Joaquim Cardozo. Poeta e dramaturgo pernambucano (autor, dentre outras obras, da
peça O CAPATAZ DE SALEMA).
Poesia simbolista, metafísica, experimental. Joaquim
é terno e profundamente impregnado de um lirismo que reflete sua alma recifense
e ao mesmo tempo simplesmente cósmica. Foi engenheiro de Niemeyer na construção
de Brasília e estabeleceu sem querer vínculos concretistas.
Leia o início da peça O
Capataz de Salema
O Capataz
de Salema
Personagens: O Mar (os seus rumores devem ser
gravados e combinados segundo as circunstâncias), o Capataz de Salema, Luzia,
Sinhá Ricarda (sua avó e
madrinha) Um pescador
A cena se
passa numa praia do Nordeste brasileiro,próximo à cidade de Olinda.
Numa
pequena casa de pescador, de taipa rebocada, coberta de palha e de zinco; a
casa dá a frente para o mar. Nesta casa moram sinhá Ricarda e Luzia, sua neta;
sinhá Ricarda é mulher velha e doente, está sempre deitada num jirau baixo que
lhe serve de leito, situado próximo à janela na sala da frente; e esta sala se
comunica com o interior por um corredor que vai dar a pequena cozinha e por uma
porta que dá acesso ao quarto de Luzia. Ambas já se encontraram recolhidas,
pois já é quase meia-noite. Ouve-se próximo o rumor do mar exprimindo
sonoridades como as de alguém que chorasse ou cantasse um canto alegre ou ninar
de meninos, às vezes também rugidos, latidos, rumores de coisas arrastadas,
derrubadas, rumor de rolar de dinheiro, de rodas girando muito longe, etc. Tudo
produzido pela ação do vento que vem do mar.
O mar como
personagem nessa peça intervém sempre, nos momentos adequados, com esses
rumores.
A ação
começa com alguém que bate à porta. Luzia levanta-se e vem até a porta.
Luzia
Quem é que
bate? Quem é?
É muito
tarde, não posso
Abrir.
Capataz
Mas...Sou eu,
João,
O capataz.
Cheguei tarde.
Quero
ver-te; abre, Luzia.
Luzia
(reconhecendo a voz do capataz)
Por
que tão tarde chegaste?
É
tarde...tarde demais.
Por
quanto tempo ficaste
Ausente.
Capataz
Bem desiguais
Têm
sido os nossos destinos.
Há
muitas horas navego,
Pois
isso a minha demora,
Em
bater à tua porta
-
Escuro bater de cego.
Luzia (Abrindo a parte de cima da porta. Um
pouco aflita)
Que
queres de nós? Que queres
Nos
informar a estas horas?
Capataz
Não tenho tempo a
perder...
E o que quero
de ti já sabes.
Vim
tentar a última vez.
Não
posso me convencer
Dessa
triste realidade.
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