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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

ARCADISMO OU NEOCLASSICISMO: A EUROPA SETECENTISTA REFLETIDA NO BRASIL COLONIAL


Razão, verdade e natureza

Por Moisés Monteiro de Melo Neto





O Arcadismo surge como conseqüência da saturação do Barro­co, do fato de ter se esgotado, de não corresponder mais às necessidades da expressão.
Foi uma luta entre o “velho” (mentalidade medieval) e o “novo” (mentalidade classicista) o “conservadorismo” — feudal e a inquietação “revolucionária” da burguesia. Foi o momen­to de tensão que antecedeu o momento de distensão, o momento de construção minuciosa das bases intelectuais que garantiriam vitória.

Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver-vos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis, musa, entoa a voz candente.
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente.

(Cláudio Manuel da Costa — Obras Poéticas)

No poema acima identifica­mos o cenário favorito do Arcadismo: um mundo campestre, pastoril, bucólico, caracterizado pela leveza dos sentimentos, pela suavi­dade dos elementos, pela presença da musa mitológi­ca (Fílis) entoando em voz candente um canto de paz, de serenidade, de reencon­tro com a natureza...

Iluminismo, ilustração, enciclopedismo
Neste contexto, podemos entender a distância entre estilo barroco e estilo neoclássico: o primeiro, como vimos, é crivado de incertezas, de desajustes, de descompassos. O segundo, por sua vez, instaura-se através da retomada dos princípios artísticos da tradição clássica: o raciona­lismo, a mimese (“imitação” dos grandes autores classicistas), a ânsia de perfeição formal obtida pelo respeito às convenções apolíneas, dentre as quais ressaltamos a presença da mitologia clás­sica, o decoro e a simplicidade.



Arcádia:  originalmente, re­gião mitológica onde viviam as musas, os pastores, os deuses. No século XVIII, deu-se o nome de Arcádias às Academias Literárias.

Sendo assim, observamos que há uma coesão, uma coerência entre a literatura neoclássica e os valores racionalistas que se impuseram na Europa definitivamente a partir da segunda meta­de do século XVIII, o que dá ao estilo neoclássico um tom pedagógico, uma preocupação de servir aos ideais burgueses.
Em comparação com este seu aspecto, devemos ressaltar o bucolismo presente no poema que lemos. Se de um lado a literatura neoclássica se compromete com a “utilidade” das mensa­gens que expressa, de outro ela se utiliza do “artifício” da vida rústica, campestre, pastoril, para se tornar “agradável” ao leitor, para lhe proporcionar o prazer da fantasia, longe da agitação da vida urbana.


Esquematizando, trata-se de “unir o útil ao agradável”, como queria o mestre latino Horácio, ou de “unir a razão à natureza”, a preocupação francesa com o caráter Iluminista da arte (o útil, a razão), somada à preocupação italiana com o seu caráter “prazeroso” (o agradável, a natureza). As principais convenções ou posturas literárias do Neoclassicismo ou Arcadismo:
• aurea mediocritas: viver harmoniosa e medianamente, sem cometer excessos
• fugere urbem: fugir da cidade, preferindo a vida simples, ingênua e inocente, em contacto com o campo (daí o bucolismo, o cenário campestre, e o pastoralismo: os poetas usando pseudôni­mos de pastores antigos e idealizando pastoras da mitologia clássica como musas de seus poemas)
• inutilia truncat: cortar o que é inútil, ou seja, realizar as sugestões clássicas de pureza de ex­pressão, correção, simplicidade, contra os excessos do Barroco.

O belo é o verdadeiro por­que este é o natural filtrado pela razão. Razão, verdade, natureza são portanto uma só coisa, baseada no amor e no res­peito da natureza.


(Antônio Cândido — Formação da Literatura Brasileira —vol. 1)



Professor Moisés Monteiro de Melo Neto
 temporada em Ouro Preto-antiga Vila Rica(MG) terra dos poetas Inconfidentes
foto: Professora Fátima Amaral



Início de nossa vida literária

A valorização da rusticidade serviu admiravelmente à situação do intelectual de cultura europeia num país semibárbaro, permitindo-lhe justificar de certo modo o seu papel. Ela foi aqui mais natura! e justificada, pois dava ex­pressão a um diálogo por vezes angustiosamente travado entre civilização e primitivismo. Valorização simultânea do componente local, que aspirava à ex­pressão literária, e dos cânones da Europa, matriz e forma da civilização a que o intelectual brasileiro pertencia, e a cujo patrimônio desejava incorporar a vida espiritual de seu país.
(Antônio Cândido — Formação da literatura brasileira — vol 1)

A nosso ver, este diálogo, “angustiosamente travado”, continua existindo até hoje no Brasil. Por isso, podemos considerá-lo uma espécie de “espinha dorsal” de nossa trajetória sócio-econômica-política e cultural.
Para Antônio Cândido, a valorização da rusticidade que caracteriza o Arcadismo serviu como “ponte” entre os dois lados da moeda — leia-se a colônia: isto porque o lado primitivo, ao se transfigurar literariamente, adquire “dignidade”, isto é, aproxima-se da civilização.





Poesia lírica

Vamos analisar a maior contribuição da poesia lírica produzida pelos nossos mais famosos poetas árcades, os participantes da “Plêia­de Mineira”: Tomás Antônio Gonzaga (autor das Liras de MARÍLIA DE DIRCEU e da poesia satírica CARTAS CHILENAS), Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto. Os dois primeiros também foram militantes da Inconfidência Mineira, ambos tiveram formação europeia (Cláudio e Gonzaga cursaram Direito em Coimbra, exercendo advocacia em Vila Rica. Gonzaga, além de advogado, foi ouvidor e procurador na mesma cidade) e ambos obedeciam às convenções arcádicas em seus poemas, ao mesmo tem­po em que as associavam ao Brasil. Entretanto, cada um o fez de forma específica, com peculiaridades poéticas que poderemos ob­servar lendo e comparando alguns textos.
Na poesia épica temos Santa Rita Durão (Caramuru) e Basílio da Gama (O Uraguai).

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos e sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas o velhinhas tiro o leite
e as mais finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela.
graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
            Graça, Marília bela,
            graça à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes de ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
            Graça, Marília bela,
            graça à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! não, não fez o céu, gentil pastora,
Para glória de amor igual tesouro!
            Graça, Marília bela,
            graça à minha estrela!
 (Tomás Antônio Gonzaga – MARÍLIA DE DIRCEU)


E essa Carta Chilena? 

E essa Carta Chilena?

Carta 3ª
Em que se contam as injustiças e violências que Fanfarrão executou por causa de uma cadeia, a que deu princípio.
Que triste, Doroteu, se pôs a tarde!
Assopra o vento sul, e densa nuvem
Os horizontes cobre; a grossa chuva,
Caindo das biqueiras dos telhados
Forma regatos, que os portais inundam.
Rompem os ares colubrinas fachas
De fogo devorante e ao longe soa,
De compridos trovões, o baixo estrondo.
Agora, Doroteu, ninguém passeia,
- Todos em casa estão, e todos buscam
Divertir a tristeza, que nos peitos
Infunde a tarde, mais que a noite feia.
O velho Altimidonte, certamente,
Tem postas nos narizes as cangalhas
- E revolvendo os grandes, grossos livros.
C'os dedos inda sujos de tabaco,
Ajunta ao mau processo muitas folhas
De vãs autoridades carregadas.
O nosso bom Dirceu, talvez que esteja.
- Com os pés escondidos no capacho,
Metido no capote, a ler gostoso
O seu Vergílio o seu Camões e Tasso.
O termo Floridoro, a estas horas,
No mole espreguiceiro se reclina
- A ver brincar, alegres, os filhinhos,
Um já montado na comprida cana
E outro pendurado no pescoço
Da mãe formosa, que risonho abraça.
O gordo Josefino está deitado,
- Nada lhe importa, nem do mundo sabe,
Ao som do vento, dos trovoes e chuva,
Como em noite tranquila, dorme e ronca;
O nosso Damião, enfim, abana
Ao lento fogo com que, sábio, tira
- Os úteis sais da terra e o teu Critilo,
Que não encontra, aqui, com quem murmure,
Quando só murmurar lhe pede o gênio,
Pega na pena e desta sorte voa,
De cá, tão longe, a murmurar contigo.
- Já disse, Doroteu, que o nosso chefe,
Apenas principia a governar-nos,
Nos pretende mostrar que tem um peito
Muito mais terno e brando, do que pedem
Os severos ofícios do seu cargo.
- Agora, cuidarás, prezado amigo,
Que as chaves das cadeias já não abrem,
Comidas da ferrugem ? Que as algemas,
Como trastes inúteis, se furtaram?
Que o torpe executor das graves penas
- Liberdade ganhou ? Que já não temos
Descalços guardiães, que à fonte levem,
Metidos nas correntes, os forçados?
Assim, prezado amigo, assim devia
Em Chile acontecer, se o nosso chefe
- Tivesse, em governar, algum sistema.
Mas, meu bom Doroteu, os homens néscios
As folhas dos olmeiros se comparam:
São como o leve fumo, que se move
Para partes diversas, mal os ventos
- Começam a apontar, de partes várias.
Ora, pois, doce amigo, atende o como
No seu contrário vicio, degenera
A falsa compaixão do nosso chefe,
Qual o sereno mar, que, num instante,
- As ondas sobre as ondas encapela.
Pertende, Doroteu, o nosso chefe
Erguer uma cadeia majestosa,
Que possa escurecer a velha fama
Da torre de Babel e mais dos grandes,
- Custosos edifícios que fizeram,
Para sepulcros seus, os reis do Egito.
Talvez, prezado amigo, que imagine
Que neste monumento se conserve
Eterna, a sua glória, bem que os povos
- Ingratos não consagrem ricos bustos
Nem montadas estátuas ao seu nome.
Desiste, louco chefe, dessa empresa:
Um soberbo edifício levantado
Sobre ossos de inocentes, construído
- Com lágrimas dos pobres, nunca serve
De glória ao seu autor, mas, sim, de opróbrio.
Desenha o nosso chefe, sobre a banca,
Desta forte cadeia o grande risco,
A proporção do gênio e não das forças
- Da terra decadente, aonde habita.
Ora, pois, doce amigo, vou pintar-te
Ao menos o formoso frontispício.
Verás se pede máquina tamanha
Humilde povoado, aonde os grandes
- Moram em casas de madeira a pique.
Em cima de espaçosa escadaria
Se forma do edifício a nobre entrada
Por dois soberbos arcos dividida;
Por fora destes arcos se levantam
- Três jônicas colunas, que se firmam
Sobre quadradas bases e se adornam
De lindos capitéis, aonde assenta
Uma formosa, regular varanda;
Seus balaústres são das alvas pedras
Que brandos ferros cortam sem trabalho.
Debaixo da cornija, ou projetura,
Estão as armas deste reino abertas
No liso centro de vistosa tarja.
Do meio desta frente sobe a torre
E pegam desta frente, para os lados,
Vistosas galerias de janelas
A quem enfeitam as douradas grades.
E sabes, Doroteu, quem edifica
Esta grande cadeia? Não, não sabes.
Pois ouve, que eu t'o digo: um pobre chefe
Que, na corte, habitou em umas casas
Em que já nem abriam as janelas.
E sabes para quem? Também não sabes.
Pois eu também t'o digo: para uns negros
Que vivem, (quando muito), em vis cabanas,
Fugidos dos senhores, lá nos matos.
Eis aqui, Doroteu, ao que se pode
Muito bem aplicar aquela mofa
Que faz o nosso mestre, quando pinta
Um monstro meio peixe e meio dama.
Na sabia proporção é que consiste
A boa perfeição das nossas obras.
Não pede, Doroteu, a pobre aldeia
Os soberbos palácios, nem a corte
Pode, também, sofrer as toscas choças.
Para haver de suprir o nosso chefe
Das obras meditadas as despesas,
Consome do senado os rendimentos
E passa a maltratar ao triste povo,
Com estas nunca usadas violências:
Quer cópia de forçados que trabalhem
Sem outro algum jornal, mais que o sustento
E manda a um bom cabo que lhe traga
A quantos quilombotas se apanharem
Em duras gargalheiras. Voa o cabo,
Agarra a um e outro e num instante
Enche a cadeia de alentados negros.
Não se contenta o cabo com trazer-lhe
Os negros que têm culpas, prende e manda
Também, nas grandes levas, os escravos
Que não têm mais delitos que fugirem
Às fomes e aos castigos, que padecem
No poder de senhores desumanos.
Ao bando dos cativos se acrescentam
Muitos pretos já livres e outros homens
Da raça do país e da européia
Que, diz ao grande chefe, são vadios
Que perturbam dos povos o sossego.
Não há, meu Doroteu, quem não se molde
Aos gestos e aos costumes dos maiores.
Brincando, os inocentes os imitam,
Se as tropas se exercitam, eles fingem
As hórridas batalhas. Se se fazem
Devotas procissões, também carregam
Aos ombros os andores e as charolas.
Os mesmos magistrados se revestem
Do gênio e das paixões de quem governa.
Se o rei é piedoso, são benignos
Os severos ministros, se é tirano
Mostram os pios corações de feras.
Por isso, Doroteu, um chefe indigno
É muito e muito mau, porque ele pode
A virtude estragar de um vasto império.
Os nossos comandantes, que conhecem
A vontade do chefe, também querem
Imitar deste cabo o ardente zelo.
Enviam para as pedras os vadios
Que. na forma das ordens, mandar devem
Habitar em desterro novas terras.
Ora, pois, doce amigo, já que falo
Nos nossos comandantes, será justo
Que te dê destes bichos uma ideia.
A gente, Doroteu, que não se alista
Nas tropas regulares forma corpos
De bisonha ordenança. Não há terra
Sem ter um corpo destes. Os seus chefes
Ao capitão maior estão sujeitos,
E são os que se chamam comandantes,
Porque as partes comandam destes terços.
Estes famosos chefes, quase sempre
Da classe dos tendeiros são tirados.
Alguns, inda depois de grandes homens,
Se lhe faltam os negros, a quem deixam
O governo das vendas, não entendem
Que infamam as bengalas, quando pesam
A libra de toucinho e quando medem
O frasco de cachaça. Agora atende,
Verás que desta escória se levanta
De magistrados uma nova classe.
Aos ricos taverneiros, disfarçados
Em ar de comandantes, manda o chefe
Que tratem da polícia e que não deixem
Viver, nos seus distritos, as pessoas
Que forem revoltosas. Quer que façam
A todos os vadios uns sumários
E que, sem mais processos, os remetam
Para remotas partes, sem que destas
Jurídicas sentenças, se faculte
Algum recurso para mor alçada.
Já viste, Doroteu, um tal desmancho?
As santas leis do reino não concedem
Ao magistrado régio, que execute,
No crime, o seu julgado e o nosso chefe
Quer que deem as sentenças sem apelo
Incultos comandantes, que nem sabem
Fazer um bom diário do que vendem!
Concedo, caro amigo, que estes homens
São uns grandes consultos, que meteram
Os corpos do direito nos seus cascos.
Ainda assim pergunto: e como pode
O chefe conceder-lhes esta alçada ?
Ignora a lei do reino, que numera
Entre os direitos próprios dos augustos
A criação dos novos magistrados?
O grande Salomão lamenta o povo
Que sobre o trono tem um rei menino;
Eu lamento a conquista a quem governa
Um chefe tão soberbo e tão estulto
Que, tendo já na testa brancas repas,
Não sabe, ainda, que nasceu vassalo.
Os néscios comandantes e o bom cabo,
Que fez o nosso herói geral meirinho,
Remetem, nas correntes, povo imenso.
Parece, Doroteu, que temos guerras;
Que, para recrutar as companhias,
De toda a parte vêm chorosas levas.
Aqui, prezado amigo, principia
Esta triste tragédia, sim, prepara,
Prepara o branco lenço, pois não podes
Ouvir o resto, sem banhar o rosto
Com grossos rios de salgado pranto.
Nas levas, Doroteu, não vêm somente
Os culpados vadios; vem aquele
Que a dívida pediu ao comandante;
Vem aquele, que pôs impuros olhos
Na sua mocetona e vem o pobre,
Que não quis emprestar-lhe algum negrinho,
Para lhe ir trabalhar na roça e lavra.
Estes tristes, mal chegam, são julgados
Pelo benigno chefe a cem açoites.
Tu sabes, Doroteu, que as leis do reino
Só mandam que se açoitem com a sola
Aqueles agressores, que estiverem.
Nos crimes, quase iguais aos réus de morte.
Tu também não ignoras que os açoites
Só se dão, por desprezo, nas espáduas,
Que açoitar, Doroteu, em outra parte
Só pertence aos senhores, quando punem
Os caseiros delitos dos escravos.
Pois todo este direito se pretere:
No pelourinho a escada já se assenta,
Já se ligam dos réus os pés e os braços,
Já se descem calções e se levantam
Das imundas camisas rotas fraldas,
Já pegam dois verdugos nos zorragues,
Já descarregam golpes desumanos,
Já soam os gemidos e respingam
Miúdas gotas de pisado sangue.
Uns gritam que são livres, outros clamam
Que as sábias leis do rei os julgam brancos,
Este diz que não tem algum delito
Que tal rigor mereça, aquele pede
Do justo acusador, ao céu, vingança.
Não afrouxam os braços os verdugos,
Mas, antes, com tais queixas, se duplica
A raiva nos tiranos, qual o fogo
.Que aos assopros dos ventos ergue a chama
Às vezes, Doroteu, se perde a conta
Dos cem açoites, que no meio estava,
Mas outra nova conta se começa.
Os pobres miseráveis já nem gritam.
Cansados de gritar, apenas soltam
Alguns fracos suspiros, que enternecem.
Que é isso, Doroteu, tu já retiras
Os olhos do papel? Tu já desmaias?
Já sentes as moções, que alheios males
Costumam infundir nas almas ternas?
Pois és, prezado amigo, muito fraco,
Aprende a ter o valor do nosso chefe
Que à janela se pôs e a tudo assiste
Sem voltar o semblante para a ilharga.
E pode ser, amigo, que não tenha
Esforço, para ver correr o sangue,
Que em defesa do trono se derrama.
Aos pobres açoitados manda o chefe
Que, presos nas correntes dos forçados,
Vão juntos trabalhar. Então se entregam
Ao famoso tenente, que os governa
Como sábio inspetor das grandes obras.
Aqui, prezado amigo, principiam
Os seus duros trabalhos. Eu quisera
Contar-te o que eles sofrem, nesta carta,
Mas tu, prezado amigo, tens o peito,
Dos males que já leste, magoado,
Por isto é justo que suspenda a história,
Enquanto o tempo não te cura a chaga.




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