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sexta-feira, 17 de junho de 2016

Os últimos dias no Recife...

Recife vive ressaca assustadora:
perigo ronda milhões de pessoas



um conto de moisesmonteirodemeloneto


"Os últimos dias do Recife? Quem acredita nisso? Vaso ruim não quebra!" Juci está quase bêbada. "Estou com medo", disse a amiga, "meu apartamento... as ondas estão batendo na proteção. A empregada está tremendo". "Pare com essa idiotice. As ondas que estão atingindo o litoral do Recife logo vão baixar. Esse papo que a cidade vai ser inundada é alarme falso". Sua amiga rebateu com força: "Eu vou arrumar minhas coisas, logo. Dizem que vai inundar tudo; escute; é verdade, mesmo: a defesa civil alertou. O negócio é muito sério. Você não sabia? Está desconectada, é?". O rio Capibaribe corria junto do restaurante, em curva generosa e, inesperadamente perfumada naquele final de tarde chuvosa no Recife, mas o nível subia e arrastava parte das encostas do calçadão e os finos e fofos olhavam para aquilo com um misto de desdém e certa preocupação  enquanto a mulata se perguntava: “Com que roupa eu vou?”. Nisso Aninha voltando do toalete parou e falou com uns caras no piano-bar e gargalhou com algo que um daqueles sujeitos disse. Era um tipo meio durão, sinhozinho mandão de corte canavieiro topetudo. Quando Aninha veio, Juci mostrou um retrato de um jovem despido para ela. “É esse, o tal fulano com quem estou... me... relacionando há três semanas. É o aniversário dele e a festa promete. Eu serei a dancing queen, entendeu? Desde que contei a ele a história daquela escrava de Minas Gerais, ele só quer me chamar de minha Xica da Silva. Ele fala coisas tipo assim: que os estrangeiros, como ele, aqui no Recife, vêm apenas comprovar a força positiva do neocolonialismo dos americanos e que ele veio nos `salvar´ da inundação; por mim tudo bem, eu respondo. Que ele é o salva-vidas que eu precisava. Tenho mais escrúpulos não. Tomei ele daquela fulana porque senti firmeza na promessa de mudança. O cheiro de atitude que ele traz”. Aninha olhou para ela ,chocada: “A fulana é afilhada do prefeito”. Juci  rebateu: “Dane-se! Se o Recife ficar debaixo d´água, aí eu quero é ver esse povo boiando!  Eu estou é preocupada com minha roupa, o estilista da Paulinha aprontou comigo. Vá confiar! Mas pelo menos o meu assessor cuidou muito bem da divulgação do negócio. Gostou da minha foto na coluna social?”. “Não dou importância a essas coisas, você sabe. Aliás, detesto aquela gentalha, aquelas joias me dão um abuso triste, se é que você me entende. Mas diga: você não sabe dos escândalos com os norte-americanos.? Este seu casinho, o tal engenheiro do Tio Sam, pode lhe custar muito caro, essa ganância dos gringos”.  Juci gargalhou. “Nunca que eles vão! Americanos, depois que colocas o olho numa coisa que querem, não dão mole enquanto não tomam! Não estou dizendo? Nunca vi nada como esse homem. è uma máquina! Uau! Saber e sabor. Olha! Olha essas fotos”. Aninha olha bem a foto. “Pelo menos ele é competente, não é não? Parece que construção do dique está bem adiantada. Será que vai funcionar? Sabia que ele já me deu uma... cantada?”. Juci aquiesceu: “não se preocupe, honey, eu também não sou totalmente fiel, se é que você me entende; sou moderna; não banque a desentendida,  Eu nunca fui, sei lá, ar-mo-ri-al! A minha vida é uma loucura, desde jovem. Já vi de tudo. E andar pelo mundo fez de mim uma pessoa bem experiente. Nas festas, muitas, que vou também dá para entender como é que os negócios são feitos. Fui criada à beira-mar de um bairro bom e se essa porcaria de cidade vai pro beleléu é problema dela. Meu dinheiro está bem guardado. Minha xácara em Aldeia... duvido que a enchente chegue lá! Não vou me ligar se meu homem ficou ou não ficou com alguém, eu quero é me dar bem. Estou cansada das falsas promessas deste novo milênio. Já empacotei tudo que eu tenho. Vou bem ficar esperando a onda chegar aqui. Sei lá se o tal dique aguenta, o dique que os americanos fizeram, quero dizer. Mas não preciso nem esperar. Vou morar no Texas, bem sequinha. Meu amor tem um rancho lá. Passamos quatro dias inesquecíveis no Novo Éden, é o nome do nosso lugarzinho vermelho branco e azul, cansei de verde-amarelo. Essa ressaca agora é fichinha do que vem por aí. Esses desgraçados ficam construindo essas torres à beira-mar, em locais absurdos; vão aterrando tudo... essa cidade abaixo do nível do mar. Isso não ia dar certo. De repente: olha aí a bagaceira!” Aninha riu tranquilizando-se: “Eita, neguinha abusada!”. Juci pediu um capuchino ao garçom. “Você quer mais alguma coisa, Aninha?” Esta fez biquinho e disse: “Um sorvete de menta com chocolate.”


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