"Eu vi a Morte, a
moça Caetana,/ com o manto negro, rubro e amarelo./ Vi o inocente olhar, puro e
perverso,/ e os dentes de Coral da desumana// Eu vi o Estrago , o bote, o ardor
cruel (...) Ela virá, a Mulher aflando as asas,/ com os dentes de cristal , feitos
de brasas (...) só assim verei a coroa da Chama e Deus, meu Rei, / assentado em
seu trono do Sertão".
Ariano Suassuna
(Sonetos: "A Moça Caetana" e "A Morte")
Uma análise da obra
teatral de Ariano Suassuna nos faz mergulhar nas nossas origens culturais. Num
recuo positivo em direção às sucessivas fontes que nos fizeram quem somos hoje:
misto de regional e universal.
Os primeiros
colonizadores trouxeram para cá a cultura europeia, transmitida oralmente.
Assimilada pelos nordestinos, desenvolveram-se as influências ibéricas e
mediterrâneas.
Uma das influências que
Ariano sofreu foi a dos escritores Gil Vicente, português, e do
espanhol Calderón, ambos homens de teatro na época das grandes
descobertas. Suassuna pratica o entrecruzamento de textos, adaptando várias
obras populares (do cordel ao teatro europeu) ao seu modo. Conserva a língua
popular, mas, com grafia e correção gramatical eruditas. Prepara o espectador
para uma moral conforme o cristianismo. É muito comum em suas peças a cena de
um "juízo final" (juiz-acusador-defensor-réu).
Além de usar textos
alheios, recriando-os, Ariano pratica a intertextualidade , refazendo cenas de
suas peças(exemplo: "O auto da Compadecida") e enxertando-os em
outras (em "A pena e a lei").
Suas fontes vão de Shakespeare até
a Bíblia. A intertextualidade ( "comunicação entre textos") era
prática comum desde a Idade Média. Ariano a mantém, utilizando o cordel, o
bumba-meu-boi, o mamulengo e também mistura o popular ao erudito(Cervantes,
Moliére), fazendo tudo às claras, muito bem explicado em prefácios , palestras
e aulas.
PEÇAS PRINCIPAIS:
O AUTO DA
COMPADECIDA(1955): Como sabemos, um "AUTO" é o teatro medieval de
alegorias(pecado, virtude, etc.) . Personagens como santos, demônios. É um
teatro de construção simples ,ingenuidade na linguagem, caracterização
exacerbada e intenção moralizante, podendo conter o cômico. Para escrever esta
peça, Suassuna baseou-se em folhetos populares - primeiro e segundo atos
baseiam-se em, respectivamente, " O Enterro do Cachorro" e "A
História do Cavalo que defecava dinheiro ", textos de Leandro Gomes. O
terceiro ato é uma mistura de "O castigo da sabedoria", de Anselmo
Vieira e "A peleja da alma", de Silvino Pirauá Lima. A invocação de
João Grilo à Maria e o nome "Compadecida" também são inspirados em
textos populares. João Grilo é o herói picaresco, passou fome e mente para
ganhar o que quer, seu amigo Chicó também é mentiroso. A infidelidade da mulher
do padeiro, a mesquinhez deste, o anticlericalismo e o cangaço são analisados
por Suassuna num julgamentopresidido por Maria, Jesus (negro) e atiçado por
uma figura diabólica. No final, João Grilo volta à vida depois de morto.
A FARSA DA BOA
PREGUIÇA(1955): Escrita em versos livres, tem trechos cantados. Cita a Bíblia e
Camões, poeta da Renascença portuguesa. Cada ato tem uma certa independência um
do outro ("O peru do cão coxo", "A cabra do cão caolho" e
"O rico avarento"). A inspiração de Suassuna desta vez recai sobre a
arte do mamulengo, teatro de bonecos do Nordeste, com suas pancadarias e mestres,
sua trama simples , como por exemplo, o patrão sempre é culpado. A história do
diabo que quer levar uma mulher e um homem para o inferno. A exploração do
homem pelo homem. A falta de caridade , a preguiça, a prova imposta à mulher, a
vitória, seres celestiais disfarçados de pedintes e seres infernais oferecendo
o pecado são temas que mais uma vez nos remetem à referida simplicidade
medieval que apontamos no início deste estudo.
O CASAMENTO
SUSPEITOSO(1957) : É uma comédia de costumes. Trata do tema casamento por
dinheiro. A ação se passa na casa da matriarca de uma família, dona Guida. Travestimentos,
cenas de pancadaria e sátira aos membros da igreja e da justiça compõem esta
peça. Cancão (figura tomada emprestada do bumba-meu-boi) é o empregado esperto
e também faz lembrar alguns personagens das comédias de Molière (autor de
comédias, francês).
O SANTO E A
PORCA(1957), o casamento da filha de um avarento. O "santo " em
questão é Santo Antônio e a "porca" é um cofrinho, símbolo do acúmulo
de dinheiro (tão protetor quanto o santo).
A PENA E A LEI(1959) : Aqui Suassuna reaproveitou cenas de seus textos "Torturas de um Coração" e da "Compadecida", numa encenação que vai do boneco irresponsável ao ser humano pleno diante de Deus (Benedito, Mateus, Cheiroso e Cheirosa intensificam o cômico). A peça diverte mas também analisa as questões sociais: trabalho na usina, reivindicações dos trabalhadores, companhias estrangeiras, fome, prostituição em cenas curtas e de muita movimentação. A preocupação com a moral está sempre presente e o trágico é diluído pelo cômico . São personagens estereotipados . Suassuna também se utiliza das cantorias nordestinas.
A PENA E A LEI(1959) : Aqui Suassuna reaproveitou cenas de seus textos "Torturas de um Coração" e da "Compadecida", numa encenação que vai do boneco irresponsável ao ser humano pleno diante de Deus (Benedito, Mateus, Cheiroso e Cheirosa intensificam o cômico). A peça diverte mas também analisa as questões sociais: trabalho na usina, reivindicações dos trabalhadores, companhias estrangeiras, fome, prostituição em cenas curtas e de muita movimentação. A preocupação com a moral está sempre presente e o trágico é diluído pelo cômico . São personagens estereotipados . Suassuna também se utiliza das cantorias nordestinas.
RESUMINDO: a comédia da
antiguidade, o teatro religioso, a arte popular do Nordeste e seus folguedos
são as salutares influências deste mestre das letras que é o paraibano Ariano Suassuna,
Ex-aluno do Colégio Americano Batista do Recife (dos 10 aos 15 anos, uma fase
de sua vida que sempre recorda com saudade), professor de Filosofia, foi
secretário de cultura do governo Arraes e que também é autor de três
romances: "Fernando e Isaura" (sobre um amor
impossível", ) ,"Romance d´A pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do
Vai-e Volta" .(Ed. José Olympio. RJ. 1970), sobre um poeta que na
década de 30 sonha em escrever um épico nordestino e acaba preso como comunista
e "História d´O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao sol da onça
Caetana", suas lembranças de infância e do pai, mescladas num sertão
mítico.
Ariano é fundador do
MOVIMENTO ARMORIAL , reafirmando no nordeste a influência ibérica, africana e
indígena.
Ariano Suassuna e Moisés Neto
A musicalidade dos textos
de Ariano é agreste. Sua poesia rebrilha à luz ardente do Nordeste.
"Não faço
distinção entre a cultura popular e a erudita. A cultura brasileira, a cultura
popular brasileira, não está ameaçada . Ela é resistente. Estão tentando
matá-la, mas não conseguirão" , diz Ariano e nos convida ao deleite
com pérolas do cancioneiro ibérico, a arquitetura africana, as cores da África,
textos de José de Alencar, de Aluízio Azevedo. E é no Romanceiro popular
que Ariano mais se inspira. Nas novelas de cavalaria, nos amores incríveis, nos
heróis picarescos (zombeteiros) que permeiam as histórias que o povo conhece.
Ele chega a usar um mesmo texto várias vezes como base para sua recriação. "A
novela da Renascença é picaresca. O personagem principal é a Fome". Emigra
para o Brasil o herói pícaro ibérico, o astucioso que difere do opressor que é
o lado ruim . Ao comentar o Brasil antes de Cabral, Ariano reafirma nossa
cultura milenar :"Existia teatro indígena antes da chegada dos jesuítas .
É absurdo centralizar a origem do teatro. O teatro japonês não nasceu na
Grécia. Tem outra origem. O teatro indígena é um teatro de máscaras e
excelentes figurinos e enredos fascinantes que envolvem sua religiosidade. Eu
queria que um cineasta brasileiro fizesse com este tipo de teatro brasileiro o
que o cineasta japonês Kurosawa fez com o antigo teatro japonês, o teatro
Nô e com o Kabuki . Injustiça social não é base para a arte popular. Ela também
não é primitiva. Os violeiros vêem televisão, os artistas populares transformam
as informações universais em linguagem com temática local. Temos que fortalecer
nossa cultura". Para isso, Ariano usa seus conhecimentos de Filosofia,
História e Literatura, trabalhando o belo de forma dialética, unindo-o ao
cômico misturando o espírito intelectual com a esperança no homem, fundindo
nossa herança barroca com um espírito neoclássico .
Análise do
"Romance d´A Pedra do Reino" (1970) : Ariano recheia seu livro
"Romance d´ A Pedra do Reino" com humor malicioso e exibe sua perícia
na selva das palavras. Mistura nobres e pobres num processo criativo ímpar.
Os colonizadores do Brasil aparecem como bravos que tiveram coragem de matar
para estabelecer novos rumos. Ariano traz para a narrativa suas experiências
com o teatro e a poesia, brinca com a metalinguagem, expõe os
"mistérios" da criação. O tema central do romance são as artimanhas
de Quaderna e a trágica história dos seus antepassados na cidade de São
José do Belmonte, interior de Pernambuco. Ariano, através da narração em
primeira pessoa (Quaderna), descreve paisagens e situações alucinantes, reinventa
a cronologia, adapta fatos históricos à sua ficção ( a magia das grandes
navegações, as cruzadas, os romances de cavalaria, as revoluções. Se Alencar
foi exuberante mas não ousou exibir um herói picaresco, Ariano, com seu Regionalismo
natural, busca as interseções entre o popular e o erudito, misturando a poética
aristotélica com Romantismo e buscando o êxtase criativo num realismo que
alguns intelectuais rotulam de mágico, fantástico. O encatatório, o
mítico, o exótico vão delineando o espaço criativo que traça o painel do sonho
de uma monarquia de esquerda , sonho que Ariano alimentou durante
algum tempo. Obcecado em criar uma epopeia nordestina, o narrador torna- se
cômico e o recurso Deus ex machina(sobrenatural) surge para resolver as
inquietações da alma que perturbam a raça humana. Outro mito recorrente é o
sebastianismo.
Podemos até arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que recusa a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa espécie de circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido , de dignidade, num emaranhado de "causos" alinhados por uma escrita competente que se utiliza do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo, transforma o interior de Pernambuco numa espécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo, à lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo Corregedor) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares (cordel e emboladores ) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes, Quaderna busca a imortalidade através da Literatura , quer ser fidalgo. Quer louvar sua estirpe. Tenta reiventar Homero , a sua Odisseia é através do Atlântico nordestino e sua Ilíada tem como palco o sertão, ali está a Onça Caetana( a morte, a vida , o amor, a nacionalidade). Seres fantásticos pululam ao lado de personagens estilizados numa narrativa explosiva recheada de situações absurdas .
Muitas ações de Ariano também geram polêmicas, como seu posicionamento radical na época do Manguebeat, ou ainda suas opiniões sobre figuras como o (falecido) presidente da Venezuela, Hugo Chaves, que, em visita ao Recife, esteve com o escritor e sua esposa.
Zélia, Chaves, Adriana e Ariano
Podemos até arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que recusa a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa espécie de circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido , de dignidade, num emaranhado de "causos" alinhados por uma escrita competente que se utiliza do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo, transforma o interior de Pernambuco numa espécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo, à lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo Corregedor) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares (cordel e emboladores ) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes, Quaderna busca a imortalidade através da Literatura , quer ser fidalgo. Quer louvar sua estirpe. Tenta reiventar Homero , a sua Odisseia é através do Atlântico nordestino e sua Ilíada tem como palco o sertão, ali está a Onça Caetana( a morte, a vida , o amor, a nacionalidade). Seres fantásticos pululam ao lado de personagens estilizados numa narrativa explosiva recheada de situações absurdas .
Muitas ações de Ariano também geram polêmicas, como seu posicionamento radical na época do Manguebeat, ou ainda suas opiniões sobre figuras como o (falecido) presidente da Venezuela, Hugo Chaves, que, em visita ao Recife, esteve com o escritor e sua esposa.
Zélia, Chaves, Adriana e Ariano
Nenhum comentário:
Postar um comentário