por
Moisés Monteiro de Melo Neto
O
repertório do leitor interfere diretamente na recepção do material
histórico/pessoal recomposto em forma literária.
Literatura
é sempre memória e sociedade. O mais recluso e abstrato dos autores está ligado
a sua obra num ciclo “inescapável” de produto. Produção-processo.
Aos
cânones dominantes (do popular e do erudito) cabe a tarefa de expor como os textos
se deixam interpretar pela experiência divina.
Os
temas dominantes (e tema é sempre problema?) ou recorrentes e seus
desdobramentos refletem algo da memória, pela tentativa de superar o
esquecimento ou reconstruí-la. A memória que pode, na literatura, ser uma
faculdade épica, tende a dialogar com outros gêneros literários também. O
desenho da sociedade é executado, também, em palimpsesto, mimesis, espelho,
imitação (em tosca tradução latina do Grego) já que compartilhar uma herança também
significa história, busca de uma memória individual fundindo-se a uma coletiva
(construção referida em obra artística) que conserva/altera imagens do passado
em fusão, difusão, profusão.
As
condições sociais sob quais uma obra é produzida e estudada posteriormente (em
futuros horizontes de expectativa inclusive) tem sido objeto de estudo pela
Academia. A demarcação dos territórios, literatura/memória/sociedade, vai além
do aparato artístico dado na reelaboração das visões pessoais ou sociológicas.
E
claro que a obra não é pretexto para denuncias sociais ou subjetivismo
sufocantes. Mas há claro, correlações entre os aspectos reais e os que aparecem
nos livros. Interessante observar, por exemplo, como a sociedade pernambucana
está presente em “um sábado em 30” e “viva” o cordão encarnado” de Luiz
Marinho: A quem esta obra foi destinada, sua aceitação e como se deu esta
“reciprocidade”.
Poderíamos
questionar aqui a função da literatura. Se encontrássemos algo de biográfico
nos romances urbanos de Alencar, naquele reinado de época sobre o qual ele se
debruçou: o fato de ter sido preterido por suas desavenças com Pedro II e a sua
posterior crítica (à clef) ao
imperador no romance “Guerra dos mascates” (cujo enredo é ambientado no século
XVIII). A função social do escritor na formação da sociedade, algo tão
discutido por intelectuais do porte de Gramsci e do húngaro Lukács. Faz-nos
lembrar sempre que além de tudo o aspecto ideológico a construção artística (e
suas respectivas regras) tem uma “economia interna”, no inesquecível dizer de
Antonio Cândido, e qualquer mimese é uma relação arbitrária e deformante da
realidade em nome da expressão artística. Os fatores sociais e os psíquicos são
decisivos para literária que de modo algum dispensa a estética.
Se
a sociedade patriarcal está refletida em “Dom Casmurro”, ou a crítica social e
psicológica faz-nos pressentir o outro em “memórias do cárcere” de Graciliano,
antes de mais nada, temos a discussão/revisão da memória na ficção e na
realidade resgatada; por isso a visão da sociedade atua como fator estético,
nos alertou, dentre outros, Lucien Goldmann.
Erich
Auerbach fundiu processos estilísticos com métodos históricos/sociológicos para investigar os fatos da literatura. O
método estilístico-sociológico: o social filtrado na concepção estética.
Quando
Nabuco revisita sua infância no Engenho Massangana, já com os olhos de um político/escritor,
nos leva até aquela capela temos que levar em consideração o jogo de fatores
que condicionaram e motivaram aquele livro. João Cabral, Bandeira, Drummond,
usaram sua memória para contextualizar suas criações. Mas lembremos que o poeta
possui o seu próprio escolho, não é resultante nem refletor simplesmente: ele
combina, transforma e cria. Qual a influencia exercida pela obra de arte sobre
o meio? (em complementação ao determinismo). As apóstrofes de Castro Alves ou
textos de Martins Pena.
Fernando
Monteiro reflete criticamente suas opiniões em “O grau Grauman” recriando
determinada visão em relação à arte/literatura. Sartre em “A idade da razão”
coloca em xeque alguns valores sociais e incita um determinado modo de ver a
vida, atraído existencialismo, propondo renová-la. Há um jogo dialético em
andamento: expressão grupal e as características individuais do artista (ambas
indissoluvelmente ligadas).
A
literatura como sistema simbólico de comunicação inter-humana pressupõe jogo
permanente entre obra, autor e público: criação e reação.
A
memória produz o objeto biográfico, refaz, faz reaparecer o feito e o ido,
nunca será mera repetição. A memória não pode ser banida e faz-se necessário
transcrevê-la noutras linguagens e usá-la como matéria-prima para novas
reflexões que dialoguem com o presente, e, é com a inteligência deste que ela
deve Sr evocada. A memória alarga as margens do presente. A literatura (e a
sociedade) também se tecem como os fios da lembrança. Se a ciência às vezes
simplifica e generaliza, a memória vai buscar densidades, vai buscar origens
(matéria prima) no “agir-lembrar”. A atividade mnêmica deve evocar, mas não ser
simples repetição. A sociedade se repensa pela memória. A literatura elabora
esteticamente a memória é instrumento socializador,
sua abordagem pela academia exige método.
II
IDENTIDADE
NACIONAL
A
linguagem na literatura fundando uma nação: o projeto do romantismo desde suas
raízes européias e o seu estabelecimento na França revolucionária no final do
Séc. XIX. Alencar e Dias num projeto que, ufanismos à parte, trouxeram para a
lista a missão de concretizar um caráter. A natureza, a memória a
representação, a formação. Hoje que temos as velhas identidades em declínio e
parecem deslocadas ou descentradas, este conceito que é tão complexo, parece
afastar-se cada vez mais do sujeito do iluminismo, ou do sujeito sociológico,
estabelece-se de forma mais intensa o contato com os mundos culturais
exteriores e identidades que estes mundos oferecem.
A
costura do sujeito à estrutura nacional vai se segurando ainda por antigos
projetos como às criticas à cordialidade vida privada que vai à vida pública)
ou a miscigenação. É claro que uma identidade plenamente unificada é uma
fantasia. A tradição é apenas um meio de lidar com o tempo e o espaço. A
experiência de continuidade, mostra-se frágil diante das transformações de
tempo e esforço. Os tipos tradicionais de ordem social sofrem rupturas e
fragmentações, há uma busca de pluralidade de centros de poder.
A
estrutura da identidade permanece aberta. Esse deslocamento passa por um
sistema de valores.
As
faculdades de Direito instaladas no Brasil no século XIX aglutinam mentes que
alicerçaram os princípios da identidade nacional. O projeto brasileiro no
romantismo foi buscar nos documentos quinhentistas argumentos que justificassem
um orgulho ancestral. Os poemas épicos do arcadismo prenunciavam a identidade
que no pós-cristianismo se estabeleceria recorrendo ao índio e ao ambiente.
Castro
Alves com seus poemas epolíricos
plasmou a consciência da democracia, embora ainda idealizando certos aspectos
de nossa sociedade. A expressão intelectual de um povo é uma das missões da
literatura. Os recitativos, os discursos, obras literárias do século XIX
fomentariam uma discussão maior no inicio do século XX quando esta questão de
identidade tornaria-se central mais uma vez, só que então com uma consciência
maior dos recursos vanguardísticos europeus. O prenúncio Pré-Modernista de
Sertões,subúrbios e zona rural foi estrondoso. A busca das raízes parecia
revelar dados estarrecedores e seu impacto foi notável. A teoria determinista
apontava para um meio corrupto, de fanatismo religioso, hipócrita, decadente. A
identidade nacional aparecia por trás da máscara Parnasiana de Bilac e logo se
tornaria um poema – piada ou uma
rapsódia urdida em moldes brasileiros. O projeto Modernista exigiu a identidade
através da carnavalização e da aceitação dos erros. Esta blindagem do
grupo de 22 propunha revisão/análise pondo em crise o conceito romântico de
identidade miscigenada de branco com índio e introduziu o negro e outros
elementos europeus.
O
proletário, o caboclo, o intelectual(vanguarda ou não) todos em busca de
desrecalque eram tema de intenso debate na criação literária. Parecia que os
tristes tópicos do futuro estruturalismo apresentavam paradoxalmente a alegria
como dogma. A ruptura não tardaria e o grupo Verde-amarelista exibia suas novas cores combinadas com o fascismo.
A redenção da “mancha” da mensagem que vinha desde o séc XVIII sendo unida
parecia ter chegado ao cume. O jardim das noticias reveria o progresso e a
folia. Era a justificação do brasileiro, a consciência de sua individualidade,
que não excluía de forma alguma seu caráter ambíguo.
A
literatura cumpriu assim seu papel essencial de reorganizar o mundo (em termo)
de arte escrita.
Mas
a identidade nacional ainda seria posta em xeque pelo Regionalismo de 30; seca,
desigualdade social, coronelismo,
cangaço, comunismo, psicologia. O urbano e o não urbano, a cultura, os
costumes. O imenso caleidoscópio continuava a exibir novas possibilidades e
outros argumentos, para a questão identidade sua inter-relação dinâmica com a
literatura (não necessariamente nessa ordem).
Parecendo
então que a identidade de um ovo está expressa em sua literatura já que só
podemos entendê-la fundindo texto e contexto. A identidade do autor e a maneira
como ele vê o outro (o externo, no caso, o social, que se transforma/funde em
interno – na estrutura da obra).
A
geração 45 ao refletir o chamado Pós-Modernismo mergulhou na recriação da
linguagem em busca da expressão da não-identidade, ou deslocamento das formas
pré-estabelecidas de escrita.
A
poesia de linguagem elíptica, a prosa de o Sertão-mundo, o fluxo de consciência
em queda abissal projetam a imagem de uma identidade poética que, vivida entre
rural e urbano e examinada, o psíquico e o social, a denuncia e o
segredo-mistério concluindo-se em leminiscata. O enigma dos Quadernas
posteriores, a volta ao ibérico refundido ao sertão místico, os nordestinos
fragmentados nos vitrais/mosaicos de região nenhuma que Osman Lins desenha
parece-nos menos de que anseia por uma identidade, mantê-la como reserva
artística. A projeção dos antigos arquétipos sobre os novos modelos, a sombra severa, os rios turvos,
patriarcalismo em crise, o capital, o religioso a identidade forjada as pressas
num mundo que procura entender-se ansiosamente ocidental. A construção
artística na economia do livro que pede uma critica além do sociológico,
psicológico-linguístico, uma crítica que utilize livremente elementos capazes
de conduzir a uma interpretação coerente (inclusive) sobre a questão da
identidade nacional na literatura.
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