BRECHT inspirou
CHICO BUARQUE, MOISÉS Monteiro de Melo N (moises neto) E WINNY adaptaram livremente:
Homenagem
ao Malandro!
CENA 1
Casa de Duran; misto de sala de estar, escritório, bazar; ele está
sentado à escrivaninha, fala ao telefone.
DURAN É isso mesmo, tem que dar um basta nessa malandragem!
No dia em que todo brasileiro trabalhar o que eu trabalho, acaba a miséria. Mas
viu, Chaves, eu tô te ligando pra lembrar que amanhã é o último dia do mês. . .
É, inspetor, a dívida tá em trinta contos e no dia primeiro passa a trinta e
três. Hein? Tem nada demais, dez por cento ao mês. A inflação tá galopando aí
fora... Abatimento? Sei. Bem, eu vou examinar com a maior boa vontade. . .
Oliveira, Oliveira. . . Cremilda Pacheco de Oliveira? Celina, Conceição,
Cremilda, é minha sim. . . Vulga Marli Sodoma, quarenta e um aninhos, hummmm. .
. Atentado ao pudor, é? Olha, inspetor, sinceramente, eu não sei o que é que
essa senhora ainda está fazendo aqui no meu fichário. O quê? Não, não me
interessa. A imagem da minha empresa não pode ficar comprometida por causa duma
Marli Sodoma! Não, já decidi. Nem por três vinténs. Eu vou ter que desligar,
Chaves, a gente se fala depois. (Toca a campainha; Duran desliga o telefone e
berra) Entra, porra! (O sininho toca
novamente; Duran levanta-se e vai até a porta, que é uma porta giratória; sai
por ela e volta empurrando uma jovem de aparência lamentável, muito magra e com
a roupa esfarrapada) Não sabe ler, não? Não viu a placa escrito: entre sem
bater?
FICHINHA Não sei ler, não senhor. . .
DURAN Ahn. . . Mas não me ouviu ali aos berros? Tá surda ou
não limpou o ouvido os berros? Tá surda ou não limpou o ouvido hoje?
FICHINHA Acho que tô meio surda, sim senhor.. . Mas me
mandaram vir assim mesmo procurar o "seu" Durão.
DURAN Durão, não. Duran! Fernandes de Duran! Quem foi que te
mandou aqui, mulher?
FICHINHA Foi na cadeia, sim senhor. Disseram pra vir na Rua
das Marrecas 32, Agência de Empregos "A Brasileira"...
"Seu" Durão é o senhor?
DURAN Duran! Duran! E o seu nome, qual é?
FICHINHA Raimunda
Dias. Mas me chamam de Fichinha, sim senhor.
DURAN Fichinha, é?
FICHINHA Fichinha, sim senhor.
DURAN E o que é que
você foi fazer na cadeia, meu bem? Compras?
FICHINHA "Seu" Durão, eu não sei por que é que me
levaram pra lá, não. Eu não conheço a cidade, sabe? Eu sou do Norte. Eu nem
queria descer pro Rio, não senhor. Eu tinha um namorado lá na Paraíba, um
noivo, tinha até casamento marcado, aí, sabe como é, o noivo se precipitou, fez
isso e aquilo, depois se alistou na FEB e me deixou sozinha. Aí minha família
disse que eu não podia ficar mais lá assim toda desonrada do jeito que fiquei.
. .
DURAN Aí a coitada tomou um gaiola e veio procurar emprego
no Sul, mas não conseguiu porque as pessoas só querem se aproveitar dela porque
ela tá só e desprotegida e assim desprotegida ficou no meio-fio esperando
condução ali pertinho da Praça Mauá, rodando a bolsa por causa dos mosquitos,
quando passou o tintureiro e carregou com ela pro distrito, onde a inocente foi
fichada como vadia, vagabunda e puta. . .
FICHINHA Não senhor, fui fichada como comunista. Porque tava
muito mal vestida pra ser puta, foi o que eles disseram lá. E na confusão da
tal da triagem me jogaram numa cela cheia duns sujeitos tudo de bigodinho e que
ficavam gritando um negócio chamado anauê dentro do meu ouvido. Passei uma
semana com eles berrando esse anauê e acho que daí é que fiquei meio surda e
fui ficando louca e comecei a gritar também, com toda a força dos meus bofes,
comecei a gritar que não era nada daquilo que eles pensavam, que eu não era
comunista nem anauê, que eu era presa comum, queria tratamento de presa comum,
e que eu era vadia, vagabunda e puta e que o Nordeste inteiro já me comeu, até
o padre, até o baitolo, até o boi do bumba-meu-boi e é por isso que me chamam
de Fichinha... (Chora convulsivamente)
DURAN Puta, é?
FICHINHA Puta, é sim senhor.
DURAN E pratica há
quantos anos?
FICHINHA Faz uns sete anos, sim senhor.
DURAN Doenças?
FICHINHA Umas dezoito ou dezenove, não lembro direito. . .
DURAN Cancro mole, mula, sífilis, blenorragia. . .
FICHINHA Sei não senhor. . . Tive todas essas doenças da
vida, mas não sei o sobrenome delas não. . .
DURAN Infelizmente,
minha cara Fichinha, eu já estou com os quadros completos. São mil quatrocentas
e trinta e duas funcionárias com carteira assinada, salário-mínimo, assistência
médica e oito horas de trabalho. É, infelizmente. . . Quantos anos você tem?
FICHINHA Dezessete, sim senhor.. .
DURAN Dá uma voltinha
aí.
FICHINHA Dou, sim senhor.
DURAN Olha, Fichinha, eu sei que vou fazer asneira, mas o
teu caso me comoveu. O que tem chegado de conterrânea tua ultimamente, não é
brincadeira. E eu vou admitindo, até por uma questão de patriotismo. Tô
dispensando as polacas que são ótimas, são saudáveis, mas andam mal acostumadas
e fazem exigências absurdas. . . É, acho que vou te admitir como estagiária.
FICHINHA Como é?
DURAN Estagiária.
Você faz um teste, trabalha umas noites e, se aprovar, passa a funcionária
efetiva. Mas primeiro tem que pagar a taxa de inscrição.
FICHINHA Pagar? Eu não tenho nada. Me levaram até a bolsa...
DURAN Bem, assim também fica impraticável. Eu tô querendo
ajudar, mas assim. . . Você tem que fazer uns exames, tem que fazer tratamento
nessa boca, enfim, só pra começar precisa importar um caixote de penicilina. E
quem vai pagar? Tem graça. . . Ora. . . Vá lá, vá lá. Vou te dar um salvo-conduto
provisório pra entrar na ronda. Sobre cada dez mil-réis que você receber, a
agência cobra cinco de comissão, certo?
FICHINHA Certo, sim senhor.
DURAN E mais dez por cento pelos acessórios.
FICHINHA Acessórios?
DURAN Claro, minha
filha. Ou você pensa que vai arranjar homem com essa carcaça que o diabo lhe
deu? Precisa dar um toque aqui, um retoque ali, umas proeminências, umas
protuberâncias, um não-sei- quê que satisfaça as taras dos homens. (Grita) Vitória! Vitória! Venha ensinar a arte a esta
jovem!
VITÓRIA (Descendo as
escadas com passo firme) Que isso? Esmola outra vez? Isso já está virando um
abuso, já é debochar da caridade cristã! Por onde foi que você entrou? Vai,
vai, vai, passa lá na cozinha e pega um naco de pão. Se a gente dá dinheiro, vai
tudo pra cachaça.
DURAN Não, Vitória, calma. . .
VITÓRIA É sim, se fosse pra comer eu dava. A gente tem
coração e não sabe negar esmola. Domingo passado, na saída da missa, eu dei
cinco tostões prum desgraçado que estava estrebuchando na sarjeta. Na mesma
hora o homem ficou bom e correu pro botequim. É cachaça e jogo do bicho, gente
ignorante! Sai, sai, sai, eu não dou mais um tostão!
DURAN Vitória, deixa eu falar.
VITÓRIA Pois fala, que é que tá esperando?
DURAN Não é mendiga não...
VITÓRIA Ah, é a arrumadeira? Trouxe referências? Não? Sem
referências eu não aceito mais não. A última que empreguei, se lembra, Duran,
foi roubando um garfo, foi surrupiando uma colher, quando fui ver tinha sumido
um faqueiro completo de prata. Tem namorado, moça? Com namorado então, nem se
fala! A gente é compreensiva, dá um pouco de confiança, a empregada aproveita e
passa o dia no portão. . . E o suflê pegando fogo dentro do forno. É por isso
que não pára empregada na minha casa.
DURAN Essa é Fichinha, Vitória. Funcionária nova.
VITÓRIA Funcionária de quem?
DURAN Vai estagiar na butique dos Arcos.
VITÓRIA Você ficou maluco, Duran? Tá doente? Botar essa
mulher pra trabalhar na butique? Quer dizer, mulher é força de expressão. Isso
aí é um equívoco. Isso é um aleijão! Não, não, não eu não posso acreditar.
DURAN Vitória, eu tenho que trabalhar. Vê aí os acessórios
pra ela.
VITÓRIA Mas isso é um absurdo! Brincadeira de mau gosto...
Você vai ver só. Vem cá, moça. . . (Leva Fichinha para trás de um biombo) Vamos
tentar o impossível. (Alto) Ih, Duran, essa mulher pelada tá pior do que antes!
Encolhe essa barriga d'água, vamos. Barriga. . . Isto é uma moringa cheia de
ameba. Entra aí, estrupício. Meninas, deem um jeito nessa puta!
CENA 2
DURAN Cadê a tua filha, Vitória?
VITÓRIA Teresinha ainda deve estar sonhando com os anjos!
Aliás, nem sei a que horas ela chegou esta noite. Só sei que o capitão ficou de
levar ela ao Cassino da Urca, olha só. . .
DURAN Capitão? Que capitão?
VITÓRIA Ora, Dudu, eu já lhe falei do capitão. Ele tem saído
muito com a Teresinha ultimamente.
DURAN Não é aquele bêbado. . .
VITÓRIA Que nada, Dudu, como você tá desatualizado! O
capitão é da pontinha! Parece mesmo um cavalheiro de tradição, família e quiçá
propriedades em Petrópolis. Sempre tão elegante.
DURAN Esse capitão é viajado, é?
VITÓRIA E não! Só dá gorjeta em dólares. Olha, eu não quero
tomar partido não, mas pelos agrados que vem fazendo, sei não, acho que o
capitão está mesmo bem intencionado.
DURAN Espera aí, Vitória. Você tá falando de caso ou
casamento?
VITÓRIA E por que não casamento? Tua filha já completou
vinte e três anos, você sabia?
DURAN Vitória Regia! A tua filha é uma galinha! Atraca aí um
marinheiro de merda e, só porque sabe falar alô, OK e good night my boy, já
fica a putinha achando que topou com o Rockefeller. E a vaca velha por trás, só
incentivando.
VITÓRIA Você é grosso, hein?
DURAN Escuta, Vitória, eu dou toda a independência à tua
filha. Ela tem até entrada independente pra ir e vir com quem quiser. Mas daí a
casar vai um passo muito grande. Vitória! Ninguém aqui criou essa menina pra
mulher de malandro não!
VITÓRIA Você tá subestimando a cabecinha da tua filha, Dudu.
Eu que falo com ela, e muito, sei que ela não há de aceitar proposta de
casamento sem estar muito bem coberta. Pode deixar que ela não vai prejudicar a
gente. Eu ponho a mão no fogo pela honestidade da minha filha.
(Fichinha sai de trás do biombo, irreconhecível)
FICHINHA Licença. . .
VITÓRIA Olha só, Duran! E não é que você tinha vazão?
DURAN Mas é claro, mulher! Quando é que você vai parar de
duvidar dos meus milagres? Fichinha, você está uma tetéia! Agora dona Vitória
vai-lhe ensinar como é que se faz pra viver do amor.
(Entra Geni)
GENI Olá, todo mundo. Vitória, meu anjo, arranja um conhaque
rápido senão eu tenho uma síncope.
(Atira-se numa poltrona)
DURAN Que houve, rapaz? Apanhou de novo?
VITÓRIA Nossa, Genival, como você está pálido! Tá com cada
olheira. . . (Vai buscar a garrafa)
GENI É, devo estar
mesmo um boy! Imagina que nos bons tempos eu levava quatro, cinco noites de
enfiada com os marujos na maior disposição. Agora, basta uma noite em claro pra
me deixar podre.
VITÓRIA Mas por dentro você deve estar uma bela viola. Eu
sei como essas aventuras rejuvenescem o espírito.
GENI Que aventura nada. Foi só uma festinha que o Max
organizou.
DURAN Continua cumpincha daquele safado, é?
VITÓRIA Ih, Genival, me contaram que esse Max é um
cafajeste!
GENI Que nada, inveja do povo! Não é por ele ser meu patrão,
mas se vocês conhecessem pessoalmente o Max, tenho certeza que ficariam
cativados. Se vocês quiserem, eu posso trazer ele aqui dia desses. . .
VITÓRIA Deus me livre e guarde, Genival!
DURAN Um fora-da-lei não põe os pés nesta casa!
VITÓRIA Me disseram até que ele é ateu!
GENI Não sei, Vitória, mas é graças a ele que você pode
andar assim cheirosa. . . Deve ser por causa dessa porcaria de guerra. O Max
disse que os alemães ocuparam as fábricas de perfume francês e agora só vão
produzir ácidos e gases venenosos.
DURAN Esse teu patrão deve estar adorando a guerra.
GENI É, mas eu continuo achando uma bosta, essa guerra. Um
fedor! Se eu fosse presidente, os meus soldadinhos iam pra guerra cheirando a
jasmim. Ontem a ordem do MAX era comemorar e a turma dele, que já não é das
mais raffinées, comemorou mesmo!
DURAN Comemorou o quê? Só se for a minha falência. Até logo,
Vitória, eu vou à butique ver o estrago.
GENI Comemoramos a despedida de solteiro do Max, ora.
VITÓRIA Despedida de solteiro?
GENI Ué, vocês não sabiam? Que horas são? Ah, a esta altura
o Max já é um homem casado.
DURAN Não acredito. Max? Max casado? Bem, talvez isso seja
uma boa notícia, afinal. Quem sabe se agora ele toma jeito e deixa de se meter
com as minhas mulheres. Diz logo o nome da noiva, Genival!
GENI O nome? Solitário, esse brilhante é um solitário. Pra
você eu faço um precinho camarada: três contos.
VITÓRIA O nome da noiva, Geni!
GENI Ah, o nome da noiva. . . Como é mesmo o nome da noiva?
Ah, já sei! O nome da noiva é... (fala
com malícia) é... (faz biquinho e
pronuncia lentamente) Teresinha Fernandes de Duran.
(Duran e Vitória ficam paralisados)
[Engraçado, né? Que
coincidência. Eu nem tinha notado. .. Com esse sobrenome, será que a moça não é
parenta de vocês?]
(Vitória berra e desmaia para cima de Duran)
DURAN Vitória, a cama da tua filha está intacta! A vaquinha
não dormiu em casa esta noite!
GENI Acho que a Vitória morreu. Tá tão quietinha. . .
VITÓRIA (Levanta-se) Duran, o nosso nome está manchado. Uma
vida inteira construindo uma reputação de dignidade e decoro, e da noite pro
dia cai tudo por água abaixo! Que desgraça! Ah, não! Eu não vou permitir que
façam isso comigo! Eu vou ao Papa! Vou conseguir a anulação desse casamento!
DURAN Também não delira, Vitória. . .
VITÓRIA Vou mesmo!
DURAN Vitória, a gente está diante dum fato consumado. . .
GENI Eu sinto muito ter dado a má notícia, Vitória. Mas já
que a sua filha casou mesmo, você não vai dar um presentinho? Ou fica com o
solitário?
DURAN Ô, Genival, enfia esse solitário. . .
GENI Tá bem, tá bem, vou embora. Quero ver se ainda pego a
fila dos cumprimentos. (Sai)
DURAN . Vitória, vamos pensar nós dois juntos, com a cabeça
fria. . .
VITÓRIA Cabeça fria. . .? Eu não consigo pensar! Eu me
recuso a pensar!
CENA 3
Esconderijo de Max; o ambiente ê rústico, quase uma cabana
de pescadores; o espaço está tomado por uma montanha de caixotes e embrulhos
revirados e semi-abertos; os homens de Max estão enfiados nessa montanha,
procurando algo; a exceção é Barrabás que, sentado num caixote e mascando chicletes,
segue Teresinha com os olhos, Teresinha está vestindo um vestido de noiva.
TERESINHA Puxa, Max, o teu escritório é tão escuro! Mais
parece um esconderijo.
MAX Por mim, a cerimônia era no Copacabana Palace. Eu já
tinha até tratado a equipe de garçons. E ainda tava arriscado a aparecer de
surpresa uma orquestra.
TERESINHA Mas aí o papai. . .
MAX Pois é, o papai também era capaz de dar uma incerta e
escangalhar a rumba. Então, Teresinha, o lugar mais discreto que eu encontrei
foi mesmo o escritório...
TERESINHA Nunca vi escritório tão isolado assim, num
areal...
MAX É, baby, eu fui criado no mar. Sabe, assim que a gente
se livrar dos caixotes, sei não. . . Com o gosto que você tem, dando um cuidado
na decoração, aposto que a gente vai acabar morando aqui mesmo.
TERESINHA Deus me livre e guarde!
MAX Cadê a Geni, hein?
BARRABÁS Tá dando.
TERESINHA Caiu como uma luva, Max. . .
MAX Vestido na medida, não? Eu sei de cor cada
polegada do teu corpo.
TERESINHA Eu só tô achando que ele tá um pouquinho úmido. .
.
MAX Ah, eu gosto de tudo úmido. Eu sou um lobo do mar, baby.
E depois, não tem comerciante de secos e molhados? Pois é, eu só trabalho com
molhados. Você tá tão fresquinha!
TERESINHA O meu medo é pegar um resfriado do jeito que esse
vestido está umido.
Voltam os capangas de Max, vestindo smokings que não lhes
caem bem; o gramofone perde a força e o disco ralenta até parar.
Os capangas cantam "Tango do
Covil"
MAX Droga, por que será que o padrinho tá demorando tanto? E
o juiz? E a Geni, onde é que anda a Geni?
GENI (Entra correndo aos berros) O Tigrão! O Tigrão tá
chegando aí!
(Todos saem correndo, exceto Max, que segura Teresinha e Geni, que iam sair
cada um para um lado)
MAX Calma, calma, vocês ainda não foram apresentadas.
GENI É? Me solta, Max,
por favor!
MAX Geni, esta aqui é a Teresinha, futura senhora Overseas.
GENI Max, por favor, eu vim só te avisar que o Tigrão vem
aí! Te denunciaram pro Tigrão! Eu não tenho nada com isso, Max, eu não quero
ser preso, eu não quero apanhar!
MAX Mas que falta de modos, Geni. Te apresento a minha noiva
e você corre pro outro lado. . .
GENI Genival, seu criado. Agora deixa eu ir!Ahhhhhhhh! Olha
o Tigrão aí! (Desvencilha-se de Max e vai se esconder entre os caixotes)
MAX Olá, Tigresa!
CHAVES Olá, Tião! (Entrando junto com o Juiz)
MAX Dá aqui um abraço! (Abraçam-se forte e demoradamente)
TERESINHA Quem é Tião? Você?
JUIZ Não, senhorita, eu sou o juiz e estou apenas cumprindo
ordens.
MAX Eu pensei que você não viesse mais!Deixa eu te
apresentar a Teresinha. Este é o inspetor Chaves, meu amor, o nosso padrinho.
CHAVES Antes de mais
nada: Olha, Tião, são dois anos que tu não acerta as contas comigo.
MAX Pode deixar. Vou levantar um vale com o meu sogro e
liquidar todas as dívidas.
CHAVES Não diga. Ah, malandro, eu sabia que tinha carne
embaixo desse angu. . . Então posso contar contigo. Já vou dizer ao Duran que
pra semana a gente acerta o dinheiro.
MAX Duran?
CHAVES É meu outro sócio. Fernandes de Duran.
MAX Ora, Fernandes de Duran é o meu sogro!
CHAVES Tu tá me gozando. . .
MAX Fernandes de Duran, o comerciante.
CHAVES Fernandes de Duran, dos puteiros?
MAX Ou isso. É ele o sócio que tá te apertando? Que nada,
chapa, pode considerar perdoada a tua dívida. Ele perdoa a tua, você perdoa a
minha e fica tudo em família.
CHAVES Como é mesmo o nome dessa tua.. parceira?
MAX Teresinha.
CHAVES Teresinha! Eu tô sabendo agora quem é teu pai. Grande
sujeito, cidadão de primeiríssima ordem! Ele não veio?
TERESINHA Não, pois é, ele tá com... com... uma... enxaqueca
terrível. . .
CHAVES E a senhora dele, a dona Vitória. . .
TERESINHA Mamãe. . . Mamãe tá com a gota.
MAX Senhor Juiz! Abra
logo a porra desse livro e solte o verbo.
JUIZ Contrato de matrimônio em regime de união de bens entre
Teresinha de Jesus Fernandes de Duran, brasileira, maior, solteira, e Sebastião
Pinto. . .
TERESINHA Sebastião Pinto? Quem é Sebastião Pinto?
MAX (Sussurra) Sou
eu, baby, mas é só pro forma. . .
TERESINHA (Alto) Sebastião Pinto? Ah, não, de jeito nenhum,
eu estou aqui pra me casar com Max Overseas!
MAX (Puxa Teresinha) Não faz diferença, Teresinha. . .
TERESINHA (Mais alto) Como não faz diferença? Por acaso
Overseas é igual a Pinto? E Sebastião? Sebastião é horroroso!
MAX (No ouvido dela) Fala baixo, Teresinha. Eu também sou
Overseas. Sou Overseas por parte de mãe.
TERESINHA (Histérica) E eu, como é que fico? Vou virar
Teresinha Pinto? Deus me livre! Isso é uma humilhação!
MAX Você se assina como quiser, porra! Teresinha Fernandes,
Teresinha Duran, Teresinha Overseas. . . Por favor, baby!
TERESINHA Teresinha Pinto, jamais!
MAX Claro, claro. . .
Pode prosseguir, doutor.
JUIZ De acordo com a
vontade que ambos acabais de afirmar perante mim vírgula de vos receberdes por
marido e mulher vírgula e vírgula em nome da lei vírgula vos declaro casados
ponto.
MAX O champanhe, Johnny, o champanhe!
BARRABÁS Esse queijo tá estragado ou alguém peidou?
JUIZ Isso é Camembert, ô, ignorante!
BARRABÁS E essa
meleca, que é isso?
JUIZ É caviar,
quadrúpede.
(Entram os outros e dançam O casamento dos pequenos
Burgueses)
CENA 4
Casa de Duran; sentado à escrivaninha, Duran fala ao
telefone, enquanto Vitória anda de um lado para o outro.
DURAN Olha aí, meu camarada, diga ao Chaves que eu não to
telefonando pra cobrar dívida não. Pode até dizer que é pra perdoar a dívida,
tá? Perdoar, é! Quero ver se agora ele não me atende. . . Saiu mesmo, é?
Casamento de alta patente, é? Capitão de fragata? Almirante,? Sei... Então,
assim que ele chegar, diz que é pra me ligar urgente! Toma nota. . .
VITÓRIA Nunca me convidaram pra casamento de alta patente.
Aliás, nunca convidam a gente pra nada. Ontem mesmo o Guinie deu uma festa no
Fluminense e convidou "le tout Rio".
(Entra Teresinha; Vitória não percebe; Duran levanta-se e dá um soco na
escrivaninha)
DURAN Sua filha da mãe!
VITÓRIA Como disse?
DURAN Como é que você se atreve?. . . Vitória, pergunta à
tua filha como é que ela tem coragem de encarar seus pais!
VITÓRIA Minha filha? Oh, Teresinha! Como você demorou!
TERESINHA Mamãe, diga ao papai que eu só vim me despedir de
você e apanhar duas mudas de roupa.
VITÓRIA Minha filha,
que bom que você veio! É que espalharam um boato horrível a teu respeito.
Imagina que inventaram que você se casou com um contraventor! Um patife! Um
pagão! Daí o teu pai ficou nervoso, e com toda a razão. Teresinha, pelo amor de
Deus! Desminta logo essa falácia se você não quer matar teu pai de desgosto e
tua mãe do coração. . .
TERESINHA Se você tá se referindo ao capitão Max Overseas,
mamãe, eu casei sim.
VITÓRIA Ohhhh! Me
segura que deu bambeira nas pernas. . . (Vai desmaiar)
DURAN Vitória, assim que você se refizer, diga à sua filha
que ela tá proibida de se encontrar de novo com aquele canalha!
TERESINHA Mamãe, eu tô casada e emancipada. Você sabe que o
lugar da esposa é ao lado do marido.
VITÓRIA Filha, filha, onde é que você anda com a cabeça?
Mulher de soldado e mulher de bandido não têm marido. E agora? Me diga do que é
que você pretende viver?
DURAN Cortei a tua mesada, viu?
TERESINHA O amor não tem fronteiras. O amor destrói
barreiras. Só o amor constrói. E nós vamos construir um bangalô em Teresópolis!
(Sobe as escadas cantarolando)
DURAN Onde foi que ela ouviu tanta cretinice?
VITÓRIA Aqui em casa é que não foi.
VITÓRIA Minha filha, eu ia dizer "vai com Deus",
mas pelo visto você preferiu a companhia de Satanás!
Se há uma coisa que nunca te faltou nesta casa foi educação cristã. Ah, se a
congregação mariana soubesse o que foi feito de ti...
TERESINHA Ah, mamãe, não exagera! Ok?
VITÓRIA Que é isso? Vai, minha filha, vai. (Teresinha sai, abusada)
As prostitutas Shirley
e Mimi vão entrando atabalhoadamente,
atrapalhando-se com a porta giratória
DURAN Que escarcéu é esse?
SHIRLEY "Seu" Duran, nós precisamos falar com o
senhor.
DURAN Olá, Dorinha Tubão. Trouxe o dinheiro?
SHIRLEY Arrasaram o bordel e arrombaram a gente.
DURAN Jura? O que me contaram é que vocês se divertiram um
bocado. Principalmente você, Mimi!
MIMI Eu? Oh, "seu" Duran! Oh, dona Vitória! Vocês
não sabem o pior. Aqueles brutos. . . (Soluça)
Aqueles brutos me estupraram!
VITÓRIA (ri) Oh,
coitadinha. . . Doeu muito?
MIMI Uma sangueira, dona Vitória!
DURAN Oh, coitadinha. . . Nem deu tempo de chamar a polícia,
né?
MIMI Como é que eu ia chamar a polícia se tinha quatro cabos
da PM dentro, quer dizer, em cima de mim?
DURAN Espera aí. A arruaça não foi com o bando do Max?
SHIRLEY Não, o Max não tem culpa, "seu" Duran.
DURAN Nem vem, Shirley. Você não! Esse Max já te emprenhou
sete vezes e eu gastei um dinheirão em aborto!
SHIRLEY Mas o senhor descontou. . .
DURAN Quer dizer que o Max botou polícia e bandido juntos
pra estuporar minha butique!
MIMI O Max só levou a turma dele pro puteiro. Depois é que a
turma chamou os amigos da patrulha.
DURAN Ah, Mimi , você também é suspeita pra falar do Max.
Cansou de dar pra ele e nunca prestou conta.
MIMI Isso já faz tanto tempo. . .
DURAN Tá vendo, Vitória? Chaves, Max, polícia, bandido, a
ligação é muito mais profunda do que a gente imaginava. . . Mimi, vamos parar
com essa porra de choradeira que já encheu o saco?
MIMI Desculpa, "seu" Duran.
SHIRLEY Olha, "seu"
Duran, eu sei que vou tocar num ponto delicado. . . Esses acessórios que o
senhor criou. . . O meu peito de borracha ta mais caído que o original. Assim
fica difícil atrair freguês!
VITÓRIA Essa é boa! A culpa é do Duran, se
vocês não têm sex appeal? Tenham dó. Não tão vendo que o meu marido é um
psicopata?
DURAN Psicopata não, Vitória!
Tecnocrata. Eu trabalho com gráficos e estatísticas. E vocês aí. Mais alguma
queixa?
MIMI Tem os dois mil-réis que a Dóris tava me
devendo...
DURAN Vou dizer uma coisa a vocês. Vão pedir essas
regalias num bordel do Mangue pra ver o que é que respondem. . .
VITÓRIA No Mangue, a coitada da Dóris vai tentar a
vida no Mangue! Essas coisas me
deixam tão deprimida. . . (Vão saindo de
cena botando as putas pra fora)
CENA 5
Com uma caixinha de fósforos, João Alegre
canta "Homenagem ao Malandro”
MAX Olha aí, macacada. A caixinha
do mês rendeu vinte contos redondinhos. Quer dizer que os felizardos têm dois
contos pra repartir.
BARRABÁS Ficou combinado que eu
sou mão-de-obra qualificada, Max. Não esquece que agora eu recebo por dois.
MAX É mesmo? Então tá. Todo mundo
ouviu? Tem que espremer essa divisão aí que o Barrabás agora ganha por dois.
TODOS Aqui ó! No meu ele não mete
a mão.
BARRABÁS Não foi isso que a gente
acertou, Max.
MAX Ah, não? Então eu entendi
mal.
TERESINHA (Entra) Max, eu preciso
falar contigo.
MAX Teresinha, não tá vendo que estou em plena
reunião de diretoria?
BARRABÁS Mulher é um bicho enxerido
pra caralho!
BEN Ô Barrabás, você não viu ela
dizer que é urgentíssimo? No mínimo deve ser pra abotoar o vestido dela.
GENI Pra mim ela tá naqueles
dias. Veio pedir dinheiro pro tampão.
TERESINHA Preciso te falar da
conversa com os meus pais.
MAX Ah, que tal? Eles vibraram
com a boa nova?
TERESINHA É sério, Max. Faz a
mala e desaparece.
MAX Que isso, baby. Recado do velho? Olha que
eu me borro todo, hein?
TERESINHA Não brinca com o papai,
Max. Ele já arruinou a carreira de muita gente. Ele é quase tão poderoso quanto
um bicheiro.
MAX O pessoal tá me esperando, Teresinha.
TERESINHA Max, o papai vai botar
a polícia atrás de ti.
MAX Polícia? Não diga. Com o
Tigrão na linha de frente. . .
TERESINHA Exatamente. O inspetor Chaves.
MAX Tá louca, mulher? Minha amizade com o Tigresa
não tem preço.
TERESINHA Tem sim. Sessenta
contos e um emprego público. Papai armou um bafafá pra denunciar as falcatruas
do inspetor. Vai botar todas as funcionárias pra desfilar com cartaz e tudo no
primeiro de maio. A não ser que o inspetor te pegue, é claro.
MAX Não acredito. . .
TERESINHA Te apressa, Max, faz a
mala e desaparece! Meu coração é teu, Max. É por ti que ele raciocina. E também
é por ti que ele dispara quando sente medo. Vai, Max, eu te suplico! Foge daqui!
MAX Macacada, muita atenção! Eu
tenho que ir a Poços de Caldas. Amanhã, ao toque da alvorada, General e Big Ben
vão se deslocar para Niterói e Geni e Johnny devem subir na Urca, todos
equipados com seus binóculos, atentos à entrada de um navio de bandeira
panamenha, certo?
GENI E JOHNNY Certo, senhor
capitão.
GENI Me leva contigo, Max. Eu
adoro Poços de Caldas.
MAX (Arranca a caixa das mãos de
Geni) Já disse que vou sozinho!
GENI (sussura
para a plateia) Então eu vou atrás!
MAX (Beija Teresinha) Eu não demoro, baby... (no ouvido dela)
TERESINHA E o segredo?
MAX Te amo como nunca amei
ninguém. . .
TERESINHA Não, Max, o segredo do
cofre.
MAX Ah, sim. (No ouvido dela)
Max vai saindo, seguido por Geni; dá uma
súbita meia-volta e assusta Geni; Max sai; Geni dá um tempo e corre atrás;
Teresinha senta-se num caixote mais alto.
TERESINHA Muito bem, meninos.
Vamos começar as aulas de inglês. Barrabás, what time is it?
Todos riem, assobiam, fazem barulho, atiram
bolas de papel, etc.
CENA 6
Arrumando a casa as Putas discutem
SHIRLEY Vou chamar o investigador
pra tu ver o que é bom pra tosse.
MIMI Pode chamar quem quiser, moça. O Duran me
protege.
SHIRLEY Deixa disso, mulher. O
negócio do Duran é aqui comigo.
MIMI Pode falar à vontade. O
Duran me ama.
SHIRLEY Te ama? Pois em mim ele
dá cinco sem sair de cima.
MIMI Comigo ele chora de prazer!
SHIRLEY Comigo ele rola no
tapete!
MIMI Comigo ele fica vesguinho.
..
SHIRLEY Comigo ele fala um montão
de porcaria. . .
Shirley e Mimi cantam "O Meu
Amor"(LÚCIA E TERESINHA?)
As
duas se encaram e, súbito, se atracam.
DURAN (Entra tentando separá-las)
Para! Solta! Ah, essas unhas! (Puxa Teresinha) Fora daqui, menina!
SHIRLEY Dá umas porradas nela,
dá!
DURAN Aqui tu não manda nada,
viu? Fora!
MIMI Me larga!
DURAN Aqui o galo sou eu! Fora!
SHIRLEY Eu sou uma senhorita de
respeito, caralho! Me solta!
DURAN (Arrasta elas pra fora) E
se voltar, fica! Fora!
CENA 7
Casa
de Duran; Duran, Vitória e Chaves conversam.
DURAN Liquidou o bandido?
CHAVES Eu fiz o possível e o
impossível! Botei todas as patrulhas pra caçar aquele desgraçado e nada! A esta
altura ele já deve estar longe. . .
DURAN Pois é. Igualzinho à dona
Maria Antonieta. Tribunais populares. . . Cabeças rolando. . . Aliás, os
moleques de rua vão adorar bater umas peladas com o teu coco.
CHAVES Ai, meu Deus! Dona
Vitória, pelo amor da sua filha, me escute! Eu também tenho uma filha... Ela
vai ficar desamparada no mundo. Promete que cuida dela, dona Vitória? Duran, tu
emprega minha filha num dos teus puteiros? Me promete isso e eu morro
sossegado!
Entra Geni com uma chapeleira
GENI Olá, todo mundo. Vitória, me
vê um conhaque urgente que eu estou com uma angina no peito!
(Estende-se na poltrona enquanto Vitória
serve o conhaque)
DURAN Você sabe do Max, Genival?
GENI Esse conhaque caiu
redondinho, Vitória.
CHAVES Sabe do Max, porra? Fala
duma vez!
GENI Serve mais um, Vitória?
CHAVES Ah, eu esgano este puto!
(Avança sobre Geni)
VITÓRIA Não faça isso, inspetor,
que você estraga tudo! Fala, Genival, fica à vontade.
GENI Oh, inspetor, que lindas
mãos! Posso ler?
CHAVES Se tu sabe alguma coisa do
Max, desembucha duma vez.
GENI Pois é, o Max. . . Sujeito
alinhado, o Max. Mulhereeeeengo! Lembra ontem à tarde, quando eu deixei escapar
pra vocês que o Max tava no puteiro dos Arcos?
CHAVES Mas hoje ele não tá em
puteiro nenhum, que eu já revistei todos, ô veado.
GENI É claro que não tá. O Max
jamais vai a puteiro em feriado nacional. Eu tava falando de ontem.
DURAN E você veio aqui pra falar
de ontem, Genival?
GENI Olha, eu ia comprar só dois
contos. Mas agora que o inspetor me chamou de veado puto eu vou ter que exigir
uma indenização. Fica tudo por quatro
contos e eu me dou por satisfeita.
CHAVES Se não é veado, o que é
que é? É machão?
GENI Nem veado nem machão. Eu sou
plurissexual.
DURAN É melhor pagar logo,
Chaves, senão aumenta.
CHAVES Toma, porra!
GENI Pois é, como eu ia dizendo,
o Max conheceu uma putinha nova ontem e marcou encontro pra esta tarde. O Max é
um cavalheiro muito distinto e é incapaz de faltar com a palavra. As mulheres
também não faltam, é claro, todas elas adoram o Max. Por falar nisso, que
menina sortuda a tua filha, hein, Vitória? Sabe, eu trouxe aqui um anel que é
feito sob medida pra uma recém-casada. (Abre a chapeleira) É platina pura com
um big solitário da índia.
VITÓRIA Faz aí um cheque, Duran.
São três contos, né?
GENI Três? Isso faz muito tempo,
meu anjo. Agora não pode ficar por menos de doze.
DURAN O quê? Doze contos? De
jeito nenhum!
VITÓRIA Duran, o tempo tá
correndo!
GENI Sai por dezesseis contos.
Dezesseis com vinte e quatro, olha que graça, deu quarenta justinhos! Você,
Tigrão, tem os quinze dos brincos, mais este chaveiro com uma figa de marfim, total: trinta
e cinco contos, só porque é amigo. . .
CHAVES (Pula sobre Geni e
torce-lhe o braço) Diga já onde é que tá o Max, senão. . .
GENI Avenida Atlântica, 120.
CHAVES Tão vendo, seus idiotas? (Prepara-se para sair) Comigo não tem cu doce não!
GENI Otário.
CHAVES Como disse?
GENI Otário.
CHAVES Vai dizer que deu o endereço
errado? Não, tu não é homem pra isso! Se o Max não tá lá nesse número, eu
volto, te prendo e te mato!
GENI Só que, quando voltar de
Copacabana, às quatro e meia da tarde, com esse carnaval aí fora, você não vai
ter tempo de prender ninguém. Você vai estar promovido a xerife no território
do Acre! Bem, gente, eu vou andando. Agora sim, eu acredito nessa passeata. E
eu não quero perder.
DURAN Espera, Genival.
VITÓRIA Você é burro mesmo, hein,
inspetor? Puta que o pariu!
CHAVES Genival, eu peço perdão,
eu perdi o controle, desculpa!
GENI Eu tô exausta de desculpas.
Agora eu quero é quarenta contos do Duran e trinta e cinco do inspetor que
aliás acabam de passar a cinqüenta pra indenizar a ofensa física.
CHAVES Mas eu não tenho esse
dinheiro todo!
GENI O teu amigo Duran empresta,
né?
DURAN Você tá me arruinando,
Genival. Noventa contos é demais!
VITÓRIA Duran, tá em cima da
hora!
DURAN Merda! (Assina o cheque)
GENI Então o Max marcou encontro
esta tarde com a menina. Aliás, não sei o que foi que ele viu naquela
biscatinha. Mas enfim, ele é tão novidadeiro! E nessa agitação toda, consegue
ser romântico, tão romântico. . .
CHAVES Assim é foda!
DURAN Toma o cheque e diz logo o
endereço.
GENI (Guarda o cheque no peito, como se usasse sutiã) Tão romântico! Mas
tão romântico que me deu vontade de cantar. Vocês agora vão-se sentar
direitinho pra assistir ao meu show.
CHAVES Ai, meu saco, meus
culhões, caralho. . .
VITÓRIA Cala a boca, cretino, e
senta aqui.
GENI Ah, na hora do coro vocês
cantam comigo, tá? Mas bem forte, inspetor, bem forte!
Geni canta "Geni e o Zeppelin"
GENI Acabou.
DURAN Ah, muito bem.
VITÓRIA Bravos!
GENI Não vão pedir bis?
VITÓRIA Ah, Genival!
GENI Inspetor, não vai pedir bis?
CHAVES Bis.
GENI É, mas hoje eu tô muito cansada pra dar bis.
Vocês voltam amanhã, tá?
DURAN O endereço, Genival!
GENI É Rua do Catete, 194. A
Renascença, Móveis e Decorações.
CHAVES Tu tá gozando. ..
GENI É isso mesmo. Ele tem cópia
das chaves. Todo domingo, feriado e dia santo ele festeja uma mocinha naquela
garçonnière lá.
Todos saem correndo, exceto Geni que
senta-se na poltrona, toma um gole de conhaque e se abana com o cheque; cai a
luz em resistência
Cena 8
BARRABÁS Desta tu não escapa,
hein?
MAX Escapo sim.
BARRABÁS Ah, é? E quem te safa?
MAX Você, Barrabás. Você vai
tomar a arma do inspetor, vai trancar todo mundo no banheiro e vai embora
comigo.
BARRABÁS Ah sim, meu amor? Depois
promete que casa comigo? Hein, coraçãozinho? Também vai me levar pra Hollywood?
MAX Não, muito melhor. Vou te
levar pra Cuba. Já ouviu falar de Cuba? É o paraíso, Barrabás.
BARRABÁS Conta mais, conta mais
que eu tô quase abrindo as pernas!
MAX Pára com isso, Barrabás!
TERESINHA (Entra) Max, que bom te
ver! Eu tava com tanto medo de chegar atrasada!
MAX Você chegou na hora exata.
Conhece o Barrabás, não é mesmo?
TERESINHA Prazer. Sabe o que é,
Max? A gente tá com o tempo apertado e eu trouxe uns papéis pra você assinar.
MAX Isso a gente vê amanhã, baby.
Agora o Barrabás vai me ajudar a escapar e você vai dar a ele todo o dinheiro
do cofre.
TERESINHA Dinheiro do cofre?
MAX Todinho. Vamos, Barrabás! Vai
lá e dá uma gravata no inspetor.
TERESINHA Mas, querido, não tem dinheiro nenhum no
cofre.
MAX Não tem? Cê tá louca? Tinha
mais de cinco mil dólares!
TERESINHA Cinco mil cento e sete
dólares e vinte e cinco cents. Mas agora a gente tá devendo dezessete mil.
BARRABÁS Adeus, Max.
MAX Tá brincando. Devendo a quem?
TERESINHA Aos bancos, é claro.
Uma firma tem que estar sempre devendo a todos os Bancos.
MAX Eu estou sentindo medo, muito
medo.
TERESINHA Bom, não é pra te
consolar, mas quem hoje te condena à morte tá condenado pra depois de amanhã.
Papai, inspetor Chaves, a Lapa, as falcatruas, todo esse mundo já tá morto e
caindo aos pedaços.
MAX É, isso não me consola muito não. Tô com
medo.
TERESINHA Eles também tão com
medo. Você devia se orgulhar, Max, porque nisso tudo tem um pedaço do teu nome
e um pouquinho do teu espírito. . .
MAX Que se foda o meu espírito.
Quem tá com medo é o meu corpo.
TERESINHA Acho que tá na hora,
Max.
CENA 9
Duran, Chaves e Vitória invadem o
esconderijo do Max
DURAN Que é que tá esperando?
Três, dois, um, já!
CHAVES Espera aí.
DURAN Que é isso, Chaves? Não
confia em mim?
CHAVES E tu? Não confia em mim?
DURAN Não.
CHAVES Então empatou zero a
zero! Eu tô com a arma engatada e na
mira, Duran. (Aproxima-se de Max) Tu fica ao meu lado. Na hora exata que esse
esporro sossegar, tu me cutuca que eu dou o teco. Sabe por quê? Porque a peça
acaba aqui. E eu pensei sabe o quê? Numa quebra
brechtiana. E um número bem ousado como Grand
finale!
TODOS- Uau!
TERESINHA Vamos, vocês! Todos na
marca! Música, maestro!
(Número musical final: Ai, se eles me pegam agora!)
FIM