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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

MODERNISMO – PRIMEIRA FASE (1922 - A FASE HEROICA OU DA ICONOCLASTIA) pelo Prof. Moisés de Melo Neto



A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

Após a realização da Semana de Arte Moderna e ainda sob os efeitos de público entre o novo e a tradição, tem início a primeira fase do modernismo (1922 a 1930).
Nasceu um momento de incerteza no que tange ao rumo a ser seguido, porém existia a convicção da necessidade de se romper com os modelos. Era o gosto pela pesquisa estética, pela liberdade de expressão, pelo experimentalismo com a linguagem, pelo distanciamento do academicismo defendido pelos parnasianos.
Estimulados por uma acentuada inspiração nacionalista que impulsionou os escritores brasileiros a se preocuparem com a aproximação entre a língua falada e a escrita e com a valorização do nível coloquial na linguagem literária nossa literatura começou a ganhar um matiz especial.


pintura de Vicente Caruso, mistura de pin up com índia brasileira


VÍCIO NA FALA (Oswald de Andrade)

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Mário e Oswald de Andrade são considerados os líderes do movimento, o primeiro pela coerência das posições teóricas e também pelos exemplos de modernidade dados aos poemas; e o segundo por uma postura anarquista, agitadora, inquieta e inteligente, através da qual foi promovendo, jornais e nas famosas reuniões onde se discutia o Modernismo, os novos “talentos” que descobria.
Houve momentos de algazarra e de total confusão durante a Semana: no dia 13, por exemplo, ao reger duas composições de sua autoria, o músico Heitor Villa-Lobos foi “arremedado” pelo auditório, o que causou vaias e assobios – um verdadeiro caos – interrompendo-se a seção.
No dia 15, a palestra de Menotti Del Picchia, ilustrada por poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Mário e outros, e por um número de dança, ocorreu entre “relinchos” e “miados”. Finalmente, quando Ronald de Carvalho declamou Os Sapos, de Manuel Bandeira, poema que satiriza o Parnasianismo, o texto quase se desmontou entre “latidos”, “urros” e “coaxos”.
As telas de Anita Malfati, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, as esculturas de Victor Becheret, os projetos arquitetônicos modernistas expostos no saguão do Teatro também causaram reações de espanto e indignação. Seja na leitura por Mário de Andrade de trechos de um de seus Manifestos da Nova Arte – A Escrava Que Não É Isaura – seja no aparecimento de Villa-Lobos de casaca, mas de chinelo em um dos pés, por causa de um “calo encravado”, a agressão de “ambas as partes” continuava, só cessando no dia 17 – encerramento da semana – devido à falta de público.
Estada dado, assim, em pleno ano comemorativo do Centenário da Independência, um grito que, se por um lado congregou moços avessos à tradição, por outro só se tornou possível graças ao subsídio de representante da alta burguesia paulista como Paulo Prado e René Thiollier, que foi o responsável pelo aluguel do teatro – e da “literatura oficial passadista” – como Graça Aranha, respeitável acadêmico da Academia Brasileira de Letras.

Poesia modernista e vanguarda: destruição e nacionalismo

Leitor:

Está fundado o Desvairismo. [...]
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. [...]
Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. [...]
Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório - questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural - tem a eternidade que a natureza tiver. [...]
     E está acabada a escola poética "Desvairismo".
     Próximo livro fundarei outra.
E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só.
(Mário de Andrade – Prefácio Interessantíssimo, in Paulicéia Desvairada, 1922)

No Prefácio Interessantíssimo, Mário de Andrade parece fundar uma nova escola literária: o Desvairismo, palavra que nos faz lembrar a radical negação da razão da arte dadaísta. Outro ponto de contato entre ambas é a ironia presente no título dos Manifestos: Prefácio Interessantíssimo, A Escrava que não é Isaura... Esta ironia demolidora se acentua quando o poeta declara, no fim do Prefácio, o encerramento da escola literária recém-inaugurada.
O verso-livre (sem rima e sem métrica), “as palavras em liberdade”, associadas por analogia ao invés de pelos recursos sintáticos tradicionais, a preferência pelos substantivos e verbos em detrimento dos adjetivos e advérbios, e também o bom humor, a “blague” (piada), a ironia corrosiva, e ao mesmo tempo alegre, constituem os mais expressivos elementos de rompimento do Modernismo em relação à tradição.
Outra característica fundamental de toda a obra de Mário é o nacionalismo, também presente em Oswald e na maioria das obras de primeira geração modernista.
A criação de uma língua nacional, de uma cultura nacional autônoma, independente, aproxima, em termos teóricos, os modernistas dos românticos. No entanto, há uma inversão de perspectivas entre ambos: enquanto o Romantismo exaltava a pátria de modo ufanista, idealizador, o Modernismo de 22 propõe-se a questioná-la, a redescobri-la crítica e criativamente, a desvendar suas contradições mais umbilicais.
Mário de Andrade foi um incansável pesquisador de nosso folclore, de nossas modinhas populares, de nossa linguagem ou linguagens regionais, de nosso comportamento, elementos presentes na sua obra-síntese, Macunaíma.
O nacionalismo de Oswald, em oposição ao das outras correntes modernistas, como o Verdeamarelismo e o Grupo de Anta, que idealizaram a pátria identificando-a com o Estado, baseia-se na “devoração crítica”, “antropofágica”, quer dizer, na assimilação de todas as influências estrangeiras – que vão da colonização à absorção das vanguardas artísticas européias – e na sua digestão, para que assim saiamos da “cópia”, da “tradução” e possamos criar e recriar a nossa história, a nossa cultura.
A pintura de Tarsila do Amaral, primitivista e moderna, em especial o quadro Abaporu, inspirou a criação de Oswald de Andrade da mais radical das correntes de nosso primeiro modernismo: A Antropofagia, da qual participaram, além de ambos, Raul Bopp, autor de um poema-narrativo sobre a Amazônia (Cobra Norato) e Antônio de Alcântara Machado, que escreveu Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China – dois livros de contos sucessivamente tematizando a imigração italiana e a imigração lusa.

Mário de Andrade foi ainda um grande apaixonado por sua terra, SÃO PAULO. São Paulo é ARLEQUINAL, traje de losangos. “Arlequim é um personagem das antigas comédias italianas (foi assimilado pelo Carnaval brasileiro). Seu traje é feito de retalhos com formato de losangos de diferentes tecidos e cores, simbologia que se traduz na grande “boca de mil dentes que é a sua cidade”. Cidade de diferentes pessoas, de interesses diversos, de níveis sociais distintos, de diferentes origens, enfim uma ‘colcha de retalhos’, arlequinal.

Arlequinal é a paisagem da cidade e também do poeta, imagem feita de pedaços, aspectos múltiplos da cidade.
O Arlequim é comparado ao poeta que se opõe ao materialismo e vive a fantasia, o lado espiritual, o inconsciente. Pedacinhos que se ligam como a fantasia do Arlequim.
OS AUTORES

OSWALD DE ANDRADE – Paulista. Cursou Direito e ingressou na carreira jornalística. Espírito romântico e destruidor. Jornalista, poeta, romancista e autor de peças teatrais. Oswald sempre fugiu aos modelos literários da época. Em seus textos predominam o humor, a ironia, a linguagem coloquial (cotidiano), o uso do neologismo, o poder de síntese – o poema pílula.

Foi um jovem rico. Viveu ora em São Paulo, ora em Paris. Conheceu as vanguardas europeias e introduziu as renovações artísticas em nosso país. Não tinha a desconfiança do imediato, do fácil como Mário de Andrade. Entregava-se às primeiras sensações, ao contrário de Mário que sempre as “ruminava”.

Sempre repudiou a linguagem acadêmica (poesia tradicional). Dessa linguagem (acadêmica) sempre fez paródia “só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano”.

Oswald idealizou os principais manifestos futuristas. Foi nacionalista crítico. Rompeu com a estrutura dos romances tradicionais em seus romances Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande.

Usa capítulos curtos. Prosa e poesia se fundem, os fatos não seguem ordem cronológica rígida, mistura níveis de linguagem (infantil, parodístico, poético). Aproveitou os lugares comuns da linguagem cotidiana como convites, bilhetes, cartas, anotações, discursos e deu outra roupagem.

Ao revelar os valores culturais do Brasil e seu povo fez uso de uma linguagem bem espontânea:


Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Oswald propôs, em seus textos, descrever o país pela perspectiva cultural, étnica e histórica (eis a proposta do manifesto antropofágico). Veja a referência às três raças no texto abaixo, observe o destaque dado pelo autor à formação étnica brasileira:

brasil (Oswald de Andrade)

O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval

Lembre-se do Manifesto Pau-Brasil:
“O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões do Botafogo. Bárbaro e nosso a formação étnica rica.”

Observe no poema Canto de Regresso à Pátria uma paródia ao conhecido poema romântico Canção do Exílio:

Canto de Regresso à Pátria
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.
(...)
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte pra São Paulo
Sem que eu veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.”
(Lóide brasileiro – Oswald de Andrade)

Oswald foi um dos representantes mais contundentes em suas observações sobre a cultura brasileira, mais polêmico, mais destruidor. Analisou friamente (satirizou) a sociedade capitalista da qual fez parte.Em 1931, ingressou no Partido Comunista e ficou até 1945. Neste período, escreveu Serafim Ponte Grande (romance), O Manifesto Antropófago, a peça O Rei da Vela. Confere a seus textos base na História (passado), atualidade e perspectiva crítica. Ao mesmo tempo que veste as cores de seu país, aponta as contradições “moderno-primitivistas” que vivíamos. A cor local também é exibida em tom parodístico.
Oswald, não se pode esquecer, foi um dos escritores desse tempo que mais se preocupou em aproximar a linguagem coloquial da linguagem literária, os chamados “erros gramaticais” definidores da nossa nacionalidade. Imagens insólitas, fragmentação, aproveitamento da técnica dadaísta do ready-made aparecem muitas vezes em seus textos e nos sugerem o impulso do poeta às tendências concretistas. Enfim, o poeta foi IRREVERENTE, CRIATIVO, POLÊMICO.

MÁRIO DE ANDRADE (O Papa do Modernismo) – “Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil”.
Foi poeta, contista, romancista, crítico, folclorista, pesquisador de música. Escritor fecundo da nossa literatura. Espírito crítico e determinado, influenciou bastante no desenvolvimento do modernismo. Dosou bem vanguarda e tradição. Deu lugar de destaque às pesquisas folclóricas.
Criticou duramente a burguesia paulista e a aristocracia. Integrou-se poeticamente à cidade de São Paulo – terra natal. Demonstrou também interesse pela etnografia, antropologia, psicologia.
Não foi tão radical como Oswald de Andrade. Sua obra é de grande variedade temática. Encarou seu conhecimento cultural, sua dedicação como armas para estudar problemas do seu tempo e de sua terra e poder colaborar na reconstrução do país quanto ao aspecto social, cultural humano.

OS CORTEJOS

Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bon Giorno, caro."
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Estes homens de São Paulo,
toso iguais e desiguais,
quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
parecem-me uns macacos, uns macacos.

São Paulo sempre foi das suas mais importantes fontes temáticas. A poesia de Mário segue duas direções: de um lado a poesia intimista e introspectiva (serena ou conflitante); do outro, a poesia política de combate às injustiças sociais (O Carro da Miséria / Lira Paulistana – aqui aparece a meditação sobre o Tietê).

Leia alguns textos do autor

TEXTO A

PAISAGEM Nº 2 (fragmento)
“São Paulo é um palco de bailados russos.
Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes
e também as apoteoses da ilusão...
Mas o Nijinsky sou eu!
E vem a morte, minha Karsavina!
Quá quá quá! Vamos dançar o Fox-trot  da desesperança.
a rir, a rir dos nossos desiguais!”

TEXTO B

A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ
“Água do meu Tietê,
Onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da ponte das bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oleosa...”

TEXTO C

Em O Poeta Come Amendoim, o escritor se identifica com o Brasil (nacionalismo) pela linguagem.

“Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”

PUBLICAÇÕES DO AUTOR:

- POESIA
·         Há uma gota de sangue em cada poema (1917)
·         Paulicéia Desvairada (1922) – Aqui, se destaca o Prefácio Interessantíssimo
·         Losango Cáqui (1926) – sensações, ideias, alucinações, brincadeiras, líricas
·         Clã do Jabuti (1927) – aproveita temas populares extraídos do folclore e também reflete a preocupação do poeta com o destino do homem.
·         Remate de Males (1930) – expressão poética lírica e simples; há a preocupação com a vida e o lirismo amoroso
·         Poesias (1941)
·         Lira Paulistana (1947)
·         A Costela do Grão Cão. Livro Azul. O Carro da Miséria – reflexões amarguradas sobre a vida e preocupação com problemas sociais.

- PROSA
·         Primeiro Andar (contos – 1926)
·         Amar Verbo Intransitivo (romance, 1927)
·         Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (rapsódia, 1928)
·         Belazarte (contos, 1934)
·         Contos Novos (1947)
·         O Turista Aprendiz

- ENSAIOS
·         Prefácio Interessantíssimo
·         Escrava que não é Isaura (1925)
·         Aspectos da Literatura Brasileira (1943)
·         O Empalhador de Passarinho (1944)


Com Clã do Jabuti, Mário inicia seu nacionalismo estético. Este livro é um “mosaico” das diversas manifestações culturais brasileiras. O poeta mapeia poeticamente o Brasil (lendas, histórias, costumes, falas regionais variadas).





LIRISMO PURO + CRÍTICA + PALAVRA
=
POESIA

Poesia é intuição + trabalho artístico, construção artesanal.

No que diz respeito à prosa de Mário destacamos AMAR, Verbo Intransitivo.
Enredo simples. Sousa Costa, rico industrial e fazendeiro paulistano, contrata Elza (no livro Fräulein = senhorita), uma professora alemã de 35 anos, com a finalidade aparente de ensinar alemão aos filhos, mas, na verdade, Fräulein tinha a missão de seduzir e iniciar o adolescente Carlos (filho mais velho). A intenção do pai era livrar o filho das prostitutas e dos perigos das drogas e doenças. Fräulein como educadora mostra-se disposta a ensinar ao rapaz que se deve amar sem se prender de modo exagerado ao objeto do amor. (Veja o paradoxo do título da obra). Carlos se apaixona pela moça e namoram às escondidas. Nasce o sentimento de culpa. O episódio deixa para Sousa Costa (ou para o leitor?) entender o que se passou.
Os personagens são mostrados por dentro (psicologia): pensamentos, desejos, convicções, contradições. Observa-se uma análise das relações familiares e sociais, bem como a influência da psicologia freudiana.

A obra maior do autor é MACUNAÍMA, O HEROI SEM NENHUM CARÁTER.

De suas pesquisas folclóricas sobre o Brasil (entre 1924 e 1927) nasce Macunaíma, o Herói sem nenhum caráter. Registrou, na obra, manifestações culturais: lendas, costumes, modo de falar regionais; ritos, danças populares: samba, coco, toada, modinha. Macunaíma foi chamado por Mário de rapsódia, termo que tomou emprestado à música, por designar uma “composição que envolve uma variedade de motivos populares.” Macunaíma é herói por suas “desigualdades”: é preguiçoso, esperto, irreverente, simpático, valente, mentiroso, covarde, aproveitador, enfim sem nenhum caráter.
“Com a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não, (...) o brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional”.
A obra é um processo de colagem de lendas e histórias que a linguagem traduz com palavras, expressões e construções sintáticas das várias regiões brasileiras.
Quanto à linguagem: rica, composta de regionalismos de todas as partes do Brasil, utilizou provérbios, modismos, ditos populares, gírias, frases feitas.
Com Macunaíma, o autor procurou criar uma língua brasileira, síntese do português falado no Brasil. Destacou as variantes regionais, as influências estrangeiras e a criatividade popular. Faz-se notar na obra pelo emprego intencional de vocábulos como “SI”, “MILHOR”, “SIQUER”, recurso para pôr em relevo o modo como o brasileiro fala. Usou ainda vocabulário de origem africana (urucungo), indígena (cunhãs, aipim), popular (mexemexendo, senvergonhice), regional nordestina (em riba).
Enfim a cultura popular, o folclore, o contrates entre o primitivo e o moderno são os elementos norteadores desta produção.
Veja o que diz a professora Samira Yousseff sobre a obra:
“Fruto de longos estudos de Mário acerca da mitologia indígena e do folclore nacional, é uma narrativa de estrutura inovadora, em termos de enredo. Logo de início, são apresentados o herói, Macunaíma, sua mãe e seus irmãos, Maanape e Jiguê, índios Tapanhumas, que vivem às margens do rio Uraricoera. Essa situação inicial é rompida com a morte da mãe. Os irmãos partem, então, da terra natal, em busca de aventuras.
Macunaíma encontra Ci, a mãe do mato, rainha dos Icamiabas, tribo de amazonas. Depois de dominá-la, faz dela sua mulher e torna-se imperador do mato-virgem. Ci dá luz a um filho, que morre. Ela também falece, em seguida, sendo transformada em estrela. Antes de morrer, ela dá um amuleto a Macunaíma: é a muiraquitã, uma pedra verde em forma de sáurio.

Macunaíma perde o amuleto, que vai parar nas mãos de Venceslau Pietro Pietra, um mascate peruano, conhecido como o gigante Piaimã, comedor de gente. O gigante mora em São Paulo, a cidade de macota do igarapé Tietê.

Macunaíma e seus irmãos descem o rio Araguaia em direção à cidade macota, a fim de recuperar o amuleto.
A maior parte da narrativa se passa em São Paulo e consiste nos diversos embates entre Macunaíma e o gigante. Muitos aspectos da vida paulistana são, aí, satirizados.

Macunaíma consegue matar Piaimã e recuperar a muiraquitã, partindo de volta ao Uraricoera. Inicia-se, então, um antagonismo seu com Vei, a deusa-sol, que oferecerá ao herói uma de suas três filhas em casamento.

Entretanto, Macunaíma se deixa seduzir por uma varina portuguesa e começa a namorá-la, perdendo a possibilidade de se casar com a filha de Vei.

Por fim, a deus-sol se vinga. Ela manda um forte calor, que estimula a sensualidade do herói e o lança nos braços de uma uiara traiçoeira, que o mutila e o faz perder para sempre o muiraquitã.
No final, quando o herói já não “achou graça nesta terra”, foi para o céu, ser a Ursa Maior.
(Literatura: História e Texto)

Mais uma pintura de Vicente Caruso
Olhem só essa  Narcisa e esse mico Narciso
O artista mixou pin ups com índias do Brasil


MANUEL BANDEIRA (1886, Recife – 1968, Rio de Janeiro).

“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a
                                       [ linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.”
(Poema do Beco, em Estrela da Vida Inteira)

Nasceu no Recife e em vários de seus poemas falou dos bairros, da gente, das tradições, fez os estudos secundários no Rio de Janeiro e iniciou o curso de Arquitetura em São Paulo – desiste devido à crise de tuberculose. Viaja à Suíça para tratamento de saúde (1917-1917) e através da amizade com o escritor Paul Éluard entra em contato com as inovações artísticas (vanguardas européias).









Caixa de texto: “Assim eu queria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples
  e menos internacionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem
  os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam
  Sem explicação”
 
























Bandeira – um poeta marcado pela doença (poeta da vida e da infância, do tempo e da morte) e pelo isolamento. Foi considerado o mestre do verso livre.
Inicia na poesia com os livros A Cinza das Horas e Carnaval, de herança simbolista pelo tom lírico e melancólico. Observa-se também a herança parnasiana, pelo aspecto formal.
Seu poema “Os Sapos” é uma sátira aos poetas parnasianos. Foi lido por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Moderna.
Vale destacar que a poética de Bandeira envolve inclusive experiências concretistas.

ESTILO – linguagem simples, despojada.

Coloquialismo linguístico; emprego de palavras de uso popular (“midubim”, “macaquear”...)
Valorização do cotidiano sem perder o lirismo poético.
Alterna poemas – minuto e composições extensas.
Buscou inovações artísticas e também se mostrou clássico (baladas, rondós). O humor, certo ceticismo, ironia, amarga, idealização de um mundo melhor fazem-se notas na sua vasta produção.

TEMAS

·         A MORTE (doença) / SOLIDÃO / A PAIXÃO PELA VIDA (vivia cada instante como se fosse o último).
·         A INFÂNCIA (recordações do Recife)
·         O SAUDOSISMO (“A vida inteira que podia ter sido e que não foi.”)
·         A PRESENÇA DO MENINO NO ADULTO
·         FUSÃO ENTRE CONFISSÃO PESSOAL E A VIDA DO DIA-A-DIA
·         AMOR E EROTISMO
·         CRÍTICA SOCIAL E REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE A CONDIÇÃO DO HOMEM
·         O FOLCLORE

No seu livro Ritmo Dissoluto, vai-se libertando da herança parnasiana e simbolista. Em Libertinagem (1930), desenvolve plenamente uma linguagem coloquial, atinge a dramaticidade.
A própria doença, o quarto, as ações mecânicas do cotidiano serviram de temas para os seus poemas.
Febre, hemoptise, dispnéia, suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi:
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três, Trinta e três... Trinta e três.
– Respire...
...........................................................
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, Doutor, não é possível fazer um PNEUMOTORAX?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
(M. Bandeira – Libertinagem)
“Criou-me desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai.”
(Lira dos Cinquent’anos – Testamento)

Sempre se mostrou:

a)    Apaixonado pela vida
       
        [...]
        O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.”
(Ritmo Dissoluto – Madrigal Melancólico)

b)    Apaixonado pelo Recife da infância

        Há que tempo não te vejo!
Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
Recife.

Mas não houve dia em que não te sentisse dentro de mim:
Nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.

Não como és hoje,
Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeira nas calçadas
(Continuavas província,
Recife.)

Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas,
Sem Arrais, e com arroz,
Muito arroz,
De água e sal,
Recife.

Um Recife ainda do tempo em que o meu avô materno
Alforriava espontaneamente
A moça preta Tomásia, sua escrava,
Que depois foi a nossa cozinheira
Até morrer,
Recife.
(Recife, em Estrela da Tarde)
    [...]
– Muitas contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitastes? Dize ao triste.

– Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia...
– E esqueceste Pernambuco,
Distraída?

– Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora

– Aurora da minha vida,
– Que os anos não trazem mais!
(Opus 10 – Cotovia)

c)    Apaixonado pelas mulheres:
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
                                       (Libertinagem – Teresa)
d)    Apaixonado pela linguagem do povo – a língua natural espontânea:

“[...]
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada”
(Estrela da Vida Inteira – Evocação do Recife)

e)    Preparado para a morte:

        Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Opus 10 – Consoada*)










f)     Preocupado com a necessidade de inovar:

        “Beijo pouco, falo menos ainda
        Mas invento palavras
        Que traduzem a ternura mais funda
        E mais cotidiana.
        Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
        Intransitivo:
        Teadoro, Teodora.”
(Belo Belo – Neologismo)

g)    Com a questão social que encontrou força na lírica (embora entre como tema mais raro).

        “Vi ontem um bicho
        na imundície do pátio
        Catando comida entre detritos.
        Quando achava alguma coisa,

        Não examinava nem cheirava:
        Engolia com veracidade.

        O bicho não era um cão,
        Não era um gato,
        Não era um rato.
        O bicho, meu Deus, era um homem.”
(Belo Belo – O bicho)

* O que a vida negou ao poeta – em face da doença – conseguiu viver na volta à infância, sinônimo de felicidade plena. Seus sonhos e fantasias, no entanto, se realizam no universo imaginário de Pasárgada:

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

(M. Bandeira – Libertinagem)

Leia  mais um poema em que o mundo ideal e o material transparece liricamente no poema:

Eu quero a estrela da manhã
Onde estará a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte

Digam que eu sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã (...)

(Estrela da Manhã)
A ONDA

A  O N D A
A onda anda
                aonde anda
                               a onda?
a onda ainda
ainda anda
aonde?
a onda a onda

(Estrela da tarde)

Leia agora os comentários abaixo sobre a poética de Manuel Bandeira:

Manuel Bandeira: estrela da vida inteira

O livro “Estrela da Vida Inteira” é, na verdade, um conjunto de livros do poeta recifense, um dos mais ternos do Brasil, Manuel Carneiro de Souza Bandeira (1886-1968).

São eles:

- CINZA DAS HORAS (1917):
Nele podemos perceber que o poeta, vindo da tradição simbolista parnasiana, mantém com ela profundos laços e caminha, paradoxalmente, para uma ruptura dessa tradição.
“O que tu chamas tua paixão / É tão somente curiosidade. / E os teus desejos ferventes vão / Batendo as asas na irrealidade... // Curiosidade sentimental / Do seu aroma, sua pele. / Sonhas um ventre de alvura tal, / Que escuro o linho fique ao pé dele (...) E acima disso, buscas saber / Os seus instintos, suas tendências... / Espiar-lhe na alma por conhecer / O que há de ser sincero nas aparências.” (trecho de “Poemeto Irônico).

- CARNAVAL (1919):
Muito bem recebido pela nova geração da época e por parte da crítica especializada. “É um livro sem unidade. Sob pretexto de que no carnaval todas as fantasias se permitem. Admiti, na coletânea, uns fundos de gaveta, três ou quatro sonetos que não passam de pastiches parnasianos, e isto ao lado das alfinetadas dos ‘sapos’”, disse o poeta. O poema “Os Sapos” é uma sátira ao parnasianismo e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. O poema seria considerado uma espécie de hino nacional dos modernistas.
Outro poema deste livro: “Na velha torre quadrangular / Vivia a Virgem dos Devaneios... / Tão alvos braços... Tão lindos seios... / Tão alvos seios por afagar...” (em Baladilha Arcaica).

- O RITMO DISSOLUTO (1924):
Neste livro, Bandeira começa a explorar mais sistematicamente a simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro, como o próprio poeta via, de “transição entre dois momentos de sua poesia”.
“A doce tarde morre. E tão mansa / Ela esmorece, / Tão lentamente no céu de prece, / Que assim parece, toda repouso, / Como um suspiro de extinto gozo / De uma profunda, longa esperança / Que, enfim cumprda, morre, descansa...” (em Felicidade)

- LIBERTINAGEM (1930):
Com a publicação deste livro, pode-se dizer que a poesia de Bandeira amadureceu definitivamente, no sentido de uma liberdade estética. Além disso, o poeta consolidou sua temática existencial e explorou com mais frequência as cenas e imagens brasileiras. Poemas que se transformaram em clássicos: “Não Sei Dançar”, “Pneumotórax”, “Poética”, “Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma Notícia de Jornal”, “Teresa” e “Vou-me Embora Para Pasárgada”.
“Uns tomam éter, outros cocaína. / Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria. / Tenho todos os motivos menos um de ser triste. / Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...” (em Não sei Dançar)
“Recife / Não a Veneza americana / Não a Mauritstadt dos armadores das índias ocidentais (...) Mas o Recife sem história nem literatura / Recife sem mais nada / Recife da minha infância” (em Evocação do Recife)

ESTRELA DA MANHÃ (1936):
Bandeira tinha 50 anos quando, sem encontrar editor, publicou 50 exemplares na marra (papel doado e impressão custeada por subscritos). Alguns músicos interessaram-se por seus textos, como Jaime Ovall e Radamés Gnatali, entre outros. Em 1945, o poeta compôs as letras para uma série de canções, a pedido do maestro Villa-Lobos, que queria composições tipicamente brasileiras para serem cantadas em ocasiões festivas. Foram reunidas com o nome de Canções de Cordialidade (“Trem de Ferro”, “Berimbau”, “Cantiga”, “Dona Janaína”, “Irene do Céu”, “Na Rua do Sabão”, “Macumba do Pai Zuzé”, “Boca de Forno”, “O Menino Doente” e “Dentro da Noite”, publicados em outras obras).
“As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. / Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde! / O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá! / Que outros, não eu, a pedra cortem / para brutais vos adorarem, “Ó brancaranas azedas, / Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata / Ou celestes africanas (...) Meu Deus, serão as três Marias? // A mais nua é doirada borboleta / Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, (...) e nunca mais telefonava / Mas, se a terceira morresse... Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim” (em Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá)

LIRA DOS CINQUENT’ANOS (1940):
Publicação de emergência, o primeiro convite que o poeta recebeu de uma casa editora. Bandeira candidatou-se à Academia Brasileira de Letras.
“Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada / Ribeirão trepidante e de cada recosto / De montanha o metal rolou na cascalhada / Para o fausto d’El-Rei, para a glória do imposto // Que resta do esplendor de outrora? Quase nada: / Pedras... templos que são fantasmas do sol-posto.” (em Ouro Preto)
“Vi uma estrela tão alta, / Vi uma estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo / Na minha vida vazia // Era uma estrela tão alta! Era uma estrela tão fria! / Era uma estrela sozinha / Luzindo no fim do dia” (em A Estrela)
“Lapa-Lapa do Desterro –, / Lapa que tanto pecais! / Mas quando batem seis horas, / Na primeira voz dos sinos, / Como anunciava / A Conceição de Maria, / Que graças angelicais!” (em Última Canção do Beco)

- BELO BELO (1948):
Esse título foi tirado de um poema da Lira dos Cinquent’Anos. Numa edição posterior, de 1951, foram acrescentados alguns poemas.
”Vamos viver no Nordeste, Anarina. / Deixarei aqui meus vamigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha / Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante. / Aqui faz muito calor. / No Nordeste faz calor também. / Mas lá tem brisa.” (em Brisa)
“Belo belo minha bela / tenho tudo que não quero / Não tenho nada que quero / Não quero óculos nem tosse / Nem obrigação de voto (...) Belo belo / Mas basta de lero-lero / Vida noves fora zero.” (em Belo Belo)

- MAFUÁ DO MALUNGO (1948):
Publicado na Espanha por iniciativa de João Cabral de Melo Neto, Mafuá significa feira popular, Malungo é um africanismo, significando companheiro. Nesse livro, Bandeira faz jogos com as primeiras letras das palavras, faz também sátiras políticas, brinca “à maneira de outros poetas”.
“Olhei para ela com toda a força. / Disse que era boa. / Que ela era gostosa, / Que ela era bonita pra burro: / Não fez efeito (...) Virei pirata (...) Então banquei o sentimental (...) Escrevi cartinhas (...) Perdi meu tempo: não fez efeito / Meu Deus que mulher durinha! / Foi um buraco na minha vida. / Mas eu mato ela na cabeça: / Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas, / Pastilhas purgativas: / É impossível que não faça efeito!” (em Dois Anúncios. I-Rondó de efeito)

- OPUS 10 (1952-1955):
A expressão do título vem do universo da música. A palavra latina Opus indica genericamente obra, composição, e o número indica a posição de determinada peça num conjunto de composição do autor. Nomeando um livro seu a partir de uma expressão tomada no universo da música, Bandeira ressalta a importância da música e da musicalidade em sua obra.
“Como em turvas águas de enchente / Me sinto a meio submergido, / Entre destroços do presente / Dividido, subdividido, / Onde rola, enorme, o boi morto (...) Morto sem forma ou sentido / Ou significado. O que foi / Ninguém sabe. Agora é um boi morto.” (em Boi Morto)
“Grilo toca aí um solo de flauta. / – De flauta? Você me acha com cara de flautista? / – A flauta é um belo instrumento. Não gosta? / – Troppo dolce!” (em O Grilo)

- ESTRELA DA TARDE (1960):
Reeditado em 1963, com novos poemas. É a maturidade do poeta completo que Bandeira já é ao tempo deste livro, onde ele tanto retorna ao soneto tradicional (reinventado na sua poética), como se utiliza de recursos gráficos – talvez inspirados nas vanguardas contemporâneas – na montagem de poemas como “O Nome em Si”.
“Vejo mares tranquilos, que repousam, / Atrás dos olhos das meninas sérias. / Alto e longe elas olham, mas não ousam / Olhar a quem as olha, e ficam sérias” (em Variações Sérias em Forma de Soneto)

- LIRA DO BRIGADEIRO
“Depois de tamanhas dores, / De tão duro cativeiro / às mãos dos interventores, / Que quer o Brasil inteiro? / – O Brigadeiro! (...) Brigadeiro da esperança, / Brigadeiro da lisura / Que há nele que tanto afiança / A sua candidatura? / – Alma pura! (...) Abaixo a politicalha! Abaixo o politiqueiro! / Votemos em quem nos valha: Que nos vale, brasileiro? / – O Brigadeiro (...) O Brigadeiro é católico (...) Comunga, mas não comunga / Com os impostores ateus / E os ricos do Estado Novo: / Comunga só com o seu Deus / E com o povo! (...) – Não voto no militar; voto no homem escandaloso. / – Ué, compadre, quem é o homem escandaloso? / – O Brigadeiro (...) Não zunzuna / Nem não fala atoamente; / Será nosso presidente / Estava no seu destino / Desde que ele era tenente / desde que ele era menino.”

- OUTROS POEMAS
“O SUPLICANTE – Padre Nosso, que estás no céu santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pó nosso de cada dia nos dá hoje. // O SENHOR (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal tu és pó e em pó te converterás!” (em Sonho de uma noite de coca)
“Casa Grande & Senzala / Grande livro que fala / Desta nossa leseira / Brasileira // Mas com aquele forte / Cheiro e sabor do Norte / - Dos engenhos de cana (Massangana!) (...) Se nos brasis abunda / Jenipapo na bunda, / Se somos todos uns / Octoruns / Que importa? E lá é desgraça? / Essa história de raça, / Raças más, raças boas (...) É coisa que passou / Pois o mal do mestiço não está nisso. // Está em causas sociais, / De higiene e outras que tais: / Assim pensa, assim fala / Casa Grande & Senzala. // Livro que à ciência alia / A profunda poesia / Que o passado revoca / E nos toca // A alma de brasileiro, / Que o portuga femeiro / Fez e o mau fado quis / Infeliz!”

ALCÂNTARA DE MACHADO (Antônio de Alcântara Machado – 1901/1935)
Nasceu em São Paulo. Foi crítico de teatro, trabalhou no Jornal do Comércio. Fez viagens à Europa, conheceu Oswald de Andrade. Colaborou na Revista Terra Roxa e Outras Terras, na Revista Antropofágica e na Revista Nova. Esteve muito ligado à crônica jornalística.
Trabalhou a prosa. Usou de linguagem leve, telegráfica, cinematográfica, cheia de flashes, cortes -  a chamada prosa experimental.
Retratou a vida dos imigrantes pobres, os italianos de São Paulo, moradores do Brás, Bexiga, Barra Funda e Mooca. Falou do trabalhador humilde (italianos): barbeiros, merceeiros, operários, habitantes de bairros proletários que modernizaram a cidade de São Paulo.
Falou de Carmela, a costureirinha; de Gaetaninho, o filho do operário; do jogador de futebol, enfim o homem na sua vida íntima, na luta do dia-a-dia. Seu foco de interesse recai sobre aspectos humanos, morais, culturais e linguísticos. É a vida urbana e operária da grande São Paulo do início do século.
Alcântara Machado procura recompor o ambiente em traços leves, demonstrando preocupação jornalística ao mesmo tempo que expõe a situação socioeconômica dos personagens.
Seu texto aparece recheado de palavras da língua italiana, de imigrantes italianos marginalizados e desejos de ascender socialmente.
Como técnica de composição faz uso da superposição de cenas, à maneira das colagens. O narrador vai fotografando cena por cena e deixa uma imagem crítica, às vezes humorística, dos italianos.

Romances: Pathé Baby; Mana Maria (inacabado).
Contos: Brás, Bexiga e Barra Funda; Laranja da China.
Ensaio: Cavaquinho e Saxofone.

Leia, a seguir, o trecho de Brás, Bexiga e Barra Funda, notícias de São Paulo:

ARTIGO DE FUNDO

Assim como quem nasce homem de bem deve ter a fronte altiva, quem nasce jornal deve ter artigo de fundo. A fachada explica o resto.
Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo.
Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.
Durante muito tempo a nacionalidade viveu da mescla de três raças que os poetas xingaram de tristes: as três raças tristes.
A primeira, as caravelas descobridoras encontraram aqui comendo gente e desdenhosa de "mostrar suas vergonhas". A segunda veio nas caravelas. Logo os machos sacudidos desta se enamoraram das moças "bem gentis" daquela, que tinham cabelos "mui pretos, compridos pelas espadoas".
E nasceram os primeiros mamalucos.
A terceira veio nos porões dos navios negreiros trabalhar o solo e servir a gente. Trazendo outras moças gentis, mucamas, mucambas, munibandas, macumas.
E nasceram os segundos mamalucos.
E os mamalucos das duas fornadas deram o empurrão inicial no Brasil. O colosso começou a rolar.
Então os transatlânticos trouxeram da Europa outras raças aventureiras. Entre elas uma alegre que pisou na terra paulista cantando e na terra brotou e se alastrou como aquela planta também imigrante que há duzentos anos veio fundar a riqueza brasileira.
Do consórcio da gente imigrante com o ambiente, do consórcio da gente imigrante com a indígena nasceram os novos mamalucos.
Nasceram os italianinhos.
O Gaetaninho.
A Carmela.
Brasileiros e paulistas. Até bandeirantes.
E o colosso continuou rolando.

No começo a arrogância indígena perguntou meio zangada:

Carcamano pé-de-chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?

O pé-de-chumbo poderia responder tirando o cachimbo da boca e cuspindo de lado: A brasileira, per Bacco!
Mas não disse nada. Adaptou-se. Trabalhou. Integrou-se. Prosperou.
E o negro violeiro cantou assim:

Italiano grita
Brasileiro fala
Viva o Brasil
E a bandeira da Itália!

Brás, Bexiga e Barra Funda, como membro da livre imprensa que é, tenta fixar tão somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e quotidiana desses novos mestiços nacionais e nacionalistas. É um jornal. Mais nada. Notícia. Só. Não tem partido nem ideal. Não comenta. Não discute. Não aprofunda.
Principalmente não aprofunda. Em suas colunas não se encontra uma única linha de doutrina. Tudo são fatos diversos. Acontecimentos de crônica urbana. Episódios de rua. O aspecto étnico-social dessa novíssima raça de gigantes encontrará amanhã o seu historiador. E será então analisado e pesado num livro.
Brás, Bexiga e Barra Funda não é um livro.
Inscrevendo em sua coluna de honra os nomes de alguns ítalo-brasileiros ilustres este jornal rende uma homenagem à força e às virtudes da nova fornada mamaluca. São nomes de literatos, jornalistas, cientistas, políticos, esportistas, artistas e industriais. Todos eles figuram entre os que impulsionam e nobilitam neste momento a vida espiritual e material de São Paulo.
Brás, Bexiga e Barra Funda não é uma sátira.
A REDAÇÃO

POEMA DE FINADOS (Manuel Bandeira)

Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.

Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.

O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.


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