.

Texto: TROPICÁLIA (Caetano Veloso)

 Sobre a cabeça os aviões/ sob os meus pés os caminhões/ aponta contra os chapadões
meu nariz /eu organizo o movimento/ eu oriento o carnaval/ eu inauguro o monumento /no planalto central do país/ viva a bossa sa as/ viva a palhoça ça ça ça/ o monumento é de papel crepom e prata os olhos verdes da mulata/ a cabeleira esconde atrás da verde mata o luar/ do sertão/ o monumento não tem porta/ a entrada é uma rua antiga estreita e torta/ e no joelho uma criança sorridente feia e morta/ estende a mão/ no pátio interno há uma piscina/ com água azul de Amaralina coqueiro fala e brisa nordestina/ e faróis/ na mão direita tem uma roseira/ autenticando eterna primavera e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira/ entre os girassóis/ viva maria ia ia/ viva a bahia ia iá iá ia/ no pulso esquerdo o bang-bang/ em suas veias corre muito pouco sangue/ mas seu coração balança ao som de um tambor/ emite acordes dissonantes/ pelos cinco mil alto-falantes/ senhoras e senhores ele põe os olhos grandes sobre mim/ viva iracema  ma ma/ viva ipanema ma ma ma ma/ Domingo é o fino da bossa/ Segundo-feira está na fossa/ Terça-feira vai à roça/ porém/ o monumento é bem moderno/ não disse nada do modelo do meu terno/ que tudo mais vá pro inferno/ meu bem/ viva a banda da da/ carmem miranda  da da da da (Caetano Veloso)




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