Prof. Moisés Monteiro de Melo Neto
O CONCRETISMO: Vanguarda
e novas possibilidades estéticas na poesia
O desejo de renovação estética fez surgir, no Brasil,
a mais significativa vanguarda poética após a Semana de Arte Moderna de 1922.
Entre os anos de 1956 e 1962 ocorreram publicações que
exploraram novas formas de fazer poesia. Era o desejo do novo em meio à
civilização industrial e tecnológica, afinal “sem forma revolucionária, não há
arte revolucionária”, pensou Maiakóvski.
Visou-se, nesse momento ao despojamento do vocábulo e
ao uso, mais racional possível da palavra – projeto já iniciado pelo
pernambucano João Cabral de Melo Neto.A essa renovação da linguagem, do uso da
palavra e do experimentalismo estético, chamou-se CONCRETISMO. Em 1952,
formou-se o grupo NOIGANDRES e ocorreu a publicação de uma revista com o mesmo
nome (NOIGANDRES = “antídoto do tédio”) que divulgou o desejo de novas
formas de fazer poesia e a proximidade da poesia com as artes visuais.
Em 1956, houve, no Museu de Artes Moderna de São
Paulo, a primeira mostra da poesia concreta. Estava lançado oficialmente o
movimento da Poesia Concreta. Muitos apoiaram e outros repudiaram. O grupo Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (grupo noigandres) divulgou a nova tendência
na arte em suplementos de jornais da época que virou depois um livro (Teoria da
Poesia Concreta – 1965). Leia os textos a seguir: Observe a ruptura com a
estrutura discursiva do verso tradicional e o renascimento do poema-ícone.
(Poema de Haroldo de Campos)
Outros
TEXTOS:
se
nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce
remorre renasce
remorre
renasce
remorre
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nasce
morrenasce
morrenasce
morre
se
(poema de Augusto de Campos)
(poema de DÉCIO PIGNATARI)
Os textos de Décio Pignatari e de Augusto de Campos
põem em evidência o desejo dos poetas concretos nesse momento: a morte da
poesia intimista e o desaparecimento do eu-lírico. Valorizou-se a geometrização
e o aspecto visual da linguagem. Essas novas experiências têm seu alicerce em
vanguardas europeias como o Futurismo e o Cubismo.
Entre os precursores brasileiros da tendência
concretista pode-se apontar Oswald de Andrade (“em comprimidos minutos de
poesia”) e João Cabral de Melo Neto (“linguagem direta, economia e arquitetura
funcional do verso”). Além de Décio Pignatari e dos irmãos Campos, integraram a
corrente concretista José Paulo Paes, Ronaldo Azevedo, Pedro Xisto, José Lino
Grunewald, Edgar Braga.
1.
Característica da Poesia Concreta
Exploração de todas as
potencialidades das palavras e das combinações sintáticas.
Ruptura com a leitura
linear (cada poema é um convite a um novo tipo de leitura) – LUDISMO.
Aproveitamento das
conquistas modernistas de 1922 (as experiências radicais de Oswald de Andrade).
Objeção ao subjetivismo
formalista e o ideário classicizante.
Influência da civilização
industrial e tecnológica. Reflexo dos meios de comunicação de massa
(quadrinhos, por exemplo).
Preferência por
estruturas nominais que se relacionam espacialmente (horizontal e/ou
verticalmente).
Substituição da sintaxe
verbal pela sintaxe analógico-visual (visão, audição, carga semântica).
Valorização do
significante (a palavra).
Exploram-se os campos:
a) Semântico: polissemia, trocadilhos.
b) Sintático: ruptura com a sintaxe tradicional.
c) Léxico: neologismos, estrangeirismos, siglas, substantivos
concretos.
d) Morfológicos: separações dos prefixos, dos radicais, dos sufixos.
e) Fonético: uso de figuras de som; jogos sonoros.
f)
Topográfico:
abolição do verso tradicional, aproveitamento dos espaços brancos, ausência dos
sinais de pontuação. (Explora-se uma sintaxe mais gráfica).
1.1 Poesia –
Práxis e poema processo (signos
visuais plásticos): “a palavra é uma
célula dos discursos”. O texto – práxis
valoriza a palavra no contexto extralinguístico. A palavra se
caracteriza pela periodicidade e repetição cujo sentido e dicção mudam, segundo
sua posição no texto.
FORÇA NA FORÇA
A palavra na boca
Na boca a palavra: força
A forca da
palavra força
A palavra rolha fofa
A rolha sem força
a palavra em folha rolha
na força da palavra forca
a palavra de boca em boca
na boca a palavra forca
a palavra e sua força
falar na era da forca
calar na era da força
na era de falar a forca
a era de calar
a boca
na era de calar a boca
a era de falar
à força
calar a força da boca com a força
falar a boca da força com a força
calar falar a palavra
não na ira da era ida
falar calar a palavra
nesta ira de era viva
calar a palavra na era ida da ira
falar a palavra na viva era da vida
mas a forca da palavra força
: um cedilha em sua boca
(Mário Chamie: Objeto Selvagem)
Vale destacar,
com base no texto, que Chamie desenvolveu seu trabalho explorando as
permutações fonéticas e as variações semânticas possíveis de algumas palavras:
falar – calar; era – ira.
Agiotagem
um
dois
três
o juro: o prazo
o pôr / o centro / o mês / o ágio
porcentágio.
dez
cem
mil
o lucro: o dízimo
o ágio / a moral / a monta em péssimo
empréstimo.
muito
nada
tudo
a quebra: a sobra
a monta / o pé / o cento / a quota
haja nota
agiota.
(poema Mário
Chamie)
Poema – Processo: O poema – processo também proveio da poesia concreta.
Apareceu em fins de 1967, no Rio de Janeiro e seu maior representante foi Wladimir
Dias-Pino. Entra-se na área
dos signos visuais plásticos à procura de novas experiências”. Busca-se a
superação da palavra: “O poema se faz com o processo e não com palavras (...) O
poema é físico e tátil em sua visualização”. No poema concreto, é a palavra que é disposta no espaço da página
para dar conformação, a conformação visual ao poema. Nos trabalhos de Dias-
Pino, as palavras são substituídas, no decorrer dos trabalhos, por signos
gráficos (figuras geométricas, perfurações no papel etc) e ao final os
trabalhos ficam sem qualquer palavra.
A
Poesia Social
Alguns escritores dos anos 50 e 60 se opuseram aos
excessos de teorização e experimentalismo que caracterizam a poesia modernista
desta época e propuseram a volta à
estrutura discursiva do verso. Além da linguagem discursiva, preocuparam-se em
trazer par o texto o dia-a-dia difícil do homem comum, a situação política
caótica. Nasce uma arte que revela a postura do escritor diante da vida.
São
escritores desse momento: Thiago de
Melo e principalmente Ferreira Gullar que rompeu com o grupo de poesia concreta
(pouco antes do golpe de 1964) e se voltou para a construção de (textos mais na
linha social). A Guerra Fria, o mundo capitalista, a opressão, a bomba atômica,
o Terceiro Mundo (começaram a incomodar o “poeta maranhense” que se mudou
depois para o Rio de Janeiro. Em 1962, escreveu João da Boa-Morte, Cabra
Marcado para Morrer e Quem Matou Aparecida. Na época da ditadura militar, sua
poesia ganhou ainda mais resistência. Nasce Dentro da Noite Veloz (1975) e
Poema Sujo (1976).Produziu ainda na linha da dramaturgia e dos ensaios. No teatro,
destacou-se com a pela Se correr o bicho
pega, se ficar o bicho come. Com Vanguarda
e Subdesenvolvimento (1969) fez um ensaio sobre sociologia da arte e
em 1963, a linha do ensaio já se fazia notar com CULTURA POSTA EM QUESTÃO. Em seus ensaios, Gullar teorizou sobre a
participação do artista no processo de evolução social. Tem também roteiros
para a televisão com o objetivo de manter viva sua poesia de resistência.
Repugnando a repressão e ávido por justiça carregou nas tintas e fez uma obra
de tensão psíquica e ideológica. Um trabalho de denúncia dos problemas da
época. Viveu, exprimiu e experimentou as angústias de uma crise cultural,
evidenciou em seu lirismo trágico e subversivo os problemas do homem, conduziu
a manifestação poética para além de quaisquer limites. O poeta do mundo em suas
muitas vozes trouxe ainda para a tessitura textual a sua infância, os seus
parentes e conhecidos, o cotidiano da velha São Luís do Maranhão.
Os escritores Ferreira Gullar e Moisés Monteiro de Melo Neto
Sua poética, no dizer de Ivan Junqueira “está marcada,
desde o início por um intenso e radiante cromatismo, por uma viva preocupação
plástico-visual.”
Apesar do envolvimento político-social, manteve-se
autêntico para falar de suas lembranças “sujas”, de um momento gravado a “ferro
e fogo” em sua alma de poeta universal em sua peculiaridade, em sua habilidade
em tornar lírico o cotidiano dos homens comuns.
A VIDA BATE
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da
cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Visto do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega
inteira
como se estivesse pronta.
Vista
do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a
cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e
a ninguém
Mas vista de perto,
revela
o seu túrbido presente, sua
carnadura
de pânico: as
pessoas
que vão e vêm
que
entram e saem, que passam
sem
rir sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano
movido
a juros.
São
pessoas que passam sem falar
e
estão cheia de vozes
e
ruínas. És Antônio?
És
Francisco? És Mariana?
Onde
escondeste o verde
Clarão
dos dias? Onde
escondeste
a vida
que
em teu olhar se apaga mal se acende?
E
passamos
carregados
de flores sufocadas.
Mas,
dentro, no coração,
eu
sei,
a
vida bate. Subterraneamente,
a
vida bate
Em
Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob
as penas da lei,
em
teu pulso.
a vida bate
E
é essa clandestina esperança
misturada
ao sal do mar
que
sustenta
esta
tarde
debruçado
à janela de meu quarto em Ipanema
na
América Latina.
(Ferreira Gullar em Dentro da Noite Veloz)
2. TROPICALISMO
Na década de 60 (1960) ocorreram vários festivais de
MPB. Jovens dessa época preocuparam-se em expor uma linguagem verbal e musical
bem diferente. Queriam romper a tradição (Chico Buarque) e protestar (Geraldo
Vandré).
O Tropicalismo (1967) foi um
movimento artístico-cultural que nasceu com os jovens Caetano Veloso, Gilberto
Gil, o grupo Mutantes e Tom Zé.
Admiradores das inovações
musicais do movimento Bossa Nova (encabeçado por João Gilberto, Tom Jobim e
Vinícius de Moraes) e movidos pelo desejo de devorar as várias tendências
culturais nascido com a antropofagia
de Oswald de Andrade. Os artistas partiram para a construção de uma música que
fundisse os Beatles (e suas guitarras elétricas), a Bossa Nova e o regionalismo
de Luís Gonzaga: as guitarras incorporadas à música brasileira e o afã de
deglutir diversas tendências musicais, culturais.
Aproximar os aspectos
contraditórios de nossa realidade: o lado cultura, civilização x o lado
primitivo, o popular com o erudito. Eis a marca desse movimento cuja base foi
uma visão crítica da cultura e de realidade brasileira num momento de ditadura
militar, de Al-5, de presos políticos e exílios.
Texto: TROPICÁLIA (Caetano Veloso)
Sobre a cabeça os aviões/ sob os meus pés os
caminhões/ aponta contra os chapadões
meu nariz /eu organizo o movimento/ eu
oriento o carnaval/ eu inauguro o monumento /no planalto central do país/ viva
a bossa sa as/ viva a palhoça ça ça ça/ o monumento é de papel crepom e prata os
olhos verdes da mulata/ a cabeleira esconde atrás da verde mata o luar/ do
sertão/ o monumento não tem porta/ a entrada é uma rua antiga estreita e torta/
e no joelho uma criança sorridente feia e morta/ estende a mão/ no pátio
interno há uma piscina/ com água azul de Amaralina coqueiro fala e brisa
nordestina/ e faróis/ na mão direita tem uma roseira/ autenticando eterna
primavera e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira/ entre os girassóis/
viva maria ia ia/ viva a bahia ia iá iá ia/ no pulso esquerdo o bang-bang/ em
suas veias corre muito pouco sangue/ mas seu coração balança ao som de um
tambor/ emite acordes dissonantes/ pelos cinco mil alto-falantes/ senhoras e
senhores ele põe os olhos grandes sobre mim/ viva iracema ma ma/ viva ipanema ma ma ma ma/ Domingo é o fino
da bossa/ Segundo-feira está na fossa/ Terça-feira vai à roça/ porém/ o
monumento é bem moderno/ não disse nada do modelo do meu terno/ que tudo mais
vá pro inferno/ meu bem/ viva a banda da da/ carmem miranda da da da da (Caetano Veloso)
Sylvia Massari está com AIDS.
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