por Moisés (de Melo) Neto
Quando nos referimos ao gênero em literatura, tendemos automaticamente a
associar este questionamento à forma e às vezes aos subgêneros contidos em cada
uma delas, mas a questão “gênero” também inclui a dicotomia homem/mulher e a
questão da voz, no sentido Bakthiniano, de posicionamento frente à organização
da sociedade.
Esta voz, o ethos, o tom, o sentido, vem sendo cada vez mais observado e os discursos “machistas”, principalmente desde os anos 50, “desconstruídos”. Filósofos franceses como Roland Barthes e Derrida serviram/servem de inspiração para intelectuais como a indiana Gayatri Spivak e outras que se unem em torno do questionamento sobre a posição opressora da voz masculina como dominante nos discursos históricos, antropológicos, psicanalíticos, literários, ideológicos enfim. Percebendo que em Simone de Beauvoir e seu livro “O segundo sexo” já se começava a tecer a ideia de respeito ao “outro”, hoje vemos que mesmo a idéia do “outro”, no caso das mulheres, às vezes justifica até uma visão patriarcal e que é impossível representar coerentemente este “outro”, isto é, a visão que a mulher tem do homem ou vice-versa, pois será sempre transcrito por um “eu”. A mulher, quer seja na literatura lírica, épica e dramática, atravessou milênios no papel de musa, muitas vezes foi representada no papel de submissa ou traidora como a bíblica Dalila, transgressora como Joana D´Arc, cujo maior delito teria sido travestir-se de homem numa época que proibia as mulheres, inclusive, de morrer pela pátria.
Esbarramos agora no ponto da teoria: os textos femininos visitados pelos teóricos, quase sempre homens até o início do Século XX, eram vistos como textos de exceção. Contra isso, levantou-se a inglesa Virgínia Woolf que, no ensaio “Um teto todo seu”, fez da literatura o pódio onde sugeria às mulheres que sem independência - inclusive financeira - não haveria possibilidade de “voz”, aqui mais uma vez no sentido Bakthiniano, numa sociedade que as proibia até de frequentar determinadas instituições. Se observamos não só pelo lado das ideias e preconceitos dos teóricos mas da própria representação literária vemos a mulher apresentada como reprodutora, cujos filhos machos devem desde cedo dela diferenciar-se e serem alertados sobre este necessário distanciamento e o reforço da identidade masculina. As correntes teóricas literárias de hoje sofrem grande influxo dos estudos culturais, como as de Homi Bhabha, por exemplo, e apontam como correção aos antigos erros a sugestão, mais uma vez desconstrucionista, Bhabha serve de influência para intelectuais como Gayatri Spivak, por exemplo. Ela consegue arrancar das palavras o sentido e reescrevê-las em palimpsesto e catacrese, revertendo assim o discurso do machoopressor.
Os discursos pós-coloniais de teóricos como os caribenhos Stuart Hall, Édouard Glissant e Fanon, também vêm a cada dia comprovando que a problemática dos gêneros na literatura, a questão da voz, não deve separar-se de outros como raça, etnia, classes sociais, homossexualismo, multiculturalismo enfim. As teorias feministas francesas apoiaram-se na psicanálise, as anglo-americanas nas questões marxistas, mas o que percebemos é que tais discursos constroem-se com bases num resgate que envolve a história de um silenciamento das mulheres na sociedade, silêncio este que aos poucos rompe suas últimas amarras. A escritora Heloisa Buarque tem um discurso recheado de ironia quando traça um estranho paralelo entre a mulher de hoje e um Cyborg, ser construído em laboratório. Tal criatura artificial superaria o modelo de família, nem “pais” nem “filhos”, religião metafísica (não voltaria ao pó, pois não veio do barro e como uma salamandra poderia até recompor suas partes físicas que se perdessem). Notamos que os teóricos usam tais exemplos para justificar seus posicionamentos antagônicos quando que se trata de conservadorismo social. Retrabalhar o discurso do outro, quer seja masculino ou feminino, em busca de estratégias libertárias, comparar tendências e buscar novas estratégias parece-nos um dos caminhos mais adequados nos dias de hoje em que a relação entre os seres e as coisas devem buscar reativar o senso crítico e não a reificação. Proponho algo similar a um palimpsesto que tanto exiba o que estava antes quanto abra caminhos para um novo quadro usando a linguagem para desconstruir o racionalismo e as noções de veracidade.
Stella Maris Saldanha e Roger Bravo na peça Anjos de Fogo e Gelo
Esta voz, o ethos, o tom, o sentido, vem sendo cada vez mais observado e os discursos “machistas”, principalmente desde os anos 50, “desconstruídos”. Filósofos franceses como Roland Barthes e Derrida serviram/servem de inspiração para intelectuais como a indiana Gayatri Spivak e outras que se unem em torno do questionamento sobre a posição opressora da voz masculina como dominante nos discursos históricos, antropológicos, psicanalíticos, literários, ideológicos enfim. Percebendo que em Simone de Beauvoir e seu livro “O segundo sexo” já se começava a tecer a ideia de respeito ao “outro”, hoje vemos que mesmo a idéia do “outro”, no caso das mulheres, às vezes justifica até uma visão patriarcal e que é impossível representar coerentemente este “outro”, isto é, a visão que a mulher tem do homem ou vice-versa, pois será sempre transcrito por um “eu”. A mulher, quer seja na literatura lírica, épica e dramática, atravessou milênios no papel de musa, muitas vezes foi representada no papel de submissa ou traidora como a bíblica Dalila, transgressora como Joana D´Arc, cujo maior delito teria sido travestir-se de homem numa época que proibia as mulheres, inclusive, de morrer pela pátria.
Esbarramos agora no ponto da teoria: os textos femininos visitados pelos teóricos, quase sempre homens até o início do Século XX, eram vistos como textos de exceção. Contra isso, levantou-se a inglesa Virgínia Woolf que, no ensaio “Um teto todo seu”, fez da literatura o pódio onde sugeria às mulheres que sem independência - inclusive financeira - não haveria possibilidade de “voz”, aqui mais uma vez no sentido Bakthiniano, numa sociedade que as proibia até de frequentar determinadas instituições. Se observamos não só pelo lado das ideias e preconceitos dos teóricos mas da própria representação literária vemos a mulher apresentada como reprodutora, cujos filhos machos devem desde cedo dela diferenciar-se e serem alertados sobre este necessário distanciamento e o reforço da identidade masculina. As correntes teóricas literárias de hoje sofrem grande influxo dos estudos culturais, como as de Homi Bhabha, por exemplo, e apontam como correção aos antigos erros a sugestão, mais uma vez desconstrucionista, Bhabha serve de influência para intelectuais como Gayatri Spivak, por exemplo. Ela consegue arrancar das palavras o sentido e reescrevê-las em palimpsesto e catacrese, revertendo assim o discurso do machoopressor.
Os discursos pós-coloniais de teóricos como os caribenhos Stuart Hall, Édouard Glissant e Fanon, também vêm a cada dia comprovando que a problemática dos gêneros na literatura, a questão da voz, não deve separar-se de outros como raça, etnia, classes sociais, homossexualismo, multiculturalismo enfim. As teorias feministas francesas apoiaram-se na psicanálise, as anglo-americanas nas questões marxistas, mas o que percebemos é que tais discursos constroem-se com bases num resgate que envolve a história de um silenciamento das mulheres na sociedade, silêncio este que aos poucos rompe suas últimas amarras. A escritora Heloisa Buarque tem um discurso recheado de ironia quando traça um estranho paralelo entre a mulher de hoje e um Cyborg, ser construído em laboratório. Tal criatura artificial superaria o modelo de família, nem “pais” nem “filhos”, religião metafísica (não voltaria ao pó, pois não veio do barro e como uma salamandra poderia até recompor suas partes físicas que se perdessem). Notamos que os teóricos usam tais exemplos para justificar seus posicionamentos antagônicos quando que se trata de conservadorismo social. Retrabalhar o discurso do outro, quer seja masculino ou feminino, em busca de estratégias libertárias, comparar tendências e buscar novas estratégias parece-nos um dos caminhos mais adequados nos dias de hoje em que a relação entre os seres e as coisas devem buscar reativar o senso crítico e não a reificação. Proponho algo similar a um palimpsesto que tanto exiba o que estava antes quanto abra caminhos para um novo quadro usando a linguagem para desconstruir o racionalismo e as noções de veracidade.
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