Açúcar
e pau-brasil foram as primeiras mercadorias exportadas pelo Recife cuja população costumava rezar na ermida de Santelmo que
ficava próxima ao porto. Como dissemos a cidade ficava espremida entre o
mar e os rios no século XVI: uma faixa
de terra com no máximo 50 passos de largura. Naquela época não havia casas
suficientes para abrigar os que chegavam, inclusive os holandeses que se
amontoavam em promiscuidade em cubículos, até 8 pessoas no mesmo quarto, que
também servia de depósito de mercadorias.
A
densidade demográfica foi uma das maiores que se viu na história da humanidade.
Todos espremidos em 100.000 metros quadrados.. Só depois de 1630 houve um plano
urbanístico digno desse nome. Depois vieram os aterros: para o lado do Pilar,
por exemplo. O bairro ficou com 750.000 metros quadrados. Em 1654 eram 300 prédios.
O
pelourinho de 1709 foi derrubado na Guerra dos Mascates em 1709.
No
século XIX, Dom Pedro II veio ao Recife.
Na
época da reforma do porto (a partir de 1909) foram destruídos: o Forte do Picão
(antigo Castelo do Mar), a praia do
Brum, que tinha cabanas de palha onde os banhistas trocavam de roupa, os Arcos da Cidade nas
cabeceiras da Ponte Maurício de Nassau ( o da Conceição, na atual Rua Marques
de Olinda e o de Santo Antônio, na 1º de Março).
Em
1942 a boemia do bairro do Recife intensificou-se: havia de tudo: Cassinos,
prostíbulos, clubes grã-finíssimos, um dos mais chiques era o dos
ingleses. A freqüência destes lugares, dos anos 30 aos anos 50, era de
primeira. Oferecia-se música ao vivo,
com duas orquestras, e as pessoas lotavam os salões do Cassino Imperial. O
Texas Bar era freqüentado por intelectuais, políticos e jornalistas. Comia-se
bem: camarões, pitus e outras iguarias
locais. Tomava-se cerveja e bom uísque.
Dentre os mais assíduos estava o poeta Ascenso Ferreira e também o saudoso
Antônio Maria. Mas a partir dos anos 70 veio a completa decadência do Bairro
que só se reergueria, sob a gestão de Jarbas Vasconcelos, nos anos 90.
A
Casa de Banhos merece destaque: ela funcionou de 1887 a 1924 em pleno dique dos
arrecifes(próxima ao porto. Reza a lenda que foi destruída por um incêndio
criminoso. As mulheres da sociedade estariam iradas com as farras dos maridos
por ali. Antes um local familiar, o ponto servia para os famosos banhos de Mara que começaram
a virar coqueluche naquela época. Hoje no local funciona um restaurante.
Destacamos
agora o Forte do Brum: construído pelos holandeses, é uma das poucas
obras deles que resistiram à destruição. O nome é uma homenagem ao Conselheiro
neerlandês Johan de Bruyne. Esta herança está intacta, porém sofreu
diversas reformas.
A
Cruz do Patrão: seu nome vem de Patrão-Mor, ou timoneiro, principalmente o
manobrista que fazia as manobras na entrada do porto. A Cruz servia de
referência para os navios. Trata-se de uma espécie de obelisco com cerca de 6
metros de altura e tem uma cruz em cima com as iniciais INRI (Jesus Nazareno,
rei dos judeus).
A
Torre Malakoff: de feitio oriental, ia sendo demolida na década de 1920,
jornalistas como Mário Melo evitaram a tragédia. Seu nome vem da semelhança com
outro monumento em Sebastopol.
Igreja
Madre de Deus: de 1709 é de estilo barroco, um dos mais significativos
exemplos no Recife. Em 1971 sofreu um
incêndio. Em 75 houve reformas.
Ainda
sobre a Ponte Limoeiro: tem este nome porque por ali passava o trem que ia para
Limoeiro(interior do recife). Eram os trilhos da Great Western.
O dirigível LZ-129 Hindenburg sobrevoa os guindastes do Porto de Recife em seu caminho em direção ao Campo do Juquiá
A
cidade do Recife cabe num livro?
“Mauricéia! Um clarão de
vitória/ A visão de tua alma produz/ Toda vez que no cimo da história/ Se
desenha o teu vulto de luz//Tecida de claridade, / Recife sonha ao luar/
Lendária e heróica cidade/ Plantada à beira do mar”. Hino da cidade do Recife (oficializado
em 1924) Letra Manuel Arão. Música Nelson Ferreira.
O
livro “O Recife: Histórias de uma Cidade” do professor de história da UFPE Dr.
Antônio Paulo Rezende (Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2002. 205
páginas) é o volume 6 da Coleção Malungo que investe em valores locais.
A brochura é a coletânea de textos anteriormente publicados como encarte no Jornal
do Commercio no final do século passado.
Segundo Heloísa Arcoverde, diretora do Deptº
de literatura e editoração da FCCR, é um
“diálogo entre o passado e o presente que se registra. E continua: “ Há, ainda,
muito o que fazer na projeção do futuro. São tantos os mangues a preservar, são
tantas as pontes a erguer, num processo
coletivo e solidário de reinventar o Recife, patrimônio multicultural de
cada cidadão” . Já a diretora do Deptº de documentação e formação cultural,
Zélia Sales, aponta o texto como “um presente para a cidade(...) representa
a visão de que a cidadania se conquista
fundamentalmente pelo conhecimento da história e da cultura de um povo”.
Magdalena Almeida, do mesmo departamento,
insinua que “ a história do Recife só passa a existir a
partir da ocupação holandesa”, mas reconhece que “ a opção pela colonização portuguesa” foi a voz
que se fez mais forte na velha Mauricéia.. Diz que no século XVIII nossa
cidade era “cenário para a busca de uma identidade nativa”. E passa ao século
XX lembrando que Mário de Andrade em “Macunaíma” , ao falar de Bandeira,
reconheceu o talento do povo recifense.
Saiamos
das introduções e vamos aos dez textos que compõem o livro de Rezende.
Como
epígrafe duas estrofes de
Prosopopéia(1601) onde o cristão-novo Bento Teixeira descreve o recife como “
um porto quieto e tão seguro,/ que para as curvas náos serve de muro” .
Antônio
vai logo esclarecendo que “Entre o recife do século XVI e O Recife onde vivemos
existem diferenças imensas” e que hoje por aqui as “pessoas vivem, sobrevivem,
produzem riquezas, trocam experiências, vivenciam suas afetividades, disputam
espaços de poder e cidadania” e que a “invenção cotidiana” é “em
muitos aspectos imprevisível”. Cita Gonsalves de Mello: “Porque se
originou de um acidente geográfico (...) o Recife
não prescinde do artigo masculino”.
Rezende
forja textos como este drummondiano sobre a formação da cidade: “Povos
de culturas diferentes se aproximavam, mais do que isso, se chocavam: o vasto
mundo que se formava era bem mais vasto do que seus corações”.
Sim,
a cidade anfíbia (como Amsterdã e Veneza) começa a ser relatada por um expert
com farta bibliografia à disposição. São textos que falam sobre “o” Recife desde 1537. Um
levantamento que cita até a quantidade
de navios e de açúcar no porto da cidade em
1589, e da ocupação inglesa (30 dias) em 1595, quando éramos o maior
porto em movimento na América portuguesa.
Esmiuçando
o período holandês, o professor comete um erro muito comum: diz que Nassau
“trouxe” o cientista Jorge Marcgrave,
que construiu por aqui o 1º observatório astronômico das Américas, Marcgrave
veio por conta própria. O livro faz os elogios habituais ao príncipe e diz que
o recife daquela época era a “mais cosmopolita das cidades das Américas” e que os judeus eram bons agiotas.
Sobre o teatro daquela época ressalta que aqui havia peças dos mais variados
gêneros.. daí para a Guerra dos Mascates e a elevação do Recife a Vila
independente em 1710 é um passo. Fala dos “deliciosos banhos” com “poderes
medicinais” no rio Capibaribe, numa época sem hábitos de banhos de mar. Destaca
a fundação de bairros como o (Arraial) do Poço da Panela em 1758, que ganhou
este nome por causa de uma panela de barro numa cacimba.
Na
transposição dos fascículos do JC para o formato de livro, a revisão deixa
escapar erros editoriais como o da página 61: veja o “box”, quando não há mais box
nenhum a ver.
CRONOLOGIA- Vem do início do século XIX as revoltas e
urbanização d cidade, o aparecimento do Diário de Pernambuco (1825) “até
hoje em circulação”. O autor esclarece que “não havia interesse em construir um
modelo republicano com ativa participação popular” na Revolução Pernambucana de
1817. Aborda a Confederação do Equador (1824), A Revolução Praieira (1848),
passando por 1823 e 1827, quando o Recife tornou-se “cidade” e “capital de
Pernambuco”.
O
livro dispõe de belas ilustrações
coloridas e em preto e branco: destaca
as obras mais importantes feitas em administrações como a do Conde da Boa
Vista, Francisco do rego Barros, de 1837 1844: água potável, luz pública a gás,
padronização dos prédios, a revista “Progresso”, o teatro de Santa Isabel, a
chegada do 1º navio a vapor (1839).A narrativa segue a passos largos: já em
1867 aparece a estrada de ferro que ligava o Recife aos bairros da Várzea, Dois
Irmãos e Boa Viagem, e, em 1870, até Olinda. Os bondes de tração animal até
1914, o 1º governador eleito de Pernambuco, o Barão de Lucena, a chegada do Graf
Zeppelin (a foto da página 94 mostra
um mocambo em primeiro plano e o dirigível pousado entre os coqueiros no mangue
do Jiquiá em 22/05/30).
O
lema do século XX: urbanizar, civilizar e modernizar. A urbanização de Boa
Viagem, o forçado regionalismo de Freyre sob contestação de Inojosa, o Ciclo de
Cinema do Recife (1923-1931), a Revista do Norte, o telégrafo (1873), o
telefone (1881), os bondes elétricos (1914, nova rede de esgoto (1925), a Rádio
Clube (1924), o carnaval, as Jazz bands nas casas de chá da Rua
Nova, o partido Comunista por aqui (1922), a instituição de uma bandeira para a
cidade (1973).
O
texto de Antônio, apesar de reforçar certos clichês, mexe com os recifenses,
“futuca” velhos traumas, mas não é um livro de denúncias nem de grandes
novidades. Parece mais uma colcha de retalhos para a nossa alma despedaçada por
tanto horror e iniqüidade, expressos por Carlos Pena Filho no “Guia Prático da
Cidade do Recife” (citado no livro). “Recife, cruel cidade (...) Amiga dos que
a maltratam,/ inimiga dos que não/ este é o teu retrato feito/ com tintas do
teu verão/ e desmaiadas lembranças/ do tempo que também eras/ noiva da
revolução”.
“Recife:
Histórias de uma Cidade” é um livro básico. Precisamos de outros que traduzam
injustiças mais recentes.
TÁBUA
RASA- A Fundação de Cultura vem
buscando novos rumos e vislumbrando novas saídas, mas sobre muitas coisas ainda
faz tábua rasa e não seria num livro que a história do recife iria ficar
clara.
Neste
petardo o autor, de maneira suave, pincela ainda as repressões sofridas pela
esquerda no Recife do século XX. A característica maior destes textos talvez seja a linearidade
histórica, a visão geográfica, a preocupação com os números. Caberia ao leitor
arrancar daí a “alma recifense”, à fórceps.
A
SEGUNDA PARTE DO LIVRO- A 2ª parte do
livro é composta por “Textos
Complementares”. Novamente a ordem cronológica impera e o organizador vai
relacionando os autores do século XVI até o século XX. Destaque para um dos
textos de Mauro Santoro que afirma que aos negros escravos “foi dada a tarefa
de construir o Brasil (página 149). Ou
um de Geraldo Marinho que descreve o Recife , dizendo que a cidade “guarda a tipicidade
do Barroco(...) oferta percursos marcados por surpresas e mudanças de escala na
visão de quem caminha pela área central, criando perspectivas de forte efeito
cenográfico” (p.158). Ou um de Charles Darwin em 6/8/1836: “ Recife é por toda
parte detestável, as ruas imundas(...) terra de escravidão”, e ainda Josué de
Castro ensinado: “Os mangues do Capibaribe(...) o povo daí vive de pegar
caranguejo, chupar-lhes as patas, comer sua carne feita de lama(...) o que o
organismo rejeita, volta como detrito, para a lama do mangue, para criar caranguejo
outra vez”.
Ah,
Recife! Hoje quase coubeste, sem dor, neste livro. Mas, olhar para ti, como
realmente és, dói!
Nenhum comentário:
Postar um comentário