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sábado, 17 de outubro de 2015

Alquimia na prosa de valter hugo mãe: O remorso de baltazar serapião


por Moisés Monteiro de Melo Neto




Ele sofreu preconceito por ter nascido na África. O chamavam de preto, que tomava o lugar dos verdadeiramente portugueses. O sobrenome “mãe” é fictício, pseudônimo. O que sugere tanta coisa.
Primeiro livro deste autor português de origem angolana Valter Hugo Mãe a ser lançado no Brasil, foi “o remorso de baltazar serapião” (editora 34); é um romance de um regionalismo menos mágico do que experimental, com linguagem de ranço arcaico e sintaxe estonteante; a abolição das maiúsculas faz parte da arquitetura do estilo deste livro, cujos tema e recursos , memoráveis nos deixam satisfeitos. A brochura faz parte de uma tetralogia escrita com minúsculas (ele as acha fundamentais, e vê inutilidade das maiúsculas)
Raduan Nassar ao catalisar  linguagem e história, num tempo que tanto cheira à Idade Média, já foi lembrado como precursor de um abordagem equivalente.
É a história, cheia de estranhamento, da família (chamada) sarga (alguns membros teriam nascido de uma vaca) que lembra a comédia, no sentido dantesco, numa dicção que Saramago chamou de novo “parto da língua portuguesa”, entre o erudito e o popular.
baltazar serapião narra a história do seu amor selvagem por ermesinda, pelo irmão artista  o aldegundes, que como pintor teve favores do senhor feudal; tudo permeado de misoginia feroz (Baltasar,marido, submete, como seu pai o fez, as mulheres à violência extrema e metafórica (o parto seguido de assassinato do bebê, da mãe adúltera, o irmão recém-nascido e morto de baltasar). Destaque para a oralidade. O autor lê todos os seu textos em voz alta, antes de concluí-los.
 O remorso de baltazar serapião, de 2006, foi o segundo livro da referida tetralogia, que inclui  o nosso reino, 2004;o apocalipse dos trabalhadores, de 2008; a máquina de fazer espanhóis, de 2010 

valter hugo mãe conseguiu, com o remorso, criar, num vilarejo geograficamente metafórico, regido por um dono das terras, dom Afonso, (leia-se: corpos, almas/ etc.) e dos moradores (pobres como ermesinda,  jovem bela e pura do vilarejo).
A mãe do narrador, baltasar, sofre, do mesmo modo que o filho quebra a braço, entorta o pé e arranca um olho da esposa, agressões constantes do pai por motivos os mais esdrúxulos; a ordem do senhor feudal, para que a esposa do protagonista, visite-o e que ele não a proíba disto,o que transforma  Dona Catarina, esposa dele, num monstro; já a bruxa do vilarejo é queimada em praça pública (sobrevive para fazer pior (!)há algo que lembra Otelo, de Shakespeare.
 Quanto à busca da tentaticva de superação do humano bestial, mostra do trabalho escravo, da reificação do ser, zoomorfização, instinto de sobrevivência, sedução de Tânatos, faz tudo girar alucinadamente, como no torvelinho da exploração sexual das personagens brunilda e ermesinda; pululam os preconceitos nessa espécie de interior de Portugal; parece ligado também à literatura pós-colonial de países lusófonos no seu, digamos assim, engajamento social .
Aqui as mulheres só são belas porque têm “parecenças com os homens”, porém desprovidas de inteligência, porém perigosas, até assassinas e traidoras.
O final da narrativa é brusca, violenta, choque das possibilidades das palavras e dos sentimentos.




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