O FANTASMA DA ÓPERA
por Moisés Neto
No romance “O Fantasma da
Ópera”, de Gaston Leroux (Ediouro, RJ, 2005, 254 p.) Encontramos um homem
misterioso que espalhava terror pelas catacumbas e corredores da ópera de
Paris.
Leroux insinua
que este romance (1910) seria uma “reportagem”. Vários ingredientes pululam
neste romantismo tardio francês (já ganhou 18 versões para cinema e 4
para o teatro -3 musicais).
O triângulo
amoroso Erik (fantasma, anjo da música, uma caveira que dorme num caixão de
defunto e faz coisas inverossímeis), Christine Daeé (cantora lírica, filha de
violinista, acredita em anjos, consegue sucesso com ajuda de Erik, por quem
sente repulsa) e Raoul de Chagny (visconde, seu irmão, conde, quer impedir sua
união com a heroína): um jogo com poucas cenas ao ar livre.
Christine ao substituir a já aclamada Carlotta num importante recital na
Ópera de Paris, impressiona a todos e se revela o grande triunfo da noite. A
jovem acredita que o seu sucesso é obra do “Anjo da Música”, uma voz que a
visita todos os dias em seu camarim para dar-lhe aulas de canto.
Enquanto isso,
os novos diretores da Ópera de Paris, Armand Moncharmin e Richard, recebem de
seus predecessores um livro de regulamentos da casa que inclui estranhas
exigências atribuídas a um tal “Fantasma da Ópera”; entre elas, extravagantes e
caras necessidades financeiras. Imaginando se tratar de uma brincadeira, eles
resolvem ignorar todos os avisos que recebem para manter os caprichos do Fantasma
e se envolvem numa seqüência de trágicos acontecimentos, entre os quais o
estranho rapto de Christine. Torturado pela dor do amor não correspondido e
pelo abandono, o Fantasma se revela uma criatura assustadora.
Mame Giry é a personagem que serve como intermediária
ao fantasma e é porteira da ópera. Quer ver sua filha imperatriz, é o que lhe
prometeu o fantasma, que já ajudara Lola Montez, a bailarina, a entrar para
nobreza. Os diretores de missionários (Poligny e Debienne) e os novos (Richard
e Mouncharmin) negociam com o fantasma através dela. Há o misterioso persa que
leva Raoul ao fantasma, há golpes teatrais como: o sumiço de Christine diante
dos olhos da platéia, a queda do lustre.
O fantasma não
tem pátria e sua mãe comprou-lhe a primeira máscara. Seu pai o rejeitou e ele
compõe uma ópera “Don Juan Triunfante”, que enfeitiça quem a ouve Christine é
prisioneira por 15 dias. Ele cobra-lhe higiene matinal. Passeiam à noite pelo
Bois de Bologne. Ele destrói a voz da diva Carlota, que atrapalhava o estrelato
de Christine.
Na montagem do
“Fausto” ela é Margarida. Na cena em que pede aos anjos que a carregue, é
carregada. Pânico geral. Consternação até entrar ricos preconceituosos que lhe
vetavam ascensão social.
Christine vai
a um cemitério próximo ao mar. Quer visitar o túmulo do pai sobre a neve, sob a
lua, em clima gótico Erik toca o violino do morto e Raoul tenta roubar a cena.
Há uma misteriosa rosa deixada pelo fantasma, que vence a luta. Christine volta
ao hotel, Raoul desmaia.
Na ópera, em
um cemitério, nas catacumbas, Erik age. Mexe-se com destreza e é vítima do
amor. Anda com capa, máscara, chapéu. Tem um cavalo branco, roubado dos da
ópera, cujo nome é César.
Metáforas em
excesso, como o sapo que sai da garganta de Carlotta no seu clímax do “Fausto”,
rebuscam um texto que propõe instantes terríveis e que parecem intermináveis,
deixando a sensação de medo. Mas, quem tem medo do fantasma? Seria o este
personagem em si, apenas uma metáfora? Quem eram aquelas garotinhas da ópera
que tomavam cerveja, copinhos de cassis e rum. O que faziam antes que o toque
da sineta as chamasse à cena? Podemos quase sentir o seu bafejo. Elas temiam,
pensavam em fugir? Não ousavam. A pobre Christine é uma espécie de Wendy às
avessas. E o caráter de Erick, sua inverossimilhança é patente. A fantasia é
marcada como num palco. O prédio da ópera, com mais de oito andares, é um
chamariz para leitores/espectadores hipnotizados por um cenário de
sonho/pesadelo. Conseguirá nossa Cinderela terminar feliz ao lado do seu noivo
(por um dia, ela ganhou um beijo no teto da ópera, sob a mira dos olhos de fogo
de Erik, que tudo espiava, desta vez dor entre a lira da estátua de Apolo,
sobre o prédio).
Bruxaria?
Heresia? O quarto dele é vermelho e negro. As paredes dos seus aposentos,
forradas de caros tecidos. Ele desfruta de um lago, ele parece maléfico, ele é
assassino, é “feio”, o que quer da jovem “honrada” (virgem)? Ele a faz
atravessar espelhos (metáfora). Um baile de máscaras o monstro circula: é a
morte vermelha pressionando e dividindo o primeiro amor do mocinho Raul na
festa que precede o carnaval.
O final do romance segue com empolgação quando Christine Daaé é
raptada para a catacumba do fantasma. Raoul e o persa vão tentar salvá-la e
terminam em um alçapão que o fantasma Erik usa como câmara de torturas. Ela
aceita casar-se com o “monstro”, porém este, comovido com suas sinceras
lágrimas, solta-a com a condição que ela use sempre a aliança dele, mesmo
quando case com Raoul (o que aconteceu). Pede que o enterre quando ele morrer. Quem
conta o final da história de Erik é o persa. Erik era tão feio que foi
rejeitado até pela própria mãe (que nunca o beijara, o primeiro beijo, na
testa, ele receberá de Christine, nos subterrâneos da ópera de Paris, que ele,
com seus dons, ajudou a construir. Vemos aqui o avesso de Quasímodo, ou, um
arremedo do romance de Hugo, “O Corcunda de Notre Dame”). Ainda jovem fugira e
aprendera a ser arquiteto e ilusionista, planejou e supervisionou a construção
de palácios no Oriente médio, foi então que conheceu o persa, que o salvou quando um poderoso queria
assassiná-lo para manter um segredo de construção. Ao chegar em Paris
participou das obras da Ópera e em suas entranhas alojou-se até a morte
dramática.
Trata-se de um libelo do
Romantismo tardio (1910), agonizante, este...Fantôme de l´opéra!
Com grande
habilidade na construção do suspense. Leroux misturou acontecimentos reais e
ficção para criar um ambiente realista e dotar o seu romance de caráter
investigativo:
“O FANTASMA DA ÓPERA EXISTIU, NÃO É PRODUTO DE
IMAGINAÇÃO. Existiu em carne e osso, embora com todas as características
de um fantasma” . Ao vasculhar os arquivos da Academia Nacional de Música,
encontrei coincidência entre os fenômenos atribuídos ao “Fantasma” e a tragédia
que abalou a sociedade parisiense, e ocorreu-me que esta poderia ser explicada
por aqueles. Como isso data de menos de trinta anos, não seria difícil
localizar no foyer do teatro homens idosos cuja palavra não pode ser
questionada e que se lembrariam das condições que cercaram o rapto de Christine
Daaé, o sumiço do Visconde de Chagny e a morte de seu irmão mais velho, o conde
Philippe, cujo corpo foi encontrado às margens do lago existente nos fundos da
Ópera, do lado da rua Scribe. Custei a aceitar a verdade e”, por mais de uma vez,
quase desisti de buscá-la. Até que tive a prova de que meus pressentimentos não
me haviam enganado. Nesse dia eu passara horas lendo Memórias de um diretor, de
Moncharmin, que, quando à frente da Ópera e sem entender o comportamento do
Fantasma, chegou a zombar dele.
Também
achei alguns manuscritos de Christine, além de sua correspondência, e vi que a
caligrafia era a mesma..
Finalmente, com meu dossiê,
voltei a percorrer os domínios do Fantasma. Tudo o que vi confirmou os
documentos do Persa e maravilhosa descoberta coroou meus esforços.
Recentemente, ao escavar o subsolo da Ópera para enterrar discos com vozes dos
artistas, as picaretas dos operários revelaram um cadáver. Tive logo a prova de
que eram os restos mortais do Fantasma da Ópera. E, depois de chamar a atenção
do administrador do teatro para o caso, pouco me importa que os jornais afirmem
que o corpo era de uma vítima da Comuna.
Ora, as vítimas da Comuna
nos porões da Ópera não foram enterradas desse lado. Suas ossadas estão bem
longe da cripta onde se cumularam, durante o cerco, as provisões. Achei a pista
quando buscava os restos do Fantasma, afinal localizados graças à casualidade.
Gaston Leroux
GASTON
LEROUX nasceu em Paris, em 1868. Após a morte de seu pai, trabalhou como
correspondente no jornal Le Matin. Publicou o primeiro livro em 1903,
mas foi com o sucesso de O mistério
da casa amarela, de 1907, que decidiu deixar o jornalismo para se dedicar
somente ao romance. No entanto, sua prática em reportagem lhe permitiu criar em
seus livros uma atmosfera de grande verossimilhança através do uso de fatos
reais, “documentos” e “depoimentos”. A sua principal obra. O Fantasma da
Ópera, foi publicada em 1910 e sua primeira adaptação de sucesso para o
cinema, em 1925, um clássico do cinema mundo, contou com a colaboração do
autor. Gaston Leroux faleceu em 1927, em Nice.
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