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domingo, 5 de junho de 2016

Volta, querida. No show de Zeca Baleiro

por moisesmonteirodemeloneto




“Assim ele canta, no seu novo CD:
 “ Era domingo
Era do mundo
Meu olhar perplexo
Na voz navalha
Vida, migalha
E eu quero mais que isso
Toda beleza
Na fortaleza
De um céu cheio de azuis
Música bela
Pela janela
Soava feito um blues
E eu tão só
Tão sem ninguém...”



Os professores Telma Virgínia e Moisés Neto, no show de Zeca Baleiro
 



Zeca Baleiro é um cara legal. Este aprece ser o slogan favorito para  o marketing desse maranhense que conquistou o Brasil abençoado por Gal Costa, nos anos 90,  numa releitura de Vapor barato (“ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar...”); hoje Zeca está com a cabeça quase toda branca, o que não deixou de chocar alguns recifenses que acreditavam que ele era um vampiro e nunca envelheceria; bobagens à parte o show deste senhor é um barato; mas ele tem uma queda inevitável, ou incontornável, para o brega; regional, pop, blues, rock, também para o underground (meio beatnik, pronto, já disse!).

Cabala na agulha, para criar um trocadilho, 

pecado acadêmico, que Zecadora





Eu poderia citar o cenário, que lembrava tanto um canavial nordestino quanto um bambuzal chinês, prático e muito bom, poderia dizer que a iluminação arrojada contribuiu para a formação de um clima, que entorpecia o espectador já ritmado com o maranhense querido; mas prefiro falar do que aconteceu, também na audiência e tratar um pouco sobre cruzamento de ideias. Zeca traz elementos cinematográficos, filosóficos, televisivos, algo da composição pictórica, transporta tudo em letras e atitudes que dispensam tecnologias exibicionistas, consegue fazer o espetador imagine, e o faz como um estranho sacerdote.
 Assisti ao show no dia 4 de junho de 2016, ao lado da minha grande amiga Telma Cunha, uma guerreira que luta pelas causas sociais, principalmente as causas do feminino. Zeca cantou músicas do novo CD (Era domingo), mas passeou (só um pouco) pelos hits (toca Raul!). Sentamos bem pertinho dele  e eu dei um livro com as crônicas do cantor para minha caríssima Telma. Ficamos encantados quando ele cantou O CHAMADO (música do repertório de Marina Lima).  Mas o negócio de Zeca é mesmo o ócio criativo e o espetáculo, ele sabe como conduzir muito bem. Então foi rolando o tempo com a inclusão do clássico de Belchior (que eu encontrei usando uma cozinha como camarim, quando estive em Miami) “Apenas um rapaz latino americano” e mais. Ele começou a conversa com a plateia, que é bicho que uma vez desperto é capaz de criativa interação. Disse que preferia o Nordeste ao esquema do Sudeste. Por isso veio logo ao Recife. Também não teceu grandes loas Manguetown.
Quando ele saiu de cena se despedindo, antes do bis, alguém gritou “volta, querida” (numa atitude cheia de múltiplos sentidos, numa mistura notável, de entonação, intenção e recado/ maldição, bênção, teatro, lembrou-me algumas ideias de Dick Higgins, do meu caríssimo Grupo Fluxus, que já teve nas suas hostes membros como Yoko Ono e nosso Paulo Brurcsky, obra de arte em interseção, dinâmica entreambiente, transformando a plateia em espaço performático,  e sabe-se lá o que mais), aí o público deu aquele riso involuntário, bateu palmas e só uma voz arriscou um “tchau, querida” (para Zeca?), ouviu-se até certo "nãotemerpordilma", parecia canto gregoriano. Ele voltou e  durante aquela parte da sua performance, ele comentou muito sutilmente a opinião dele sobre o atual momento político, o fez com poesia e refinamento, continuaou a encantar uma plateia que estava nas suas mãos, mas não estava passiva. Ele concluiu o show pela segunda vez.Saiu, os espectadores iam retirar-se quando...  ele entrou, pela terceira vez.
Não vi ninguém que valesse a pena destacar  na plateia, também não procurei muito. Zeca é poeta, no sentido vivencial do termo. Adorável, mesmo, sim, com seus trocadilhos. Sua voz é xamanística, seu ritmo cativante e sua presença reconforta nossos corações solitários de artistas da palavra...

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